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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

"Por acaso..." da Fátima Araújo. (ou nada é por acaso)

Há uma expressão muito comum na opinião pública dirigida aos profissionais do jornalismo televisivo: “é um dos rostos da televisão”. Há, naturalmente, leituras distintas sobre o que está subjacente a esta definição.

Pessoalmente, quando a uso, pretendo tão somente, destacar o brio, o valor, a capacidade e a responsabilidade profissionais da(o) jornalista, aliado à consideração e respeito pela pessoa. É o caso da jornalista Fátima Araújo, da RTP. É, não sei se entre muitos ou poucos (pouco importa), do ponto de vista pessoal, “um dos rostos da televisão”.

Seria abusivo, cansativo e extenso, o rol de adjectivos que poderia usar (nem que tivesse de recorrer ao dicionário) para descrever a Fátima Araújo. Dispenso-me… não é preciso, Há realidades que nos “saltam à vista”.

De forma muito resumida (por necessidade), a jornalista com 17 anos de actividade (iniciou a sua carreira em 1997, tendo passado pela TSF, Renascença, JN, e desde 2001 na RTP) tem um relevante percurso de vida como profissional, como profissional premiada (em 2008, foi distinguida com uma menção honrosa do “Prémio Justiça e Comunicação, Francisco Sousa Tavares”) e como docente. Tem pavor a andar de avião, apesar de uma das suas paixões ser viajar (mais de 32 países visitados, está quase a dar a volta ao mundo); tem como sonho transformar a quinta do castelo da cidade onde nasceu (Santa Maria da Feira) num parque temático medieval e construir um hotel de charme medieval (à atenção do euromilhões e da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa); é apaixonada por pintura (também pinta, ou melhor, diz que “faz nódoas com os afectos”), escultura, fotografia, design de Interiores e arquitectura; … mas é na escrita que encontra um importante espaço de realização pessoal. E escreve muito… para além dos recados à família (diz), escreve sobre pessoas e as suas histórias, crónicas de viagens, desabafos pessoais, poemas, letras de canções, … . Só que nunca publicou. Ou melhor, o “nunca” não corresponde à verdade.

Transpondo para o papel uma das suas facetas pessoais mais determinantes - o valor humano e diginidade humana – a Fátima Araújo não se limitou a produzir um excelente trabalho jornalístico sobre a “Paralisia Cerebral”. Nem todos o conseguiriam fazer tão bem, mas, com certeza, alguns o fariam. A Fátima Araújo foi mais longe.

Do trabalho jornalístico sobre cinco jovens portugueses com Paralisia Cerebral e que são exemplos de empreendedorismo profissional e social, de auto-superação e de desmistificação de preconceitos da sociedade em relação aos deficientes, surgiu um livro (e publicado): “Por acaso…”, com prefácio do neurocirurgião João Lobo Antunes, editado pela Apuro Edições.

Neste livro, Fátima Araújo aborda questões relacionadas com os projectos em que esses cinco jovens portugueses com Paralisia Cerebral (um bailarino; uma socióloga; dois informáticos e uma professora) estão envolvidos, questões relacionadas com os seus afectos, as suas relações pessoais e a sua sexualidade, questões associadas à sua fé e à forma como a prática desportiva é determinante para a sua auto-aceitação e superação.

O livro “Por acaso…”, vertido de uma forte determinação pessoal, surge no âmbito de um projecto solidário que juntou a Jornalista, a Associação do Porto de Paralisia Cerebral e a empresa IMOA CLOTHING FOR ALL, de São João da Madeira, recém-criada, e que preenche uma lacuna social dando resposta a problemas negligenciados pela indústria do vestuário, ao apostar na inovação e no empreendedorismo social, criando roupa com especificidades adaptadas às necessidades dos deficientes, acamados e doentes com necessidades especiais.

Finalmente… a Fátima Araújo não se limitou a escrever: Publicou.

O livro "Por acaso..." vai ser lançado e apresentado nodia 20 de Outubro - Dia Nacional da Paralisia Cerebral - às 19 horas, na Casa da Música, no Porto. Apresentação essa integrada na cerimónia oficial de comemoração do Dia Nacional da Paralisia Cerebral, organizada pela Associação do Porto de Paralisia Cerebral, durante a qual actuarão o pianista Mário Laginha e o fadista Camané.

Importa ainda destacar que parte das receitas da venda do livro revertem a favor da Associação do Porto de Paralisia Cerebral.

Merece, por todas as razões e mais algumas, um espaço de destaque na biblioteca doméstica de cada um de nós.

Primárias PS vs Presidenciais 2016

Já o afirmei em vários e distintos momentos que o nome de José Sócrates tem um maior impacto dentro do PS do que para a opinião pública, nomeadamente para a direita portuguesa. Isto apesar de algumas opiniões que entendem que a direita portuguesa tem receio do regresso de Sócrates. Não concordo. Sempre que há algum momento marcante na vida interna do Partido Socialista o nome e a figura de José Sócrates está sempre presente, por vontade expressa de alguns socialistas contra a vontade de outros. Mas é internamente que o peso de José Sócrates é mais sentido, para o bem e para o mal.

Estas primárias não fugiram à regra. Mesmo sem uma participação activa, Sócrates marcou presença na disputa interna entre Seguro e Costa. Por um lado a associação do ex Primeiro-ministro ao agora vencedor das primeiras primárias portuguesas, por outro a crítica interna ao regresso do PS ao período em que foi governo pela última vez. E isto não é ficção da oposição ou dos partidos do actual arco governativo.  Foi o próprio PS que criou esta realidade, apesar de Sócrates não se ter envolvido pessoal e publicamente no processo, e apesar do mesmo ter afirmado (ainda ontem na TV) que está afastado da vida política activa, reservando ao direito de usar espaço para a liberdade de expressão e opinião.

Mesmo com tudo isto, para além das questões que levantei aqui após o conhecimento do vencedor das primárias, há outra questão que importa destacar como resultado das Primárias no PS.

