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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Rescaldo eleitoral europeu

publicado na edição de hoje, 28 de maio, do Diário de Aveiro

Debaixo dos Arcos

Rescaldo eleitoral europeu

Primeira nota para os resultados. Apesar do PS ter sido o partido com maior percentagem, número de votos e número de eleitos (o que, matematicamente o rotula como vencedor das eleições europeias de 2014), a verdade é que o pódio deve ser repartido por dois claros vencedores destas eleições: a CDU que reforça a sua presença europeia e surge, neste caso, como a terceira força partidária; e a surpresa Marinho e Pinto (ex-Bastonário dos Advogados) ao ser eleito eurodeputado pelo Movimento Partido da Terra, arrastando consigo mais um eleito. Há depois três casos de insucesso eleitoral: o PSD viu-se relegado para a segunda força partidária europeia, mesmo que com apenas um eurodeputado a menos que o PS e com uns pouco relevantes 3,5% de votos, aproximadamente, de diferença para os socialistas; o Livre, do ex-eurodeputado Rui Tavares que não vê espelhado nas urnas o interessante trabalho europeu que produziu nos últimos cinco anos, não tendo sido eleito; e o Bloco de Esquerda que, depois de várias “vivências” internas desde as eleições de 2011, vê o seu eleitorado cair para menos de metade (de cerca de 11% para 5%, valores arredondados) e apenas eleger a eurodeputada Marisa Matias, ficando muito aquém dos números conquistados por Marinho e Pinto e o MPT. Por fim, embora esperada, a surpreendente percentagem da abstenção (acima de 66% quando em 2009 rondou os 63%).

A segunda nota para a análise política dos resultados. O Partido Socialista, que tanto pediu um cartão vermelho ao Governo (apesar das eleições serem europeias) e um resultado histórico, apenas se pode congratular com o facto de ter sido o mais votado. Nem houve um resultado histórico, nem se destacou do PSD e do CDS (sendo a margem muito pequena ou pouco relevante) e nem conseguiu capitalizar o voto de protesto, conforme demonstra a percentagem conquistada (cerca de 31%). Aliás, o PSD e o CDS, em coligação, sofreram, de facto, uma queda de 4% dos votos em relação a 2009, mas não tão significativa quanto o PS esperaria (e pediu) e sem grande transferência de votos para as cores socialistas (o que não significa que o cenário legislativo não possa ser diferente do que foram estas eleições). A verdade é que o grande cartão vermelho e o “voto de protesto” ao Governo veio pelo lado da abstenção (que cresceu ao contrário do que aconteceu no resto da Europa), muita com origem na sua própria faixa partidária e eleitoral. Daí o óbvio e obrigatório arrefecimento do júbilo socialista, já que os resultados não foram tão expressivos quanto esperavam e sem dar origem a fundamentação sustentada para uma extrapolação para as próximas eleições legislativas, deixando ainda muitas dúvidas à liderança de António José Seguro e à sua capacidade para criar uma alternativa socialista ao actual Governo. A CDU demonstrou, como já o tinha feito nas autárquicas de 2013, uma coerência e constante eleitoral relevante e expressiva, sendo aqui, claramente espelhado o voto do descontentamento face à Europa. Por outro lado, Portugal assistiu a um novo processo de populismo eleitoral com a eleição de Marinho e Pinto. Este resultado, a par da elevada abstenção, deviam obrigar os partidos, principais responsáveis pela crise democrática e pelo afastamento dos cidadãos em relação às instituições e à política, a reflectirem sobre as suas práticas políticas, sobres as suas estratégias, sobre os seus desempenhos democráticos. Porque este foi, claramente, um resultado da indiferença democrática, de uma alternativa ao voto em branco (ou nulo), que dificilmente terá expressão numas eleições legislativas, mas que já teve expressão nos movimentos de independentes nas recentes autárquicas do ano passado. Além destes factos, importa ainda olhar para os resultados do BE e do recém criado Livre. O BE vive, desde de 2011 (pelo menos) uma crise de identidade, de consolidação e de estruturação que serão espelhadas nas próximas eleições legislativas, obrigando a um acrescido trabalho árduo. Quanto ao Livre, a não eleição de Rui Tavares (injusta) deverá ter reflexos num partido criado muito em torno destas eleições, da figura do ex-eurodeputado, muito em cima dos acontecimentos, sem tempo para amadurecer. E os reflexos são óbvios: a incapacidade de afirmação pública e de estruturação interna para as eleições legislativas de 2015.

Terceira nota e final. Os surpreendentes resultados europeus dos partidos extremistas (à direita e à esquerda) como a vitória em França da Frente Nacional, na Grécia do Syriza e do terceiro lugar do Aurora Dourada, ou dos anti-europeístas (como, por exemplo o britânico UKIP). Curiosamente, para os partidos ditos tradicionais e dos arcos governativos respectivos estes resultados apresentam-se como preocupantes. De facto e não devem ser subvalorizados, porque a verdade é que este crescimento dos radicalismos e extremismos, e este descontentamento em relação ao futuro da Europa deverá merecer preocupações e reflexões futuras e um assumir, por parte dos partidos tradicionais, da sua enorme responsabilidade nos ferimentos na democracia, na desvalorização do papel da política, e, no caso em concreto, no desvirtuar do espírito que esteve na génese da União Europeia.

