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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Em jeito de despedida

publicado na edição de hoje, 26 fevereiro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Em jeito de despedida

Caro D. António Francisco

Há algum tempo que não lhe escrevia. Nem de propósito… para uma despedida. Não sei, não acredito, apesar das circunstâncias futuras, que esta seja a última epístola. Não o será, certamente. Mas esta sexta carta tem um sabor “amargo”. Ou, se quiser, D. António, um misto de desgosto e de satisfação.

Em todos nós, seja em que área for, a vida reserva-nos sempre “alguém” que nos marca, que é para nós referência. Sabe-o bem que, por múltiplas razões e circunstâncias, o D. António Marcelino foi (e ainda o é também) o “meu” Bispo. Nunca o escondi. Nunca lho escondi.

A verdade, caro D. António Francisco, é que há também sempre alguém que, mesmo em circunstâncias diversas, surge na vida que nos rodeia com uma capacidade (dom) ímpar: saber ser referência, tornar-se numa nova referência e marcar-nos igualmente, sem que muitas vezes saibamos porquê, como ou quando. A pouco e pouco, sem a pretensão de substituir ninguém mas sim de complementar alguém, o D. António Francisco foi-se tornando, igualmente, o Bispo de um aveirense crente (rara e preguiçosamente praticante, mas sempre crente mesmo que crítico).

Tal como o D. António Marcelino dizia, “a vida também se lê” (e este “ler” tem o sentido pleno da abrangência) … mas a vida tem o dom de ser generosa e madrasta. Generosa, ao permitir que alguém com uma humildade contagiante, com uma visão da doutrina social da Igreja muito particular, com uma capacidade apostólica distinta, um dignificante sentido pastoral. Madrasta, porque não há justiça quando, ao fim de cerca de 7 anos de episcopado os aveirense se veem privados do “pastor” que tanto acarinharam e tão bem souberam receber. Não colhe a expressão banal de que “ninguém é insubstituível”. Não colhe e não é verdadeira. Há, na vida, pessoas insubstituíveis. Poderão não o ser na função, mas serão, claramente, no desempenho e na missão. Se assim não fosse (e que me perdoe o Episcopado Nacional) a Nunciatura Apostólica teria optado por um outro bispo qualquer para substituir o 75º Bispo da Diocese do Porto, D. Manuel Clemente. Mas não… tiveram de vir a Aveiro buscá-lo a si, D. António Francisco. E não terá sido por acaso e, neste caso, nem acredito (passe a blasfémia) que tenha sido “obra e graça do Espírito Santo”. Foi porque são indiscutíveis as suas capacidades pastorais para enfrentar os desafios de uma diocese com uma dimensão social, política, cultural e religiosa como a do Porto. Isso, por mais que nos custe a nós, aveirenses, é indiscutível e inquestionável. Se quiser… dogmático. O que não deixa de ser, obviamente, injusto. Sinceramente, não é algum eventual sentido de “traição” ou de “desrespeito” que alguns dos crentes aveirenses possam sentir por este seu sim à decisão da Nunciatura que me aflige. Sei que isso nunca esteve presente. No fundo, as “mudanças de casa” são, na vida pastoral do clero, o mais normal. O que me preocupa é que raramente a história se repete e renova os mesmos efeitos. E como eu acredito que há “insubstituíveis”, receio profundamente que o futuro crie um vazio na igreja aveirense. Perder, num período tão recente, dois Bispos não será fácil para a Diocese de Aveiro superar esta “travessia do deserto”. Ficaram em nós, a título de exemplo, as suas marcas pastorais da Missão Jubilar, a celebração dos 75 anos da restauração da Diocese. Ficaram entre nós as suas marcas sociais com os mais desfavorecidos e excluídos, a relação com a juventude e a vida académica, o sentido da oração. Os aveirenses, D. António, viveram muitas horas consigo e saberão, apesar da mágoa, Viver (também) esta Hora! Dificilmente esqueceremos as suas palavras: “a Igreja deve ser lugar de esperança para o mundo e porta aberta aos que procuram Deus”. A Todos… independentemente da sua condição, da sua vivência, do quanto e como acreditam em Cristo e da forma como O vivem. Congratulo-me, caro D. António Francisco, por levar para o Porto o mesmo lema episcopal que trouxe e viveu em Aveiro: In Manus Tuas. Significa que os aveirenses souberam dignificar a sua missão episcopal recebendo-o de mãos abertas e, ao mesmo tempo, depositando-nos nas suas mãos apostólicas. A Diocese do Porto ganhou muito… mas não nos queiram convencer do contrário porque nós perdemos quase tudo. Só não perdeu um “crente” que continuará a olhar (mesmo que mais longe) para o Seu Bispo.

Porque a vida também se lê…

Congresso da Procriação

Até sexta-feira passada as expectativas em relação ao 35º Congresso do PSD (40 anos da história do partido) eram mínimas. Uma moção de Passos Coelho e a confirmação da sua candidatura à liderança sem oposição ou alternativa internas. E as expectativas eram tão baixas que as anunciadas ausências de ex-líderes do partido (normalmente presentes nos anteriores congressos) eram significativas. E até mesmo as vozes críticas não se faziam, a priori, representar.

O discurso de abertura do congresso fazia prever tudo isso… uma “bajulação” ao líder e um conjunto de banalidades demagógicas para consumo interno, para combate político externo (concretamente em relação ao PS) ou para a descrição de uma realidade do país bem diferente da que os portugueses vivem no dia-a-dia.

Mas eis que o quadragésimo aniversário tinha reservado surpresas suficientes para “alegrar” o fim-de-semana laranja. Ao ponto de não se perceber o anúncio socialista do cabeça-de-lista às europeias (Francisco Assis), em pleno encerramento do congresso social-democrata.

É que o congresso acabou por ter motivos de sobra para que a agenda política do fim-de-semana se colorisse de laranja.

Dos discursos e reflexões políticas ficaram ausentes temas como o desemprego, a emigração, a reforma do Estado, o pós-troika, as europeias (apesar do anúncio feito), as presidenciais (apesar da breve referência na moção da recandidatura de Passos Coelho), a dívida pública, os cortes impostos pela Troika no valor de 3 mil milhões de euros, o referendo da co-adopção, etc. E até as críticas aos críticos internos acabaram por ter um efeito oposto.

Luís Filipe Menezes ainda não conseguiu digerir a derrota no Porto e o fantasma Rui Rio; Pedro Santana Lopes surgiu, mais uma vez, candidato a candidato de alguma coisa mesmo que o partido continue a dispensar; a muitos passou despercebido o recado (interessante) de Morais Sarmento dirigido, essencialmente, aos fervorosos defensores de Passos Coelho. E foi Marcelo Rebelo de Sousa (um dos anunciados ausentes) que acabou por marcar o Congresso. Não sou, nem por sombras, um convicto marcelista. Antes pelo contrário. Mas tal como aconteceu aquando do anúncio da recandidatura e da apresentação pública da moção (quando Pedro Passos Coelho afastou candidaturas às presidenciais assentes no populismo e no mediatismo) também agora, no congresso, com a mestria que se reconhece (goste-se ou não) Marcelo Rebelo de Sousa, contrariando as expectativas, apareceu no Coliseu dos Recreios, apoderou-se do palco e do microfone. Durante cerca de meia hora, empolgou os congressistas, colocou em pé o Coliseu, deleitou a comunicação social, e, mais uma vez, criou uma provável contrariedade política a Passos Coelho ao posicionar-se, frente aos militantes, como um sério candidato às presidenciais. E tudo com o mediatismo e o populismo que Passos Coelho pretendeu eliminar. Estava criado o ponto alto deste XXXV Congresso do PSD.