O ano de 2015 não é marcado apenas por um ano eleitoral legislativo. É também o ano que antecede as eleições Presidenciais, para as quais os resultados legislativos de 2015 poderão ter um impacto significativo.

Neste sentido, se António Costa ganhar o aparelho nacional do PS (falta agora o processo interno de eleição do secretário-geral após a demissão de António José Seguro) e o resultado legislativo em 2015 for positivo, as presidenciais de 2016 ganham um renovado folgo para os socialistas.

Assim, nada me espantaria que o nome já tantas vezes proferido por ilustres socialistas de António Guterres para as presidenciais possa vir a ser substituído por o de José Sócrates, pela estrutura nacional do partido.

Ainda o segundo mandato de Cavaco Silva vai a meio e terá decorrido o tempo suficiente para a natural “travessia do deserto” de José Sócrates. Isto se o PS não repetir a gracinha das primárias para a escolha de um candidato presidencial. Já agora...

A ver vamos.

O verdadeiro resultado das primárias

http://img.rtp.pt/icm/noticias/docs/7d/7d0059c5637eaaf95d48771158f91c73_80fdd02e912d9343026b42793bcce2e4.jpg

Isto, obviamente, para além de já se saber que António Costa foi o escolhido pelos militantes e simpatizantes socialistas para se candidatar, como primeiro-ministro, às próximas legislativas (2015).

Mas o processo eleitoral de hoje, nas hostes socialistas, tem outros resultados.

1. O processo das primárias, que pretendia ser inovador e aproximar a política/políticos dos eleitores, foi algo irreflectido, inconsequente, implementado em cima do joelho, e com objectivo de dar resposta política a um problema de autoridade e liderança de António José Seguro. Sim, porque o que esteve sempre em cima da mesa, neste processo, foi o reconhecimento interno de uma liderança de três anos sem capcidade de criar e se apresentar aos portugueses como alternativa governativa.

Seguro apostou e perdeu. Fica a primeira questão: Seguro poderia ter mantido a liderança socialista sem primárias (apenas com directas e congresso)?

2. Com a derrota e o consequente anúncio público de demissão do cargo de secretário-geral do PS, o partido vê-se a braços com a necessidade de uma reformulação do seu calendário político: a realização de directas para a escolha de um novo secretário-geral. É que a escolha que os socialistas (militantes e simpatizantes) fizeram hoje não foi a do líder do partido, mas sim a de um candidato a primeiro-ministro. Num sistema político como o dos partidos portugueses, em que a personalização do poder é demasiado elevada, por si só, a realidade criada no PS com estas primárias levanta um sério conjunto de interrogações.

3. Como será o “day after” socialista tendo em conta que o próximo líder socialista (secretário-geral do PS) pode vir a ser alguém da ala Seguro?

4. Que consistência e solidez política terá agora o PS, maior partido da oposição, tendo em conta que o actual líder da bancada parlamentar foi escolhido por António José Seguro?

5. O que se espera de uma oposição ao actual Governo quando o candidato a primeiro-ministro não é o secretário-geral do partido da oposição, não tem assento na Assembleia da República (palco principal do debate político) e tem um grupo parlamentar dividido?

Este é que é o verdadeiro resultado das eleições primárias no PS.

Uma serie de interrogações relevantes a ter em conta para o futuro e, no imediato, para as legislativas de 2015.

Pedro Passos Coelho, o Governo e o PSD agradecem…

Um Governo desculpável

publicado na edição de hoje, 28 de setembro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Um Governo desculpável

Recentemente assistimos a algo insólito neste Governo. Após um conjunto de situações/medidas polémicas, após uma sucessão de críticas e contestações, (e só) após a confrontação com os factos e as realidades, quer o ministro da Educação, quer a ministra da Justiça, vieram a público proferir um pedido de desculpas pelos erros cometidos. Não propriamente o assumir dos erros e das responsabilidades, mas sim usar o estratagema político do pedido de desculpas que mais não foi do que uma “não desculpa” com vista escamotear o que seria normal: a admissão do erro e das responsabilidades (a sua consequência política).

O ministro Nuno Crato pediu desculpa e mandou refazer a lista de colocação de professores depois de defender o processo inicial mas incapaz de suster a pressão e a realidade dos factos. A ministra Paula Teixeira da Cruz andou várias semanas a escusar responsabilidades e críticas face à polémica instaurada pelo “crash” do programa Citius até ser confrontada com a incapacidade do seu ministério em resolver, eficaz e atempadamente, o problema.

Na prática, os pedidos de desculpas formulados pelos dois governantes resultaram politicamente (e mesmo tecnicamente com muitas dúvidas) em zero: serviu para uma saída subtil da pressão política, sem a assumpção da responsabilidade pessoal enquanto ministros e tutelares dos organismos dos seus ministérios. O catedrático Viriato Soromenho Marques, professor de Filosofia Social e Política na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, escrevia há dias no Diário de Notícias a propósito do tema: «O perdão implica, primeiro, o reconhecimento de um dano irreversível causado a outros, que são vítimas. E, em segundo lugar, o perdão obriga a mudar radicalmente de conduta para permitir a reconciliação, como condição para um novo caminho.» Tenho dúvidas que o “perdão” formulado pelos dois ministros tenha tido a necessária consequência que deveria dignificar o acto: o assumir as responsabilidades e a mudança radical, ou pelo menos significativa, da realidade e dos actos (erros) cometidos.