It's all folks - Seguro vs Costa

Não é inédito este confronto entre António José Seguro e António Costa. Aliás, é resultado da eleições de 2011 e os constantes ataques internos à liderança de Seguro por parte da facção de Costa e de José Sócrates, sempre nos momentos altos da política nacional, independentemente se em eleições e indiferente aos resultados obtidos. E tem sabido fazer as delícias informativas (entenda-se o trabalho "spin") da imprensa nacional, desde o Expresso ao Público, passando pelo recém criado Observador, bem como pelos canais da televisão. Embora, ao contrário do que indica o título do jornal Público, António Costa não avança para a liderança, até porque isso é complexo do ponto de vista estatutário, mas sim mostra-se disponível para avançar, o que é bem diferente.

Quando se esperava que os resultados eleitorais do passado domingo trouxessem alguma instabilidade na coligação governativa, eis que a surpresa surge, mais um vez, do lado do Largo do Rato (PS). Sem qualquer sentido, sem deixar sequer arrefecer as emoções eleitorais.

É certo que apenas António José Seguro e a sua faixa de apoiantes viram, nos resultados eleitorais de domingo, motivos para grandes festejos e sustentação política para discursos de mudança. A derrota do PSD/CDS não foi histórica, nem a vitória socialista expressiva, distante e esmagadora.

É verdade que António José Seguro não tem tido a capacidade e a liderança necessárias para capitalizar em votos uma alternativa capaz ao actual estado das coisas e ao actual Governo. Mesmo com a expressividade dos resultados das eleições autárquicas, há também aí uma responsabilidade repartida pela má gestão interna do PSD no processo das escolhas dos candidatos originando um excessivo número de candidaturas independentes, muitas com vitórias conseguidas.

Mas é um facto que Seguro é o actual líder socialista, que em condições normais só será substituído em 2016, muito após os últimos actos eleitorais próximos (2015 - legislativas e presidenciais). E não serão sondagens realizadas em cima de actos eleitorais que têm qualquer expressividade e impacto em 2015.

Por outro lado, é ainda uma realidade que a oposição interna a Seguro parece querer esquecer e esconder. Grande parte da lista às eleições europeias do passado dia 25 era formada por candidatos "rotulados" como oposição à liderança de António José Seguro (a chamada facção Costa e socrática). Isto significa que as vozes que se ergueram, mais uma vez, contra Seguro (Manuel Alegre, Mário Soares, Isabel Moreira, João Galamba, etc.) e que voltaram a acenar com o fantasma da conquista da liderança pelo novo "D. Sebastião" socialista, António Costa, não assumem a responsabilidade própria no falhanço dos resultados eleitorais (apesar da vitória relativa).

E para o Governo, para o PSD e CDS, e até mesmo para partidos à esquerda do PS, como o BE e o PCP, nada melhor para respirarem de alívio e ganharem novos fôlegos que mais esta tentativa de liquidação da liderança socialista.

No fundo, temos mais um déjà vú, mais um folhetim da vida interna do PS, no ressuscitar de novas guerrilhas pela cadeira da liderança do partido, mas sem qualquer tipo de consequências práticas, como têm demonstrado os congressos e os conselhos nacionais.

Aliás, é interessante recordar estes dados divulgados pelo expresso, em fevereiro de 2013, em plena preparação das eleições autárquicas que o PS, com António José Seguro na liderança, ganhou, em setembro de 2013, de forma expressiva e clara.

António Costa é o melhor para liderar o PS

Com amigos assim, os restantes partidos (do governo ou não) nem precisam de se preocupar com o trabalho de oposição.

A gasolina está derramada, basta chegar o fósforo.

Notas europeias

Conhecida a totalidade dos eurodeputados eleitos, confirmando-se o que já era esperado face aos resultados apurados no domingo (PS 8; PSD/CDS 7; CDU 3; MPT 2; BE 1), ficam aqui algumas notas que servem de antevisão ao artigo que será publicado na edição de amanhã, 28 de maio, do Diário de Aveiro.

1. Apesar do PS ter conquistado o maior número de eurodeputados e o maior números de votos  verdade é que os dois grandes vencedores destas eleições, me Portugal, foram a CDU e o MPT que, para além do populismo e da visibilidade do ex-Bastonário dos Advogados, Marinho e Pinto, ainda elege um eurodeputado "a reboque".

2. Ao contrário do que o PS esperaria e que, durante a campanha, não se cansou de pedir ao eleitorado, o cartão vermelho ao Governo veio por parte da abstenção e não pela capitalização de votos no partido (conquistando apenas cerca de 31%). Não fora, aliás, a excessiva politização interna das eleições europeias e poder-se-ia questionar os resultados obtidos por todos, com eventual excepção para o PCP que mantém um interessante estabilidade e coerência eleitoral.

3. A derrota histórica do PSD/CDS não se constatou com tanta intensidade como o pretendido pela oposição, sendo pouco significativa a diferença de percentagem de votos para o PS (pouco mais de 3%) e apenas a diferença de um lugar europeu. A excessiva preocupação com guerrinhas demagógicas com os socialistas e a obsessão por José Sócrates desviaram a mensagem da coligação do essencial: a Europa. Apesar da queda verificada para os partidos do Governo, a penalização veio por parte da abstenção, muita da qual do próprio eleitorado social-democrata e centrista desiludido e não pela transferência de votos para outras forças políticas.