Mas apesar disso houve outras notas dignas de relevância política. A primeira, o anúncio esperado de Paulo Rangel como cabeça-de-lista às eleições europeias, neste caso em coligação com o CDS. A segunda nota para o regresso à vida política e partidária de Miguel Relvas, quase um ano após a sua saída do Governo. O que revela o peso que o antigo ministro tem no partido de Passos Coelho, nomeadamente em momentos eleitorais. Nesta fase em que se aproximam importantes batalhas políticas (europeias, legislativas e presidenciais, saída da Troika) aquele que foi o pilar da ascensão de Passos Coelho ao poder laranja está de regresso. Mas não foi, nem é, um regresso triunfal. Antes pelo contrário. Eram muitas as vozes discordantes e os resultados da eleição para o Conselho Nacional são disso reflexo. Apesar de ter sido eleito presidente do Conselho Nacional, a lista encabeçada por Miguel Relvas apenas obteve 23% dos votos e 26% dos lugares de conselheiros (18 dos 70 possíveis). A terceira nota, pouco abordada pela comunicação social e pouco analisada pelos comentadores ao Congresso, tem a ver com as críticas internas ao afastamento ideológico do partido, à estratégia governativa nomeadamente em relação ao poder local, às assimetrias regionais, à distribuição nacional do investimento público.

Por último, uma quarta nota mais relevante. Entre as surpresas já referidas, o encerramento do congresso reservava lugar ao discurso do líder reeleito. Qual não é o espanto, a cereja em cima do bolo de tantas surpresas, quando Passos Coelho, o primeiro-ministro que aconselhou os portugueses (principalmente os jovens) a emigrarem, o primeiro-ministro que irá tornar os cortes nos salários da função pública permanentes, o primeiro-ministro que não consegue estancar a taxa de desemprego, o primeiro-ministro que terá ainda que impor mais austeridade face ao valor da dívida pública e às exigências da Troika no corte de 3 mil milhões de euros de despesa, destaca no seu discurso de encerramento a importância crucial da problemática da natalidade. Um país que “obriga” os jovens a emigrarem, que não apoia as famílias, que não estanca o desemprego, não cria riqueza… a natalidade surge como preocupação primária.

Ou seja, nos próximos três meses, a procriação será a preocupação fundamental deste Governo. A natalidade é, assim, a “filha” deste 35º Congresso do PSD, para além da procriação de inúmeras surpresas.

Uma região doente

publicado na edição de hoje, 23 fevereiro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Uma região doente

Veio a público, na passada terça-feira, um ranking que mede o impacto e o valor da “marca do município”. Entre os 308 municípios que compõem o mapa administrativo nacional, Aveiro posiciona-se me sexto lugar, tendo à sua frente os municípios de Lisboa, Porto, Braga, Oeiras e Coimbra. Nos três itens de avaliação, o município aveirense foi classificado como a sexta região com melhor capacidade de atrair investimento, o décimo sexto ao nível da atracção turística e o décimo segundo em qualidade de vida. Os parâmetros que dão origem aos resultados (globais e parciais) estão relacionados, por exemplo, com a taxa de desemprego, o número de hospitais, o valor do salário médio, a taxa de criminalidade ou a oferta turística (por exemplo, dormidas), entre outros.

Um sexto lugar, entre os 308 municípios, é um facto que merece o nosso contentamento e júbilo, para além de ser um dado que deva ser aproveitado politica e socialmente. Mesmo que números sejam números, valem o que valem, e, muitas vezes, “escondem” uma outra realidade. Aquela realidade que os aveirenses vivem no dia-a-dia. É gratificante que Aveiro esteja acima da média no que respeita aos valores da empregabilidade, bem como o dado do valor do salário médio pago que significa uma interessante capacidade empresarial para a valorização do trabalho, mesmo que a produção industrial esteja confinada, essencialmente, ao parque industrial de Cacia e o restante tecido económico se delimite aos serviços (com todo o risco de volatilidade inerentes). Além disso, apesar de acontecimentos pontuais ou limitados a zonas específicas (como a Praça do Peixe), Aveiro ainda é, de facto, um município onde a criminalidade está longe dos valores e da realidade nacional. É ainda relevante o impacto que o sector académico, nomeadamente a Universidade de Aveiro, tem no município, mesmo que haja ainda um percurso significativo a percorrer na relação entre o poder político, empresarial e académico.

Mas há dois dados que merecem especial atenção. Aveiro tem “apenas” uma praia costeira, S. Jacinto, embora tenha um património natural e ambiental invejável: o rio, a Ria, as marinhas, a Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto, aos quais podemos juntar a gastronomia, a cultura e o património histórico. Apesar do décimo sexto lugar na classificação global na área do Turismo, é evidente que falta muito que explorar nas potencialidades existentes para a captação de turistas, com óbvios impactos na economia local e regional.

Por último, mas mais significativo é o valor atribuído ao “Viver” (12º lugar). Neste aspecto, surgem inúmeras dúvidas e interrogações face a este valor quando comparado com a realidade municipal. Ou então, o panorama nacional da qualidade de vida nos municípios é, deveras, preocupante. Numa primeira análise, basta olharmos para áreas como a acessibilidade (o estado das vias, o trânsito na E.N.109, os pórticos que circundam a cidade ou a ausência das ligações rodoviária a Águeda ou ferroviária a Salamanca, a título de exemplo); a mobilidade (a falta de promoção do projecto BUGA, a deficiência dos transportes públicos ou a diferenciação entre o serviço da CP suburbanos do Porto e regional de Coimbra, e, ainda, a linha do Vouga); a ausência de um novo espaço verde urbano, um novo parque, já aqui defendido na recuperação e um projecto antigo para a zona a nascente da cidade (entre o cruzamento de S. Bernardo e o pavilhão do Galitos). Mas acima de tudo, tendo em conta que um dos parâmetros é a área da saúde, é legítimo questionar a posição de Aveiro face aos recentes dados que revelam um sistema caótico na prestação destes cuidados elementares para o bem-estar das populações. Os problemas estruturais do Hospital Infante D. Pedro (já aqui apontados e que mereceram a aposta num novo complexo hospitalar em Aveiro) ou da distribuição da oferta de saúde pelo Centro Hospitalar do Baixo Vouga (Águeda, Estarreja e a inclusão de Anadia) não são recentes, mas continuam a preocupar: já em finais de 2013 eram preocupantes e graves os problemas de resposta da urgência hospitalar, nomeadamente na escassez de recursos e meios humanos, que originaram a intervenção da tutela e da Ordem dos Médicos. Mas para além desta realidade, é muito mais significativo e confrangedor saber que o Centro Hospitalar do Baixo Vouga não dá uma resposta cabal e eficaz aos cuidados médicos da sua região, isentando, obviamente, os seus profissionais face às condições em que exercem as suas funções. O encerramento das consultas de Hematologia colocou em risco a vida de vários doentes que esperaram cerca de dois anos por uma primeira consulta que deveria ocorre num espaço de uma semana, sendo este um exemplo das dificuldades sentidas na resposta aos cuidados de saúde, em várias áreas, do Centro Hospitalar do Baixo Vouga, quer por razões estruturais, quer organizacionais.

É importante que os responsáveis políticos e do sector olhem de outra forma para a saúde de Aveiro.

E esta gente governa-nos...

Isto é a sério???
Esta capa do JN da edição de hoje (21.02.2014) só pode ser "brincadeira de Carnaval"...
Como é possível que alguém com responsabilidades políticas acrescidas (líder da bancada parlamentar do PSD, Luís Montenegro) tenha uma afirmação destas: "A vida das pessoas não está melhor mas o país está muito melhor".

Logo no arranque do 35º congresso social-democrata que se prevê uma decepcionante bajulação ao "chefe"; num altura em que o FMI acaba com o "foguetório" do suposto sucesso da recuperação da crise; numa altura em que a missão da Troika regressa ao país para a 11ª avaliação trazendo na bagagem mais cortes salariais e mais austeridade (por força da meta do défice de 2,5% e por um valor da dívida pública de 129% do PIB); entre outros... vir dizer que a vida das pessoas não está melhor mas congratular-se com o eventual sucesso do país é o mesmo que dizer "que se lixem as pessoas". Ou, como diz a voz popular, "pobretes mas alegretes".

E é esta a classe que nos governa... o esforço das pessoas, os sacrificios a que as pessoas, as famílias e as empresas têm estado sujeitos, não têm qualquer relevância. As pessoas são números e fazem parte de folhas de excel.

