(in)Tolerância? zero…
Publicado na edição de hoje, 31 de março, do Diário de Aveiro.
Entre a Proa e a Ré
(in)Tolerância? zero…
Este é um daqueles textos que não apetece nada escrever mas que resulta da obrigação, pela condição humana, de verter para o papel a indignação e a repugnância pelo artigo de opinião da responsável pela comunidade judaica em Portugal, Esther Mucznik. O texto, intitulado “Hitler na escola” foi publicado na edição do Público do dia 25 (segunda-feira) e pode ser consultado em versão online. O artigo de opinião de Esther Mucznik começa por uma referência a um infeliz e criticável episódio numa escola portuguesa com a colocação de um cartaz a publicitar um workshop de alemão com a fotografia de Hitler, para terminar, pasme-se, com a referência (comparativa) ao regresso do ex Primeiro-ministro, José Sócrates, à esfera pública como comentador político na RTP. Sobre este facto, já o expressei no “Debaixo dos Arcos” que, este regresso de Sócrates, é mais receado pelo próprio PS e por José Seguro do que pelo Governo. E tal como assiste o direito a tantos outros políticos, ex-titulares de cargos públicos (como Santana Lopes que também foi Primeiro-ministro) não vejo que José Sócrates não possa ter, pelo direito que lhe assiste à opinião e à liberdade de expressão, de ser, igualmente e entre pares, comentador político. Quando muito, como sempre defendi, podemos questionar é o tipo, o formato, dos programas… a sua estrutura e forma.
Mas não é isto que Esther Mucznik nos apresenta no seu texto. A comparação entre a falta de tolerância e de respeito com a colocação do cartaz com a foto de Hitler e o programa de comentário político que Sócrates irá ter na RTP é, no mínimo, abominável, para não dizer um atentado à memória do povo judaico, concretamente os que padeceram às “mãos” do nazismo. Não é preciso ser judeu para condenar o extermínio de milhares de cidadãos em função da sua crença ou condição. É, aliás, para alguém que tenha o sentido da responsabilidade, da tolerância, da igualdade na diferença, (como refere a Fernanda Câncio, no Jugular, “a escol(h)a de esther”) normal condenar e repudiar o holocausto sem precisar de ser judeu, o racismo sem precisar de ser negro, a homofobia sem precisar de ser homossexual. Acrescentaria eu, a xenofobia, a pedofilia, a intolerância religiosa, a indiferença pelos portadores de deficiência, os menos cultos… a lista seria extensa. O que é inqualificável e não tem explicação é toda a contradição que existe no texto de Esther Mucznik quando pretende criticar a falta de tolerância, de respeito por um povo e por uma etnia, o abuso do direito à liberdade de expressão e opinião, e comete o crasso erro de envergar pelo mesmo caminho na forma como critica o convite feito, pela RTP, a José Sócrates. Não pela crítica que, legitimamente lhe assiste, mas pela comparação argumentativa usada na colagem ao cartaz com a foto de Hitler. E ao contrário do que pretende insinuar, não há direitos ilimitados, como o da “liberdade de expressão”, apesar de universais (excepção feita para o direito à vida e, mesmo este, com a reserva do direito à legitima defesa que, na prática, mais não é do que o mesmo direito à vida). Já para não falar nos infelizes comentários que comparam o ensino antes e pós 25 de abril.
O que as sociedades ou comunidades precisam, seja em que tempos forem (de crise ou menos crise), é de alimentar ódios, rancor, ‘ressabismo’, indiferença, intolerância. Como escreveu @vascodcm no twitter “banalizar o ódio é ser tolerante com o Mal”. Banalizar a história recente do povo judaico com a inqualificável falta de tolerância e respeito, é o mesmo que menosprezar a sua memória. No caso de Esther Mucznik torna-se mais grave face à responsabilidade que tem na comunidade judaica. Para criar conflitualidade social já nos bastaram as caricaturas a Maomé, os confrontos religiosos, os interesses geopolíticos que marcam as guerras, a intolerância para com os que são considerados “socialmente diferentes”, as diferenças de tratamento e oportunidade entre géneros.
Mas este também é um país que se indigna e revolta por um ex Primeiro-ministro ser comentador na RTP, ao mesmo tempo que elege Salazar como a figura portuguesa do século XX.
Surrealismo é mesmo connosco.