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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Um guião… filme trágico-comédia

Ainda sem a certeza de valer a pena, ou não, uma análise cuidada e leitura minuciosa ao “Guião da Reforma do Estado”, importa algumas considerações sobre a apresentação do documento, preconizada, ontem, pelo vice Primeiro-ministro, Paulo Portas.

Primeiro, a tão badalada “Reforma do Estado” não precisa de um guião. Precisa de uma estratégia consistente, de sustentação, quantificação e fundamentação das medidas a aplicar, de objectivos e dados claros.

Segundo, a “Reforma do Estado” precisa de consenso, coragem e determinação política. É urgente (sempre o foi) a sua aplicação, porque os princípios são óbvios e partilhados pela maioria dos partidos com assento parlamentar (excepção para a obsessão “constitucionalista” de uma parte da esquerda) e pela maioria dos portugueses: é preciso um Melhor Estado, mais eficiente, mais eficaz, com clareza e justiça social, que pode passar, ou não, por “Menos Estado”. É mais a reformulação das suas funções: mais regulador e menos burocrático mas mais fiscalizador; menos assistencialista e mais social; menos “pesado” mas mais bem estruturado e rentabilizado. Isto é o óbvio há muitos e muitos anos e governações. O que tem falhado, sistematicamente, é a coragem política para aplicar, na prática, os princípios.

Além disso, o Guião apresentado mais não é do que um amontoado de conceitos/princípios, sem grande inovação (com raras excepções) que não contempla qualquer fundamentação ou sustentação quantitativa (nem de suporte, nem de impacto). Tornou-se mais que evidente que o documento espelha o que deveria ter sido o programa eleitoral de Passos Coelho (e o “seu” PSD… repito o “seu”) e que foi totalmente desvirtuado por um conjunto de promessas não cumpridas ao fim destes mais de dois anos de mandato.

Por outro lado, não deixa de ser menos evidente que o Guião apresentado ontem, por Paulo Portas, depois de tantos anúncios, tantos prazos falhados, depois de tanto tempo (provavelmente, numa gaveta) acaba por ser divulgado (tosco, confuso, incoerente) mais pela pressão política do que pela vontade do Governo.

Mas há ainda algumas considerações práticas.

Em primeiro lugar para um claro e condenável erro estratégico e político do Governo. Reformar não é cortar (algo que até foi sendo repetidamente sublinhado por Paulo Portas). Assim, não se percebe que este Guião e a necessidade de Reformular o Estado surja por imposição do resgate externo e pelos tão badalados 4 mil milhões de euros de cortes impostos pela Troika. Não "bate a bota com a perdigota".

Depois, não se apresenta uma Reforma do Estado sem sustentar/quantificar as medidas e os seus impactos. O que mostra o documento é um elencar de chavões e conceitos, alguns já em si mesmo demasiadamente gastos.

Apesar de tudo, foi apresentado um “documento” que tem, obviamente, algumas intenções políticas. Desconfio da área da saúde e da justiça. No entanto, comporta interessantes aspectos relacionados com a estrutura e organização da administração central, com os seus encargos directos (recursos humanos), para além da questão do tecto das reformas e de alguns conceitos relacionados com a educação/ensino.

Mas é um “guião” para um filme muito pobrezinho… nem para amadores serve.

(Guião da Reforma do Estado - versão do Governo)

Insensibilidade Social

Publicado na edição de hoje, 30 de outubro, do Diário de Aveiro.

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Insensibilidade Social

A realidade social do país é só uma, espelhada num excessivo número de desempregados (efectivos), nas dificuldades das famílias e dos cidadãos em cumprirem com as suas obrigações e com a sua “sobrevivência mensal”, no número de empresas que fecham e que não conseguem suprir as exigências do mercado. Este é, de forma extremamente linear mas real, o retrato social que vivemos hoje. Por isso, deverá ser esta a maior preocupação da gestão governativa, mais que as questões económicas e financeiras, mesmo que directamente relacionadas. Sem uma estabilidade social, sem uma resposta cabal às desigualdades e ao esforço que os cidadãos e famílias têm realizado, Portugal terá sempre muita dificuldade em superar esta crise e retomar o caminho do desenvolvimento, por mais resgates, por mais ajudas externas, por mais austeridade ou idas aos “mercados financeiros” que se proporcionem.

São vários os sectores da sociedade portuguesa que pressentem e vivem esta realidade e preocupação social, no dia-a-dia: as instituições de solidariedade social (independentemente do seu cariz religioso ou laico); parte do tecido empresarial e comercial; o poder local, através das Freguesias e dos Municípios. A propósito, relembro as intervenções de tomada de posse na Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Glória e Vera Cruz, do Presidente da Câmara Municipal de Aveiro, Eng. Ribau Esteves ou do Presidente da Assembleia Municipal de Aveiro, Dr. Nogueira Leite. Nestas intervenções foram sublinhadas as preocupações com a realidade social que Aveiro enfrenta, aos vários níveis. A Freguesia com o propósito de dar continuidade ao trabalho de acção social que foi sendo desenvolvido, nomeadamente, na Glória, na resposta às inúmeras solicitações dos cidadãos e famílias. A Autarquia com a preocupação referenciada num dos cinco pilares de intervenção na gestão do Município, “reforma da Intervenção na Educação e na Ação Social, com ações de parceria”. A Assembleia Municipal através do seu papel fiscalizador e crítico, tendo “presente as enormes dificuldades que o país atravessa nos tempos actuais”. Até o (ainda) presidente da Associação Nacional de Municípios, Fernando Ruas, defendeu, em entrevista à comunicação social, que as autarquias deverão olhar com maior preocupação esta realidade social e reverem/reajustarem as suas políticas de gestão: antes de construírem uma nova estrada ou um novo passeio, deverão olhar para a sua acção social.

Apenas, infelizmente, o Governo parece ser o único a não ter esta percepção, esta preocupação e este entendimento. Sem entrar em muitos pormenores de análise ao Orçamento do Estado para 2014, a verdade é que grande parte das medidas/políticas propostas estão longe de uma estratégia de consolidação e sustentabilidade social: cortes nas reformas e a polémica com as pensões de sobrevivência (contributivas e, portanto, diferenciadas de subsídios sociais); cortes salariais na função pública; agravamento das contribuições (com redução dos patamares mínimos) e diminuição das deduções fiscais; entre outros. Por outro lado, condenável e incompreensivelmente, regista-se o aumento dos encargos com o funcionamento da estrutura do Governo (ministérios, gabinetes e assessorias), com as Parcerias Público-Privadas (cerca de 60% de aumento dos encargos), e o diminuto esforço do sector mais (poderoso) rico da sociedade portuguesa: a banca, energia, combustíveis e as comunicações. Comparativamente, 82% dos cortes pertencerão ao rendimento do trabalho e 4% aos sectores referidos.