Mas também é verdade que as pessoas não se podem esquecer que fizeram, em 2011, esta escolha eleitoral. Podemos não ter o que merecemos, mas temos o que escolhemos.

Embrulha que é inconstitucional.

O feitiço virou-se contra o feiticeiro. Ou seja, a embrulhada política que o PSD parlamentar quis promover como subterfúgio para eventual chumbo popular do projecto-lei (já aprovado na generalidade e em matéria de grupo de trabalho na especialidade) sobre a co-adopção de crianças por casais do mesmo sexo foi chumbada pelo Tribunal Constitucional.

Os juízes do Palácio de Ratton entenderam, felizmente, que a inclusão de duas perguntas sem relação directa condicionaria as respostas. Recorde-se que era intenção da bancada parlamentar do PSD que o referendo inclui-se a consulta simultânea sobre a co-adopção e a adopção.

Apesar de tudo isto (e tal como já tinha referido e previsto), infelizmente, o PSD (e, nomeadamente, o líder da JSD e deputado na AR, Hugo Soares) conseguiu “meia vitória”. Isto é, atrasar todo o processo e remetê-lo para “as calendas gregas”, face aos calendários eleitorais que se avizinham.

de repente... todos somos fãs do Fernando Tordo

Já por diversas vezes aqui aludi à questão da emigração e aos seus impactos na vida pessoal, familiar e no próprio país.

Foram vários os exemplos: “O que esconde 15,3% de desemprego?”; “Surreal: 25 minutos de enorme alarvidade!”; “Do ir ao acolher...”; “Há razões que a razão desconhece”, entre outros.

É indiscutível que o processo de emigração, na sua maioria, é um triste e infeliz regresso ao passado (década de 60). Salvo raras excepções que se prendem com oportunidades políticas, académicas ou de gestão empresarial, os portugueses emigram porque precisam, por mera necessidade, por não encontrarem em Portugal oportunidades de vida e de trabalho.

Sendo certo que um elevado número dos actuais emigrantes portugueses são jovens (e jovens com habilitações) a realidade emigratória não escolhe idades, mesmo que, para os mais “velhos”, as oportunidades e a facilidade de emigrar seja mais condicionada.

Aliás, o “Dinheiro Vivo” na edição de ontem (18-02-2014) traz um interessante trabalho sobre a temática, sob o título “Emigrar. Que fazer à vida familiar?”.

O jornal Público, num excelente trabalho do jornalista Paulo Moura, faz um retrato muito realista do processo da emigração dos menos jovens: “Ei-los que partem pelo direito ao último terço da vida”.

De repente, as redes sociais (e até a imprensa – p. ex. o jornal Público) voltaram à temática da emigração. Tudo a propósito das declarações, e da intenção confirmada, do Fernando Tordo de emigrar para o Brasil (aliás, para onde já foi).

A opção do Fernando Tordo é perfeitamente compreensível e não me merece qualquer reparo, se não a tristeza por ver partir mais um português inconformado com o país. E por me rever na fundamentação da sua opção, lamentando não ter a mesma oportunidade ou coragem.

Para além disso, a divulgação viral do texto do filho do Fernando Tordo, João Tordo, no seu blogue, “Carta ao pai”, veio reacender esta problemática, reflexo da austeridade e das exigências políticas da estratégia para a recuperação económica do país.

Tenho na família (entre primos, tios e cunhada) gente que emigrou há vários anos (demasiados anos, até). Infelizmente, sei o que é o “quebrar” esses laços. Mesmo assim, não consigo colocar-me na pele de quem vê o pai partir, como diz o João Tordo, algo, a determinada altura da vida, contra-natura (passe a expressão).

Mas o que mais estranho, neste contexto, é o aproveitamento político da decisão pessoal do Fernando Tordo em emigrar. A esquerda (por exemplo, Louçã e Catarina Martins) fez logo eco de revolta, as redes sociais indignaram-se com o país por não saber preservar os seus valores culturais. É indiscutível (goste-se ou não) o peso que o Fernando Tordo teve na música portuguesa. Um país que mal soube valorizá-lo, acarinhá-lo, não deixar vazios muitos dos seus espectáculos, promover o seu trabalho, de repente, estranhamente, tornou-se seu “fã incondicional”, onde já todos conhecem a sua obra, as suas músicas, os seus textos, as suas intervenções (também) políticas e sociais. Enfim…

Dói ao João Tordo, dói à família, é pena para muitos portugueses… mas, acredito, um alívio para o Fernando Tordo e para muitos dos que emigram, apesar de todos os riscos e sacrifícios.

das liberdades partidárias...

publicado na edição de hoje, 19 fevereiro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

das liberdades partidárias…

Embora o processo não seja recente (e muito menos uma novidade em processos eleitorais, nomeadamente, os autárquicos) a polémica teve regresso marcado com a concretização dos factos e que foram tornados públicos (com mais ou menos pormenores) na imprensa nacional e local. Falo das polémicas expulsões partidárias no PSD, CDS e no PS (ou sanções disciplinares) no seguimento das opções individuais de determinados militantes nas escolhas eleitorais das eleições autárquicas realizadas em setembro de 2013.

Em causa estão as opções políticas daqueles que não se reviram nas candidaturas oficiais dos partidos e decidiram apoiar publicamente outras candidaturas, maioritariamente independentes. Foi o caso das eleições autárquicas em Aveiro (com maior eco nas hostes centristas, embora sejam já notícia os processos de expulsão de militantes do PSD-Aveiro), em Sintra relacionado com o social-democrata António Capucho ou em Coimbra, neste caso, em relação a militantes socialistas. Como é fácil perceber esta questão não é exclusiva de nenhuma côr ou símbolo partidários; aliás, pela leitura da história dos partidos após o 25 de abril, é bem transversal. Então porquê tanta polémica? Quem tem ou não razão (os partidos ou os expulsos)?

A questão prende-se com o direito à liberdade de opinião e o exercício de um dos mais elementares direitos cívicos da democracia: o voto (que é pessoal e intransmissível). Não é, obviamente, saudável para qualquer força partidária (seja ela qual for) que a construção dos seus princípios, valores e estratégias não se faça na pluralidade das opiniões, no debate interno (e há mecanismos suficientes para tal) na divergência de convicções. Se não for assim os partidos correm o risco de fracturarem, de enveredarem pelo seguidismo e “carreirismo” cegos, de não evoluírem e de se enfraquecerem. Além disso, correm ainda o risco de ‘girarem’ em torno de um líder, com todos os problemas inerentes à personalização do poder.

Por outro lado, o voto é, de facto, um direito pessoal e estritamente condicionado às opções e liberdades individuais.

Mas a verdade é que os partidos políticos, com especificidades muito próprias, têm regras e estatutos definidos e que são da inteira assunção dos militantes. No caso dos processos eleitorais há uma outra realidade relevante. O facto de um determinado militante (seja um “histórico”, tenha tido ou não um papel relevante na história do partido ou na sociedade) ter tomado opções públicas eleitorais (quer no apoio, quer na integração de listas eleitorais) contrárias às do partido não pode ser confundido com a mera divergência de estratégias ou de medidas políticas tomadas internamente pelo partido. Há, neste caso, uma clara rotura com as decisões do partido, como consequências óbvias nos resultados eleitorais (votos) que podem prejudicar o partido (e nalguns casos com consequências que se comprovaram).

Se a qualquer cidadão é lhe condido o direito ao livre e incondicional exercício do voto, não deixa de ser um facto que as opções tomadas devem ser individualmente assumidas, com todas as consequências naturais dessa decisão.

As divergências eleitorais, pelas posições públicas que assumem e pelos impactos que os votos têm nos resultados não podem ser confundidas com questões de pluralidade, de democracia ou de liberdade de expressão.