Muito mais importante que um populismo mediático que o país dispensava de bom grado (face às figuras que fizeram publicamente) teria sido o rigor governamental e técnico das medidas aplicadas. À maioria dos portugueses, que felizmente já não embarca tão facilmente em “cantigas” e “lágrimas de crocodilo”, uma questão fundamental se colocou: os ministros, responsáveis máximos pelos actos dos seus ministérios, tinham informação suficiente e conhecimento dos factos que poderiam ter impedido os desfechos verificados? Em caso afirmativo, o “nobre” pedido de desculpa deveria ter sido acompanhado de um digno assumir das responsabilidades e daí retirarem as consequências políticas das suas gestões governamentais. Isso sim, seria um elevado sentido político e de serviço público. A teatralidade do acto só revelou fraqueza política e sinal de hipocrisia, já que nada mudou. A coragem necessária (reconheça-se) para vir a público pedir desculpa diluiu-se na falta de coragem para, consequentemente, assumirem as devidas responsabilidades. Em nada dignificaram o verdadeiro sentido do perdão.

Mas esta é a moda deste Governo. Já em 2010 (ainda na oposição) Pedro Passos Coelho pedia desculpa aos portugueses pelo aumento de impostos aplicados pelo então Governo de Sócrates. Volvidos quatro anos, agora no Governo, as desculpas resultaram num avolumar de aumento de impostos e não numa mudança de paradigma.

De novo, a montanha pariu um rato.

ainda no rescaldo do "tecnogate"

Após o debate quinzenal que decorreu ontem na Assembleia da República, onde, como seria de esperar, a maioria das intervenções dirigidas ao Primeiro-ministro versaram sobre o caso Tecnoforma, importa fazer uma reflexão final (a menos que surjam significativos e relevantes novos desenvolvimentos).

A primeira análise foi feita aqui: "Tecnogate... Pedro Passos Coelho tem um caso".

Apesar dos desenvolvimentos e informações públicas posteriores não me parece que o texto, na sua globalidade, tenha perdido contextualização.

No entanto, há alguns pormenores que me parecem merecer atenção.

Pressupostos

Por princípio, que reservo como fundamental, sou um extremo defensor da presunção da inocência até prova ao contrário (mesmo que no direito português essa prova tenha de sre feita, na maioria dos casos, pelo próprio acusado e não por quem denuncia).

Por outro lado, por razões de formação e profissionais, tenho para mim bem clara a fronteira entre a reserva da vida privada e a intimidade e a vida pública, o exercício de cargos políticos e públicos e o superior interesse público.

Além disso, a imagem que muitos portugueses tinham (ou têm) de Pedro Passos Coelho, verdade seja dita, era (ou eventualmente ainda será) de uma pessoa honesta e até com significativa imunidade a pressões externas. Isto independentemente de se concordar ou não com as suas posições políticas e as suas medidas governativas, e mesmo relacionando a total contradição das suas intervenções/convicções enquanto oposição (campanha eleitoral de 2011) e os actos políticos enquanto primeiro-ministro.

Factos e Realidade

As dúvidas, as problemáticas, as incertezas e as controvérsias, em torno deste caso da Tecnoforma tomaram a dimensão que tomaram apenas e exclusivamente por culpa do próprio Pedro Passos Coelho.

Como referi no post acima linkado, tudo teria sido muito mais simples, mais credível, menos problemático e mais transparente se o Primeiro-ministro, confrontado com a denúncia (anónima) tivesse logo afirmado: "não recebi qualquer remuneração, nem exerci qualquer função, para além de deputado entre 1995 e 1999". Tudo o resto não passaria de uma "não-notícia".

Mas Pedro Passos Coelho resolveu ser ambíguo, vago, questionável, levantando ele próprio a suspeita de irregularidade e de falta de ética política sobre si mesmo. Não foi mais ningiém. Foi o próprio, "himself".

E a trapalhada política foi de tal forma (criando até algum mau-estar e apreensão nos partidos que sustentam a coligação) que os Serviços da Assembleia da República ficaram muito mal na "fotografia", a solicitação de investigação (quando toda a gente sabia que tal não tinha qualquer sustentação legal pela prescrição dos factos/actos) à PGR foi uma estratégia totalmente falhada, já para não falarmos da surreal conferência de imprensa de um eventual funcionário da Tecnoforma (empresa insolvente há cerca de dois anos, com dívidas no valor de cerca de 2 milhões de euros) a explicar tudo e mais alguma coisa menos o mais relevante para o caso.

Conclusão

Apesar de todos os esclarecimentos e da resposta categórica mas muito tardia por parte de Pedro Passos Coelho, o Primeiro-ministro deixou na opinião pública uma má imagem e alguma nebulosidade sobre o caso. Se do ponto de vista fiscal, à data, Passos Coelho poderia não declarar rendimentos provenientes de ajudas de custo e despesas de representatividade, a verdade é que o valor (nunca provado ou negado), o processo de pagamento e a sua relação efectiva com a empresa continuam a levantar sérias dúvidas do ponto de vista político.

Deste modo, um Primeiro-ministro que era visto com seriedade nos seus actos acaba por entrar no rol da má imagem que os portugueses têm da política e dos políticos. Mesmo que a memória dos portugueses continue muito curta, Passos Coelho, justa ou injustamente, ficará ligado às suspeitas que ainda hoje envolvem José Sócrates (Freeport e Face Oculta), Cavaco Silva (BPN), Paulo Portas (caso Moderna, Submarinos, Viaturas Pandur, as fotocópias quando deixou o ministério da Defesa, na queda do governo de Santana Lopes), CDS (caso dos Sobreiros), Miguel relvas (o caso da sua licenciatura) entre outros.

E, afinal, tudo teria sido tão simples e tão evitável.

Bastava ter sido, no imediato, assertivo, credível e verdadeiro.

Tecnogate... Pedro Passos Coelho tem um caso

Será o caso Passos Coelho vs Tecnoforma uma notícia ou uma não notícia?

Acima de tudo o caso afigura-se como uma enorme trapalhada e embrulhada. Curiosamente por responsabilidade do próprio Pedro Passos Coelho e não de quem denunciou, ou da revista Sábado que publicou, um significativo conjunto de dúvidas e incertezas. E por não ter sido, imediatamente, esclarecedor dos factos denunciados. O que poderia ter passado por uma mera e simples “não notícia”, rapidamente se transformou num colossal caso político, ao qual nem os partidos da coligação ficaram indiferentes.

