Publicado na edição de hoje, 25 de novembro, do Diário de Aveiro.
Entre a Proa e a Ré
Do ir ao acolher…
Portugal, por conhecidas razões históricas e culturais, foi uma nação de aventureiros, de exploradores, de descobridores de novas terras e paragens. Fomos “donos” de metade do mundo e mais um “desvio” que soubemos surripiar aos vizinhos espanhóis, apesar de hoje haver quem ande preocupado com Olivença. O país viveria processos complexos de alianças, invasões, guerras internas, muitas mutações políticas, substituição da monarquia pela república, etc.
Portugal, por conhecidas razões sociais, económicas e políticas foi, nomeadamente no final da década de 50 e nas décadas de 60 e 70 um país de “novos aventureiros”. Procurava-se no centro da Europa (França, Suíça, Alemanha), na América do Sul e do Norte (Brasil, Venezuela, Estados Unidos e Canadá), oportunidades de vida e de bem-estar que o país não proporcionava. Deixava-se a família para trás, passavam-se fronteiras a “monte”, fugia-se ao serviço militar, procurava-se acolhimento num tio, num primo, num vizinho que já estava “instalado”. Mas, no grosso modo, voltava-se… mais tarde ou mais cedo, voltava-se. Assim como regressariam muitos dos que tinham procurado em terras africanas um novo sentido de “pátria”. E Portugal viveria, na viragem dos anos 70 para os anos 80 um estigma social muito forte com o “retorno” de muitos cidadãos e as respectivas famílias, na maior parte dos casos em condições difíceis de integração, de readaptação, de empregabilidade e subsistência. De uma forma ainda pouco clara, Portugal vivia os primeiros impactos do processo de Imigração, num país claramente vocacionado para Emigrar. Com aqueles que retornavam ao país vinham também muitos cidadãos angolanos, cabo-verdianos, guineenses, são-tomenses, que aproveitaram a oportunidade e as circunstâncias para fugirem da complexidade social, política e da guerra que se faziam sentir nos seus países.
Mas seria na segunda metade dos anos 90 e início do ano 2000 que se daria o “boom” da Imigração como o número de estrangeiros a residirem no país aumentaria cerca de 70%, quando Portugal “explodia” com a entrada dos inúmeros fundos e apoios comunitários, e o país aparecia com algum desenvolvimento e crescimento (apesar de hoje pagarmos a factura da não estruturação e não sustentabilidade). Aí surgiriam outras realidades sociais para as quais a maioria dos portugueses e as próprias comunidades não estavam preparadas: as redes de tráfico humano, as extorsões, as explorações, os guetos, o racismo e a xenofobia “polidas” e disfarçadas. Houve também uma preocupação de adaptação de contextos legais e jurídicos a esta nova realidade, acrescida da recente livre circulação de bens e pessoas no espaço Schengen, ainda muito recente. De tal forma que, recordo-me perfeitamente, as discussões jurídicas, éticas e deontológicas que existiam no seio do jornalismo em torno de coisas como saber se deveria ser referenciada a nacionalidade dos cidadãos descritos numa determinada peça jornalística, com o risco de se criarem “chavões e imagens” que rotulariam determinadas circunstâncias. E se fizermos um ligeiro recuo na memória desses tempos, era extremamente fácil associarem-se realidades, crimes e factos a determinados países: prostituição à América do Sul, construção civil a países do Leste, obras públicas a países africanos.
Sendo certo que o processo migratório (emigratório e imigratório) nos dias de hoje, pelas circunstâncias de uma maior globalização, da extensão geográfica da crise financeira e económica, das qualificações e habilitações de quem migra, não deixa de ser ainda uma realidade que a ilusão, o sonho, o desconhecido, as redes, a exploração, a incerteza, são contextos bem presentes nesta complexa experiência vivencial de deixar tudo e partir para outras terras, outras culturas, outras existências.
Foi isto que foi debatido, nesta sexta-feira, no Complexo Pedagógico da Universidade de Aveiro, promovido pelo Centro Social da Vera Cruz, de uma forma muito rica, face às experiências de vida que se testemunharam, no seguimento da apresentação e exibição prévia do vídeo “Na Teia da Vida”, num projecto que teve o “suor e lágrimas” de rostos como a Dra. Emília Carvalho, a Dra. Paula Hipólito, o Rui Santos, o Prof. Carlos Rocha (Jackas), mas essencialmente todos os imigrantes, formandos no projecto IMI’Art, que protagonizaram ou montaram todo o filme.
Convite que aceitei com muita honra para moderar o debate que contou com a preciosa presença da investigadora Maria João Guia, onde foram abordadas as razões da emigração, os processos de imigração, a complexidade da inclusão social e comunitária, o racismo, a xenofobia, a indiferença, a culturalidade, o enriquecimento das comunidades. Mas também as responsabilidades que seguramente envolvem, a partir de hoje, em Aveiro, as entidades envolvidas no processo (Centro Social, Câmara Municipal, Associações de Imigrantes) e cada um individualmente por forma a tornar Aveiro um exemplo socialmente inclusivo.
Um projecto que terá de ter um desafio muito grande em não deixar esmorecer toda a experiência vivida neste processo e que culminou com a realização do vídeo, por exemplo com acções muito concretas junto da comunidade escolar.