Graves são as circunstâncias em que as divergências de opinião, as convicções diferentes em função das estratégias internas assumidas, os condicionalismos que limitam a liberdade de exercício das funções em relação a matérias de direitos, liberdades e garantias (como é caso da disciplina de voto parlamentar, quando os deputados são eleitos nominalmente), determinam sanções disciplinares, expulsões ou condicionam o acesso a lugares na estrutura partidária. A “fidelização partidária” (o chamado “carreirismo”) torna os partidos em estruturas obsoletas, estanques e formatadas. Limitações ao exercício do direito de opinião e de expressão são, em todos os contextos, condenáveis.

O “virar as costas” ao partido, o condicionar a nossa acção em oposição ao partido, tem a natural consequência do assumir os actos que a divergência forçou. Por isso é que foi perfeitamente natural, louvável e aceitável que alguns militantes, durante o último processo eleitoral, tenham solicitado a suspensão ou apresentado a demissão do partido, sustentado as suas opções eleitorais.

Os pórticos. É desta?!

publicado na edição de hoje, 16 fevereiro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Os pórticos. É desta?!

Primeiro, o princípio. Excluindo questões do foro ideológico, o princípio do “utilizador-pagador” tem a sustentação da equidade, da justiça fiscal e social, da sustentabilidade. Este é o princípio que merece a concordância pessoal. Mas este princípio não pode gerar, em si mesmo, o antagonismo da sua sustentação. Ou seja, não pode acabar por representar, na prática, o oposto da sua essência. Não pode perder o sentido de equidade, de justiça e de sustentabilidade, quando aplicado sem que se prevejam situações de excepção, de pontualidade, de especificidade. E este é o problema que se arrasta em Aveiro, há demasiados anos, quando do prolongamento da A25 até à Barra ou da construção da A17, e, consequentemente, da aplicação de pórticos na malha urbana e nos acessos à cidade ou à zona de Aveiro. A discussão já tem “barbas” e demasiados enredos políticos. Já meteu “moto-serras”, discussões parlamentares locais, promessas eleitorais, moções e missivas para a Assembleia da República. Ainda em abril de 2013 a questão dos pórticos foi tema de resolução na Assembleia da República com a aprovação de duas propostas curiosamente, ambas favoráveis mas, nem por isso, complementares: o BE propôs a anulação do chamado pórtico do Estádio e o PSD/CDS a sua relocalização. Já na altura, sob o título “Fim do Pórtico? Ilusão...” (17 de abril de 2013), escrevi que entendia, por um lado, que uma mera recomendação ao Governo não produzia, por si só, efeitos práticos, e, por outro, que as recomendações eram redutoras e com impactos mínimos na resolução de uma inqualificável injustiça mais alargada.

O tema veio, recentemente, através do actual Presidente da Câmara de Aveiro, de novo à agenda política local. Desta vez, regista-se, com uma maior abrangência, tal como o referi em abril do ano passado: a eliminação dos pórticos na A25 entre a Barra e Angeja. Mas mesmo assim, continuo a entender que falta incluir também o pórtico do nó (se é que se pode chamar nó) de Oliveirinha/S.Bernardo. Até por uma razão de coerência da fundamentação. Os impactos do pagamento de portagens na cintura externa à cidade são comuns neste troço da A17 (Estádio – Mamodeiro) e na A25 (Angeja – Barra). São argumentos do ponto de vista económico, social, de acessibilidade e mobilidade urbanas: é a ligação ao Porto de Aveiro e as ligações às zonas e polos industriais de Cacia e de Mamodeiro, com as repercussões negativas no crescimento e desenvolvimento económico da região; é a questão de justiça e equidade quando comparadas com outras realidades semelhantes noutras cidades ou as questões de acessibilidade e mobilidade condicionadas no princípio da malha urbana e das circulares externas às zonas urbanas; acresce à vertente da mobilidade as questões ambientais e sociais (segurança) que estão em causa por força do impacto e do excessivo aumento de tráfego em Cacia e na E.N.109 (que circunda a cidade). Além disso, importa não esquecer que grande parte do troço da A25, entre a Barra e Angeja, é construído (redefinido) em cima do antigo IP5.

A A1 e a A29 já têm portagem/pórtico (percurso pago) nas saídas junto a Angeja e voltam a ter sistema de cobrança em Mamodeiro/Aveiro Sul (na A1), e após Ílhavo (na A17). Todo este intervalo torna-se, na prática, um mero eixo de ligação e de acesso à cidade/porto comercial. Não faz sentido o custo de acesso/utilização. Nunca fez.

O erro foi ter-se, apenas, olhado para uma árvore (o pórtico do Estádio) em vez de toda a floresta (a cintura externa a Aveiro). Andou-se demasiado tempo a pensar apenas num mero jogo de futebol de quinze em quinze dias, num estádio com uma média de assistência abaixo dos 1000 espectadores. E entretanto foi-se degradando a qualidade de vida em Cacia, o trânsito e o estado da via na EN109, foram-se criando dificuldades às empresas da região e ao Porto de Aveiro. Curioso é o facto de, proporcionalmente inverso, se ter instalado nos aveirenses, ao longo dos anos, uma estranha acomodação e um estranho conformismo. Nem para nós somos bons.

A ver vamos as novas vontades…

Boas “ondas”

A UNESCO instituiu, em 2012, o dia 13 de fevereiro como o Dia Mundial da Rádio, como forma de promover um dos meios de comunicação mais difundido e mais requerido pelos cidadãos.

Eu que despertei para a comunicação social nas longínquas rádios piratas (ou, disfarçadamente, e já na altura, rádios locais para retirar o estigma do “ilegal”) como a Emissora Voz da Bairrada e, durante vários anos, na Rádio Oceano, não posso esquecer os quase três anos de Rádio Terra Nova (já na fase “legal”). Quem passa pelos “aquários” de uma rádio nunca o esquecerá.

A rádio mudou muito. Quer do ponto de vista jornalístico, de conteúdo, quer ainda do ponto de vista técnico (já ninguém “carrega” toneladas de discos em vinil e tem de estar, meticulosamente, a “apontar” o arranque das músicas nos dois pratos da misturadora). Mas não só… os desafios que se colocam à comunicação social são, em muitos aspectos, os mesmos que se colocam à Rádio: as novas plataformas digitais, a velocidade a que corre a informação, novos processos comunicacionais.

Só não percebo a relação da temática. Sendo um claro defensor da igualdade do género (entre outras vertentes) haveria outros momentos para que a UNESCO se pudesse debruçar sobre esta temática e deixasse o dia para a celebração da Rádio e a reflexão sobre o seu presente e futuro.

Uma nota de reconhecimento, pessoal, para a Terra Nova, a TSF, a RR, a Antena 1, a Comercial, a RFM, a Antena 3 e a Megahits.

Portal do Dia Mundial da Rádio

Mensagem da Diretora Geral da UNESCO

Protecção Civil em “Discurso Directo”

http://www.tvi24.iol.pt/multimedia/oratvi/multimedia/imagem/id/13226237/550

Sob a “batuta” (e experiência) da jornalista Ana Paula Magalhães, o programa “Discurso Direto” (TVI24 – 15:00 horas), da segunda-feira passada, 10 de fevereiro, abordou um dos temas quentes da agenda nacional: as condições climatéricas, as tempestades, a costa marítima, o cancelamento do derbie, a protecção civil.

Não sendo propriamente um “fã” de programas de “antena aberta”, a verdade é que o facto de estar, nesse dia, em casa, com gripe, permitiu-me, entre os inúmeros e desgastantes zappings, parar na emissão da tarde da TVI24.

Primeira nota de destaque para o convidado da emissão: o comandante adjunto de operações nacionais, Marco Martins. Claro, esclarecedor, fluente no discurso, rigoroso nas informações prestadas. Exemplo disso (e apenas como mero exemplo), a forma como diferenciou o que são os avisos do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) e os alertas da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), a quem se destinam (os primeiros às populações e os segundos às entidades regionais e locais).

Entre questões de ordem técnica e operacional que a Paula Magalhães foi reforçando a cada intervenção telefónica (e a estas escuso-me comentar porque – enfim – há de tudo), houve dois aspectos que me merecem especial atenção.

