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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Para além da folha de Excel

pobreza infantil.jpgNo dia em que se discute, na generalidade, a proposta do Orçamento de Estado para 2015 importa olhar para fora das folhas financeiras que suportam tecnicamente o documento.

Podemos mesmo dizer, sem qualquer tipo de incómodo e sem a pretensão de desviarmos a atenção que o OE2015 merece, antes pelo contrário, que “há mais vida para além do OE”. Ou, pelo menos, que o OE2015 produzirá impactos fortes na sociedade portuguesa, seja do ponto de vista singular, das famílias ou do tecido empresarial.

A discussão e a polémica centram-se em dois aspectos genéricos principais: o risco que o Orçamento comporta face às previsões apontadas pelo Governo; a continuidade do excesso da carga fiscal e outras medidas políticas que mantêm o nível ainda elevado de esforço e austeridade exigidos aos portugueses.

Entre as justificações do Primeiro-ministro para sustentar este OE2015 (muitas para justificar o injustificável), entre avanços e recuos fiscais e experimentalismos no equilíbrio das contas públicas, sem a tão famigerada Reforma do Estado (já para não falar na da Segurança Social) este OE2015, politicamente inexistente, esqueceu-se completamente do dia-a-dia de um Portugal real.

Já não bastava a OCDE alertar para uma revisão das previsões apontadas pelo Governo para sustentar o OE2015: aumento do PIB (apenas 0,8%) e diminuição do desemprego (14,1%). Por outro lado, o Conselho Económico Social critica o OE2015 pelo facto de não aliviar a carga fiscal às famílias e às empresas.

Mas o mais grave desta realidade é-nos apresentado pela UNICEF num estudo que avaliou as políticas sociais de 24 países. Aquela Instituição conclui que Portugal é o país que apresenta a maior taxa de pobreza infantil, mesmo depois da atribuição dos apoios sociais. Isto é, ou os mesmo são insuficientes, ou não são abrangentes, ou não são adequados e eficazes. Mas tendo em conta a questão Orçamental do Estado, no mesmo estudo Portugal retoma o lugar inferior na redistribuição dos apoios sociais e dos subsídios familiares em função do PIB, o que demonstra a escassez de políticas sociais em Portugal.

Estas realidades, nuas e cruas, da vida dos portugueses, obviamente, que não cabem numa folha de Excel orçamental.

Dizem que há um ministro da educação. Dizem...

Ainda no domingo, ao fazer o resumo da semana no "Olhar a Semana" (ponto 2), na outra "casa" (Olhar Direito), destaquei o estado a que chegou o estado da educação nestes dois meses de arranque do ano lectivo 2014-2015.

Na semana passada, o Secretário de Estado da Administração Escolar, João Casanova, afirmava, a propósito de toda a polémica no concurso dos professores, que faltava apenas um valor residual na colocação dos docentes: menos de 10%.

A verdade é que, hoje, ainda faltam preencher cerca de 288 horários (quase 12%) e há ainda a registar 185 horários que carecem da confirmação dos docentes. Para além de todas esta embrulhada, há ainda o relato do caso do professor colocado em 95 horários, simultaneamente, a verdade é que este ano lectivo, a meio do primeiro período, tem sido uma dor de cabeça para alunos, pais, escolas e para as desculpas do ministro Nuno Crato.

Desculpas que afiguram-se caídas em "saco roto" já que, em plena polémica na vida do ensino, o Ministro da Educação afirmou, ainda hoje, que "Portugal caminha na direcção certa para melhorar a educação em Portugal».

Fica assim justificada a posição de Passos Coelho sobre o ministro: "o homem certo para o lugar certo", confirmando que recusou um pedido de demissão de Nuno Crato.

O país, as escolas, os alunos e os professores, não agradecem e muito dificilmente desculparão. Em 2015 haverá um "exame final", sem possibilidade de "melhoria de nota" ou "recurso".