4. Acresce ainda que esta abstenção é um cartão vermelho à maioria dos partidos. Por um lado pela forma como têm desvalorizado e denegrido o papel das instituições e da política, sendo os principais responsáveis pelo afastamento dos portugueses em relação à política e aos processos democráticos; por outro lado, o completo desinteresse dos portugueses pela Europa, apesar do impacto que esta teve na vida interna do país, nomeadamente nos últimos três anos. Um desinteresse que tem origem no desconhecimento da importância da Europa na vida interna dos países (a nível legislativo, económico, social) e ainda pela forma como a maioria dos partidos se desviou do essencial da campanha (as eleições europeias e a Europa) para se centrarem em guerras internas sobre política nacional e quezílias sem qualquer tipo de interesse a não ser criar ruído. Aliás, o que estas eleições tiveram foi demasiado ruído e muito pouca, ou quase nenhuma, clareza e bom-senso na campanha.

5. O BE é outro dos derrotados destas eleições, com a maior queda de percentagem de votos registada, tendo, inclusive, sido ultrapassado nos votos expressos pelo MPT. A eleição de Marisa Matias soube a muito pouco e não é o suficiente para disfarçar a preocupação bloquista em relação ao seu futuro, nomeadamente desde as eleições de 2011.

6. Decepção (e pessoalmente injusta) foi a não eleição do ex-eurodeputado Rui Tavares pelo recém criado partido Livre. O partido, constituído muito em cima do processo eleitoral e sem tempo de maturação, não foi suficiente para capitalizar a imagem de Rui Tavares e o seu interessante trabalho europeu. Daí alguma injustiça face à eleição de eurodeputados com base na visibilidade e no populismo. Aliás, se estas eleições europeias têm é algo de injusto em relação ao papel importante desenvolvido por vários eurodeputados: o caso da não eleição de Rui Tavares; as exclusões de Regina Bastos, Edite Estrela, Capoulas Santos das listas do PSD e do PS.

7. Quanto ao Livre, face ao pouco impacto eleitoral conquistado e tendo sido o partido criado muito em torno da realidade europeia, não se afigura um futuro muito fácil daqui para a frente.

8. Há, por último, um dado que importa destacar. A análise política e a reflexão que os países e as instituições europeias devem fazer quanto ao futuro da Europa e à forma como se tem vindo a degradar o espírito que esteve na génese da criação da Comunidade Europeia, face aos resultados que se verificaram: elevado número de votos em partidos radicais e extremistas (à direita e à esquerda, casos da França, Bélgica, Grécia) e em partidos anti-europeístas (como o caso do UKIP, no Reino Unido).

não nos tomem por parvos (desemprego)

publicado na edição de hoje, 21 de maio, do Diário de Aveiro. (revisto e republicado)

Debaixo dos Arcos

Da série… não nos tomem por parvos (desemprego)

A um Governante, ao caso o Primeiro-ministro, pede-se Honestidade e Verdade, entre outras características.

Algo que em Passos Coelho se afigura difícil de encontrar, bastando, para tal, recordar o que foram as suas promessas eleitorais em 2011 [corrigo: anteior estava, erradamente 2001] e o que foi o resultado da sua governação nestes três anos de mandato. E eu, muito particularmente, que o diga.

E mais uma vez Pedro Passos Coelho não é, na sua demagogia e retórica política, honesto e verdadeiro.

E já chega de querer fazer passar por parvos os portugueses (assim o espero).

No jantar-comício realizado na passada sexta-feira, aqui, precisamente, em Aveiro, em plena campanha para as eleições europeias deste mês (dia 25), o Primeiro-ministro referiu-se aos dados divulgados pelo IEFP sobre o desemprego (diminuição do número de portugueses inscritos nos Centros de Emprego), congratulando-se pelos valores e justificando o sucesso das políticas do Governo. Melhor dizendo, algo que o chefe do Governo não sublinhou (ou não quis sublinhar), referindo-se, apenas, ao número dos desempregados inscritos nos centros de emprego. De facto, os dados revelados mostram que, em abril deste ano, houve uma queda do número de desempregados inscritos em cerca de 8,3%, comparado com igual período de 2013.

Só que Pedro Passos Coelho faltou à verdade, escondeu a realidade e não mostrou os dados todos. Ou propositadamente não o quis fazer.

É que a redução do número de desempregados inscritos (que aliás não corresponde ao número de desempregados de longa duração, que aumentou 2,6%) tem outra leitura bem distinta da demagogia e politiquice do discurso do Primeiro-ministro.

Primeiro, porque o número de empregados diminuiu, segundo o INE, no primeiro trimestre de 2014 (cerca de menos 42 mil empregos que em 2013).

Segundo, porque a redução do número de desempregados registados não significa (como aliás o INE o prova) que tenha havido mais portugueses empregados. Antes pelo contrário. Significa que deixaram de ter direito aos apoios sociais, que emigraram, que desistiram de procurar emprego, que passaram a inactivos. Registe-se, segundo os valores do INE, que, em Portugal, há cerca de 500 mil desempregados há mais de um ano e que cerca de 310 mil procuram ocupação laboral há mais de dois anos.

Terceiro, o último relatório da OCDE referencia Portugal como o terceiro país com a taxa de desemprego mais elevada entre os países membros.

Quarto, é importante referir, a bem da verdade a que faltou Passos Coelho, que o número de desempregados inscritos (em percentagem) está directamente relacionado com a população activa. Sabendo-se que esta é, hoje, menor, por razões do défice demográfico, pela emigração e pelo elevado número de desempregados, torna-se óbvio que a percentagem tende a diminuir. Sem que isto signifique uma redução real do desemprego que se estima, segundo o INE, numa taxa real de cerca de 19,3%.

Isto não são razões para festejos, foguetes ou brindes com champanhes.