Infelizmente para o Governo, questões como a equidade, a justiça social, o valor do trabalho ou das contribuições despendidas ao longo da vida, uma classe média “rica” com 2000 euros mensais, são questões de pormenor que a condição de país resgatado urge superar. Mais importante e urgente é legislar sobre o número de gatos e cães permitidos por metro quadrado de apartamento ou casa.

Indo e rindo… os que ainda puderem, claro.

Quase no final do mês...

Esta terça-feira de (quase) final de mês tem sido proficua em notícias. Umas mais surreais que outras, mas, quando "disparadas" pelos Órgãos de Comunicação Social ou pelas redes sociais, em conjunto, espelham o "estado d'alma" deste país, completamente virado do avesso.

1. "Passos Coelho desafia oposição a apresentar orçamento alternativo". Como se a responsabilidade da governação não lhe coubesse. Se é para a oposição apresentar um Orçamento do Estado para 2014, mais vale trocarem de papéis. Sai do Governo e passa para a Oposição.

2. "Cavaco afasta cenário de eleições antecipadas". Pode o Governo fazer asneiras à vontade que está safo. Por outro lado, o Tribunal Constitucional já pode "trabalhar" à vontade.

3. "Governo quer limite de dois cães ou quatro gatos por apartamento". O Governo gere um país como se gere um condomínio qualquer. Pior... não há nada mais importante para resolver neste país. A Ministra Cristas ou "reza" para que chova ou transforma o seu ministério no "fungagá da bicharada".

4. "Problemas com Angola são "pequenas coisas" que se resolvem com "tempo e vontade", diz Machete". Com tempo, vontade... e muitos pedidos de desculpa e subserviência.

5. "Sporting acusa FC Porto de tratamento indigno no estádio do Dragão". Embora portista, concordo plenamente. Aliás, impõe-se uma correcção: não foi 'tratamento indigno'. Foram três "indignações".

6. "Hollande é o presidente francês menos popular dos últimos 30 anos". À atenção de António José Seguro.

7. "Bernardino Soares chega a acordo com coligação que inclui PSD". As voltas que Álvaro Cunhal não deve estar a dar...

8. «Passos Coelho contraria PSD e CDS e garante que orçamento "não tem folgas"». Governo a uma só voz... acabaram com os briefings e dá nisto.

(com possibilidade de actualização permanente)

A pedra no sapato

Publicado na edição de hoje, 27 de outubro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

A pedra no sapato

Também poderia ser “a perseguição”, “as forças de bloqueio”, “um fantasma na governação” ou …

A verdade é que desde finais de 2011 (após ser eleito) o Governo de Pedro Passos Coelho tem tido uma preocupante incapacidade de estratégia e consistência governativa, uma notória incompetência para lidar com a gestão da crise e as consequências/contrapartidas impostas pelo resgate financeiro que o país se viu obrigado (?) a negociar. Disso é reflexo, entre outras circunstâncias, o surpreendente e “inovador” histórico quer de intervenções, quer de “chumbos”, por parte do Tribunal Constitucional (já não cabem numa mão, ao fim de dois anos de governação) a determinadas políticas que o Governo pretende implementar. Mais uma vez, com o aproximar da aprovação do Orçamento do Estado para 2014 ressurge o “fantasma da inconstitucionalidade”. Onde residirá o problema? Porquê tantas críticas do Governo (e, de forma inqualificável e inaceitável, também externas ao país – UE) ao Tribunal Constitucional? O Tribunal Constitucional, um dos quatro pilares (órgãos constitucionais) da democracia portuguesa, tem como objectivo fundamental “zelar pelo exercício regular das funções do Estado e pela defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos”, através da “fiscalização da constitucionalidade das leis que vão ter repercussão directa nas condições de vida dos cidadãos”. Ora se a Constituição da República Portuguesa e o Tribunal Constitucional têm assim tanto impacto e peso na sociedade portuguesa, em vez dos ‘recados’ políticos do Governo ou das pressões sobre a actuação do Tribunal, restam dois “caminhos”. Em relação à Constituição, como lei fundamental, tal como em relação a qualquer norma jurídica, ela existe para ser reguladora e para ser cumprida. Se o actual Governo entende que, nesta data, a Constituição tem sido um obstáculo às implementação das suas políticas, face à conjuntura e ao processo de resgate a que o país está sujeito, face à tão anunciada necessidade de se “repensar” as funções do Estado, Pedro Passos Coelho só tem um caminho a seguir: sentar-se à mesa e procurar um entendimento que permita o consenso de dois terços dos deputados necessários para a alteração constitucional. Se já aconteceu por cinco vezes (desde 76) em 37 anos de democracia, não será difícil fazê-lo mais uma vez, até porque a Constituição não é estanque, não é perfeita e deve ter a flexibilidade suficiente para se adaptar às novas realidades que os tempos impõem. A não ser que a percepção que o Governo tem sobre o “garante dos direitos fundamentais dos cidadãos, o estabelecimento dos princípios basilares da democracia, o assegurar do Estado de Direito democrático” seja algo desprezível ou insignificante. O que não faz sentido é que não haja o mínimo cuidado do Governo em ajustar a sua acção política governativa aos princípios fundamentais que regem o país. Quanto ao Tribunal Constitucional o maior problema não está na sua actuação ou nas suas competências. Elas são mais que óbvias, necessárias e relevantes para o funcionamento regular da sociedade e das instituições. O maior problema reside precisamente no Governo ou nas bancadas parlamentares na Assembleia da República. Numa fase em que a política (e a sua ética) deveria ser o garante da estabilidade social, da recuperação económica uma realidade, da implementação consistente de medidas que recuperem o país da crise que o destrói, é lamentável que em Portugal as grandes decisões passem da esfera política para a jurídica e que o Tribunal Constitucional seja obrigado a substituir a acção do Governo ou da Assembleia da República, por manifesta incompetência, atropelos democráticos ou desleixo político destes. Até porque os portugueses estão cansados de cumprir, ou obrigados a isso, sem que daí surjam resultados (desde 2011 que os cidadãos, fruto do rendimento do seu trabalho, património, poupanças, pensões, consumo/impostos, já “entregaram à austeridade” cerca de 30 mil milhões de euros).