Factos

Entre 1991 e 1999, durante a VI e a VII legislaturas, Pedro Passos Coelho, exerceu as funções de deputado na Assembleia da República. Durante este período não requereu, aos serviços da Assembleia da República (AR), regime de exclusividade (perdendo o direito a um acréscimo de cerca de 10% no seu vencimento como deputado).

Na sequência do processo eleitoral de 1999, Pedro Passos Coelho deixou de ser deputado. Nessa altura requereu aos serviços da Assembleia da República (conforme documentos que o jornal Expresso divulgou) subsídio de reintegração. No entanto, o subsídio de reintegração exigia que, durante aquele período, a função de deputado fosse exercida em regime de exclusividade. Como os serviços da AR não tinham essa indicação, solicitaram a informação, pessoal e por escrito, a Pedro Passos Coelho sobre a sua condição de deputado. Passos Coelho, na resposta, informa os serviços da AR que a sua função de deputado foi exercida em regime de exclusividade.

Ao desenvolverem o respectivo processo, os serviços da AR verificaram que, entre 1995 e 1999, o então deputado Pedro Passos Coelho não tinha entregue cópia das declarações de rendimentos (IRS). Solicitada essa informação as declarações foram, posteriormente (e forçado a tal), entregues por Passos Coelho. O subsídio de reintegração foi então processado. Mas das declarações entregues não consta qualquer rendimento proveniente da empresa Tecnoforma. Para além do rendimento como deputado existem apenas valore provenientes de serviços pontuais e esporádicos (não regulares, nem permanentes, nem contratuais) prestados a diversos órgãos de comunicação social.

O que está então em causa?

Segundo a denúncia, e a informação noticiada pela revista Sábado, Pedro Passos Coelho é suspeito de ter recebido cerca de 5000 euros mensais (à data, mil contos), entre 95 e 99, em serviços de assessoria prestados à empresa Tecnoforma, tendo invocado (em 2000) regime de exclusividade como Deputado, durante o referido período.

Os cenários

O problema de todo este imbróglio é que Pedro Passos Coelho preferiu, estrategicamente mal e totalmente falhada, não responder directamente a todas as questões que entretanto se levantaram e ir tentado uma saída evasiva, primeiro com os serviços da AR e depois com a Procuradoria-Geral da República. Pior a emenda que o soneto. O que poderia ter sido, caso seja inocente, uma simples “não noticia” para desviar a atenção das primárias do PS, dos problemas na Justiça e na Educação, de mais um agravamento dos salários na Função Pública a partir deste mês, transformou-se, por culpa própria, num colossal caso político.

1. Pedro Passos Coelho não pode usar a PGR como álibi. Os factos em causa (evasão fiscal) prescrevem ao fim de 10 anos. Assim sendo, a PGR não tem base legal para investigar porque qualquer processo aberto não tem fundamentação para uma acção na justiça. Por outro lado, não há, para o juiz da investigação, sustentação legal para, por exemplo, poder anular o sigilo bancário para a respectiva investigação.

2. Daqui resulta que Passos Coelho fica sem argumentação de prova de inocência, perante a denúncia feita, aumentando assim as suspeitas e as críticas da opinião pública.

3. Bastava ao Primeiro-ministro ter tido a coragem, a frontalidade e a franqueza, e ter dito logo, no primeiro instante, que não tinha recebido quaisquer rendimentos da Tecnoforma, até porque é sabido que os serviços de assessoria foram prestados a uma ONG que trabalhava com a Tecnoforma. Isto a ser verdade acabava aqui a questão (a tal “não notícia”). Porque por mais distraído que alguém possa ser, apesar dos 19 anos de diferença (em relação a 1995), a verdade é que ninguém esquece um rendimento “extra” de mil contos mensais.

 

Mas Passos Coelho criou um “monstro”, um verdadeiro caso político com dimensões significativas, ao ponto do próprio ter declarado que “caso se verificasse alguma irregularidade que retirava daí as ilações políticas devidas”, aumentando a perspectiva de uma eventual demissão do cargo.

Do ponto de vista jurídico o caso em si resulta num processo de evasão fiscal e, eventualmente, falsificação de documentos. Mas o mais grave é ainda a questão da ética política e do facto de ser, há três anos, o primeiro-ministro. Chefe do Governo que implementou com a Troika um plano de austeridade severo para recuperação das contas públicas e que exigiu enormes sacrifícios aos portugueses; que atacou a evasão fiscal (mesmo que com sorteio de popós caros); que liderou um Governo que implementou um enorme aumento da carga fiscal; que apelidou os portugueses de piegas; e que disse que tínhamos vivido acima das nossas possibilidades.

O que Pedro Passos Coelho criou foi uma enorme embrulhada política, à qual nem os partidos da coligação ficaram indiferentes, e que não terá (seja qual for o desfecho) uma saída muito clara. Muito longe da “saída limpa” da Troika. É que à mulher de César não basta parecer…

curiosidades jornalísticas

Independentemente das regras básicas do jornalismo (espelhar o conteúdo da notícia), um título deve ter igualmente um significativo impacto por forma a prender e despertar a atenção do leitor.

Ora o Expresso diário de ontem é extremamente elucidativo e explícito.

Numa notícia que nos relata a aprovação, com um consenso alargado, de projectos-lei que criminalizam (alteram a moldura do código penal) a perseguição (mesmo o cyber stalking) e o assédio, o título dá igual nota da rejeição de uma proposta do BE para criminalizar o piropo.

Até aqui nada de mais.

Só que juntar, no mesmo título, "Assédio" - "Piropo" e "Pacote"... é algo que soa um bocadinho "estranho".

Haja humor...

A “americanização” eleitoral socialista

publicado na edição de hoje, 24 de setembro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

A “americanização” eleitoral socialista

No arranque da última semana antes do dia “D” socialista, António Costa afirmou que «as primárias no PS são uma questão nacional». Sobre esta convicção importa agora reflectir sobre este processo “nacional” das primárias socialistas (mesmo que a elaboração deste texto, por razões temporais, não possa espelhar o último frente-a-frente televisivo).