Chega de mentiras e areia para os olhos dos portugueses.

É que o desemprego não engana… é limpinho, limpinho.

Brindar a quê?

publicado na edição de hoje, 18 de maio, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Brindar a quê?

Portugal chegou ao fim do processo de ajuda externa de resgate financeiro. Isso é um facto. A opção tomada (e imposta) foi a da chamada “saída limpa”, sem outro resgate ou qualquer programa cautelar. Mas também importa referir, a bem da verdade, que, por mais que o Governo queira fazer acreditar, tal realidade não significa um “adeus” à Troika, já que a monitorização e fiscalização ao cumprimento das metas do défice e ao ajustamento das contas públicas durará mais alguns significativos anos. Sejamos realistas e factuais. Lembremos uma anedota antiga sobre uma visita guiada a um jardim zoológico. Perante a descrição do guia junto à jaula das hienas, no fim uma das crianças questiona o guia sobre a característica principal das hienas apresentadas como um animal que está sempre a ‘rir’: “se a hiena é um animal que tem relações sexuais apenas uma vez por ano, come os excrementos dos outros animais… ri de quê?” O mesmo se pode transpor para a euforia desmesurada com que o Governo tem celebrado o fim do programa de ajuda externa.

Primeiro, porque é falso que o actual Governo não tenha responsabilidades políticas na entrada da Troika em Portugal, quando o PSD, no final da última governação socialista, foi parceiro negocial do memorando de entendimento. Aliás, não só foi parceiro como o co-assinou (com direito a foto de telemóvel). Segundo, porque não passa de demagogia política e eleitoralista (face ao aproximar dos ciclos eleitorais) todo este gáudio do Governo em querer ver “pelas costas” a Troika, de quem dependeu ao longo dos últimos três anos, a quem sempre estendeu a mão, e quer serviu de referência para aplicação de políticas que o próprio Governo apelidou de irem para além do memorando. Perdoem a expressão, mas, de forma popular, é o mesmo que “cuspir no prato onde se comeu”. Terceiro, regressando à referida anedota, o Governo brinda a quê? Há uma incerteza reconhecida, não só internamente, mas também pelas instituições internacionais (FMI, OCDE, UE) que Portugal não está isento de riscos de não cumprir a meta dos 2,5% do défice em 2015, mesmo sem contarmos com eventuais agravamentos da conjuntura económica internacional. Daí que seja discutível, neste período pós-Troika que começamos a viver, para segurança e sustentabilidade da nossa saída da crise, a escolha de uma saída limpa em vez de um programa cautelar que não tem, obrigatoriamente, que significar um eventual falhanço da governação. Pior será quando, dentro de um ano, tivermos de recorrer a um segundo resgate. Aí sim… é o nosso fim.

Mas apara além disso, é difícil de reconhecer muitas razões para tantos festejos, brindes e champanhes à mistura. Os portugueses (e o país) estão mais pobres. A carga fiscal dos portugueses aumentou 8,1% em 2013 (cerca de 58 mil milhões de euros), à qual acresce o aumento da TSU, o aumento do IVA e, apesar de desagravada, as taxas da CES. Aliás, no próprio relatório da 11ª avaliação é clara a posição do FMI que diz que em 2015, para o cumprimento da meta do défice, o Governo terá de voltar a sobrecarregar os portugueses com mais impostos, para um patamar na ordem dos 25% (mais 1,4 mil milhões de euros do que o previsto para 2014). Além disso, o número de trabalhadores com vencimentos mensais inferiores ao salário mínimo (por exemplo, 310 euros) é, hoje, maior que em 2011 (antes da Troika) e há menos 25% de trabalhadores no patamar dos 1800 euros mensais (o que hoje se pode considerar uma fortuna). As pensões mais baixas (assim como o valor do salário mínimo nacional que, por força do novo valor da TSU, para além de não subir, fica mais baixo) são as mais penalizadas, e os funcionários públicos terão nova taxa da ADSE e novas tabelas salariais (por força da reorganização de carreiras e categorias) que reduzirão, na maioria dos casos, o valor do trabalho mensal. Acresce ainda a vertente social da crise: em 2013, a AMI registou uma média de 409 novos casos de pobreza, por mês (um aumento de cerca de 5000 em relação a 2012); o crédito mal parado aumentou já em 2014; e Portugal mantém a terceira taxa de desemprego mais alta da OCDE (a taxa reduziu de 15,3% para 15,1% sem que no entanto tal signifique a criação de emprego). Aliás, em relação ao desemprego, o primeiro trimestre de 2014 é preocupante: continua a vaga de emigrações; aumenta o número de desempregados sem direito a subsídio de desemprego; o primeiro trimestre deste ano registou a perda de 42 mil postos de trabalho. Acresce a grave realidade da vertente demográfica.

Mas o país não está melhor. Um relatório do INE revelou que no primeiro trimestre de 2014 o custo do trabalho em Portugal aumentou 1,5% e o número de empresas caiu em 2013 cerca de 4%. Os dados do INE são ainda negativos: o défice comercial agravou-se no início deste ano com as exportações a aumentarem 1,7% mas muito abaixo do aumento das importações que foi de 6%. Além disso, a economia nacional caiu quase 1% (0,7%), numa altura em que a OCDE prevê, para o país, a necessidade de uma consolidação orçamental na ordem dos 1 a 3% do PIB.

Regressando ao riso da hiena, importa recordar um velho ditado a propósito de tanto foguetório governamental: “quem ri por último… ri melhor”.

da série... não nos tomem por parvos (#3) - Desemprego

A um Governante, ao caso o Primeiro-ministro, pede-se Honestidade e Verdade, entre outras características.