O problema é que a acção deste Governo tem-se traduzido numa clara dificuldade em adaptar (e respeitar) a sua governação às leis fundamentais que regem o nosso Estado de Direito e Democrático. E isto ou é incompetência governativa ou o Executivo de Passos Coelho faz de propósito para encontra um "bode expiatório" ou uma "força de bloqueio" para justificar a sua inoperância governativa. E se, na prática, é verdade que o Tribunal Constitucional se tornou, neste momento, o principal "partido de oposição" do Governo, não o é por sua vontade mas por evidente culpa própria do Governo.

Novo Tabu governativo

Para além daquilo que tem sido uma governação de sucessivas trapalhadas (em dois anos são mais os casos políticos do que os sucessos das medidas e estratégia governativa) o Governo de Pedro Passos Coelho resolveu inovar e criar um “Tabu Governativo”.
A par do “fantasma” de um segundo resgate (quase que inevitável) pelo qual o Governo (e alguns sectores, como a “imaculada” banca) tenta culpar o Tribunal Constitucional, desresponsabilizando-se pelo insucesso da sua governação, o Orçamento do Estado para 2014 é o móbil para o Tabu Governativo de Passos Coelho: A Reforma do Estado.
Por força dos resultados da última avaliação da Troika, em 2012, o Estado Português via-se na contingência (?) de proceder a cortes na despesa no valor de cerca de 4 mil milhões de euros. Embora não se soubesse a razão e a fundamentação dos cortes, nem do valor em causa. Nascia mais uma terminologia política no período de resgate externo: reformular ou ‘refundar’ o Estado. Para a semana faz, precisamente, um ano que o tema foi introduzido, por Pedro Passos Coelho, na discussão política nacional. E até hoje?... Nada! Simplesmente, nada!
Desde o anúncio da “Reformulação do Estado”, em finais de 2012, que o calendário tem sido algo de surreal para um país resgatado a necessitar urgentemente de uma estratégia coerente e consistente para sair do “buraco” em que se encontra: em janeiro é divulgado um documento conjunto com o “alto patrocínio” do FMI, do Banco Mundial e da Comissão Europeia (classificado pelo Governo como um mero estudo) e que convencionava os 4 mil milhões de euros em cortes; ainda em janeiro, organizado sob os "auspícios" do Governo, a antiga secretária de Estado da Administração Pública, Sofia Galvão, decorria o 'polémico' ciclo de conferências, no Palácio da Foz, sobre a Reforma do Estado, dos quais nada mais se soube; o mês de Fevereiro é estabelecido como data limite para a apresentação de um projecto/documento com as linhas orientadoras; antes da irrevogável demissão, o agora vice Primeiro-Ministro, em julho, já tinha assumido a “pasta da Reforma do Estado” e anunciava a apresentação de um ‘guião’; esta semana o tema volta a estar (mesmo sem qualquer confirmação) em discussão no Conselho de Ministros e a apresentação do Guião para a Reforma do Estado prevista para a próxima quarta-feira (algo que só o Governo parece acreditar). E aqui é que reside a maior dificuldade e impreparação deste Governo: ‘Refundar’/Reformular o Estado não cabe num mero guião ou na obrigatoriedade de aplicação de princípios de engenharia financeira (cortes na despesa pública) por forma a atingir determinadas metas orçamentais. Sejam quais forem as consequências e os resultados alcançados, a Reforma do Estado, urgente e vital, tem de passar pela discussão pública de vários sectores da sociedade, pelos parceiros sociais e pelo consenso político-partidário (pelo menos no âmbito parlamentar), pela reflexão alargada do papel do Estado na sociedade e na vida das pessoas (sectores social e económico): um Estado mais regulador ou mais ‘protector’. E daqui a afectação dos necessários recursos à intervenção do Estado ou dos cortes que se podem e devem efectuar na despesa pública.
Porque “Reformar o Estado” não é, como disse recentemente Marques Mendes, a aplicação de contabilidade de “merceeiro” em cada Orçamento do Estado. Deverá ser, repensar a função/papel do Estado (regulador ou assistencial ou misto); redefinir a sustentabilidade da Segurança Social; reorganizar os serviços e sectores empresariais do Estado; rever ou reflectir sobre a actual Constituição da República (e não procurar, sistematicamente, atropelar os existentes princípios fundamentais do estado de direito); redefinir o papel do Estado em relação à universalidade e gratuidade da saúde, educação (ensino básico, secundário, técnico-profissional e superior), justiça; o papel da defesa e da segurança interna; a reorganização administrativa do território, tão displicentemente aplicada nas freguesias; discussão sobre a lei eleitoral autárquica e legislativa; entre outros.
Sem isso, Portugal continuará, com este Governo, na podre e perigosa obsessão pela austeridade atrás de austeridade.

Aos fregueses da Glória e Vera Cruz

Publicado na edição de hoje, 20 de outubro, do Diário de Aveiro.
Resumo da intervenção na tomada de posse como Presidente da Assembleia de Freguesia da Glória e Vera Cruz.

Debaixo dos Arcos

Aos fregueses da Glória e Vera Cruz (*)

A realidade autárquica aveirense mudou a partir do dia 29 de setembro, quer para o Executivo, quer para a Assembleia de Freguesia da Glória e Vera Cruz. A nova área de abrangência, fruto da agregação das duas freguesias, é substancialmente maior, transportando novos desafios ou ampliando outros. Entendo que não vale a pena andarmos constantemente a relembrar isso ou a escondermo-nos nas críticas à Lei da Reforma Administrativa Territorial Autárquica. Pessoalmente, é sabida, porque mais que pública e publicada, a minha posição: a reforma administrativa territorial era necessária, mas foi claramente um desastre, uma noção perfeitamente deficiente da realidade do poder local, uma errada concepção prática. Disse-o, escrevi-o, votei-o. Mas também é sabido que em relação à agregação das freguesias urbanas a minha posição sempre foi clara: não vem mal nenhum ao mundo, antes pelo contrário, na agregação das duas freguesias da cidade. Uma cidade que é diariamente atravessada a pé, de uma ponta a outra (Estação-Universidade) por centenas de estudantes universitários, uma cidade de pequena dimensão e extensão, que já esteve divida em quatro freguesias e que não deixou de ter a sua identidade consolidada quando reduzida à Glória e à Vera Cruz. Aliás, sempre questionei as críticas proferidas quanto à questão cultural, histórica e da identidade para defesa da “não” agregação. As identidades só se perdem se os aveirenses perderem o sentido de Bairro, de comunidade, de vizinhança, patentes na Beira Mar, em Sá, nas Barrocas, na Forca, em Vilar, no Alboi, na Gulbenkian, no Liceu, em Santiago, na Avenida. Esse sentimento de pertença ao bairro, o bairrismo, quando destruídos ou esquecidos é que fazem perder a identidade de uma comunidade. Para além disso, a Ria não pode continuar a ser duas margens distintas, a ser factor de divisão/separação, mas sim identidade comum, património de todos e para todos.

