Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

A ler os outros... João Adelino Faria

Com passagens pela Rádio (Rádio Clube Português, por exemplo) e actualmente pivot da RTP (após ter feito a sua estreia televisiva, na primeira equipa do arranque da SIC), independentemente da sua competência profissional frente às câmaras, a verdade é que é através da escrita (particularmente no Dinheiro Vivo) que o jornalista João Adelino Faria mais me surpreende.

E esta é mais uma (boa) surpresa.

Face a nomes como Mandela, Cristiano Ronaldo, o Papa Francisco, ou ainda Lou Reed, Mário Soares, entre muitos outros, haverá, garantidamente, nomes e "feitios" para todos os gostos. Mas o João Adelino Faria fez o interessante reconhecimento da verdadeira personalidade do ano de 2013 (de 2011, de 2012, e também de 2014 e durante mais alguns anos): o português. Pelos sacrifícios, pela solidariedade, pelo sofrimento, pelo esforço, pelo trabalho (aqueles que ainda o têm ou o conseguiram), pelas lutas, pela emigração, ...

É evidente que isto nos parece, a nós cidadãos portugueses, do mais óbvio e do mais elementar... pois é. Mas foi o João Adelino Faria que se lembrou e o disse (escreveu).

Excelente: "A figura do ano: o português" (in Dinheiro Vivo).

Quo Vadis, RTP?

Paulo Ferreira apresentou ontem a sua demissão do cargo de Director de Informação da RTP.

"A minha saída destas funções resulta de uma decisão pessoal, sustentada na leitura que faço sobre o que melhor defende os interesses gerais da RTP e, em particular, os da fundamental área da informação". (excerto da carta de demissão, via TSF)

Conheci o Paulo Ferreira, há cerca de 4 anos, num almoço/convívio do twitter, em Fermentelos, para além de acompanhar, com merecida atenção, todo o seu trabalho profissional.

A decisão pessoal, seja quais forem as razões, está por si tomada. Aliás, algo já "anunciado" em Outubro deste ano.

Pessoalmente, lamento a perda e a opção, porque, ao contrário do que Paulo Ferreira invoca, acho que a RTP ficou a perder (e muito). É lamentável e condenável, sublinhando o que afirma o ex-director de informação da estação pública, que a RTP não consiga segurar (ou premiar) os seus melhores profissionais.

Com todo o respeito, consideração e admiração, votos dos maiores sucessos, daqui para a frente, nos novos projectos.

créditos da foto: daniel rocha - público (caderno: autárquicas2013)

Ainda é Natal…

Publicado na edição de hoje, 26 de dezembro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Ainda é Natal…

Tal como o ditado popular afirma que “até ao lavar dos cestos é vindima”, até aos Reis será Natal.

Escrever o que quer que seja nesta altura do ano ou soa a demasiado “dejá vú”, a que se adicionam um conjunto de frases feitas e conceitos repetitivos, ou então será algo que sai completamente fora do contexto. No fundo, “preso por ter e por não ter”. Mas que seja.

Há, nesta altura, uma realidade que, mesmo que repetitiva e banalizada, não pode deixar de ser sublinhada: a forma como os portugueses vivem o Natal. Pela tradição, pela religiosidade, pela indiferença, pela solidariedade, pelos laços familiares e de amizade, pelo aumento do consumo com as prendas e as lembranças.

Se em anos anteriores esta sempre foi uma época do ano em que habitual e repetidamente surgiam as múltiplas queixas e críticas à conjuntura (queixam-se os comerciantes da quebra nas vendas, queixam-se os consumidores da falta de disponibilidade financeira para o consumo), a verdade é que este Natal de 2013 exprime e reflecte a vivência real de um Natal mais “pobre”, mais “comedido” nos gastos. Apesar da reposição do subsídio de Natal em relação aos funcionários públicos (independentemente do corte fiscal a que foi igualmente sujeito), o esforço e o sacrifício a que os portugueses foram sujeitos, ao longo deste ano de 2013, reflectiu-se nos gastos com o Natal (seja nas prendas, na alimentação, nas férias).

Houve menos disponibilidade financeira nas “carteiras” da maioria dos portugueses, motivada pelo elevado número de desempregados ou pela insegurança laboral, pelo aumento dos preços, pelos cortes do valor salarial, pela poupança para as deslocações, nesta quadra, ao estrangeiro para que muitas famílias se encontrem com os que emigraram, etc. Segundo os dados da primeira semana do chamado período de Natal, os portugueses gastaram cerca de 552 milhões de euros que representam, apesar do valor, cerca de menos 90 milhões de euros que em 2012 (valores referentes a compras com cartão multibanco: menos 40 milhões em levantamentos e menos 50 milhões em transacções).