Um fim mais que anunciado

pavilhao_do_beira-mar.jpgpublicado na edição de hoje, 29 de novembro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Um fim mais que anunciado

A realidade foi sendo protelada durante algum tempo mas chegou: o pavilhão do Beira Mar, o pavilhão do Alboi, o pavilhão dos Santos Mártires, encerrou portas. O Sport Clube Beira Mar perde, assim, um dos seus últimos patrimónios e um ícone para as modalidades amadoras, nomeadamente o Basquetebol, o Boxe, o Judo, entre outras. Já para não falar na extinta modalidade do Andebol. Como aveirense e após alguns anos como treinador de basquetebol no clube não posso deixar de sentir alguma mágoa pelo rumo dos acontecimentos e pelo desfecho final. Assisti e vivi momentos empolgantes e vibrantes que ficarão, enquanto conseguir, na minha memória, para além de todos aqueles que comigo os partilharam. Ver encerrar este espaço que comporta inúmeras histórias e “estórias” do desporto e da vida aveirense é sempre de lamentar.

Mas a realidade tem um outro lado da moeda.

A continuidade, ou não, do pavilhão do Beira Mar já não é um processo novo. Há mais de 12 anos que já se falava da construção de um novo pavilhão: primeiro na antiga zona da Lota e posteriormente junto ao novo estádio. Toda a polémica envolvendo a anterior SAD e um grupo de ex-directores do clube acabou por ditar o fim do pavilhão.

Só que há, neste processo, um conjunto de interrogações que importa destacar.

Em Portugal há um princípio genético na sociedade de uma tendência questionável para o sentido de posse e de propriedade, muitas das vezes aliada a bairrismos discutíveis. O “ter” sobrepõe-se, maioritariamente, ao “haver”, “ser” e “comunitário”. Durante anos a fio, o país viveu alheado da sustentabilidade dos recursos, da partilha, da dimensionalidade. No caso concreto, Aveiro não foi capaz, por inúmeras e distintas razões, de criar estruturas únicas, comuns, que pudessem ser partilhadas por várias instituições e pelos aveirenses. Relacionando com esta questão do pavilhão do Alboi, teria sido muito mais eficaz e eficiente a construção de uma estrutura única que servisse escolas, comunidade e clubes, nomeadamente o Galitos e o Beira Mar. Nada complicado. Mas a verdade é que não foi feito.

Por outro lado, há ainda uma questão que o próprio clube deve meditar neste infeliz desfecho. Desde a questão do caso “penhora do pavilhão”, ano após ano (e a história não é assim tão recente) que se interroga a continuidade das modalidades naquele espaço. Toda a movimentação que agora surge em torno do pavilhão e do erguer de um novo, deveria ter tido outros desenvolvimentos e outros esforços ao longo deste período. Porque este final era, inquestionavelmente, conhecido e expectável.

Deixou-se cair, um pouco, no esquecimento e no arrastamento de uma solução sustentável para o Pavilhão do Alboi, tal como se arrasta o renascimento e a reestruturação do clube, devolvendo-o de novo aos bons momentos, ou, qui ça, a uma total reformulação da vida do clube que pode passar, sem qualquer tipo de constrangimentos, pela chamada “estaca zero”, como são tantos os exemplos no país (Feirense, Salgueiros, Boavista, etc., etc.)

Há uma certeza nesta infeliz realidade. O Sport Clube Beira Mar perdeu, nas duas últimas décadas, identidade, ligação à cidade e à Região e, principalmente, perdeu património: não tem um estádio próprio, não tem uma piscina, não tem um pavilhão, não tem uma sede e não tem sócios.

Não foi apenas um pavilhão que o Beira Mar perdeu… foi muito da sua alma e da sua história.

Espero que saiba e consiga, a bem de Aveiro e dos aveirenses, renascer destas cinzas.