Tenderei, numa primeira fase, a concordar com António Costa. De facto, na génese de todo este processo interno no PS estava, no horizonte dos socialistas, as eleições legislativas de 2015 e uma eventual vitória, face ao que era, à data, a governação de Passos Coelho. Assim sendo, o resultado do confronto político pela cadeira do poder no Largo do Rato teria impacto directo na escolha dos portugueses nas legislativas do próximo ano e, obviamente, na próxima governação do país. Até os próprios slogans de campanha escolhidos pelos dois candidatos reflectem esse “desígnio” nacional destas primárias socialistas: “Mobilizar Portugal” de António Costa vs “Pela Mudança - Avançamos Juntos” de António José Seguro (sendo que, no caso de Seguro, entende-se “pela mudança” em relação ao país, já que internamente seria, obviamente, “pela continuidade”). Aliás, mais não seria necessário para sublinhar esta “questão nacional” do que a inovação política da realização de primárias abertas a simpatizantes e militantes do partido (independentemente das confusões processuais que envolveram a elaboração de algumas listas).

Só que esta projecção “nacional” deste inovador processo eleitoral no PS conflituou com uma realidade de campanha bem diferente, colocando em dúvida o interesse dos portugueses neste processo e, eventualmente, a própria participação e afluência eleitoral (no próximo domingo, dia 28 de setembro) dos simpatizantes e militantes inscritos (150 mil simpatizantes e 90 mil militantes, num total de 240 mil eleitores).

Tudo começou pelo timing escolhido por António Costa para provocar uma crise interna e o respectivo processo eleitoral, bem como a incapacidade de António José Seguro em aceitar que as lideranças são passíveis de crítica e de oposição (tal como acontece internamente em relação ao PSD e ao Governo) e nos fracassos eleitorais (apesar das vitórias, as chamadas “vitórias de Pirro”) que não projectaram o PS em termos de sondagens. “Traição política”, expressão usada ferozmente por Seguro em relação a Costa, não é o mesmo que o legítimo direito democrático da crítica e da oposição aberta e livre. Aliás, algo que Seguro saberá muito bem se nos recordarmos do que poderá ter sido a sua posição de bastidores nos últimos meses da governação de Sócrates.

Seguiu-se o posicionamento (e a divisão) interno das tendências socialistas com uma clara e preocupante incapacidade de se alhearem dum passado recente. A facção Seguro com claro afastamento em relação à governação de Sócrates e a tentativa de colagem do ex-primeiro ministro à facção Costa, tentando com isso valorizar um impacto negativo do autarca lisboeta numa futura governação. O que revela que no PS, muito mais do que na oposição, há um estigma muito forte para resolver chamado José Sócrates.

Por último, sendo estas eleições apelidadas por António Costa de “questão nacional”, esperar-se-ia uma campanha que mobilizasse e juntasse os portugueses (independentemente das questões ideológicas ou partidárias), que demonstrasse uma alternativa credível à actual governação e à actual coligação PSD-CDS.

O que se constatou, diariamente e com excessiva mediatização (o que levou a um cansaço e a uma saturação da opinião pública), foi tudo menos posições esclarecedoras e elucidativas quanto ao futuro do país. As posições públicas alternaram entre os ataques pessoais, a desvalorização do papel e imagem do adversário, as medidas populistas (redução de deputados, baixa de impostos, aumento do salário mínimo, etc.) e a não apresentação de projectos, propostas, programas para o futuro do país e uma eventual governação. É certo que, no caso de António Costa, o mesmo afirmou que existem três momentos distintos: as primárias, o congresso e a campanha eleitoral legislativa. Isto seria o mais óbvio se não tivesse sido o próprio António Costa a adjectivar as primárias como um desígnio nacional. Assim sendo, como podem os portugueses associarem-se a esta “dimensão nacional” se nada lhes foi apresentado como alternativa futura ao actual estado do país e da nação, para além de meses de quezílias políticas domésticas?

Como alguns amigos socialistas me diziam: “assim não vamos lá”. Como resultado prático de toda esta realidade (acusação, aliás, feita pelo próprio Seguro a Costa) quem ficará a ganhar será o PSD de Pedro Passos Coelho. Quanto ao país… restam-me muitas dúvidas. Nem foi “Mobilizado”, nem se sente motivado “Pela mudança”.

O dilúvio das primárias

Antecipando a reflexão sobre as primárias no PS, a publicar na edição de amanhã do Diário de Aveiro, importa destacar o que tem sido o caudal de comentários nas redes sociais.

O desnorte socialista e a péssima imagem pública do que tem sido esta campanha interna para a liderança do PS que curiosamente, quer Seguro, quer Costa, projectaram como "questão nacional" ao sublinharem as primárias como a escolha, não do líder socialista, mas do futuro primeiro-ministro de Portugal, chegaram a um extremo e a um desrespeito político (para não dizer mesmo "desonestidade política) inacreditável.

Desde vídeos de reportagens de 2012 de obras em Lisboa e de António Costa (onde surgem títulos como "António Costa, o Sr. 'sarjeta') até à transposição das cheias em Lisboa, e daquilo que é (ou deveria ser) a gestão autárquica, tudo serve e vale para desvalorizar a imagem política de António Costa nestas primárias.

O que, por si só, demonstra claramente o que será o futuro do PS após estas inovadoras eleições primárias.

Com chuva ou com sol... será sempre uma tempestade que pairará, nos próximos tempos, no Largo do Rato.

O país dispensava... já nos chega o dilúvio que tem assolado este mês de setembro.

(créditos da foto: retirada do blogue "Epa cum catano")

Em pleno sec. XXI mas na Idade da Pedra

A guerra traz-nos imagens e realidades cruéis. Facto.

A fome traz-nos imagens e realidades que abominamos e dificilmente compreendemos face aos recursos que existem no mundo e nos países. Facto.