Mas é evidente que esta nova realidade traz outros desafios ou amplia alguns existentes. Nas freguesias urbanas existe sempre um “obstáculo” à gestão autárquica resultante da sobreposição geográfica de competências entre a Junta de Freguesia e a Câmara Municipal. No entanto, há áreas que são vitais e que importa estar devidamente atento: pela experiência e pelo trabalho desenvolvido nos mandatos anteriores, pelo Executivo, na Glória, à cabeça da lista surge a Acção Social (desde a infância à idade sénior) pelas respostas tão necessárias e urgentes, nos dias de hoje, face à conjuntura do país. Surge ainda a Educação, acrescido pelo aumento do parque escolar no âmbito da gestão ou participação autárquica: três liceus (conselhos de escola); cinco escolas do 1º ciclo (vilar, santiago, glória, vera cruz e barrocas) e uma do 2º e 3º ciclos (João Afonso). Mas há ainda questões ligadas ao planeamento urbano e gestão dos espaços públicos que importa destacar: o trânsito e o estacionamento; a desertificação da Rua Direita; a Avenida; a reabilitação urbana do edificado na Beira Mar e no Alboi; a promoção do Parque da Sustentabilidade (goste-se ou não, está criado); o eventual desenvolvimento ou desenho de um novo Parque da Cidade (sem qualquer constrangimento político, retomando o projecto do mandato de Alberto Souto para a zona entre o Pingo Doce, Pavilhão do Galitos e EN 109); a reabilitação da antiga lota e zona envolvente, entre outros.

Mas importa referir que as cidades existem “de” e “para” as pessoas. Há, por isso, que saber encontrar e diversificar os espaços públicos e os acontecimentos culturais, a promoção dos espaços verdes e de lazer existentes, sem esquecer a ausência e escassez notória de parques infantis. Cabe ainda uma referência às relações institucionais, ampliadas pelo aumento da quantidade e da diversidade das Instituições públicas ou privadas, culturais, sociais ou desportivas, que passam a figurar na gestão desta nova área geográfica.

A Cidade, agora consolidada numa única Freguesia, e os seus fregueses podem esperar da presidência da “sua” Assembleia de Freguesia um permanente sentido crítico, uma constante disponibilidade para a intervenção e, essencialmente, um empenho na defesa dos interesses dos aveirenses e das comunidades que integram esta cidade que, na diversidade, se tornou uma só.

Independentemente das convicções político-partidárias de cada um, a preocupação principal desta Assembleia de Freguesia deve ser direcionada para os aveirenses e para cidade, com elevado sentido de responsabilidade e de serviço público. Deste modo, que o respeito, a consideração e amizade uns pelos outros possam permitir o sucesso do cumprimento cabal das competências e funções para as quais fomos, democrática e livremente, eleitos.

(*) Intervenção como presidente eleito da Assembleia de Freguesia da Glória e Vera Cruz, na sessão de instalação e tomada de posse do dia 18 de Outubro de 2013.

A ler os outros... (Rita Marrafa Carvalho)

Esta carta de desabafo que a Rita Marrafa de Carvalho escreveu à sua filhota Mariana, está qualquer coisa de extraordinário. Diria mais... está algo do "outro mundo". Quer no espelhar da (triste) realidade do país, quer no "educar" da sua filha.

De "arrepiar a espinha"... (transcreve-se pelo facto de nem todos terem acesso ao facebook).

Mariana,
gostava tanto de ter boas notícias para ti e para o mano.
Gostava de vos dizer que o pai e a mãe, eles próprios, conseguiram uma boa poupança para vos garantir os estudos superiores e as viagens que queriam e precisem de fazer. Mas não é verdade.
Temos um seguro de saúde e não vos falta nada. Já isso basta e é muito mais do que algumas crianças da vossa idade têm, infelizmente.
Mas não sei o que vos diga. Quando eu e o vosso pai decidimos ser "mãe e pai", suspirámos pela saúde dos nossos filhos. E fomos contemplados com uma bênção acrescida: a vossa generosidade, sorriso e ternura.
E aspirámos a um futuro brilhante. Numa escola boa. Com horizontes amplos, num país onde as oportunidades surgiram pela meritocracia. Porque eu e o vosso pai éramos fruto dessa geração. A do esforço e do estudo. A do empenho e da premiação. Enganámo-nos. E não sei como vos dizer o que aí vem...
Porque olhando em volta, vejo os filhos de amigos mais velhos, a iniciarem processos de emigração. Vejo famílias separadas e lágrimas.
E vejo o esforço acrescido, todos os meses, para vos manter numa escola boa que se compadece com os horários difíceis de sermos jornalistas. Vale a pena mas sai-nos do pêlo.
Queria muito levar-te à Eurodisney, como pediste, Mariana. Mas este ano, e não sei quando, não será possível. Mas temo-nos uns aos outros. Tens os teus avós e amigos. Tens quem te quer bem. Acima de tudo, tens a avó Isabel e o Avô Custódio que não te deixarão que te falte nada. Nem ao mano. Que pagaram os arranjos do carro da mãe e todo o teu material e livros escolares.
E tens-me a mim e ao teu pai. Nem que a mãe se morda. Nem que a mãe se esfole. Terás sempre os meus braços e os meus beijos. E os olhos postos num horizonte onde poderás vir a ser feliz. Aqui ou na China. Ou na Austrália. Ou no Brasil. Onde for... Vai para onde cumpram os contratos laborais e onde te apreciem pela boa profissional que virás a ser (tenho a certeza). Não é uma crónica de uma emigração anunciada. É uma declaração de amor de quem te amará a 8 mil quilómetros de distância.
A mãe.