As duas faces da taxa de desemprego

Publicado na edição de hoje, 22 de outubro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

As duas faces da taxa de desemprego

O Orçamento do Estado para 2015 assenta num conjunto de premissas de alguma imprevisibilidade e de algum risco para o cumprimento da meta do défice, não dos 2,5% conforme acordado com a Troika, mas sim de 2,7% (apontados pelo Governo). Para além do pressuposto, claramente sobreavaliado, do aumento do PIB em 1,5% (segundo o INE o PIB, entre abril e junho deste ano, subiu 0,6% em relação aos três primeiros meses de 2014, quando na Zona Euro o crescimento foi nulo e no total da União Europeia apenas de 0,2%), há ainda um outro valor de referência que é a diminuição da taxa de desemprego para 13,5% (recorde-se que no terceiro trimestre a taxa situava-se nos 14,6%, aliás valor muito próximo do referenciado pela OCDE para o ano de 2015: 14,7%). Falemos então do desemprego ou da taxa de desemprego. É um facto que este valor da taxa de desemprego é um significativo indicador se tivermos em conta que é preciso recuar até fevereiro de 2012 para encontrarmos um valor muito próximo (14,6%), sem esquecer que, em janeiro de 2013 a taxa situava-se nuns preocupantes 17,4%. Ou seja, a taxa de desemprego recuou 2,7%. Mas isto são os valores percentuais. E a realidade? O que significa esta redução dos pontos percentuais na avaliação do desemprego? Há que lembrar que o actual valor de 14,6% significa ainda que em Portugal há cerca de 740 mil desempregados. Além disso, embora a taxa tenha diminuído 2,7% desde o ano passado (2013), Portugal regista a terceira pior taxa de empregabilidade, este ano, na União Europeia, com apenas 0,6% de empregos disponíveis. O que aconteceu a cerca de 2% dos desempregados? A questão não está nos números. As estatísticas são o que são, os valores são as referências que servem para as devidas ilações. Só que não é correcto a abordagem destes valores de forma absoluta, já que eles escondem outros factores.

Olhando os números é um facto que, desde que começou a crise, há cerca de menos 230 mil desempregados, mas o outro lado da “tabela” mostra-nos que apenas foram criados cerca de 100 mil novos empregos. Ou seja, para onde foram cerca de 120/130 mil portugueses? Deixando de lado a questão da sazonalidade que implica factores que considero extremamente voláteis e questionáveis, se quisermos ir mais longe, comparando a taxa de desemprego entre 2014 e 2012 (como foi feito em cima – valores muito próximos dos actuais), a verdade é que o número de empregados nesse ano rondava os 4.680.000 e hoje situa-se nos 4.520.000 portugueses com emprego. Mesmo comparando com igual período de 2013 (cerca de 4.500.000 empregados) a recuperação, que se regista, apenas contempla cerca de 20.000 novos empregos.

Há ainda a maquilhar estes valores da redução da taxa de desemprego, as constantes alterações às listas do IEFP, pela perda do direito ao subsídio, pelo abandono dos desempregados na procura de emprego através dos registos do IEFP, os desempregados de longa duração, e ainda, o subterfúgio tantas vezes encontrado pelo Governo, de incluir no rol dos empregados (saindo, mesmo que temporariamente, das listas de desempregados) os que se encontram ao abrigo dos “Contratos Emprego Inserção” e “Contratos Emprego Inserção +”, que no primeiro semestre de 2014 eram cerca de 160 mil (contra os 79 mil no início de 2013).

Resta ainda acrescentar a esta realidade os cerca de 100 mil portugueses que emigraram à procura de novos projectos e um futuro (presente) melhor, sejam eles jovens licenciados ou adultos mesmo que não qualificados.

Importa assentar bem os pés na terra, quando se analisa o desemprego e o seu impacto na economia e nas contas públicas.

Em julho de 2011 (antes do início da assistência externa, Troika) Portugal registava cerca de 4.890 empregados. Hoje, após o primeiro semestre de 2014, apesar da recuperação, a crise, o processo de ajustamento das contas públicas, fez Portugal perder/destruir cerca de 390 mil empregos (4500000).