Algo que, em Passos Coelho, se afigura difícil de encontrar, bastando, para tal, recordar o que foram as suas promessas eleitorais em 2001 e o que foi o resultado da sua governação nestes três anos de mandato. E eu, muito particularmente, que o diga.

E mais uma vez Pedro Passos Coelho não é, na sua demagogia e retórica política, honesto e verdadeiro.

E já chega de querer fazer passar por parvos os portugueses (assim o espero).

No jantar-comício de ontem, aqui, precisamente, em Aveiro, em plena campanha para as eleições europeias deste mês (dia 25), o Primeiro-ministro referiu-se aos dados divulgados pelo IEFP sobre o desemprego, congratulando-se pelos valores e justificando o sucesso das políticas do Governo. Melhor dizendo, algo que o chefe do Governo não sublinhou, referiu-se ao número dos desempregados inscritos nos centros de emprego. De facto, os dados revelados mostram que, em abril deste ano, houve uma queda do número de desempregados inscritos em cerca de 8,3%, comparado com igual período de 2013.

Só que Pedro Passos Coelho faltou à verdade, escondeu a realidade e não mostrou os dados todos.

É que a redução do número de desempregados inscritos (que aliás não corresponde ao número de desempregados de longa duração, que aumentou 2,6%) tem outra leitura bem distinta da demagogia e politiquice do discurso do Primeiro-ministro.

Primeiro, porque o número de empregados diminuiu, segundo o INE, no primeiro trimestre de 2014 (cerca de menos 42 mil empregos que em 2013).

Segundo, porque o a redução do número de desempregados registados não significa (como aliás o INE o prova) que tenha havido mais portugueses empregados. Antes pelo contrário. Significa que deixaram de ter direito aos apoios sociais, que emigraram, que desistiram de procurar emprego, que passaram a inactivos. registe-se, segundo os valores do INE, que, em Portugal, há cerca de 500 mil desempregados há mais de um ano e que cerca de 310 mil procuram ocupação laboral há mais de dois anos.

Terceiro, o último relatório da OCDE referencia Portugal como o terceiro país com a taxa de desemprego mais elevada entre os países membros.

Quarto, é importante referir, a bem da verdade a que faltou Passos Coelho, que o número de desempregados inscritos (em percentagem) está directamente relacionado com a população activa. Sabendo-se que esta é, hoje, menor, por razões do défice demográfico, pela emigração e pelo elevado número de desempregados, torna-se óbvio que a percentagem tende a diminuir. Sem que isto signifique uma redução real do desemprego que se estima, segundo o INE, numa taxa real de cerca de 19,3%.

Isto não são razões para festejos, foguetes ou brindes com champanhes.

Chega de mentiras e areia para os olhos dos portugueses.

Jornal de Negócios indica saída

Tal como o Pedro Santos Guerreiro já o afirmou publicamente, a capa de hoje do Jornal de Negócios está simplesmente soberba.
A simplicidade do "branco", com poucas cores que distraiam do essencial: a manchete com a saída da Troika.
Muito bom. Mesmo, muito bom.
Parabéns ao Negócios e à Helena Garrido.


p.s. Tenho, como o disse várias vezes, uma admiração e respeito pelo jornalista Pedro Santos Guerreiro e fui um dos que ficou surpreso com a sua saída do Jornal de Negócios - embora sem o comentar porque foram razões do foro pessoal que não me dizem respeito, como é óbvio... mas, hoje, para os "velhos do restelo" e para os "derrotistas e más línguas" que previam um futuro cinzento para o JNegócios aqui está a prova, mais que provada, das capacidades de liderança por parte da Helena Garrido. Mais nada...

O (des)apoio ao Poder Local

publicado na edição de hoje, 14 de maio, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

O (des)apoio ao Poder Local

Na sessão solene da celebração do Feriado Municipal (na segunda-feira), o Presidente da Câmara Municipal de Aveiro, Ribau Esteves, no seu discurso apelou ao sentido de unidade e cooperação entre as forças vivas de Aveiro: o poder político, o sector empresarial, social e cultural. Com esta realidade seria possível criar uma maior sustentabilidade ao crescimento e desenvolvimento do Município de Aveiro.

A referência ao discurso do edil aveirense serve para contextualizar e retomar o que escrevi, na edição do dia 30 de abril, sob o título “Portas que ‘Abril’ abriu” e referente ao Poder Local.

Sendo certo que o país não pode estar sempre e exclusivamente dependente da alçada (entenda-se, subsidiação) do Estado, também não deixa de ser verdade que é o mesmo Estado que tem uma dificuldade “patológica” em libertar determinadas “amarras” que vão sufocando o país. Uma dessas amarras é a relação com o Poder Local. Ao exemplo apontado no artigo do dia 30 de abril, relacionado com a malfadada Reforma Administrativa Autárquica implementada em 2013 (agregações de freguesias, etc.), acresce outra realidade que espelha a forma como o Governo de Pedro Passos Coelho olha para as autarquias (municípios e freguesias).

Uma das fundamentações usadas pelo Governo (à época, pelo ex-ministro Miguel Relvas) para a aplicação da Reforma Administrativa das Autarquias (freguesias) era a eventual redução de custos e encargos nas contas públicas geradas pelos órgãos autárquicas (algo que não se verifica, na prática). No entanto, a bem da verdade, neste contexto falhado da redução de custos com a eliminação de cerca de 1500 freguesias, não significa que não haja a necessidade de se rever a Lei das Finanças Locais e os investimentos a nível municipal e regional, já que são factos comprovados a existência de cerca de 30 os municípios financeiramente insustentáveis, insolventes ou com graves desequilíbrios orçamentais. E esta realidade não é nova.

