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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

(des)Agregações...

Publicado na edição de hoje, 21 outubro, do Diário de Aveiro.

Entre a Proa e a Ré

(des)Agregações…

O léxico político da semana anterior, a expressão “mitigar impostos”, trazida a público pelo ministro Vítor Gaspar, a propósito da proposta de Orçamento do Estado para 2013, foi alterada para “agregar” ou “fusão” no âmbito do final do prazo para a pronúncia das Assembleias Municipais em relação à reorganização administrativa territorial autárquica (agregação ou fusão de freguesias).

A publicação, a 30 de maio, da Lei nº 22/2012 determina a obrigatoriedade da reorganização administrativa do território das freguesias, regula e incentiva a reorganização administrativa do território nos municípios. Além disso, o referido diploma define os objectivos e os princípios gerais da reorganização administrativa territorial autárquica (freguesias), e define a forma de participação dos diferentes órgãos locais (assembleias de freguesia, câmaras e assembleias municipais) na concretização do processo de agregação e fusão de freguesias.

Da leitura do diploma legal verifica-se que os objectivos da referida reforma territorial local prendem-se com a coesão territorial e o desenvolvimento local; o alargamento das atribuições e competências das freguesias; maior e melhor capacidade de intervenção das juntas de freguesia, com a melhoria dos serviços públicos de proximidade prestados aos cidadãos e fregueses; ganhos de escala, de eficiência e da massa crítica.

É conhecida a minha posição pública (quer na Assembleia de Freguesia da Glória/Aveiro, quer neste espaço) sobre a importância de uma reforma da administração local. Sempre defendi que seria uma mais-valia para a reorganização territorial nacional. No entanto, também é pública a minha forte crítica a “esta” reforma autárquica que apenas acaba por ser implementada ao nível das freguesias, deixando de lado outras áreas tão ou mais relevantes como os municípios e a lei eleitoral autárquica (recentemente abandonada por falta de acordo entre os partidos que suportam a coligação governamental). De facto, este processo há muito que deixou de ser uma reforma para assumir simplesmente o papel dos inúmeros compromissos que o Governo assumiu no âmbito do programa de ajuda externa (Troika). E até aí, o Governo falhou (errou), porque o que efectivamente consta do memorando de entendimento é um processo de reforma ao nível municipal (câmaras) e não ao nível das freguesias.

Por outro lado, o impacto que o processo desta reforma tem no desenvolvimento estrutural e social do país e das comunidades é de tal forma irrelevante que o desnorte governamental é notório. Em primeiro lugar pela falta de posição pública clara da maioria dos membros do Governo, estando a defesa do processo praticamente entregue ao ministro Miguel Relvas. Em segundo lugar, é o próprio ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares espelho revelador da forma como o governo encara, quer a reforma em si mesma, quer o próprio papel das freguesias. De um início tempestuoso na defesa intransigente da reforma da administração local (dos tempos idos do Documento Verde), e que valeram alguns “suores frios” a Miguel relvas (por exemplo, a forma como foi recebido pelos autarcas das freguesias do país, reunidos no XIII Congresso Nacional de Freguesias, em dezembro de 2011), até à incapacidade, enquanto presidente da Assembleia Municipal de Tomar, de assumir (e convencer os “seus “ autarcas) o processo já que Tomar rejeitou qualquer agregação. Mas não só. A escolha de Manuel Porto para presidir à Unidade Técnica que emitirá o parecer definitivo sobre a reforma local, parece não ter sido a melhor opção, já que o também presidente da Assembleia Municipal de Coimbra, por várias ocasiões, expressou publicamente a sua rejeição a este processo. Ou seja, estamos perante uma evidente aplicação prática do ditado: “olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço”.

Voltando à referida lei que regula o processo da reforma, a mesma determina que até ao passado dia 15 de outubro (segunda-feira) as Assembleias Municipais deveriam emitir a sua pronúncia. Pelo que é tornado público, dos municípios que se pronunciaram cerca de dois terços rejeitaram qualquer processo de agregação ou fusão. O município de Aveiro foi um dos que se pronunciaram, aprovando, por maioria (23 votos a favor, 18 votos contra) uma proposta que reduz de 14 para 10 o número total de freguesias. A saber, a agregação das freguesias da Glória e da Vera Cruz (ambas da cidade); Eixo com Eirol; Nariz, N. Sra de Fátima e Requeixo passam também a constituir uma única freguesia.

Não me caberá aqui analisar a legitimidade e objectividade da proposta. Esse é (foi) o papel dos deputados municipais aveirenses.

Mas no que respeita ao impacto na reorganização do município de Aveiro a proposta, da qual não esperava ver apresentada, face ao que foram os pareceres das Assembleias de Freguesia e da própria Câmara Municipal, há alguns aspectos que merecem especial atenção.

Nos objectivos expressos na Lei 22/2012, a sua alínea f) do artigo 2º refere especificamente que a “reestruturação, por agregação, de um número significativo de freguesias em todo o território nacional, com especial incidência nas áreas urbanas”. Além disso, o artigo 6º define os parâmetros das agregações, sendo que a sua alínea b) determina que “em cada município de nível 2 [caso de Aveiro], uma redução global do respectivo número de freguesias correspondente a, no mínimo, 50 % do número de freguesias cujo território se situe, total ou parcialmente, no mesmo lugar urbano ou em lugares urbanos sucessivamente contíguos e 30 % do número das outras freguesias”.

Ora o que se retira da leitura da proposta aprovada é que estes valores não estão contemplados. Os “lugares urbanos ou os lugares urbanos sucessivamente contíguos” confinam-se às freguesias da cidade (Glória e Vera Cruz), sendo ainda consideradas, neste caso, as freguesias de Aradas, S. Bernardo, Sta. Joana, Esgueira e Cacia. Por outro lado, para as freguesias de tipologia rural (ou maioritariamente rurais) são consideradas as de Oliveirinha, Eixo, Eirol, Requeixo, Nariz, N. Sra. de Fátima e S. Jacinto (sendo que esta última tem a especificidade de se encontrar isolada por força da sua componente geográfica).

Tendo em conta que a proposta pretende dar resposta positiva ao processo da reorganização territorial autárquica, era mais “arrojado” e politicamente mais consistente que o mesmo colocasse em prática, pelo menos (podendo mesmo ir mais longe), os valores estipulados na lei e tidos em conta pela Unidade Técnica da Assembleia da República: uma maior agregação das freguesias de tipologia urbana (já que de sete só reduz uma por agregação das freguesias da cidade) que fica aquém dos 50% indicados na lei e que daria a junção de mais quatro freguesias para além das da cidade, ficando um total de quatro; e um menor número de fusões das que foram propostas ao nível das freguesias de tipologia rural, reduzindo apenas duas freguesias ao contrário das três indicadas (ou seja apenas agregando quatro).

É que da forma como o processo foi aprovado, para além de menosprezar a representatividade das populações através das deliberações das Assembleias de Freguesia, não traduz, na prática, qualquer aplicabilidade do determinado no disposto legal.

Não me parece fazer sentido…

(nota 1: a proposta aprovada pode ser consultada aqui)

(nota 2: Lei 22/2012 de 30 de Maio)