Último monólogo

Publicado na edição de hoje, 15 de outubro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Último monólogo

Na fé e na vida, D. António Marcelino, por razões diversas, foi marcando uma considerável parte do meu percurso de vida. Sucedendo a D. Manuel de Almeida Trindade (de quem resta apenas a imagem de infância), D. António Marcelino foi Bispo a quando da minha passagem pelo seminário, pelo grupo de jovens da Sé, pelos cinco anos no Secretariado Diocesano da Pastoral Juvenil, pelos três anos no Movimento Católico de Estudantes. Mas também pela relação familiar e pela presença constante, até bem tarde, no dia-a-dia (por mais espaço que fosse no tempo). A verdade é que D. António Marcelino, mesmo sem me aperceber, esteve sempre presente.

Sem qualquer demérito ou desconsideração por D. Manuel Almeida Trindade ou por D. António Francisco, a verdade é que, pelas razões referidas, pela marca que deixou, pela referência que foi, D. António Marcelino foi (é) o “meu” Bispo. Como, por diversas vezes, pública, a minha ligação com o bispo emérito foi sempre muito forte, com inegável estima, respeito e consideração. Nos bons e maus momentos, nos altos e baixos da vida.

Nem sempre estivemos de acordo, como por exemplo, em relação à “visão” da Igreja no que respeita à vida ou à família, em relação a Bento XVI. Mas, felizmente, foram mais os momentos e as visões comuns: ao papel, ainda por concluir, do Concílio Vaticano II; o mesmo sentimento em relação à missão da Igreja, à sua doutrina social e ao seu papel evangelizador; à sua intervenção política no mundo e nas instituições; à felicidade pela eleição do Papa Francisco. Mas também, sempre olhámos para o mesmo horizonte em relação ao peso da Cúria, à complexidade e meandros da estrutura da Igreja; à rigidez e inflexibilidade do direito canónico (ou da sua aplicação prática), embora aqui reconheça-se uma feliz alteração de convicções após o seu pedido de resignação episcopal. Muitas destas realidades foram publicamente partilhadas (sei que lidas) nos “Monólogos com o meu Bispo – na fé e na vida”.

Muito haveria ainda por partilharmos, mas, acima de tudo, muito (demasiado) ficou por aprender e apreender com a vivência, o crer e o saber do “meu” Bispo. Fica o sentimento do desapontamento do “monólogo” não escrito (seria o décimo segundo) em relação ao seu último texto publicado (18 de setembro), claramente em jeito de despedida, de quem sente o aproximar do juízo final e de partir, de um verdadeiro testemunho pessoal e de/da Fé (“Este amor chama-se Diocese de Aveiro – Ler a realidade social e a própria vida”). Foi neste princípio, nesta concepção da realidade social e da vida, que foi cimentada a minha relação afectiva com D. António Marcelino.

Agora partiu. Os elogios públicos são imensos e mais que merecidos, proferidos por quem “de direito”. Seria de todo abusivo da minha parte estar a sobrepor-me aos mesmos.

Pessoalmente, a Igreja (não apenas a de Aveiro) ficou mais pobre e o céu mais rico. Ninguém é insubstituível mas há, de entre todos, quem nos faça mais falta, por quem a memória e a recordação não terão sossego.

D. António Marcelino tinha como lema na sua nomeação episcopal: “Darei o que é meu e dar-me-ei a mim mesmo pela vossa salvação”. A verdade é que, de facto, deu durante uma vida inteira, concretamente a Diocese de Aveiro e os aveirenses que com ele privaram são disso testemunho. Mas também é verdade que D. António Marcelino recebeu muito da Igreja que “pastorou” e com isso foi igualmente enriquecendo a sua vida.

Para mim, de modo muito pessoal, fica a imagem do “meu” Bispo em cada gesto seu, palavra ou silêncio, espelhados na sua expressão: “a vida também se lê”… já que a morte apenas deixa saudades e vazio. E na “minha casa” morará sempre o meu Bispo.

A vida não vale nada...

vai-se num segundo, em poucas horas, nem é preciso mais que um dia,

Ainda de manhã (ontem) te tinha cumprimentado, junto ao largo Capitão Maia Magalhães. Estavas bem disposto, sorridente... aliás, como sempre te via.

À hora do almoço, de hoje, chegava-me a triste notícia. Partiste... seja lá para onde for.

Descansa em paz. Recodar-nos-emos sempre de ti Zé Lobo.

Até breve, amigo.

O Governo das trapalhadas

Publicado na edição de hoje, 9 de outubro, do Diário de Aveiro.

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O Governo das trapalhadas

Existe uma óbvia e notória incapacidade estratégica deste Governo para anunciar e implementar, de forma coerente e consistente, uma qualquer medida ou política necessárias à recuperação económica ou à resolução do problema das contas públicas. Desde as intervenções avulsas dos titulares de pastas governativas até à inovação dos briefings na comunicação do governo (quando há e quando interessa haver), passando pelo recente assumir da responsabilidade comunicativa pelo vice Primeiro-ministro Paulo Portas, raramente o Governo escapa à contestação, à impreparação e à confusão (avanços e recuos) provocados pelo impacto de medidas/políticas mal delineadas ou, como disse ultimamente Paulo Portas, mal desenhadas. Já nem me refiro às questões relacionadas com processos menos claros e que envolvem directamente membros do governo, como o caso swap ou da ligação do ministro Rui Machete ao BPN ou a Angola. Não vou discutir lapsos de memória, incorrecções de discurso, imprecisões temporais ou justificativas. Já bastou, há uns meses, a questão de irrevogabilidade da demissão de Paulo Portas. Mas é inacreditável, para além da inqualificável justificação, que em relação ao anúncio de cortes na pensão de sobrevivência surja tanta confusão, tanta impreparação, tanta falta de estratégia e tanta incapacidade para falar claro e preciso quanto aos objectivos e fundamentos da proposta. Obviamente que tamanha “salada russa” teria impactos negativos na população, curiosamente para além dos directamente atingidos pela futura medida que prevê uma poupança aos cofres do Estado na ordem dos 100 milhões de euros.