A morte, por mais natural que seja, afigura-se-nos sempre “estúpida”. Facto.

Portugal tem todas as potencialidades para ser um país exportador de serviços de inovação e tecnologia. Facto.

O 25 de Abril de 74 trouxe-nos liberdade, democracia, mais educação, mais saúde, mais emprego (mesmo que a taxa de desemprego esteja a níveis insuportáveis), mais igualdade, mais justiça. Não vale a pena esconder o que era a realidade antes e pós 1974. Facto.

Não consigo entender que em 2014, com tudo o que nos rodeia e nos é proporcionado, cultural e socialmente vivamos, em Portugal, ainda em plena Idade da Pedra.

Factos:

Violência doméstica aumentou 2,3% no primeiro semestre de 2014.

Em seis meses (1º semestre de 2014) 24 mulheres foram mortas e 27 vítimas de tentativa de homicídio (apesar da violência doméstica não ter como vítima exclusiva a mulher)

Tudo isto a juntar a outros dados resultantes de estudos referentes a 2012 e que não vislumbram redução significativa ou, preferencialmente, a sua extinção.

Processos de violência doméstica são arquivados em 80% dos casos.

Violência doméstica presenciada por crianças em 42% dos casos.

Violência doméstica contra idosos aumentou 76% em dois anos.

Tudo isto é estúpido, inaceitável, cruel, abominável… e não são apenas os tempos de crise, de desemprego, de problemas financeiros domésticos e pessoais, que sustentam os actos em si.

Há questões nacionais mais prementes que as primárias no PS ou o regresso do mais degradante lixo televisivo que é a Casa dos Segredos.

O Sal de Aveiro

Longe vai o tempo das paisagens com os montes brancos de sal a seguir ao Canal de S.Roque ou na marginal em direcção à Gafanha da Nazaré. Não é uma questão de saudosismo, é a constatação de uma realidade.

O chamado "progresso" urbano, a vertente ambiental, as alterações na Ria de Aveiro, razões económicas e sociais, ditaram o abandono da quase totalidade das salinas/marinhas em Aveiro.

Por isso, longe também vão os tempos de um dos grandes pólos económicos e de desenvolvimento da cidade e da região: o Sal.

Há, no entanto, quem ainda resista aos novos tempos e aos novos mercados. Poucos, mas ainda os há e que vão resistindo mesmo nas adversidades.

É o que relata o jornalista Rui Tukayana, da TSF, neste trabalho sobre a produção de sal neste ano de 2014: muita qualidade mas pouca quantidade devido a um verão perfeitamente atípico.

"Pouco sal nas salinas", uma reportagem de Rui Tukayana.

Faz falta em Aveiro um museu permanente (para além do ecomuseu da Troncalhada) da história social, cultural e económica do Sal. Tal como faz falta um museu permanente da história social, cultural e económica do Azulejo, do Barro e da Cerâmica.

Não por saudosismo mas pela preservação da identidade e história aveirenses, projectando-se assim novos futuros.

Justiça e Política (no Diário de Aveiro)

publicado na edição de hoje, 21 de setembro, do Diário de Aveiro.

o post "Justiça e Política" reeditado.

Debaixo dos Arcos

Justiça e Política

Nas últimas e recentes semanas a justiça portuguesa lançou para a opinião pública um interessante debate: a relação da Justiça com a Política, concretamente com os políticos.

De forma mais espaçada, mas concreta, enquanto muitas vozes contestavam a ineficácia da justiça perante os chamados crimes de colarinho branco, aqueles que envolviam arguidos “poderosos”, assistíamos à prisão de Vale e Azevedo, de Duarte Lima, às condenações do caso BPP e BPN. Agora, de forma muito mais concentrada no tempo, em pouco mais de duas semanas a justiça portuguesa foi a casa buscar Ricardo Salgado, condenou a prisão efectiva o ex-ministro Armando Vara (entre outros) e condenou, com pena suspensa, a ex-ministra da educação Maria de Lurdes Rodrigues.

Perante estas realidades torna-se quase impossível a indiferença em relação à actuação da justiça ou que há, para a opinião pública, a percepção de uma mudança na Justiça em relação aos políticos e aos “poderosos”. E não apenas na opinião pública (sociedade). Basta recordar a recente proposta do (ainda) líder do PS, António José Seguro, em relação à legislação que regula a transparência no exercício de cargos políticos e públicos. Seja por razões eleitoralistas internas, seja por questões de populismo, seja por razões políticas efectivas.

No entanto, no que respeita a esta relação Justiça vs Política (políticos) há uma dualidade de convicções e opiniões. Contrapondo o regozijo e o gáudio de quantos aplaudem uma justiça igual para todos e sem qualquer tipo de diferenciação social, económica ou política, há os que temem que os actos de gestão política, que devem ser julgados no espaço político (confronto ideológico e político ou processo eleitorais, por exemplo) passem a ser objecto de acção jurídica ou judicial. Pessoalmente não creio que esta preocupação seja relevante, apesar de ser pertinente o levantar da questão, como o fez Porfírio Silva no seu blogue “Máquina Especulativa”.

A justiça, face ao normativo do direito português (seja o administrativo, civil ou penal), tem mecanismos suficientemente claros para distinguir o que são factos e provas que conduziram ou não a um determinado (e comprovado) crime e consequente (ou não) condenação. E não estou, nem o pretendo, por manifesto desconhecimento dos processos, da matéria e do direito, fazer qualquer juízo em relação às decisões dos Tribunais, nos três casos recentes e já referidos.

O que penso poder ser mais preocupante é que esta suposta viragem da actuação da Justiça, e digo “suposta” porque entendo ser prematura a sua avaliação quanto a uma real e verdadeira alteração, pode inverter o principal fim do direito e um dos pilares basilares da democracia: uma justiça igual para com todos, independentemente da sua condição social, económica ou política. Isto é, o receio de que uma tão esperada mudança provoque na Justiça a “necessidade” de aplicar, agora, uma mão mais pesada para os políticos e “os poderosos”, do que para qualquer comum dos mortais.