E esta não é uma folha de cálculo, um mapa em excel… é a realidade e a fotografia do país; são os números mas também todos os portugueses que ainda formam, infelizmente, filas significativas à porta dos Centros de Emprego.

Só o Bastonário da Ordem dos Médicos para se preocupar com o "ponto"

O sector da saúde em Portugal está há alguns anos doente e a precisar urgentemente de cuidados paliativos, antes que entre, definitivamente, em coma.

São os recursos financeiros que sofrem cortes em áreas da responsabilidade do Estado (colocando em causa o próprio SNS), a má gestão de algumas unidades, a falta de equipamentos e profissionais em muitos locais, os encerramentos e concentração de valências hospitalares, a subvalorização das Unidades de Saúde Familiares, os custos da actividade médica (intervenções, cirurgias, exames, medicamentos), etc., etc.

Felizmente, só quem não teve o azar de recorrer aos cuidados médicos, mesmo os mais elementares, poderá estranhar a realidade.

Mas a para disto tudo há ainda a questão dos lobbys na saúde: os interesses do sector privado da área, a indústria farmacêutica, o peso das farmácias, e há ainda… o próprio lobby dos médicos. Ou melhor, com todo o respeito e mais algum que tenho por todos eles, a bem da verdade… o lobby do Bastonário da Ordem.

Se bem que, neste caso, os médicos tenham muita responsabilidade, porque foram eles que o elegeram. Sem querer tecer qualquer tipo de juízo de valor sobre as capacidades técnicas e científicas do Bastonário da Ordem dos Médicos, já não se pode ficar indiferente à forma como José Manuel Silva exerce o seu papel de Bastonário de um dos mais importantes sectores da sociedade portuguesa.

A responsabilidade da gestão da saúde não cabe directamente à Ordem dos Médicos, sendo certo que se entende como uma das suas principais funções ser parceira activa e permanente para a sustentação do Sistema de Saúde em Portugal. Mas com tantos e tantos problemas, alguns directamente relacionados e ligados com a classe, como é que é possível que o Bastonário da Ordem dos Médicos venha perder tempo com uma questão de gestão de recursos humanos mais que básica e elementar em qualquer organização, e teça uma infeliz e triste comparação entre o investimento num normal procedimento de RH e o valor e papel da actividade e função de um médico. E como se a actividade de um profissional da saúde num Hospital ou num Centro de Saúde estivesse, ou alguma vez fosse, condicionada por um mero “relógio de ponto”.

Livro da jornalista Fátima Araújo, "Por acaso..."

É hoje, pelas 19.00 horas, na Casa da Música, no Porto, que acontece o lançamento do primeiro livro da jornalista da RTP, Fátima Araújo.

"Por acaso..." retrata o percurso de vida de cinco jovens portugueses com Paralisia Cerebral e que são exemplos de empreendedorismo profissional e social, de auto-superação e de desmistificação de preconceitos da sociedade em relação aos deficientes.

"Por acaso..." tem a particularidade do prefácio assinado pelo neurocirurgião João Lobo Antunes e doar uma parte do valor das vendas à Associação do Porto de Paralisia Cerebral.

Destaque para a entrevista que a Fátima Araújo concedeu ao Diário de Aveiro, edição de quarta-feira passada, dia 15, conduzida pelo jornalista Rui Cunha (clicar na imagem para aceder à entrevista).

da11-Fatima Araujo Livro.png

As dores de parto do Governo

OE2015.jpgOu melhor… a dor de parto de qualquer Governo. Ou melhor ainda… os Orçamentos do Estado são sempre arrancados a ferros. E isto ao longo de legislaturas atrás de legislaturas, seja o governo “laranja”, “rosa”, bi ou tri-color.