Mas há ainda um outro dado. À margem de todas a críticas e “aplausos” à ajuda externa a que o país ainda está (e estará) sujeito, a austeridade imposta pela Troika alterou os hábitos dos portugueses. Como diz o ditado, é óbvio que a “necessidade criou o engenho” e continua a ser descabida a expressão utilizada pela presidente do Banco Alimentar que o facto dos portugueses comerem “bifes” significava um “viver acima das nossas possibilidades”. Mas a realidade demonstra que os portugueses alteraram os seus hábitos e a forme de viver. Uns, infelizmente, pela contingência do desemprego ou da escassez de recursos, outros por receio quanto ao futuro, outros porque se preocuparam menos com as coisas ditas supérfluas e pouparam mais (em 2008 a o valor médio da taxa de poupança das famílias situava-se na ordem dos 8% do rendimento disponível, em 2013 esse valor era apontado como próximo dos 13,5%, apesar da crise).

Mas não foi apenas nos hábitos de vivência diária que os portugueses mudaram. Até mesmo na forma como encaram, agora, o Natal. Os portugueses e as famílias encontraram e redescobriram outras formas de viverem o Natal: menos consumista, mais fraterno e (em casos comprovados), mais, muito mais, solidário. Aliás, uma solidariedade expressa em acções e movimentos de maior proximidade, em comunidades mais restritas e mais pequenas, do que propriamente em grandes acções nacionais (embora, segundo os dados do Banco Alimentar, a generosidade dos portugueses tenha sido muito positiva, por exemplo). Mas são factos que se comprovam pelas várias notícias e iniciativas espalhadas pelo país. Os portugueses preocuparam-se, neste Natal, com os mais desprotegidos e desfavorecidos nas suas cidades, nas suas comunidades, através das instituições de solidariedade e acção social locais. Multiplique-se por esse país o exemplo do que se passou, este ano, este Natal, em Aveiro com as “Florinhas do Vouga”.

Seja qual for a conjuntura ou a imposição da austeridade, os portugueses saberão sempre, com mais ou menos dificuldade, com mais ou menos criatividade, viver o Natal.

Tic, Tac… Tic, Tac…

Publicado na edição de hoje, 18 de dezembro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Tic, Tac… Tic, Tac…

Descobriu-se, neste últimos dias, o novo fetiche político do governo: relógios. Não sei se Omega, Tissot, Longines, Swatch, Balmain ou Gucci. Acho até que para o caso, face às circunstâncias que impõem alguma contenção e moderação na despesa, pode ser Casio. Daqueles digitais, com cronómetro e alarme.

Paulo Portas, aproveitando a realização do congresso da juventude popular, inaugurou, este domingo, um relógio com a contagem decrescente para a saída Troika do nosso país. Até poderíamos dar “de barato” esta iniciativa já que, desde 2011, que se sabia a data do fim do memorando de ajuda externa a que nos tivemos de sujeitar. Do ponto de vista político e comunicacional (algo que este governo, para além de outras inúmeras coisas, não sabe tratar eficazmente) era, aliás, muito mais coerente e consistente, teria muito mais impacto se o relógio fosse inaugurado logo a seguir à assinatura do memorando.

Mas o que preocupa, nesta iniciativa ‘populucha’, é o júbilo que provoca nos membros do governo essa “saída” da Troika do país. E são várias as razões. Primeiro, é espantoso que a memória seja tão curta ao ponto do governo se esquecer quem é que ‘forçou’ a entrada da Troika e clamou por uma ajuda externa. Segundo, é notória a “ingratidão” por quem, apesar de todos os sacrifícios que foram impostos aos portugueses (ou à maioria), foi ‘convidado’ a fazer o que vários governos e políticos não conseguiram: gerir o país. Culpar a Troika é fácil. Diria mesmo, sempre foi facílimo. Assumir os erros, tomar as medidas necessárias e justas, ter a consciência do bem público, gerir o país, responsabilizar os erros e os prejuízos causados ai país, é que os portugueses não viram, nem avistam, há décadas e décadas da nossa democracia. Mas há mais… Já que o vice Primeiro-ministro, Paulo Portas, gosta tanto de relógios e contagens decrescentes, seria bom que, complementarmente, pudéssemos ver relógios e contagens decrescentes para a próxima decisão do Tribunal Constitucional sobre o Orçamento do Estado para 2014; para os resultados das próximas eleições europeias; para o valor da taxa do desemprego e das dificuldades de milhares de portugueses e famílias no próximo ano; para o valor da dívida pública; para o valor do crescimento da nossa economia.