Quer a opinião pública, quer a própria comunicação social, quer os políticos e os “poderosos”, quer a própria Justiça têm de percorrer um caminho de duplo sentido e de percepção comum de uma justiça igual para todos e sem qualquer distinção.

No caso da Justiça, esta linha da equidade, da igualdade e da imparcialidade afigura-se tão ténue e tão fácil de transpor.

A ler os outros... as desculpas "não-desculpa"

Há um velho ditado que diz: "as desculpas não se pedem... evitam-se".

O ditado cai por terra quando os erros assumem uma realidade factual, quando acontecem.

O ditado cai por terra quando, em contexto político, as desculpas servem para desviar responsabilidades, para o não assumir essas mesmas responsabilidades.

Tudo isto a propósito das polémicas e das devidas desculpas, acrescidas das consequentes promessas políticas, que envolveram o Ministério da Justiça (novo mapa administrativo e, principalmente, o caso Citius) e o Ministério da Educação (arranque do novo ano lectivo e, principalmente, o concurso de professores). Politicamente tudo fica na mesma, mesmo com a demissão do director-geral da Administração Escolar.

A Alda Telles, no Código Fonte, explica muito bem o como e o porquê: "A desculpa não-desculpa".

A ler...

A Justiça e a Política

Nas últimas e recentes semanas a justiça portuguesa lançou para a opinião pública um interessante debate: a relação da Justiça com a Política, concretamente com os políticos.

De forma mais espaçada, mas concreta, enquanto muitas vozes contestavam a ineficácia da justiça perante os chamados crimes de colarinho branco, aqueles que envolviam arguidos “poderosos”, assistíamos à prisão de Vale e Azevedo, de Duarte Lima, às condenações do caso BPP e BPN. Agora, de forma muito mais concentrada no tempo, em pouco mais de duas semanas a justiça portuguesa foi a casa buscar Ricardo Salgado, condenou a prisão efectiva Armando Vara (entre outros) e condenou, com pena suspensa, a ex-ministra da educação Maria de Lurdes Rodrigues.

Perante estas realidades torna-se quase impossível a indiferença em relação à actuação da justiça ou que há, para a opinião pública, a percepção de uma mudança na Justiça em relação aos políticos e aos “poderosos”. E não apenas na opinião pública (sociedade). Basta recordar a recente proposta do (ainda) líder do PS, António José Seguro, em relação à legislação que regula a transparência no exercício de cargos políticos e públicos. Seja por razões eleitoralistas internas, seja por questões de populismo, seja por razões políticas efectivas.

No entanto, no que respeita a esta relação Justiça vs Política (políticos) há uma dualidade de convicções e opiniões. Contrapondo o regozijo e o gáudio de quantos aplaudem uma justiça igual para todos e sem qualquer tipo de diferenciação social, económica ou política, há os que temem que os actos de gestão política, que devem ser julgados no espaço político (confronto ideológico e político ou processo eleitorais, por exemplo) passem a ser objecto de acção jurídica ou judicial. Pessoalmente não creio que esta preocupação seja relevante, apesar de ser pertinente o levantar da questão, como o fez Porfírio Silva no seu blogue “Máquina Especulativa”. Independentemente da sintonia ou não em relação a algumas opiniões e convicções, importa referir que nutro por Porfírio Silva um elevado respeito, consideração e significativo gosto em o ler (e não é apenas por ser aveirense).

A justiça, face ao normativo do direito português (seja o administrativo, civil ou penal), tem mecanismos suficientemente claros para distinguir o que são factos e provas que conduziram ou não a um determinado (e comprovado) crime e consequente (ou não) condenação. E não estou, nem o pretendo, por manifesto desconhecimento dos processos, da matéria e do direito, fazer qualquer juízo em relação às decisões dos Tribunais, nos três casos recentes e já referidos.

O que penso poder ser mais preocupante é que esta suposta viragem da actuação da Justiça, e digo “suposta” porque entendo ser prematura a sua avaliação quanto a uma real e verdadeira alteração, pode inverter o principal fim do direito e um dos pilares basilares da democracia: uma justiça igual para com todos, independentemente da sua condição social, económica ou política. Isto é, o receio de que uma tão esperada mudança provoque na Justiça a “necessidade” de aplicar, agora, uma mão mais pesada para os políticos e “os poderosos”, do que para qualquer comum dos mortais.

Quer a opinião pública, quer a própria comunicação social, quer os políticos e os “poderosos”, quer a própria Justiça têm de percorrer um caminho de duplo sentido e de percepção comum de uma justiça igual para todos e sem qualquer distinção.

No caso da Justiça, esta linha da equidade, da igualdade e da imparcialidade afigura-se tão ténue e tão fácil de transpor.

Ou há moralidade, ou...

António José Seguro sustenta na necessidade de "vencer a crise de confiança" entre os portugueses e a democracia. Para tal, uma das propostas que quer apresentar na Assembleia da República prende-se com introdução de novas regras e alterações das existentes no que diz respeito à transparência no exercício de cargos político e públicos, concretamente quanto a incompatibilidades e à obrigatoriedade da revelação do origem dos rendimentos dos titulares.

Na notícia veiculada pelo Jornal de Notícias é referido, por aquele órgão de comunicação social, que uma fonte (é pena a sua não referência) oficial do PS, em declarações à Lusa, sustentou como exemplos práticos do impacto de uma eventual aprovação das propostas de António José Seguro que seria impossível ao ex-ministro Victor Gaspar ir para o FMI e que o ex-ministro e ex-dirigente do PSD, José Arnaut, não teria podido exercer as funções de consultadoria e ter transitado para o banco de investimento internacional. Tudo exemplos do PSD, como se no universo socialista não existissem (ou tivessem existido) casos semelhantes, no mínimo.