Um tem a ver com a questão colocada sobre a informação, a divulgação, a formação e a sensibilização, de forma sistemática junto das comunidades sobre o papel da ANPC, metodologias de prevenção e de acção em situações de risco, por parte dos cidadãos. Por exemplo, junto da comunidade escolar (à semelhança do que se processa, por exemplo, com a educação ambiental), das freguesias, etc. É certo que foi referido por Marco Martins que a ANPC tem, na sua página oficial (embora esta merecesse melhor design e interactividade digital) diversa informação. É verdade, basta uma pesquisa rápida para descobrir alguma informação. Mas teria um maior impacto uma maior sistematização na vertente pedagógica junto das comunidades, com especial relevância para os contributos que os CDOS (Comando Distritais de Operações de Socorro) que estão mais próximos das comunidades e das suas realidades.

O outro aspecto tem a ver com uma falha, que considero grave, na discussão gerada. Ou melhor, a ausência de uma referência que se impunha no programa (pelo menos por parte de quem nele participou). Cada vez mais se nota na sociedade e nas pessoas um esquecimento preocupante para com uma das maiores virtudes da vida: a Gratidão. A mesma que (felizmente) serviu de alguma contestação no verão passado, em memória dos bombeiros que faleceram no combate aos incêndios, deveria ter sido também lembrada na passada segunda-feira. Enquanto a maioria dos portugueses, com mais ou menos apreensão, com mais ou menos conforto, se foi refugiando em casa à espera que a tempestade acalmasse, muitos foram os profissionais da Protecção Civil (ANPC, CDOS, Bombeiros, Protecção Civil Municipais) que estiveram presentes, no terreno, em alerta constante, segurando pessoas e bens.

A maioria é paga para isso (nem sei se muito ou pouco), fazem-no por razões profissionais (nem sei se por vocação ou por mera formação). Mas a verdade é que na “hora de santa bárbara trovejar” há sempre aqueles que “dão o peito às balas”, entre lareiras, mantinhas, chás e escalda-pés de muitos outros.

Tal como no Verão de 2013, também no Inverno de 2014(?) a eles: OBRIGADO.

Raspadinha fiscal

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publicado na edição de hoje, 12 fevereiro, do Diário de Aveiro.
Debaixo dos Arcos
Raspadinha fiscal
Embora já em 2013 tivesse sido tornada pública a intenção, na semana passada o Governo formalizou, com anúncio público, o tão badalado sorteio da “factura da sorte”.

De forma resumida, o executivo de Passos Coelho pretende sortear um automóvel, semanalmente, a partir do mês de abril. Para que o cidadão esteja habilitado a tal ‘benesse’ do Governo apenas precisa de solicitar, no acto de aquisição de um bem ou serviço (incluindo água e electricidade) a factura com o seu número de contribuinte ou registar, posteriormente, no portal do ‘e-factura’, no site da Autoridade Tributária e Aduaneira (portal das finanças). Em função do volume/valor final de consumo são atribuídos “créditos/coupons” que habilitam o consumidor ao sorteio semanal.

O que tem estado nas “bocas do mundo” (inclusive em Espanha que acham a iniciativa “pitoresca”) divide-se entre os que são a favor ou contra, mas também no que diz respeito à forma/estrutura do referido sorteio.

Pessoalmente, face à capacidade criativa e inovadora dos portugueses, não me preocupa muito a forma ou o conteúdo do sorteio. São carros, poderiam ser benefícios fiscais, dinheiro, apartamentos, férias, cheques-dentista ou cheques-ensino, vales de desconto (em cartão ou não) num hipermercado perto de casa. Acho que é uma questão meramente formal e de pormenor. No entanto, há, neste aspecto, um factor que merece alguma atenção. O facto de ser considerado, para efeitos de acesso ao concurso, o valor final da soma das facturas (e não o número de facturas) poderá criar um significativo sentimento de injustiça face às diferenças de disponibilidade financeira para o consumo que existe entre os portugueses (uns com mais posses, outros com menos).

Mas à parte disso, a questão centra-se numa outra vertente. Faz sentido o sorteio? Cabe ao Estado (Governo/Finanças) esta função “comercial”? A resposta, do ponto de vista pessoal, é simples: não há mal nenhum no sorteio e é uma interessante iniciativa do Governo. Há quem se indigne atribuindo ao evento a transformação dos cidadãos em polícias fiscais. Não é racionalmente possível que as Finanças coloquem na origem alguém que fiscalize a obrigatoriedade da emissão de factura em cada acto de aquisição de um bem ou serviço. Sendo, por lei, obrigatória a sua emissão (mesmo sem ser a pedido do consumidor final), é um “dever cívico fiscal que cada contribuinte o faça. Não por uma questão de “policiamento fiscal” mas sim por uma questão de justiça e equidade fiscal. Todos somos capazes de criticar a deficiência de funcionamento da escola pública, dos hospitais públicos, dos serviços da administração central e local, do preço da água, dos combustíveis, da justiça, dos transportes públicos, dos preços das portagens, dos apoios sociais, etc. É colectivo (e legítimo) o sentimento de revolta em relação à austeridade e ao esforço que os portugueses têm feito para a recuperação do país.

Assim, não faz sentido ser-se contra uma medida que promove a cidadania, o cumprimento comum (emissor e receptor) de um dever fiscal, e contribua para o combate a um dos problemas do nosso desenvolvimento: a economia paralela, que, por razões mais que óbvias, tende a crescer em tempos de crise mas que em nada contribuiu para a sua solução. Segundo o relatório do Observatório de Economia e Gestão de Fraude (Faculdade de Economia do Porto, em 2012 o valor da economia paralela situava-se pero dos 27% do valor do PIB (cerca de 45 mil milhões de euros). É certo que o Governo não se pode demitir da sua responsabilidade fiscalizadora e tentar encontrar todos os meios possíveis para o combate à fraude fiscal. Mas também não deixa de ser verdade que é altura para os portugueses alterarem o seu comportamento e cultura contributiva e fiscal.

Por fim, esteve bem o Governo em considerar, para este caso, todas as facturas referentes a todo o tipo de consumo, mantendo os benefícios em sede de IRS. No entanto, já não me parece justo que o Governo entenda que a fuga ao dever fiscal apenas resida na restauração, nas estadias e alojamentos, nos cabeleireiros ou barbeiros, ou nas oficinas de reparação automóvel. Não me parece que estes sectores de actividades sejam mais ou menos cumpridores que os transportes, as reparações domésticas, as gasolineiras, a construção civil, a saúde, etc. A obrigatoriedade deve, pelo princípio da equidade, ser geral.

Ao Governo cabe uma função pedagógica e fiscalizadora. A iniciativa da “factura da sorte” cumpre, perfeitamente, o primeiro critério. Em Abril anda à roda.

O que esconde 15,3% de desemprego?

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publicado na edição de hoje, 9 fevereiro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

O que esconde 15,3% de desemprego?

A questão surge com a divulgação, pelo INE, da taxa de desemprego registada no quarto e último trimestre de 2013. O valor divulgado refere uma taxa de 15,3%, registando-se uma diminuição de 1,6% em relação ao valor homólogo de 2012, que situava a taxa de desemprego nos 16,9%. Há, neste registo, alguns aspectos positivos que importa salientar: a diminuição da taxa (sejam quais forem as razões, há uma diminuição de 1,6% apesar do elevado número de desempregados: quase 830 mil cidadãos). Para além disso, registe-se a ténue recuperação económica que, mesmo assim, criou cerca de 30 mil postos de trabalho, embora apenas um em cada três (um terço) dos desempregados tenha conseguido uma recolocação laboral.

Mas tal como na divulgação do valor do défice orçamental de 2013 (aqui comentado na edição do dia 29 de janeiro - “Verdade seja dita”) também este valor de 15,3% da taxa de desemprego nos últimos três meses de 2013 esconde outras realidades.

A primeira resulta de um dado preocupante em termos de futuro (embora, obviamente, com impacto na descida da taxa): cerca de 63% dos 830 mil desempregados estão sem trabalho há mais de um ano. E é importante referir ainda que o ano de 2013 registou (apesar do aumento no último trimestre) menos 100 mil trabalhadores que em 2012 (população activa na ordem dos 4,7 milhões de cidadãos).