E mais ainda… um relógio (com muitos anos e dias) de contagem decrescente para que Portugal consiga equilibrar as suas contas públicas, que a economia estabilize e que a crise seja, verdadeiramente, atenuada e diluída. Sim, porque nada garante que a saída da Troika signifique o fim da crise do país (algo que se estima que perdure por cerca de três décadas). E se quisermos ser claramente conscientes, transparentes e verdadeiros… Um relógio com contagem decrescente para o programa cautelar que virá no pós-Troika (garantido pelo presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi) e que, na prática, encontremos os argumentos que quisermos, será um segundo resgate. É que mesmo sem a Troika, mesmo quando os dígitos do relógio do Governo ficarem a “zeros”, nós não somos (nem nunca a nossa crise o foi) iguais à Irlanda que com muitos cortes, sacrifícios, medias drásticas, desemprego alto, soube manter o sentido de Estado e compromisso entre partidos, para além de ter conseguido manter a sua economia e industrialização vivas. Ao contrário, quando chegarmos aos zeros do relógio de Paulo Portas, ainda nos restarão muitos anos de contagem decrescente com austeridade, com salários baixos, com desemprego, com a ausência de um Estado Reformado, com uma economia débil (sem indústria, sem pescas, sem agricultura – “obrigado” senhor presidente da República). O “sucesso deste resgate externo” (??) não pode ficar apenas pelos números impostos para o cumprimento do défice. Falta a este “sucesso”, se é que existe, a consolidação e o desenvolvimento do país.

E a menos que surja algum “fenómeno do Entroncamento”, esse relógio decrescente (do pós-Troika) vai durar muito mais que os 6 meses, 3 dias, 8 horas, 21 minutos e 51 segundos (à data da “inauguração). Seja ele de que marca for.

Pode parecer utopia...

Publicado na edição de hoje, 15 dezembro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Pode parecer utopia

… mas sonhar não custa (e ainda não paga impostos), mesmo que a transposição do sonho para a realidade possa parecer surreal. Mas factos, são factos; números representam, muitas vezes, a triste (ou a cruel) realidade que vivemos.

Recentemente, o Hospital de Aveiro, ou, para sermos mais correctos e precisos, o Centro Hospitalar do Baixo Vouga, tem sido notícia, não propriamente pelas melhores razões. Embora caiba aqui o parêntesis para assinalar o alargamento de serviços na área oftalmológica, o melhoramento da Unidade de Cuidados Intermédios Neonatais e o projecto de enfermagem “Cuidar de Quem Cuida” que venceu o primeiro dos três prémios do concurso Cuidar’13, lançado pela Secção Regional do Centro da Ordem dos Enfermeiros.

Mas infelizmente são mais os títulos e as referências negativas do que estas excelentes notícias. Para além do conflito entre autarquias (Águeda e Estarreja) e a administração do Centro Hospitalar do Baixo Vouga, confinado à desvalorização do Hospital de Águeda e ao encerramento do de Estarreja, têm sido reveladas, publicamente, as dificuldades porque passa o Hospital de Aveiro, quer na sua organização, estrutura, incapacidade de contratação de empresas ou profissionais de saúde, nos serviços e especialidades a prestar, na impossibilidade de resposta do serviço de urgências, na sobrelotação de muitas especialidades e internamentos, … E quem paga? Acredito que não seja nada fácil, nem motivador, para os profissionais que ali exercem a sua profissão/missão nestas condições de trabalho, mas, claramente, são os doentes e as famílias quem mais sente e sofre. Mas há mais… o Centro Hospitalar do Baixo Vouga padece de outro mal: falta-lhe a capacidade de ganhar dimensão e peso regional (e, porque não, nacional). E isso só se conseguirá com a construção de um novo Hospital Central. E começa aqui o “sonho” e a “utopia”. Não por manifesta incapacidade técnica ou porque o país vive momentos de extrema dificuldade financeira. Mas, nitidamente, porque, à boa maneira portuguesa, não se encontram sinergias, vontades comuns, ou porque falha o sentido do bem comum/público.