Em teoria, a medida anunciada (mesmo que mal “desenhada”) prevê um corte progressivo da pensão de sobrevivência quando acumulada com outra pensão e depois de calculado o valor cumulativo. Este raciocínio sugere, nitidamente, a implementação da chamada “TSU das reformas” (ou ao caso, a “TSU dos Defuntos”), já que o valor do corte não irá apenas incidir directamente sobre o valor da pensão de sobrevivência, mas sim do valor global das pensões auferidas. E muitas interrogações ficam ainda sem resposta, pela falta do tal “desenho” da medida apesar do seu anúncio público (perfeito contra-senso): não se sabe a partir de que valor é que são aplicados os cortes, quais os patamares de progressão da aplicação dos cortes, se contam apenas os rendimentos das pensões ou se são considerados valores patrimoniais, entre outras. E nestas dúvidas reside o maior problema do anúncio feito. Pelo que nos demonstra o historial deste Governa em relação a medidas de austeridade, mesmo que necessárias no plano orçamental e técnico, têm sido de um insensibilidade e de uma irresponsabilidade social e política atroz e deveras decepcionante. Primeiro porque “atacam” sempre os mesmos e os mais fracos. Depois porque estabelecem limites de sobrevivência estranhamente impensáveis. Por exemplo, como se salários ou pensões de 600 euros fossem considerados luxos face ao nível de vida que hoje existe em Portugal (transportes, combustíveis, saúde, gás, electricidade, água, encargos bancários, educação). E ainda porque surgem da necessidade de “dar com uma mão e tirar com a outra”. Aprovada a proposta de redução do IRC, a partir de 2104, em vez de se procurarem medidas que promovam o emprego (e complementarmente a sustentabilidade da segurança social e o aumento contributivo de impostos, nomeadamente sobre o rendimento), escolhe-se uma via mais simples (daqueles que não têm força e peso na economia e na contestação social) que é a de taxar os que, durante décadas, ao abrigo de contratos de confiança com o sistema e o Estado, contribuíram para o preciso sistema que agora os “trai” socialmente, numa evidente quebra de confiança contratual.

Por último, também na senda do que tem sido hábito neste Governo, mais uma vez a equipa liderada por Pedro Passos Coelho transforma uma questão técnica e orçamental num evidente problema político. Mas mais grave, transfere, mais uma vez, a responsabilidade política das escolhas governativas que faz para o Tribunal Constitucional. O que os políticos não sabem “desenhar” correctamente, terão os Juízes que “acordar” juridicamente.

Como alguém diria: “vão vir resmas” de lágrimas e críticas governativas ao Tribunal Constitucional… os “maus” do costume.

Autárquicas: rescaldo nacional

Publicado na edição de hoje, 6 de outubro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Autárquicas: rescaldo nacional

Nunca compreendi, nem aquando da demissão de Primeiro-ministro de António Guterres no seguimento das autárquicas de dezembro de 2001, esta “obsessão” política de transpor a realidade eleitoral local para uma perspectiva nacional. As eleições autárquicas têm uma componente muito significativa de “personalização” do voto, seja ao nível das freguesias, seja para as câmaras municipais. Mesmo reconhecendo uma maior partidarização do processo eleitoral para a autarquia de Lisboa. Mas, de forma generalizada, existe uma elevada personalização na decisão/escolha dos eleitores nas eleições autárquicas. Para sustentar esta perspectiva basta olhar os resultados. É certo que o PS é o claro vencedor destas autárquicas. Conquistou um elevado número de câmaras municipais (149), de mandatos (921) e de votos expressos (cerca de 36% e 1800000 votos). Mas se juntarmos os resultados globais do PSD e do CDS (já que é esta a coligação governamental actual), a vantagem socialista fica demasiadamente reduzida: cerca de 34% dos votos (PSD, CDS e coligações) para os 36% dos socialistas. Além disso, o elevado número de candidaturas independentes dissidentes do PSD e do CDS dispersou os votos à direita (com raras excepções em relação ao PS). Por outro lado, se estas eleições autárquicas tivessem uma leitura nacional (protesto contra a acção do governo) o CDS não conquistaria mais quatro autarquias que em 2009, não haveria um dispersão de votos à esquerda que resultou numa clara vitória eleitoral também para o PCP (34 autarquias e 11% dos votos) e num afastamento à esquerda do PS o que significa que António José Seguro não é alternativa ao governo (tal como afirmou António Costa), ou não se registaria um notório desastre eleitoral do Bloco de Esquerda (acrescida do ‘desatre’ da entrevista de João Semedo à Antena 1). O que se notou à escala nacional foi um descontentamento dos cidadãos em relação à política e aos políticos, em geral, expresso numa abstenção de cerca de 47% e num total de votos brancos e nulos a rondar os 7%. Isso sim, é algo sobre o qual a democracia deve reflectir.

Um outro dado relevante nestas eleições autárquicas foi o excessivo número de candidaturas (ditas) independentes (13 câmaras municipais, 340 juntas de freguesia, 3429 mandatos/eleitos). Mas será correcto e coerente pensar-se numa alteração da partidocracia da democracia portuguesa? Já há quem lhes atribua um estatuto de “potência no poder local”. Mas pelo menos em relação a estas eleições é evidente que não. E esta realidade só vem reforçar a questão acima referida sobre a personalização eleitoral autárquica e o seu desfasamento em relação à política nacional. O que as candidaturas independentes mostram (veja-se, a título de exemplo, o caso de Aveiro) é que nem sempre o que os aparelhos partidários decidem é o que o eleitorado deseja. Praticamente a totalidade destes movimentos surgiram de “guerrilhas” internas pelo poder, de dissidências partidárias (aliás, irão surgir muitos processos internos à custa das “rebeldias”), de confrontos nas estruturais locais dos partidos e entre estas e as estruturas nacionais ou distritais. Em muitas e notórias situações, os movimentos surgiram pela ânsia do poder e pela mediatização pessoal das candidaturas e o impacto junto das comunidades locais. É um claro sinal aos partidos (neste caso ao PSD, CDS e também ao PS) que as escolhas dos candidatos devem estar mais próximas das vontades locais e dos eleitores do que propriamente dos interesses partidários.

Um outro dado prende-se com a polémica em torno das recandidaturas em ‘conflito’ com a lei de limitação de mandatos. A verdade é que os eleitores e as comunidades estão mais sensíveis à personalidade do candidato do que à ‘perpetuação’ da função ou do cargo. Daí que dos 11 casos reconhecidos pelo Tribunal Constitucional, seis tenham ganho o processo eleitoral.