Daí que, em segundo lugar, seja relevante referir que, segundo os valores apontados pelo INE, contabilizando os cidadãos que deixaram de procurar emprego, o valor da taxa (real) estaria situado nos 20,7%. Isto é, teríamos uma realidade que representaria cerca de 1, 2 milhões de desempregados (quase mais cerca de 400 mil para além do valor divulgado).

Por outro lado, o ano de 2013 fechou com cerca de 128 mil postos de trabalho criados, mas que apenas representam cerca de 28% do total de postos de trabalho perdidos desde 2011 (460 mil). Importa relembrar que o segundo trimestre de 2011 registou o valor mais baixo (dos últimos anos da crise) da taxa de desemprego: 12,1%.

Mas, por fim, o mais significativo é que o apelo do Primeiro-ministro e do (à data) Secretário de Estado da Juventude sortiu efeito: no ano de 2013 cerca de 100 mil jovens portugueses emigraram (desapareceram dos dados do INE). Já não se trata de sazonalidades ou de demagogias. Os dados do INE são claros: e emigração teve impacto na descida da taxa de desemprego em Portugal.

Para justificar esta realidade há ainda quem entenda que esse impacto, para além da descida do valor da taxa, é positivo. Isto é, a emigração é o principal factor de sucesso do governo no que respeita ao combate do desemprego. E isto é, por alguns apoiantes de Passos Coelho, uma boa notícia, porque (basta recordar o artigo “Elogio à emigração” de João César das Neves, no Diário de Notícias, a 6 de janeiro último) a emigração pode ser uma “bênção”. Mas não é…

Por várias razões óbvias: a saída de uma “zona de conforto” e de total alteração de vida, a que todos temos direito, sem ser por vontade própria; a procura de oportunidades e de melhores condições que o país não consegue promover, nem oferecer; tendo a quase totalidade de emigrantes menos de 35 anos e registando-se uma das maiores taxas de jovens formados/habilitados, o país perde, de “mão beijada” e face ao esforço que despendeu, a sua massa crítica, o saber e o conhecimento necessários para o desenvolvimento social, cultural e económico; além disso, emigração significa um decréscimo de contribuições fiscais, e menos de 100 mil contribuintes afigura-se um valor considerável. Para além disso, esta realidade provoca um envelhecimento preocupante do país (face à baixa taxa de natalidade), correndo-se o risco da maioria dos “novos” emigrantes, num mundo tão globalizado, facilmente perderem as suas raízes e dificilmente regressarem a Portugal.

Se uma taxa de 15,3% de desemprego é uma boa notícia, importa reflectir sobre a realidade social que a sustenta e que é reflectida na “outra face da moeda”. E 15,3% escondem muito…

Provedor de Justiça alerta para inconstitucionalidades no OE2014

Provedor de Justiça José Francisco de Faria Costa

Num artigo publicado na edição do Diário de Notícias, no dia 31 de janeiro, sob o título “Razões de uma razão (IV)”, o Provedor de Justiça, Prof. Doutor Faria Costa, referia (de modo sábio como sempre me habituou nas aulas de Direito Penal da Comunicação) que “o problema das atuais comunidades, sejam regionais, nacionais ou internacionais, não está na aceitação do "reconhecimento" dos direitos mas, quase que se diria por inteiro, na complexíssima questão da "concreta distribuição" dos direitos. Que "todos" reconheçam o direito de "todos" à saúde, à educação, à justiça, à segurança, à habitação, a um ambiente saudável, a uma vida digna ou mesmo a uma vida mais longa, bem como a outras tantas conjeturas de bem-estar e de felicidade, é coisa indiscutível inscrita nos valores mais simples, mais fundos e mais densos das atuais sociedades, que tantas constituições afirmam e que qualquer pessoa decente e de boa vontade não pode deixar de defender. O grande problema, repete-se, é o de saber como distribuir os meios para se atingir aquele ou aqueles fins. É, pois, neste quadro, complexo, poroso, intersticial, que tem de atuar o provedor do século XXI”.

Sendo certo que tal reflexão se enquadrava sobre a missão, os objectivos e o papel do Provedor de Justiça nos dias de hoje (aliás, como o fez ao longo dos anteriores textos publicados também no Diário de Notícias desde setembro de 2013), não deixa de ser verdade que o discurso serve igualmente para sustentar e fundamentar a sua exemplar decisão de solicitar ao Tribunal Constitucional a avaliação de duas normas presentes no Orçamento do Estado para 2014 (artigo 33º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro). A saber: a redução das remunerações totais ilíquidas mensais de valor superior a 600 euros, na parte aplicável aos trabalhadores de empresas de capitais maioritariamente públicos em que confluem também capitais privados, por eventual desrespeito pelo princípio da proporcionalidade; e a norma referente ao cálculo das pensões de sobrevivência, tendo em conta o princípio da igualdade.

Para além destas duas normas presentes no Orçamento do Estado para 2014, o Provedor de Justiça, solicitou ainda ao Palácio de Ratton a avaliação constitucional da alteração ao Rendimento Social de Inserção (RSI), concretamente no que diz respeito à obrigatoriedade do reconhecimento a cidadãos portugueses do direito ao RSI da sua prévia residência em Portugal por um período mínimo de um ano.

Tal, não é mais que o reflexo do entendimento do papel do Provedor de Justiça e de qual deve ser a missão da Provedoria de Justiça para o Prof. Doutor Faria Costa: “dedicada à defesa e promoção dos seus direitos fundamentais, enquanto elementos estruturantes de uma sociedade humanamente organizada e de um Estado de Direito democrático”.

Provedor de Justiça solicita ao Tribunal Constitucional a apreciação de três segmentos de normas (comunicado)

O meu Miró...

A discussão da agenda política (jurídica e económica, acrescente-se) nestes dias tem-se centrado sobre a colecção dos 85 quadros da autoria do escultor e pintor surrealista catalão Joan Miró e que fazem parte do património do BPN.

Subscrevo integralmente as posições assumidas por Henrique Monteiro (“Deixem lá os Mirós...”) ou pelo Daniel Oliveira (“Não se vendam os quadros de Miró... baratos”). É insuspeito porque raramente concordo com os dois.

Acrescentado, de forma muito sumário, uma ou outra realidade/questão.

Primeiro, sublinhar o facto de que, repentinamente, surge um movimento social de arautos defensores da cultura (sejam políticos, ex-governantes, comentadores, ou cidadãos), emocionalmente preocupados por um espólio artístico de uma entidade bancária (privada há data em que foram adquiridos e nacionalizada após o “caso BPN”) e que já existia há alguns anos sem que ninguém se importasse ou se incomodasse com tal facto. Mesmo que a tão “valiosa” obra estivasse arrumadinha na penumbra de uma cave e isso não afectasse consciências e morais culturais.

Mais… por muito peso e valor artístico e cultural que se reconheça na obra de Miró, a verdade é que me parece perfeitamente surreal (no mínimo) que se faça desta questão um desígnio nacional. Miró não é património nacional (como felizmente temos tanta obra perdida com a assinatura portuguesa) nem identitário da cultura portuguesa. A arte, tal como o podem sustentar as galerias e o negócio complementar, é, sempre foi e sempre será, vendável e transaccionável. Não vejo porque razão não o será esta colecção na posse do BPN/Estado.

Mais ainda… é “soberbo” verificarmos que, de repente, entre intelectuais, políticos, artistas, cidadãos comuns, surjam mais de 9000 assinaturas contra a venda das referidas obras, mesmo que muitos não saibam quem é Miró (ou quem foi); quais são as obras em causa; onde estavam; quando e como foram adquiridas e para que servirão. Sim, porque não me parece nada razoável e racional que alguém pense que em Portugal se irá rentabilizar um investimento na ordem dos 80 milhões de euros (pagos pelo erário público à custa dos impostos dos que gostam e não gostam de Miró ou do surrealismo) com exposição pública permanente. Chega de ilusões. Isso faz-me recordar (e recuar pouco mais de um mês) a questão do Panteão Nacional: todos dão palpites e comentam, mas desses mesmos, raros são os que já visitaram o Panteão; raros são os que sabem quantos existem (sim, há mais que um Panteão Nacional… dois, precisamente); onde ficam (sim, não é apenas em Lisboa); e quem são os seus ilustres “inquilinos” portugueses (já agora, são 10, faltando transladar mais quatro personalidades, já contando com Eusébio).