Esta não é a primeira vez que o afirmo e não me importo de o voltar a fazer, mesmo que pareça irreal ou descabido. Mas a realidade é esta: a autarquia aveirense tem o problema do antigo estádio e do novo para resolver, com a situação financeira grave que atravessa; a administração do hospital e os seus profissionais sentem a dificuldade de prestação de serviços de qualidade aos cidadãos (infelizmente, não são assim tão raros nos doentes os impactos e as consequências desta realidade); paralelamente há ainda a realidade actual do Beira Mar. Regresso ao ano de 2006… implusão do estádio; aproveitamento das infra-estruturas para a construção do novo hospital; rentabilização financeira (imobiliária) dos terrenos do antigo estádio e do actual hospital; construção de uma novo estádio (mais pequeno, cerca de 10 mil lugares) na baixa de Vilar, junto do Parque de Feiras, criando atractividade (pela maior proximidade à cidade) e a gestão conjunta dos dois espaços, com novas infra-estruturas complementares (comercias ou lúdicas).

Resultado… a Câmara poderia beneficiar em relação ao “elefante branco” e aos encargos que tem com o Estádio, o Beira Mar ganharia melhores condições e maior rentabilidade, Aveiro ganharia um novo e moderno hospital central.

No fundo, Aveiro e os Aveirenses ganhariam muito mais, garantidamente. Sonhar não custa.

Há tributos e tributos…

Publicado na edição de hoje, 11.12.13, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Há tributos e tributos…

Morreu Nelson Mandela. Não me vou alongar em relação a esta enorme perda de uma dos maiores vultos da história do sec.XX. Era para o ter feito no domingo, mas por força de toda a discussão surgida no “Debaixo dos Arcos” (e afins) pareceu-me repetitiva e desnecessária. É óbvio que morreu um “santo”. Sim, deixemo-nos de preconceitos e constrangimentos (mesmo os da fé). Um santo… porque, por mais que percorra o tempo e a história, não há memória de algum santo que não tenha cometido erros, não tenha “pecado”, não tenha “mudado” de vida. E mais, poucos foram aqueles (os santos) que tiveram tão imensa dignidade e dimensão humanas em saber perdoar, como o fez Nelson Mandela. E daqui, de facto, resultou todo o peso político, social e humano de Madiba. Esta perspectiva surge porque ontem, no mítico Estádio do Soweto, onde Nelson Mandela fez a sua última aparição pública, em 2010, quando a África do Sul recebeu o Campeonato Mundial de Futebol, foi realizado o Tributo de Despedida a Nelson Mandela. Cerca de 70 países representados, 95 mil pessoas presentes e milhares e milhares de espectadores no país e no mundo. Portugal também esteve presente, representado por Cavaco Silva. Não vou, porque a polémica já foi demasiadamente esplanada, comentar os votos “sim” e “não” da resolução da Nações Unidas, em 1987.

Mas, com as devidas desculpas e as devidas proporções e contextualizações, é sobre tributos que importa reflectir neste texto. Infelizmente, mesmo que de forma inequivocamente merecida, só os grandes vultos (e normalmente após morte) é que são merecedores de tal respeito. Os comuns dos mortais, os anónimos (mesmo que com rosto e alma), aqueles que, em muitos casos, deram a sua vida (física) pelo bem comum, a vida e a sociedade tornam-se “madrastas”. E Portugal é “perito” nesta triste realidade. Este ano, que agora termina, faleceram oito bombeiros no combate aos incêndios que, ano após ano, flagelam o país. Foram mulheres e homens que de forma desprendida, voluntária e com um inquestionável serviço de defesa do bem comum, perderam tudo, deixaram tudo, para que “tudo” dos outros (cidadão, comunidades e país) fosse salvo. Nem sempre o conseguiram. Oito foram sempre e um dia não voltaram. Tributo maior mereceriam, no mínimo, dos mínimos mesmo, o respeito pelo Estado e pela sociedade. Para além das modestas (também elas envoltas em polémica com a Presidência da República) e inevitáveis condolências às famílias e corporações, nada mais foi feito. Ou melhor… mais valia nada mais ter sido feito porque o que se avizinha é, também no mínimo dos mínimos, revoltante e chocante. Precisamente “nos dias” do anúncio da morte de Nelson Mandela, são conhecidas informações preliminares de um relatório encomendado pelo Ministério da Administração Interna sobre os falecimentos de bombeiros no combate aos incêndios deste ano. Os primeiros resultados orientam a conclusão para negligência, violação de regras de segurança, erros de estratégia de combate.