De tal forma que, em 2012, o Governo “preocupado” com esta realidade disponibilizou uma linha de crédito de cerca de 1,2 mil milhões de euros para que as autarquias asfixiadas financeiramente pudessem sustentar as suas dívidas de curto prazo (90 dias): nascia o famoso PAEL - Programa de Apoio à Economia Local. No entanto, passados quase dois anos, são algumas as autarquias (cerca de uma dezena) que se candidataram ao Programa e que ainda não receberam os valores acordados e delineados. Mais… face às dificuldades sentidas e aos obstáculos criados, há autarquias, como o caso do Município de Montemor-o-Velho, por exemplo, que ponderam seriamente abandonar o Programa do PAEL, se é que já não o fizeram. E ainda no exemplo citado, o próprio Estado (Governo) não está isento de culpa na dimensão dos problemas financeiros da autarquia, pela responsabilidade de alguns investimentos gerados sem preocupação de sustentabilidade ou de financiamento, como é o caso da Pista de Remo. Ou como será também exemplo o impacto nas finanças locais da construção do Estádio em Aveiro para o Euro 2004.

Tendo como perspectiva uma resposta sustentada ao problema das dívidas das cerca de 30 autarquias, algumas das quais bem graves (Seixal, Portimão, Cartaxo, Aveiro, etc.), o Governo anunciou, em novembro de 2013, a criação de um novo programa: o Fundo de Apoio Municipal (FAM), com uma verba a rondar os mil milhões de euros, e que estaria regulamentado no início de 2014 (fevereiro). Paradoxalmente, quando o próprio Governo não fechou, ou concluiu devidamente, o processo PAEL. Só que entre o anúncio do novo programa de apoio municipal e a sua concretização, pelo menos ao nível legislativo, vai uma grande distância e um considerável número de adiamentos da sua materialização. O que volta a espelhar e a demonstrar a falta de respeito que este Governo demonstra pelo Poder Local e pelas comunidades autárquicas.

Anunciado para fevereiro, a data foi dilatada até abril, sendo que já não será em maio que o mesmo estará disponível para os Municípios, perspectivando-se o verão de 2104 como a próxima data. Até lá, apesar dos insistentes apelos da Associação Nacional dos Municípios Portugueses para uma urgente clarificação e resolução governativa para a ausência do FAM… o Poder Local vai perdendo sustentabilidade, capacidade e criatividade para ir contornando uma realidade que, obviamente, com o passar do tempo vai tomando maiores e complexas dimensões.

Como não há eleições autárquicas, não há nem PAEL, nem FAM que valha às Câmaras Municipais. É mais uma saída limpinha, limpinha, da responsabilidade deste Governo.

O (des)apoio ao Poder Local

A propósito deste texto (“Portas que ‘Abril’ abriu”) factos vindo a público recentemente demonstram a forma como tem sido tratado o Poder Local pelo Governo, volvidos 40 anos após o ‘25 de Abril’.

Uma das fundamentações usadas pelo Governo (à época, o ex-ministro Miguel Relvas) para a aplicação da Reforma Administrativa das Autarquias (freguesias) era a eventual redução de custos e encargos nas contas públicas provocadas pelos órgãos autárquicas (algo que não se verifica, na prática). No entanto, a bem da verdade, este contexto falhado da redução de custos com a eliminação de cerca de 1500 freguesias, não significa que não haja a necessidade de se rever a Lei das Finanças Locais e os investimentos a nível municipal e regional, já que são factos comprovados a existência de cerca de 30 municípios financeiramente insustentáveis, insolventes ou com graves desequilíbrios orçamentais. E esta realidade não é nova.

De tal forma que, em 2012, o Governo “preocupado” com esta realidade disponibilizou uma linha de crédito de cerca de 1,2 mil milhões de euros para que as autarquias asfixiadas financeiramente pudessem sustentar as suas dívidas de curto prazo (90 dias): nascia o famoso PAEL - Programa de Apoio à Economia Local. Acontece que, passados quase dois anos, são algumas as autarquias (cerca de uma dezena) que se candidataram ao Programa e que ainda não receberam os valores acordados e delineados. Mais… há autarquias, como o caso do Município de Montemor-o-Velho, que ponderam seriamente abandonar o Programa do PAEL.

Além disso, com a perspectiva de uma resposta sustentada ao problema das dívidas das cerca de 30 autarquias, algumas das quais bem graves (Seixal, Portimão, Cartaxo, Aveiro, etc.), o Governo anunciou, em novembro de 2013, a criação de um novo programa: o Fundo de Apoio Municipal (FAM), com uma verba a rondar os mil milhões de euros, e que estaria regulamentado no início de 2014 (fevereiro). A data foi dilatada até abril, sendo que já não será em maio que o mesmo estará disponível para os Municípios perspectivando-se o verão de 2104 como a próxima data.

Até lá… o Poder Local que se desunhe. Como não há eleições autárquicas, não há nem PAEL, nem FAM que valha às Câmaras Municipais.

É mais uma saída limpinha, limpinha.

Descubra as diferenças... Zero!