Mais ainda… é interessante saber que muitos dos que se insurgem tão ferozmente contra a venda das obras sejam muitos dos que se insurgiram contra o facto do Estado, no anterior mandato socialista e no actual mandato de Passos Coelho, ter gasto um valor significativo (a que muitos chamaram de “roubo nacional”) dos impostos dos portugueses para “salvar”, por interesses públicos duvidosos, um banco privado, ao contrário do que aconteceu, por exemplo, com o BPP.

Por mim… a arte é negociável. Vendam-se os Mirós, de forma justa, claro.

Olhares sobre Aveiro

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publicado na edição de hoje, 5 de fevereiro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Olhares sobre Aveiro

Vem a propósito a lembrança das mensagens da última campanha eleitoral autárquica e do discurso de tomada de posse (devidamente tornado público) do actual Executivo camarário.

É, para já, notório o cumprimento de um dos pilares anunciados no período eleitoral e reforçado na tomada de posse: recolocar Aveiro como referência de uma região. Presidência da CIRA, vice-presidência da ANMP, relançamento da plataforma A25, integração do grupo europeu do poder local, entre outros. Resta esperar pelos resultados e impactos que isso possa trazer para Aveiro.

Sendo certo que a reorganização interna de todo o universo municipal está pendente das conclusões da auditoria interna, prevendo-se que os seus resultados possam ser conhecidos ao longo deste primeiro semestre do ano; já o desenvolvimento social e económico, e a qualificação urbana estão dependentes do resultado do esforço anunciado para este primeiro ano de mandato no que diz respeito à recuperação e equilíbrio financeiro das contas do Município.

No entanto, volvidos os primeiros 100 dias de mandato autárquico e porque foi determinação expressa pela autarquia acolher as vontades dos aveirenses, as suas sugestões e os seus “olhares” sobre a sua cidade e o seu concelho, resta-me, nessa qualidade, devolver um conjunto de reflexões que foram, por diversas vezes, ao longo de oito anos do “Debaixo dos Arcos”, repetidamente expostas e consideradas relevantes para o desenvolvimento local e a qualidade de vida em Aveiro.

Do ponto de vista da qualificação urbana Aveiro tem carências significativas. Há duas áreas que são vitais: revitalizar, quer do ponto de vista social, quer económico, quer, essencialmente, urbano (espaço público e edificado) o centro da cidade – Rua Direita e Avenida. Mas há ainda a zona a nascente da Estação (entre o túnel e a E.N.109) que urge promover a sua urbanização; a zona da antiga Lota (agora já fora do programa do Pólis da cidade) onde poderia, com uma qualificação urbana e ambiental coerente e consistente, surgir uma marina e equipamentos complementares (lazer, turismo e ciência/educação ambiental) aproveitando ainda toda a zona lagunar e as marinhas/salinas; a zona sul do plano pormenor do centro (toda a área entre o cruzamento para S. Bernardo e o pavilhão do Galitos) onde esteve planeado o novo parque da cidade, qualificando ambientalmente toda aquela área a sul da avenida 25 de Abril (entre esta e a E.N.109) proporcionando uma melhor qualidade de vida aos aveirenses com mais espaço verde e de lazer; e, por fim, a zona a norte das Barrocas, a área das Agras do Norte, entre Esgueira e a A25, requalificando urbanisticamente todo aquele espaço “abandonado”, permitindo o crescimento da cidade.

Mas o desenvolvimento de Aveiro não estará apenas compaginado à vertente urbanística. A cidade precisa, urgentemente, de um planeamento ao nível da mobilidade, integrado e sustentável, com impactos na vertente pedonal, ciclável, da promoção do transporte público (seja ele municipal ou concessionado), do estacionamento e do ordenamento do trânsito (nomeadamente na zona da Vera Cruz).

Por outro lado, Aveiro não pode esquecer o seu património, quer por razões históricas e sociais (identidade colectiva), quer por questões económicas (turismo, por exemplo). Primeiro o seu património histórico, cultural e social, porque o presente e o futuro não se constroem renegando o passado. Seja a gastronomia, a azulejaria (a falta que faz o museu do azulejo), o sal, entre outros, Aveiro precisa de investir na sua preservação e promoção. Segundo, o seu património natural, inserido na região, como são os casos da Ria de Aveiro e das salinas/marinhas. Do ponto de vista turístico, não temos muito mais para projectar e “vender” para captar visitantes e receitas, sem esquecer a tão desaproveitada praia de S. Jacinto, a única praia do concelho.

Terceiro, do ponto de vista do património ambiental, são necessários projectos que promovam a Ria, a zona lagunar do Baixo Vouga, o retomar do projecto do Rio Novo do Príncipe (ao nível ambiental, turístico e desportivo) e a reserva ambiental de S. Jacinto.

Por fim, Aveiro precisa de promoção cultural, de vida nos espaços públicos que traga uma maior qualidade de vida e bem-estar aos aveirenses. As poucas e parcas praças que temos na cidade, Rossio, Melo Freitas, Marquês de Pombal, precisam de dinamismo, de vida, de animação, que promova o convívio, a cultura, entre os aveirenses.

É óbvio que nem tudo poderão ser prioridades, nem tudo poderá ser equacionado, face às contingências económicas do país e da autarquia. Mas, pelo menos, espero que não sejam esquecidas estas realidades, umas mais relevantes que outras, com impacto no desenvolvimento de Aveiro. Fica o contributo.

Não fazer “puto”…

Tudo indica que será esta semana, em princípio no dia 7 de fevereiro, que a Assembleia da República discutirá os novos estatutos da RTP, bem como consequentes revisões da Lei da Televisão e da Lei da Rádio. Para já, a “novidade” (se é que haverá algo que mude a influência do poder tutelar na RTP) é a criação de um Conselho Geral que surgirá rotulado de independente. Só que tal não será mais que uma nova roupagem nos estatutos da televisão pública e uma ilusão a ideia da diminuição da interferência do poder político no grupo RTP.

Segundo o interessante trabalho publicado na edição de ontem do jornal Público, “Governo terá pelo menos metade do poder decisório no novo conselho geral independente que vai criar para a RTP, a que se soma o parecer prévio e vinculativo sobre o administrador responsável pela área financeira. O Estado mantém também na sua alçada a assembleia geral, composta exclusivamente por membros designados pelo Governo. Um cenário que contraria a intenção a montante da criação do novo órgão: a desgovernamentalização da RTP” (via clube dos jornalistas).

O Governo, através do seu ministro Poiares Maduro, tem feito da desgovernamentalização da RTP a principal bandeira que sustenta a proposta dos novos estatutos da RTP. Não será, com este tipo de articulações, que tal acontecerá face ao continuar da gestão governamental (directa ou indirectamente) da televisão e rádio públicas.

Na entrevista que o Público realizou a Poiares Maduro, em relação a este novo modelo de gestão da RTP, Maria Lopes e Miguel Gaspar questionam o ministro sobre a posição do Conselho de Administração da RTP (sabida que é a sua discordância) face à proposta do Governo. A resposta é, no mínimo, inquietante: “Eu compreendo que um CA [Conselho de Administração] nomeado com um certo modelo de governo da empresa possa sentir algum desconforto por a meio desse mandato ver esse modelo alterado. Mas um Governo não pode esperar pelo fim dos mandatos dos CA das empresas públicas para mudar os modelos de governo das empresas. O importante é o CA estar ou não disponível para funcionar de acordo com este modelo. E está.” Mas será?

Mas em relação a Alberto da Ponte, presidente do Conselho de Administração da RTP, não será de estranhar uma oposição à proposta do Governo, nomeadamente no que diz respeito à questão dos financiamentos, da TDT e do recurso (ou a ausência) a fundos publicitários.