Claro que sim… o país, o Estado, as entidades e comunidades locais, os proprietários dos terrenos, sacodem a responsabilidade e a irresponsabilidade. Os “incompetentes” dos bombeiros, mesmo com a formação que têm, mesmo com a experiência de muitos, mesmo com a estruturas de comando distritais operacionais a gerir os cenários de “guerra ao fogo”, é que gostam de colocar a vida em risco, deixar de viver e deixarem as suas famílias com um lugar vazio em casa. Mais valia terem deixado arder. Aí seriam os “maus da fita” mas ao menos viveriam.

A falta de políticas de ordenamento florestal, a ausência de estratégia governativa para a prevenção e o combate aos incêndios, a inexistência de fiscalização e punição a quem não cumpre a lei, a “suavidade judicial” para com aqueles que destroem o bem comum e privado, é, afinal, o triste e repugnante tributo que é prestado por este, cada vez mais, triste país em que vivemos. Pessoalmente, nem por sombras me comparando, mas tomando o exemplo de Nelson Mandela, resta-me, como cidadão, pedir perdão aos Bombeiros (todos) por esta indescritível falta de respeito que o país tem para com os “soldados da paz”.

Hipocritamente vergonhoso

A propósito do post anterior sobre o falecimento de Nelson Mandela, a Presidência da República disponibiliza publicamente a mensagem de condolências enviada por Cavaco Silva pela morte do ex-Presidente e Prémio Nobel da Paz Nelson Mandela.

A determinada altura do texto podemos ler:

Nelson Mandela deixa um extraordinário legado de universalidade que perdurará por gerações. O seu exemplo de coragem política, a sua estatura moral e a confiança que depositava na capacidade de reconciliação constituem verdadeiras lições de humanidade.

A dedicação de Nelson Mandela aos valores da democracia, da liberdade e da igualdade – nas suas palavras, “um ideal por que espero viver e que espero alcançar, mas, se necessário, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer”

Haja pudor e vergonha... porque a história não mente.

A 20 de novembro de 1987, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, com 129 votos e três votos contra, um apelo para a libertação de Nelson Mandela. Os três países que votaram contra foram os Estados Unidos, a Inglaterra e Portugal. Na altura o governo português – o XI Governo Constitucional - era liderado por Cavaco Silva, no seu segundo mandato (após as eleições antecipadas provocadas pela moção de censura apresentada pelo PRD de Ramalho Eanes) e na sua primeira maioria absoluta. Era Ministro dos Negócios Estrangeiros, João de Deus Pinheiro. Tínhamos entrado na CEE.

Mas há uma outra parte da mensagem do Presidente da República que merece relevo.

Neste momento difícil, os Portugueses juntam-se a todos quantos recordam, com respeito e admiração, a figura de Nelson Mandela.

Bem verdade. De facto, muitos portugueses, não esquecerão Nelson Mandela... e sem hipocrisa que nos pese na consciência.

Mandela Day. Mandela is Free...

Morreu um dos maiores vultos da história do séc. XX.
Um dos apogeus máximos da MORAL, da ÉTICA, da POLÍTICA, do SOCIAL.

A maior voz (maior que a de Martin Luther King, com todo o respeito) contra a exclusão, o racismo, a desigualdade, pela luta pela dignidade humana e pela igualdade de direitos. Sem credos, religiões, côr, género...

Morreu Madiba.

Há quem tenha muitas histórias para contar. Há quem tenha contactado directamente com Nelson Mandela. Há presidentes (e ex), há ministros (e ex), há políticos, há figuras de "proa" das instituições internacionais e da sociedade...

Mas há, depois, uma outra certeza: há, igualemnet, as pessoas comuns, os anónimos, imensas, que têm Nelson Mandela como um dos maiores símbolos de todos os tempos da liberdade, da igualdade e da dignidade humana. Apenas pela sua história, testemunho e exemplo de vida.

R.I.P. Nelson Mandela, 1918-2013 (advogado, líder do ANC, preso nº 466/64 na prisão da Ilha Roben, 1º presidente negro da África do Sul em 27 de abril de 1994, prémio Nobel da Paz em 1993).

Mandela Day. Mandela is Free... para sempre!

Caridade ou Solidariedade?

Publicado na edição de hoje, 5 de dezembro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Caridade ou Solidariedade?