Um dos factores críticos, de censura, de afastamento, de desilusão, em relação ao Governo reside na diferença colossal, numa verdadeira espiral recessiva do discurso político, entre as posições assumidas por Pedro Passos Coelho (‘novo’ PSD) no período (1 ano) que antecederam o chumbo do PEC IV e a campanha eleitoral de 2011, e toda a governação exercida, onde se incluem todas as demagogias e enganos cometidos por este Governo. A ponto de perder a identificação com este PSD (por mais velas que apaguem neste 40º aniversário, longe dos princípios e fundamentos da social-democracia que esteve na sua génese e tão proclamada por Sá Carneiro); a ponto de reconhecer que se o arrependimento matasse o meu voto, em 2011, teria sido, claramente, outro (mesmo que não fosse noutro partido).
Mas o problema é que as alternativas existentes tornam difícil acreditar noutras soluções, acreditar noutros discursos, acreditar noutras realidades políticas.
Pedro Passos Coelho enquanto oposição, antes das eleições de 2011, tinha um discurso… Pedro Passos Coelho enquanto Primeiro-ministro teve outro completamente diferente.
O que os políticos têm de começar a perceber é que já não vale a pena tentarem fazer de parvo o eleitorado. Já estamos demasiado calejados.
E quando lemos declarações destas, “Seguro promete não aumentar impostos nem despedir funcionários públicos”, só nos podemos rir, no mínimo. Isto para não sermos malcriados e deselegantes.
E o líder socialista afirma isto sem o mínimo de um sorriso, sem qualquer tipo de vergonha e pudor. O mesmo líder que, em março, reconhecia a dificuldade na reposição do nível salarial, das pensões e das prestações sociais de 2011 num futuro próximo.

António José Seguro, ao mesmíssimo canal de televisão (SIC Notícias) afirmava, questionado sobre o tema: "A resposta séria é não. Nem os portugueses imaginariam, nem nunca ouviram do líder do PS nenhuma proposta demagógica para voltarmos a 2011 porque não é possível. As contas públicas portuguesas não o permitem."
Voltamos a 2011… se isto é assim na oposição e em períodos eleitorais, já se imaginará o “filme” se, eventualmente, na “cadeira do poder”.

O algodão não engana

Publicado na edição de hoje, 7 de maio, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

O algodão não engana

Este título espelha uma frase publicitária, bem conhecida dos portugueses, referente a um produto de limpeza. Mantendo a eficácia publicitária, a verdade é que o algodão continua a não enganar. De tal modo que ao passarmos o algodão por cima do anúncio, no passado domingo, proferido pelo Primeiro-ministro sobre o tipo de saída do memorando de ajuda externa a conclusão é uma: o algodão continua a não enganar. Só que, desta vez, não sai branco e limpo… sai sujo.

A anunciada saída limpa é, acima de tudo e essencialmente, uma retórica política e eleitoralista.

Política porque convém ao Governo, aos parceiros europeus (nomeadamente os países do norte da Europa, com a Alemanha à cabeça), ao Banco Central Europeu e ao FMI, findos estes três anos de intervenção que o programa de ajustamento se afigure como um sucesso. Deste modo, evitando constrangimentos nos processos eleitorais que decorrerão nos vários países (por força das eleições europeias de 25 de maio próximo) e condicionando a oposição interna nacional, para quem (tantas vezes proferido pelo PS) uma não saída limpa significaria o fracasso das políticas e das medidas aplicadas desde 2011 pelo Governo PSD-CDS.

Por outro lado, o Governo ao anunciar esta “saída limpa” pretendeu dar a imagem de que os sacrifícios exigidos aos portugueses, às famílias e às empresas, tiveram o mérito de alcançar os pressupostos e os compromissos assumidos na assinatura do Programa de Ajustamento, resultaram em 12 avaliações positivas, consolidando a confiança dos mercados (redução das taxas de juro da dívida) e o saldo positivo na balança externa. Bandeiras que estrão na linha da frente da campanha eleitoral deste mês e das legislativas de 2015. Afinal, as eleições são importantes.

No entanto, importa não esquecer que as metas alcançadas são fruto do empobrecimento do país, a degradação da economia, uma elevada taxa de desemprego e um ajustamento dos mais severos da Europa (o terceiro) no que se refere à carga fiscal. Algo que a dita “saída limpa” não consegue esconder, tendo sido sustentada numa nova subida de impostos sobre o consumo (IVA) e o valor do trabalho (TSU), novos ajustamentos (mesmo que mais suaves) das Contribuições Especiais (tidas agora como permanentes), com impacto na economia, no custo de vida, nas pensões e nos salários, aos quais não fica alheio o salário mínimo que, em vez de uma eventual subida, vê o seu valor reduzido por força da nova taxa. Por outro lado, há ainda a realidade dos processos de austeridade, mesmo que mais ligeiros, se prolongarem por algumas décadas (há quem aponte 2030, numa perspectiva optimista).

A verdade é que o sucesso do ajustamento, alicerçado numa excessiva acção sobre o lado da receita (aumento de impostos) e das despesas sociais (corte nas prestações sociais e deduções), deixou de lado outras despesas do Estado (as chamadas “gorduras”), medidas de alavancagem da economia e a tão proclamada, mas igualmente protelada, Reforma do Estado.

Além disso, o Governo, para “limpar” a sua imagem política e se apresentar como vencedor (e salvador), não teve qualquer preocupação com o futuro, nem com os vários avisos internos ou externos. Nomeadamente os do Presidente da República e os das Instituições Internacionais que continuam a apontar riscos para o ajustamento das contas públicas, para o cumprimento das metas do défice e para a economia. Avisos que alertam igualmente para vários processos que ficaram por implementar (por exemplo, a tal Reforma do Estado) e para o excesso da carga fiscal existente em Portugal.