Mas o que é mais curioso é que a proposta (que inclui 11 medidas) de António José Seguro surge, quero acreditar que por mera coincidência, numa altura em que "rebentaram" na praça pública os casos "Face Oculta" (Armando Vara) e da ex-ministra Maria de Lurdes Rodrigues.

Oh wait.... são socialistas. Oh wait outra vez e pior... foram ministros/amigos de José Sócrates.

OH WAIT (agora pasme-se e em maiúsculas)... há as primárias no PS e há também o velho ditado: "a dita cuja serve-se fria... assim, a modos que geladinha".

O que António José Seguro esquece (e esquece muitas vezes) é que o país não é feito de tolos e nem sempre come papas e bolos.

A crise de confiança dos portugueses na democracia e na sua estrutura (partidos e políticos) é mais de razões de credibilidade, justiça, ética, demagogia, ideologia, e do excesso de populismo e mediatismos dos seus agentes. Não é, apenas e tão só, de razões de transparência ou criminais. Aliás, algo que, felizmente, a justiça actual tem vindo a mudar.

Era dispensável...

Caderno de Notas - apontamentos I

publicado na edição de hoje, 17 de setembro, do Diário de Aveiro.

Caderno de Notas

Apontamentos I

1. O defraudar político de Marinho e Pinto

Neste espaço foram já várias as notas que deixei relacionadas quer com o rescaldo das eleições europeias de maio passado, quer com as posições de abandono e de defraudar assumidas pelo cabeça de lista eleito eurodeputado (e demissionário) pelo MPT. Mas Marinho e Pinto é uma pessoa claramente insatisfeita. Poder ou querer capitalizar os votos e a projecção alcançada (e isso são factos) nas eleições europeias parece ser algo que Marinho e Pinto se preocupou em desvalorizar. Sedento do poder e do palco político (embora Marinho e Pinto seja mais “um populista” do que um “animal político”) não só defraudou e decepcionou o eleitorado e o MPT, como descredibilizou o processo e o sistema político. Depois do abandono da estrutura partidária à qual recorreu para ter visibilidade e ser eleito, surge agora a intenção de criar um novo partido político (mais um). Esta intenção pessoal não assenta, no seu caso, numa qualquer questão ideológica ou numa alternativa credível no actual sistema, exageradamente assolado por muitos partidos e movimentos políticos. Para Marinho e Pinto é mais um capricho e a necessidade da luz da ribalta política e social.

2. As cambalhotas do sistema bancário

Teria sido muito mais interessante se a regulação do Banco de Portugal tivesse actuado nos casos BPP, BPN e agora BES/Novo Banco com a mesma veemência, celeridade, eficácia e intromissão reguladora como que, ao fim de dois meses, pressiona a equipa por si escolhida para liderar o processo BES para se demitir. Mais ainda, a mesma rapidez e intromissão com que, após um ou dois dias do anúncio da demissão já tem um nome para a nova liderança (Eduardo Stock da Cunha), não do Novo Banco, mas sim do processo da sua venda/alienação. As divergências entre a equipa de Victor Bento e o Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, eram claras: o desconhecimento da verdadeira dimensão e de todos os casos do BES, bem como os objectivos e o projecto para o futuro do Novo Banco.

3. As queixinhas de Belém

É um sentimento comum na opinião pública a crítica quanto ao isolamento e silêncio inaceitáveis do Presidente da República no que respeita a matérias importantes e que marcam a agenda e o futuro do país. Realidade apenas quebrada temporalmente e em momentos chave do calendário (Natal, Ano Novo, 10 de Junho, …). Infelizmente a excepção a esse ciclo de aparição pública de Cavaco Silva surge para o habitual queixume: “a mim ninguém me diz nada, a mim ninguém me liga!”. Nunca sabe nada, nunca se preocupa em saber, nunca intervém... Era bom que o Presidente da República Portuguesa também ligasse ao país, muito para além das reflexões pessoais no recesso do lar.

4. A justiça política

O caso “Face Oculta” foi um processo único que marcou a justiça e a política portuguesa. A verdade é que, apesar de Armando Vara (um dos muitos arguidos condenados a prisão efectiva), à data dos factos, já não exercer o cargo de ministro-adjunto e ministro da Juventude e do Desporto, o envolvimento de empresas públicas, do ministério e secretaria de Estado dos Transportes e Obras Públicas, da tentativa de colagem do ex primeiro-ministro José Sócrates, tornaram este processo, também (mesmo que em menor escala) político. No fundo, o desfecho do caso “Face Oculta” revelou igualmente que a impunidade e imunidade políticas podem começar a ter os “dias contados” na justiça portuguesa. E eis que, volvidos poucos dias (dez, apenas), a justiça portuguesa volta a condenar um ex-ministro e ex-político, ao caso Maria de Lurdes Rodrigues, ex-ministra da Educação entre 2005 e 2009: (condenação a três anos e meio de prisão, com pena suspensa mediante o pagamento de 30 mil euros). Em causa, o crime de prevaricação por titular de cargo político relacionado com um ajuste directo para um estudo/compilação sobre legislação no sector da educação, no valor de 265 mil euros.

A verdade é que, Citius à parte (bem como a Ministra da Justiça), a opinião pública começa a ter uma imagem diferente da justiça portuguesa: em dez dias instalou-se a tolerância zero nos Tribunais para políticos, ex-políticos e poderosos (e relembremos os casos de Vale Azevedo, Isaltino Morais, Duarte Lima, BPP, BPN e agora BES).

Não são apenas os jovens que emigram...

https://citius.tribunaisnet.mj.pt/habilus/images/logo_citius.jpg

Um comunicado do Ministério da Justiça refere que a "Plataforma Citius está a funcionar em pleno".

Isto seria uma excelente notícia após o colapso total da plataforma digital e toda a polémica gerada à volta da questão.

Mas a realidade é que a "plenitude" do Citius é relativa: está por identificar o paradeiro de cerca de 3,5 milhões de processos judiciais.

Provavelmente... emigraram.

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