É inquestionável que em Portugal (para não irmos mais longe), face à conjuntura em que vivemos, é demasiado elevado o número de portugueses e famílias com dificuldades de sobrevivência, com problemas de liquidez dos seus orçamentos pessoais e domésticos, com fome, sem emprego, ‘feridas’ na sua dignidade humana. Isto não tem a ver com partidarismos, política ou com compêndios económico-financeiros, apesar da evidente consequência dos seus impactos. É a realidade do dia-a-dia, o que o país real sente e vive, o que as comunidades observam nas suas ruas, em cada esquina ou vão de escada. E também o que espelham as preocupantes estatísticas: o elevado número de desempregados, o fenómeno da emigração, os cerca de 300 mil portugueses que não conseguem alimentar-se, os cerca de 2 milhões de pobres (com rendimentos inferiores a 360 euros mensais) segundo os dados do INE. Esta é a realidade nua e crua. Como resolver este flagelo? Entre estudos, conceitos e convicções ideológicas, há uma responsabilidade que cabe ao Estado e à sociedade. Ao Estado, na medida em que é responsável pelo garante do bem-estar dos seus cidadãos, pela gestão do bem público e pelas políticas que implementa (ou se abstém de implementar). À sociedade, porque é na relação social, no respeito pelos direitos dos outros, que se podem minimizar os impactos de um mundo onde o ter tem, cada vez mais, importância do que o ser.

A dificuldade na avaliação desta realidade prende-se essencialmente com o ‘conflito’ entre as questões da falta de medidas estruturais na sociedade que combatam a pobreza e a exclusão, e o assistencialismo ou a caridade/solidariedade.

Se é verdade que existem inúmeras falhas em alguns processos de solidariedade, quer a nível individual, quer através das inúmeras instituições e entidades; se é ainda verdade que tenho bastante relutância, para não dizer toda, em defender as posições pessoais da presidente da Banco Alimentar contra a Fome; não deixa de ser igualmente verdade que sem o papel e a acção de várias instituições, como, por exemplo, o Banco Alimentar contra a Fome manter-se-ia, infelizmente, a questão: o que seria de milhares de portugueses e de famílias sem o recurso à solidariedade social dos cidadãos e destas entidades? Ou ainda… que alternativas, imediatas e concretas haveria para conter a eventual “explosão de violência” a nível social e político, e que o Papa Francisco alerta na sua recente Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium”, concretamente na abordagem à doutrina social da Igreja. Doutrina que muitos sectores político-partidários vêm “reforçar” porque interessa ao combate político, mesmo esquecendo que essa é uma realidade da Igreja desde os tempos do Papa Leão XIII (“Rerum Novarum”) nos remotos anos de 1890/91, reforçada (mesmo que inconsistente e erradamente aplicada, na prática) nos documentos conciliares do Vaticano II.

Em plena crise social e económica, os portugueses doaram cerca de 2,8 toneladas de alimentos ao Banco Alimentar. Rapidamente, quer em plena campanha, quer ao serem conhecidos os resultados, várias vozes soltaram brados porque quem beneficiaria com a campanha seriam as grandes superfícies (esses monstros do comércio) e o próprio Estado com o aumento da receita de IVA. Mesmo que esta seja a realidade dos factos, não é no seu todo. Excluindo a manifesta solidariedade dos portugueses para com cerca de meio milhar de cidadãos pobres (e novos pobres), excluídos e marginalizados, muitas das 2.300 instituições que serão apoiadas, não beneficiariam de uma ajuda, de um apoio, de uma solidariedade e fraternidade (em alguns casos, caridade mas não simples caridadezinha) que minimize o sofrimento do dia-a-dia, a frustração da exclusão e da pobreza.

Seria bem pior convivermos com esta triste realidade da pobreza e exclusão sociais, ao mesmo tempo que nada fosse feito para evitar o que seria o escândalo humanitário da destruição, no lixo, do excedente alimentar da rede comercial, porque, cada vez mais, a fome ganha (demasiado) rostos. Não resolve estruturalmente o problema da pobreza ou da exclusão, mas combate o desespero de milhares de portugueses que vivem e sentem esse flagelo no seu dia-a-dia. Às entidades e ao Estado caberá fazerem muito mais do que têm feito.

E aos que sentiram a vontade de serem solidários, resta dizer: Obrigado.

Teimam em apagar a memória, presidente.