O que não admira. É certo que o grupo RTP tem a urgente necessidade de uma reavaliação do seu projecto, da sua missão e função públicas, e, obviamente, da sua gestão financeira. Mas não será com declarações bombásticas, sem respeito pelos profissionais (e muitos deles excelentes profissionais), pelo seu trabalho e pelo seu mérito, que a RTP construirá o seu futuro, de forma consistente, equilibrada e pacífica. Polémico e mal-amado desde que iniciou as suas funções à frente da RTP, não me parece que a visão que muitos têm da sua gestão melhorará, nem a imagem da falta de competência para o cargo que desempenha, quando, ao Jornal de Notícias, Revista Notícias TV, afirmou que “(…). Continuo a ver na RTP profissionais que trabalham 13 e 14 horas por dia e continua a haver na RTP profissionais que não trabalham puto. (…) Há gente na RTP que não trabalha puto. E não sou eu que o digo, são os próprios colegas dessas pessoas, que eu não vou identificar, naturalmente, mas que estão identificadas, que o dizem”.

É gravíssimo quando um administrador diz que, na empresa que (supostamente) deveria gerir e liderar, há quem não se esforce (mas que eventualmente é premiado) à custa dos colegas. Mais grave ainda é o facto de Alberto da Ponte fazer uma gestão empresarial da RTP com base no “diz que disse” e dos queixumes de alguns (não se sabe se muitos ou poucos) dos funcionários da empresa pública de rádio e televisão. E ainda mais grave é que condicione a sua reflexão sobre o mérito, o valor e o desempenho dos profissionais da RTP com base em apenas um dos seus funcionários, ao caso, do jornalista José Rodrigues dos Santos, sem que se perceba o porquê da “bitola profissional”, relegando para segundo plano todo o mérito e valor profissionais dos inúmeros jornalistas e trabalhadores da RTP (grupo).

Alguém que salve a RTP… porque se (eventualmente) há quem "não faça puto", é mais que óbvio que também há, na RTP, quem não "gere puto".

R.I.P. Philip Seymour Hoffman

O dia em que é divulgado o falecimento do actor (um dos que me prendia ao ecrã) Philip Seymour Hoffman, é "inundado" com a referência ao óscar de melhor actor principal, conquistado em 2005, pelo papel desempenhado em Capote.
Mas entre uma série de filmes que enaltecem o seu excelente desempenho como actor, fica-me para sempre na memória o seu papel no filme Doubt (A Dúvida - 2008), aliás, muito perto de conquistar o óscar de melhor actor secundário em 2009 (assim, como Meryl Streep esteve quase a conquistar a estatueta dourada pelo papel principal).

R.I.P.
O cinema ficou mais pobre.

da tolerância e do respeito

publicado na edição de hoje, 2 fevereiro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

da tolerância e do respeito

Vem a questão a propósito do meu artigo publicado ontem, aqui, sobre o eventual referendo sobre a co-adopção de crianças por casais do mesmo sexo. Vem a propósito, mas não só. Tenho, pessoalmente, alguma dificuldade em aceitar a tolerância tal como ela é empregue na sociedade de hoje. A tolerância social transmite, normalmente, um sentimento de falsa aceitação de atitudes, comportamentos, convicções, valores, distintos daqueles em que se acredita e nos movemos. Esta incoerência conduz muito rapidamente à indiferença, ao desprezo, à ofensa e, essencialmente, à ausência de respeito. Respeito pelo outro, pelas suas diferenças, pelas suas convicções, e, acima de tudo, respeito pelo garante de iguais direitos, liberdades e garantias.

No caso da co-adopção de crianças por casais do mesmo sexo (e estamos a falar de co-adopção e não de adopção, ao contrário do que propôs o PSD para o referendo) esta ausência do valor do respeito é demasiadamente preocupante. Sob a capa de uma suposta “fé” (na qual como católico não me revejo e lamento que a Igreja, em relação à mesma, permaneça indiferente, ao jeito de Pilatos) - aliás criticada pelo Papa Francisco quando, por várias vezes, reprovou a obsessão, de determinados sectores da Igreja, pelo aborto ou pela homossexualidade, em vez dos essenciais valores da fé – aquilo que são claros e evidentes direitos e liberdades, primeiro da criança e também dos cidadãos, questões do foro jurídico e do direito, são erradamente interpretados como realidades dogmáticas ou da fé, por sinal, em nada condicentes com a mensagem de Cristo: no respeito, na aceitação da diferença e do outro (com convicções, verdade e valores diferentes). E quando se pensa que o extremar das posições ocorre em quem luta pela igualdade de direitos e liberdades, eis que sectores como a Federação Portuguesa pela Vida ou, ao caso, o movimento Portugal pró Vida. Neste último caso, é inqualificável que um movimento que se diz católico (ou cristão) tenha comportamentos e afirmações públicas como esta: “Eles [defensores da co-adopção] estão cada vez mais agressivos e já ameaçam com Tribunal, inclusivamente quem, dentro da Igreja, os ataque. Se nada for feito em contrário, vamos ter ‘campos de concentração’ para quem for anti-gay, para quem defenda a família fundada num Homem e numa Mulher.” Ou, “Está cientificamente provado de forma categórica que o comportamento homossexual é muito mau para a saúde física e mental.” Ou ainda “Adopção e co-adopção gay, Não! Uma sociedade evoluída não se deve deixar levar por caprichos de franjas minoritárias e desorientadas da sociedade.” Isto é, no mínimo, intolerável, condenável e abominável.

Mas não se pense que é só nesta actual questão da agenda política e social. A ausência do valor do respeito pelos outros, pela convivência social na pluralidade e na diferença de convicções, é igualmente preocupante numa geração da juventude com responsabilidades políticas futuras. São visões extremistas, de uma ideologia bacoca que nem o período do PREC foi tão profícuo. Nas “jotas” centrista e social-democrata (actual) circulam visões da política e da sociedade como estes exemplos. “o país tem que acabar com as bolsas para áreas improdutivas como as humanidades, artes e outras pseudo-ciências que acrescentam zero à nossa sociedade. As faculdades de letras, artes, desporto, psicologia e humanidades, pela sua inutilidade, devem ser encerradas na sua grande maioria e as que fiquem devem ver a sua actividade reduzida ao mínimo, com despedimento da maioria do pessoal. O país não pode formar parasitas improdutivos” (sobre a questão das bolsas e da investigação, no ensino superior). Ou, “Infelizmente, hoje a Igreja está transformada num antro de esquerdistas”, a propósito da entrevista de D. Januário que critica o catolicismo dos actuais governantes. Ou ainda, “A escolaridade obrigatória até ao 12º ano foi mais uma medida estúpida dos governos socráticos que custou milhões de euros aos Contribuintes. 9 anos de escolaridade já chegam e sobram. No futuro devia-se era pensar em recuar novamente para o 6º. É uma vergonha que gente com 15 anos seja proibida de trabalhar em Portugal” a propósito da proposta da juventude popular no Congresso do CDS, no passado mês de janeiro (o tal “congresso dos leitões”). Por fim, bem no oposto do sentimento generalizado na sociedade e até, na própria Igreja, resta o exemplo do que é o respeito pelo valor do trabalho, pela defesa dos mais desprotegidos e dos mais sacrificados: (a propósito de uma entrevista de Sá Carneiro, ao “O Jornal”, em 6-2-1976) “Ainda bem que o PSD se livrou desta mentalidadezeca e trocou esta social-democracia de treta pelo liberalismo! Felizmente, o PSD percebeu que o poder político depende, e dependerá sempre, do sector económico”. Tudo isto culminado com uma intervenção de um deputado do PSD (Carlos Peixoto) que afirmou, recentemente na Assembleia da República, que “a diminuição da natalidade se deve, em parte, à emancipação da mulher”.

Portugal assiste, mais do que a uma crise financeira, a uma, clara, crise de valores.

O país precisa urgentemente de uma “tolerância zero” à ausência do valor do respeito pelo outro.