Por fim, não é de admirar a baixa cultura democrática e cívica dos portugueses eleitores. E nem sempre a responsabilidade cabe aos mesmos (políticos, partidos), muitas vezes mais “bodes expiatórios” do que verdadeiros culpados. É inacreditável que em noite eleitoral o programa com mais audiência televisiva tenha sido a gala da “casa dos segredos” da TVI (propositadamente emitido às 22:00 horas). Praticamente tanta audiência (cerca de 1 milhão e 800 mil espectadores) como a RTP e a SIC somadas em plena cobertura dos resultados eleitorais.

E o pior é que esta gente também vota… Enfim!

Como perder a lucidez política...

http://expresso.sapo.pt/imv/1/951/912/capture-b07d.jpg

Ou, em alternativa, um título que dava, garantidamente (passe a modéstia), bestseller: "Como perder a vergonha político-partidária" (e não se trata de "irrevogável" demissão de Paulo Portas, a "swapada" da Ministra das Finanças ou a inverdade do Ministro Rui Machete).
É, espante-se, o total desatino da liderança bicéfala do Bloco de Esquerda e a perda de lucidez e de bom-senso de João Semedo.
A liderança bicéfala do BE perdeu a sensatez...
E logo pela "boca" de um dos seus dois líderes e, por sinal, também candidato autárquico derrotado (ao caso, em Lisboa).
Isto é que é "respeitar" os 'camaradas' e o esforço e dedicação de todos os que se empenharam no projecto autárquico do Bloco de Esquerda.
Com líderes assim para quê ter "inimigos"?

No Expresso online (via Antena 1), João Semedo resume a prestação autárquica do Bloco de Esquerda desta forma bombástica (logo ele que também foi candidato derrotado): «João Semedo diz que BE não apresentou 'candidatos credíveis'». Mas o que é isto???!!!

Isto é que é "respeitar" os 'camaradas' e o esforço e dedicação de todos os que se empenharam no projecto autárquico do Bloco de Esquerda?!
Com líderes assim para quê ter "inimigos"?

foto retirada da edição online do Expresso (03.10.2013)

De Madrid, para a RTP e para sempre.

Apesar do desfasamento temporal, não quero deixar de prestar a minha homenagem a VASCO LOURINHO.

Durante cerca de 20 anos era inconfundível a sua presença nos écrans da RTP sempre que surgiam notícias do outro lado da fronteira.

Vasco Lourinho faleceu aos 71 anos, na noite da passada terça-feira. Mas não morreu a memória do seu trabalho, o inconfundível sotaque e a mistura fonética entre português e castelhano.

Terminava sempre as suas peças com a frase "Vasco Lourinho, de Madrid, para a RTP".
Desde ontem... "Vasco Lourinho, de Madrid, para a RTP e para sempre..."
R.I.P.

Autárquicas2013: Aveiro (II). Os números...

Publicado na edição de hoje, 2 de outubro, do Diário de Aveiro

Debaixo dos Arcos

Autárquicas2013: Aveiro (II)

Este segundo balanço das eleições autárquicas em Aveiro é focado na análise aos resultados eleitorais.

A primeira referência vai para um aspecto da campanha que deveria ter tido mais impacto nos resultados. Nem sempre acontece noutras eleições autárquicas (ou outros processos eleitorais) uma disponibilidade clara e visível para as candidaturas apresentarem de forma objectiva as suas propostas, ideias e reflexões. Não caberá às respectivas candidaturas (todas) a responsabilidade pelo desconhecimento dos respectivos programas eleitorais. O arranque cedo da pré-campanha, o recurso às redes sociais, a tradicional entrega porta-a-porta, os quilómetros percorridos no concelho, foram mais que suficientes para a difusão das propostas das candidaturas. Só quem se alheou deste processo eleitoral é que pode ter ficado “’imune’ à campanha e aos diversos programas.

O principal destaque tem que ir para a abstenção: dos 70132 eleitores apenas 34330 votaram (51.05%). É certo que a falta de rigor dos cadernos eleitorais desvirtua este valor, mas mesmo assim não deixa de representar um elevado número de aveirenses que ‘ficou no sofá’. As razões podem ser várias, embora criticáveis: mau tempo, insatisfação quanto à política e aos políticos, ‘governalização’ do processo eleitoral (descontentamento), a percepção antecipada do eventual vencedor. No entanto, a abstenção significa desperdiçar um direito universal que custou a conquistar; significa desperdiçar a oportunidade de participar, directamente, nos destinos das comunidades; significa que se passas para os outros a responsabilidade que cabe a cada um. A abstenção não altera, por si só, a imagem política da democracia, tão somente resulta na permissão para que essa realidade se mantenha ou se degrade ainda mais. Esta é a classe política e os partidos que existem, também por responsabilidade dos cidadãos, pelo deixar andar, por não se exigir mais dos eleitos, pela fraca participação cívica que intervala os processos eleitorais. Foi um claro ‘ataque’ à democracia aveirense, que no computo final acabou por penalizar todos os partidos e coligações.

Em relação aos votos finais a análise implica três ou quatro aspectos.

A coligação ‘Aliança com Aveiro’ conseguiu desfazer as dúvidas quanto à conquista da maioria absoluta (muito perto de conseguir o sexto vereador) por Ribau Esteves na Câmara Municipal, que soube aproveitar o final de campanha e a decisão do Tribunal Constitucional quanto à limitação de mandatos para convencer os aveirenses da sua mensagem e estratégia de gestão municipal, e por Nogueira Leite na Assembleia Municipal mantendo a maioria no parlamento local (reforçada pela conquista de sete das dez Freguesias).

A flutuação de votos do PSD-CDS e do PS para o movimento ‘Juntos por Aveiro’ ficou abaixo das expectativas geradas pelo apoio inicial a Élio Maia (um lugar de vereador; uma assembleia de freguesia; três deputados municipais; maior número de votos para a Assembleia Municipal do que para a Câmara; percentagem inferior à da sondagem do dia 19.09 - de 14,8% para 10,14%). Mesmo em S. Bernardo, onde conquistou a maioria na Assembleia de Freguesia, as opções dos eleitores para a Câmara e Assembleia Municipal recaíram sobre Ribau Esteves e Nogueira Leite. No entanto, ao nível das freguesias (apesar dos resultados na Glória+Vera Cruz e em Esgueira terem ficado abaixo do expectável) o movimento ‘Juntos por Aveiro’, com uma maioria absoluta e 17 mandatos conquistados, conseguiu dividir algum eleitorado e impedir maiorias absolutas nas freguesias da Cidade, Esgueira, Aradas, N.Sra.Fátima+Nariz+Requeixo, S. Jacinto e em Eixo+Eirol.