Hoje é dia de recordar (e celebrar) o falecimento de dois grandes nomes da política nacional: Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa.
Mesmo que o tempo queira abafar os factos e o acontecimento trágico da noite de 4 de Dezembro de 1980 (há 33 anos), mesmo que se criem, legislatura após legislatura, inúmeras comissões parlamentares que em vez de resultados práticos, servem para dissimular cada vez mais a história, quem tem memória não esquecerá. Sejam quais forem as ligações, sejam quais forem as convicções.
No entanto, há quem, pelas suas acções, pela gestão política, pela sua (des)governação, se esqueça rapidamente deste dois fundadores e líderes incontestáveis dos PSD e do CDS. E este Governo (de coligação) tem sido perito, useiro e vezeiro, em “enterrar” a história da social-democracia portuguesa de Sá Carneiro e da democracia-cristã de Adelino Amaro da Costa.
E é de uma ironia frustrante e angustiante que a acompanhar o convite para as cerimónias de hoje, na Sala do Senado da Assembleia da República, venha esta expressão de Sá Carneiro: "Vivemos uma oportunidade única de construir um país novo, humano e justo e não apenas, um País para alguns". Francisco Sá Carneiro, 19 Julho 1934 - 4 Dezembro 1980.
E a seguir a frase: “Para que a memória não se apague!”
Pois… apagou-se!!! a partir de junho de 2011

Surreal: 25 minutos de enorme alarvidade!

O Primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, numa cerimónia de entrega de prémios do Instituto de Juventude e Desporto, discursou durante cerca de 25 minutos. É óbvio que não há nada de especial neste facto. Mesmo o simples facto de a cerimónia ter ocorrido no dia 1 de Dezembro, data em que se assinala o Dia da Restauração e que o governo menosprezou com a exclusão do calendário de feriados nacionais. Mas nem vamos por aí.
O que é verdadeiramente surpreendente é o conteúdo do discurso do Primeiro-ministro perante as associações juvenis e os jovens que as representavam na cerimónia de entrega dos prémios.
Passos Coelho afirmou, sem qualquer tipo de vergonha ou remorsos, que estava perante “a geração de jovens mais qualificada que alguma vez Portugal já teve, na sua história”. Isto é si é um facto, face à evolução, ao longo dos tempos, nas oportunidades de acesso à informação, à formação e ao ensino. Mas o que torna toda esta demagogia política qualquer coisa de surreal e inenarrável é o lamento de Passos Coelho na incapacidade de aproveitamento desta realidade e do conhecimento que a mesma produz. Como se a falta de emprego para os jovens licenciados (nem para muitos milhares de portugueses), a ausência de investimento na educação, na investigação e no empreendedorismo, não fossem responsabilidade de quem Governa.
Mas ainda mais grave e indiscritível é o (de novo)  lamento do Primeiro-ministro pelo facto dos jovens terem de emigrar para se realizarem profissionalmente. E de facto são já muitos os milhares de jovens que procuraram novas oportunidades para além fronteiras, com claros efeitos e impactos negativos no país: menos qualificação e menos conhecimento; ausência de retorno no investimento feito pelo país na formação/ensino; menos empreendedorismo; problemas demográficos como a desertificação de várias zonas, nomeadamente o interior, ou a taxa de natalidade; menor receita contributiva para o Estado; perda da identidade nacional.
Mas é preciso topete para afirmar que “tendo nós esta geração tão qualificada, objectivamente, depositamos nela uma grande esperança para que as transformações no tecido social e económico que precisamos de fazer possam ser mais transformações mais profundas do que aquelas que fizemos no passado. E, portanto, todo o investimento que foi feito em torno das políticas da juventude mais voltadas para as qualificações, para a educação serão críticas para superarmos de forma mais duradoura a crise que estamos a viver”. Para rematar com o mais desavergonhada e petulante afirmação: "Por isso nos dói tanto que, entre aqueles que hoje são mais desenvolvidos e evoluídos do ponto de vista do conhecimento que adquiriram em termos académicos, muitos deles tenham de escolher outras paragens para poderem aceder ou aos seus estágios ou à sua realização profissional".
Mas será que ninguém recordou a Passo Coelho que foi precisamente ele, na qualidade de Primeiro-ministro, e o ex-secretário de Estado da Juventude, que aconselharam, sugeriram e “obrigaram” os jovens (e muitos outros portugueses) a emigrarem?!
Numa coisa Portugal é único: não há politiquice, demagogia, falta de carácter, moral e ética na política nacional, como em qualquer outro lugar do Mundo.
Infelizmente, temos o Govero que temos.

Às Armas! Às Armas!

publicado na edição de hoje, 1 de dezembro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Às Armas! Às Armas!