Deixar o país sujeito aos estados de alma e variações de humor dos mercados financeiros, sem qualquer sustentabilidade, é um completo tiro no escuro, sem rede, sem apoio e que poderá condicionar ainda mais a vida dos portugueses, num futuro muito próximo.

Teria sido perfeitamente compreensível e aconselhável, devidamente fundamentado do ponto de vista económico e político, a saída com um programa cautelar, mesmo que mínimo, muito para além de uma simples “carta de conforto”, que fosse o garante da estabilidade das contas públicas e do seu ajustamento, e o suporte para o desenvolvimento da economia nacional.

Porque a Troika essa estará, garantidamente, presente por muitos e muitos anos, seja com cautelar ou saída limpa. Isso sim, é… limpinho, limpinho. E o algodão não engana.

Às Mães... a ler os outros (Cristina Esteves)

A leitura indicia uma relação contextual com o Dia do Trabalhador (1º de Maio). Não por acaso foi escrito logo após as comemorações do 1º de Maio. Não fora esta data, o texto poderia igualmente ser extremamente pertinente para o Dia da Mulher.

Mas a verdade é que a jornalista da RTP, Cristina Esteves, na sua crónica quinzenal no Diário Económico, é extremamente feliz na oportunidade e conjunção do Dia do Trabalhador com o Dia da Mãe.

O resultado não podia ser melhor. Sem o recurso a feminismos demagogos ou radicalismos conceptuais, a Cristina Esteves consegue ultrapassar o misticismo dos cansáveis "Hoje é Dia de...", das inúmeras e cada vez mais desvalorizadas e desvirtuadas efemérides, para apresentar uma reflexão importante e interessante sobre o papel das mães enquanto trabalhadoras/empregadas. Nomeadamente, nos desafios, obstáculos e limitações que se colocam às mães/trabalhadoras na realidade laboral dos dias de hoje.

Neste "A ler os outros...", sobre o artigo de opinião da Cristina Esteves "Diferenças no Género" (publicado na edição de sexta-feira, dia 2 de maio, do Diário Económico), fica espelhado e expressado o meu respeito e consideração por todas as Mães, com destaque para aquelas que, de forma heróica, se dividem entre a família e o trabalho.

A minha mãe foi disso exemplo...

A da minha filha exemplo é.

A "latósia" da fraude fiscal

Está na génese da identidade dos portugueses o "mal-dizer" (criticar tudo o que nos aparece à frente). Por alguma razão Gil Vicente (séc. XV) é uma das referências da história da nossa cultura (o dramaturgo a quem se atribui a paternidade do teatro português) com as suas sátiras, farsas e cantigas de escárnio e mal-dizer.

Um dos alvos preferenciais é o sector político, com os governos à cabeça. Mas a verdade é que muita desta  falta/ausência de qualificação política e dos políticos/governantes tem a sua origem na própria sociedade e nos cidadãos. É fácil descartar ou transferir responsabilidades para os outros.

Não é de agora a capacidade (e para muitos a vanglória) dos portugueses para contornar as leis, as regras, os princípios ou as responsabilidades fiscais. Quanto muito agravada com a conjuntura da crise e do resgate externo. Fugir ao fisco é, acima do populismo do futebol, o maior (e provavelmente, o melhor) desporto nacional.

Já aqui afirmei, por algumas vezes, a minha posição favorável à "factura da sorte" (quando muito questionável ao nível do "incentivo"). Entendo que esta foi uma interessante (mesmo que rara) iniciativa do Governo para uma alteração de hábitos, cultura e responsabilidade fiscal. Os resultados, por mais críticas que possam surgir, estão à vista de todos: só no início deste ano de 2014 as Finanças registaram um aumento de quase 50% do número de facturas, em relação ao ano de 2013. Graças a este aumento da exigência da factura no consumo de bens e serviços, foi possível o cruzamento de dados relativos a facturas emitidas e declaração/valora da facturação por parte das empresas. Importa não esquecer que os dados conhecidos apontam para uma "economia paralela" na ordem dos 45 mil milhões de euros (cerca de 27% do PIB).

É, por isso, inconcebível e inaceitável que, face às recentes notícias que indicam a descoberta de um significativo número de empresas, nomeadamente no sector da restauração e similares, com fraudes na facturação, o responsável associativo do sector venha justificar as atitudes dos seus associados com a elevada taxa do IVA.

É preciso ter "lata". Tanta "lata" que até houve comerciantes a explicarem publicamente, aos órgãos de comunicação social, como e o porquê das fraudes na facturação.

É por demais sabido que neste sector, como ainda muitos outros, a fuga às responsabilidades e obrigações fiscais foi sempre um hábito e uma realidade. Não é só agora, nem é só uma realidade fruto da crise. Mesmo com valores mais baixos no Imposto directo sobre o consumo (o IVA) sempre houve na restauração e em muitas outras actividades, ausência ou fuga à facturação.

Que a taxa máxima do IVA traz dificuldades acrescidas a estas empresas, é um facto. Mas nem só o IVA justifica a crise no sector.

E muito menos é desculpável o não assumir as obrigações fiscais, como acontece em muitos outros sectores da actividade económica nacional ou, ainda, como acontece com os trabalhadores portugueses e as famílias.

Pelas irresponsabilidade de muitos, paga o todo nacional.