Em relação ao PS, os socialistas aveirenses não saem melhor na ‘radiografia’ eleitoral. Menos votos percentuais, menor número de votos absolutos, menos mandatos nas freguesias, menos uma Assembleia de Freguesia, em relação a 2009. Com o mesmo número de vereadores (3), o PS viu gorar-se a expectativa num regresso de uma gestão socialista do Município de Aveiro, fazendo ‘ressuscitar’ a gestão de Alberto Souto. Para além disso, a forte aposta para a Cidade e para Esgueira ficou abaixo das expectativas e dos sonhos socialistas que, apesar do resultado global menos positivo, mantiveram os oito deputados municipais directamente eleitos.

Por último, o Bloco de Esquerda é outro dos derrotados destas eleições: reduziu o número de votos, a percentagem eleitoral, o número de mandatos nas freguesias de três para um, o número de mandatos municipais de dois para um, ficando similar à prestação do PCP que conquistou dois mandatos nas freguesias (Cidade e Esgueira). Por outro lado, ao diminuir a percentagem e o número de votos para a Câmara Municipal, os bloquistas não conseguiram atingir o ‘sonho’ de eleger Nelson Peralta como vereador municipal e fazer a diferença entre uma maioria relativa e uma maioria absoluta.

Daqui a quatro anos haverá mais…

Autárquicas2013: Aveiro (I)

(o balanço)

Publicado na edição de hoje, 1 de outubro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Autárquicas2013: Aveiro (I)

O primeiro balanço das eleições autárquicas em Aveiro é direccionado à fase pré-eleitoral, com todas as condicionantes e circunstâncias que marcaram o período que antecedeu o dia 29 de setembro. A análise aos resultados será feita na edição de amanhã.

O primeiro facto tem a ver com o prolongar do ‘tabu’ da recandidatura de Élio Maia, até então presidente da autarquia com dois mandatos cumpridos, independentemente do respeito pelos timings pessoais. Mas a verdade é que se Élio Maia se tivesse afirmado como candidato às autárquicas de 2013, em Dezembro ou Janeiro últimos, provavelmente recolheria o apoio das concelhias do PSD e do CDS para um terceiro mandato. Não o fazendo, deu oportunidade a que, no PSD e CDS, surgissem vozes críticas à sua gestão autárquica e apelassem a uma alternativa. A alternativa encontrada pelo PSD e CDS locais recaiu sobre Ribau Esteves, à data edil da autarquia de Ílhavo. E aqui surgem os dois primeiros momentos altos do processo eleitoral. A recusa de Élio Maia no apoio do PSD e do CDS (mais tarde avançaria como independente) e a cisão interna provocada nas duas concelhias pelo apoio manifestado a Ribau Esteves.

Outros dois factos marcaram o período pré-eleitoral, ainda relacionados com as candidaturas de Ribau Esteves e Élio Maia. Primeiro, a incerteza em torno da ‘legalidade’ da candidatura de Ribau Esteves por força de uma lei que gerou mais controvérsia e polémica do que esclarecimento cabal: a lei da limitação de mandatos. Incerteza desfeita (basta recordar as sondagens e, amanhã, analisar os resultados) quando o Tribunal Constitucional decidiu reconhecer a possibilidade de candidaturas a outros municípios, mesmo que cumprido o limite de mandatos previstos na lei. A segunda tem a ver com o momento (mesmo que tardio) do anúncio da recandidatura de Élio Maia após o apoio de um movimento de cidadãos e a recolha de cerca de oito mil assinaturas. Resultante da dúvida referida quanto à candidatura de Ribau Esteves, o ‘sim’ dado por Élio Maia a um eventual terceiro mandato deixou pairar no ar, pelo menos, a incerteza quanto à conquista da maioria absoluta por parte da coligação ‘Aliança com Aveiro’. Algo que acabou por não se confirmar, quer pelos resultados obtidos por Ribau Esteves (maioria absoluta, apenas oito votos excluíram a eleição do sexto vereador), quer pelos resultados de Élio Maia (abaixo das previsões).

Em relação ao PS, a escolha do presidente da concelhia local, Eduardo Feio, como candidato à autarquia fez recuar a campanha no tempo, até aos dois mandatos da liderança autárquica de Alberto Souto. Não só pelas propostas apresentadas, pela referência constante ao trabalho feito entre 1997 e 2005, mas também pela intenção de retomar de projectos não concluídos (ou abandonados) para Aveiro. No entanto, embora de forma menos mediática e visível, a verdade é que o processo de candidatura socialista também não foi passivo. A escolha das listas para a Assembleia Municipal e para a Assembleia de Freguesia da Vera Cruz+Glória gerou algum descontentamento, assim como não pareceu consensual um, mesmo que ligeiro, “regresso ao passado recente”. Outro aspecto que deveria merecer alguma reflexão por parte dos socialistas aveirenses está relacionado com algum desgaste na transmissão da mensagem eleitoral, provocado por uma campanha iniciada demasiadamente cedo e algo repetitiva em termos de contacto com as populações e comunidades. Muitas ‘visitas’ à mesma freguesia, aos mesmos locais (se não cometo nenhum erro, à Feira de Oliveirinha podemos contabilizar, pelo menos, três visitas) o que originou alguma saturação na recepção da mensagem e programa eleitorais do PS.

É sabido que em período de campanha eleitoral a chamada “troca de galhardetes” faz parte do combate político, das convicções e das ideias. Se situado na esfera político-partidária é algo saudável para a democracia: a liberdade de opinião e de expressão assim o determina. O confronto pode trazer alguns riscos óbvios da retórica política. Quando ultrapassadas todas as barreiras, quando se incorre no ataque pessoal, na injúria, na difamação, a democracia bate no fundo. Seja qual for a candidatura, o candidato, o movimento ou o partido. O que se passou na última semana só demonstra que em política tudo vale e a democracia aveirense bateu no fundo. Fosse contra quem fosse. Aveiro que sempre foi tida, tal como prova a nossa história política, como terra e gentes de liberdade, de respeito, de democracia, viu esta campanha eleitoral “bater no fundo”.