A aproximação de qualquer discussão e aprovação de um Orçamento do Estado é sempre um dos momentos altos da política nacional. O Orçamento para 2014 não foge à regra, pela maioria de razões: pelas medidas de austeridade que comporta; por respeitar ao ano em que o termina o resgate externo; pelas dúvidas que surgem na eventual necessidade de novo financiamento; pela incerteza quanto à capacidade do país sair da crise pelo seu próprio ‘pé’; pela apreensão generalizada de provocação de instabilidade e conflito social. E, neste âmbito, surgiu o ponto alto da agenda política da semana que terminou: os apelos, ou não, à violência. No topo da polémica (?), à cabeça, as declarações de Mário Soares incentivando a contestação ao governo, às políticas que estão a ser seguidas e às que se avizinham (para além da defesa da Constituição… à qual já lá iremos) e sugerindo a demissão do executivo de Passos Coelho (“pelo próprio pé”). Logo se levantaram as vozes críticas, “as virgens ofendidas” que já se esqueceram do discurso de tomada de posse de Cavaco Silva, em março de 2011, antes do final da governação de José Sócrates, onde o actual Presidente da República apelava à “mobilização cívica”, a uma sociedade civil forte e unida, contra o contexto económico que se vivia e se avizinhava mais crítico. Importa recordar que, poucos meses depois, cairia o governo do PS, pasme-se às mãos da própria esquerda. O que é mais preocupante não são as palavras de Mário Soares (goste-se ou não da oportunidade e do tom, ou do próprio ex-presidente da república e ex-primeiro ministro, é um acto, perfeitamente legítimo de liberdade de expressão e opinião). O que é mais relevante, neste contexto, é a necessidade da sociedade (dita) civil ter de assumir as responsabilidades do papel de intervenção, de crítica, de empenho, de alternativa que caberia ao PS que o próprio Mário Soares fundou. Aliás, são as próprias palavras de Mário Soares que o confirmam: “se o PS fosse um bocadinho mais activo tinha 90 por cento, dado o mal-estar social em Portugal”.

Por outro lado, toda esta polémica em torno da “explosão de violência” e da insatisfação social instalada (nunca se imaginaria ver polícias, em manifestação, a ‘romperem’ pelas escadarias da Assembleia da República) tem o seu contexto na relação do poder (governo) com a Constituição e o Tribunal Constitucional. Desde 2011 que os Juízes do Palácio Ratton têm sido apontados como o “inimigo público nº1”, como as verdadeiras forças do bloqueio, como a oposição política à estratégia e à acção do Governo de Passos Coelho. Politicamente, Portugal sempre se pautou por uma característica comum a todas as forças e agentes político-partidários: a culpa morre sempre solteira e é sempre dos ‘outros’. Importa referir que a democracia e a própria lei fundamental portuguesa têm e prevêem mecanismos de alteração da Constituição. Ao contrário dos mais “saudosos activistas da esquerda política”, a Constituição não é estanque e deve ser (ou ter) dinâmica, em função da realidade histórica e social. Se a mesma não é benéfica para a democracia, que se altere. Não se pode é andar sempre com esta “suspeita” e “pressão” sobre o Tribunal Constitucional que se limita, juridicamente, a pronunciar-se com a lei fundamental que os políticos aprovaram. O que teria sido a vida dos portugueses sem a Constituição e sem o papel e trabalho do Tribunal Constitucional, nestes últimos três anos?

Além disso, importa recordar alguns dados que “atiram para o lixo” esta permanente responsabilização e culpabilização do Tribunal Constitucional de todos os males políticos, económicos e sociais que têm surgido (por manifesta irresponsabilidade do governo, do Presidente da República e dos partidos com assento parlamentar): desde 2011 o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre medidas no valor de 9,4 mil milhões de euros, tendo chumbado normas com impacto orçamental no valor de 1,7 mil milhões de euros; percentualmente (segundo o Jornal de Negócios) foram tidas como constitucionais 80% das medidas e políticas implementadas pelo governo, das quais, recentemente, se relembra as 40 horas de trabalho semanal na função pública, como exemplos. Mas podemos lembrar mais, resumidamente algumas medias aprovadas no valor orçamental de cerca de 8 mil milhões de euros: escalonamento do IRS; cortes salariais na função pública; cortes nos subsídios; cortes nas pensões; cortes nas horas extraordinárias; ou a contribuição extraordinária de solidariedade. Isto tudo contra os 1,7 mil milhões de euros: reposição de um subsídio na função pública e nos pensionistas; a taxa extra no subsídio de desemprego; a requalificação/mobilidade na função pública. O que demonstra que Portugal precisa muito mais que um mero corte na despesa do Estado, de pura implementação de austeridade, sem promoção da economia, do desenvolvimento social e da valorização do emprego.

É caso para dizer: deixem o Tribunal Constitucional trabalhar (julgar). Pode ser que nos salvem da violência.