Este Orçamento do Estado para 2015 não foge à regra das dores de parto de qualquer Governo, embora com características e especificidades próprias: o primeiro OE pós-Troika (sem que, no entanto, se alivie a austeridade); uma meta do défice orçamental muito baixa (2,5% era o acordado, embora o Governo vá solicitar a Bruxelas o valor de 2,7%); e um OE a vigorar em ano eleitoral. Neste Orçamento do Estado para 2015, há claras derrotas, há evidentes derrotados, há contradições óbvias, há “tirar mais” do que “dar”, há a continuidade da austeridade e dos sacrifícios (o facto do programa de ajuda externa ter terminado, não terminou a crise… bem pelo contrário), há “tiros no escuro” previsionais com expectativas económicas altas (afigurando-se irrealistas). Há ainda a noção de que este OE2015, que deveria ser o espelho de uma estratégia (e mesmo ideologia) política da acção governativa, não passa de um mero exercício contabilístico entre o “deve e o haver” que qualquer folha de Excel (dos tempos idos do Windows 3.1) sempre fez.

A principal derrota é para todos os portugueses que esperariam alterações significativas ao IRS (redução ou eliminação da sobretaxa, alteração das deduções fiscais, reavaliação dos escalões, …). O IRS, neste OE2015, saldou-se pela ausência da implementação da tão badalada Reforma Fiscal, por um desagravamento para as famílias numerosas (algo há anos reivindicado e que mais não é do que justiça social) e o acréscimo de algumas despesas com dedução de IVA (calçado e vestuário) que, mais do que um benefício, é uma medida de combate à fraude fiscal. Derrotado saiu igualmente o próprio CDS que, mais uma vez, volta a aplaudir no final, por comodismo face ao poder, algo contrário ao que sempre disputou desde início e sempre agitou como bandeira política: a redução da carga fiscal aos portugueses. Empurrar para 2016 (quando há eleições legislativas em 2015) uma hipotética devolução da sobretaxa de 3,5% no IRS em função do resultado das receitas fiscais é, claramente, sacudir a água do capote e transferir responsabilidades políticas, sociais e governativas para quem vier a seguir. No entanto, quanto ao argumento do combate à fuga fiscal, pessoalmente, continuo a achar uma legítima preocupação do Estado, já que os portugueses têm um elevadíssimo défice de cultura e responsabilidade fiscais, com prejuízos directos para todos e, obviamente, para as contas públicas.

Mas este OE2015 ainda vai mais longe nas suas incongruências: o desagravamento do IRC de 23% para 21% afigurar-se-ia como uma medida bastante positiva no sentido de promover a economia e proteger o tecido empresarial, não fora, no entanto, o aumento da carga fiscal sobre combustíveis e viaturas, o aumento do IMI e o fim da cláusula de salvaguarda, o aumento dos preços da energia, o agravamento do IVA em alguns produtos de consumo, entre outros. É, no fundo, dar com uma mão e retirar com muitas. Aliás, tal como acontece na Função Pública. O Governo repõe 20% da massa salarial perdida (acima dos 1500 euros salariais), mas mantém a sobretaxa, congela carreiras e progressões, aumenta a mobilidade especial e as rescisões, e retoma o pagamento do subsídio em duodécimos.

Quanto ao consumo, o IVA não sofre reduções, antes pelo contrário há agravamentos em alguns bens. Não é, por isso, a subida das pensões mínimas, do salário mínimo ou da recuperação de 20% de massa salarial na Função Pública, face ao agravamento fiscal e do custo de vida, que haverá aumento do consumo. Aliás, è esta a ilusão das exportações. As exportações aumentaram (e aumentaram igualmente as importações já que a matéria-prima necessária não é produzida em Portugal, na sua generalidade) porque as empresas viram-se na contingência de se virarem para os mercados externos pela dificuldade que existe no consumo interno.

Por último, um OE2015 sustentado em perigosas premissas e expectativas irrealistas, alicerçado numa taxa de desemprego de 13,5% e num aumento do PIB em 1,5% (relembremos que o falecido economista António Borges previa, em poucos anos, uma aumento de 4% e que ainda é preciso que o país cumpra a meta para este ano de 4%), é algo deveras questionável. Não há um aumento significativo e sustentado do emprego, a economia corre o risco de novo efeito sistémico pela crise que ainda está instaurada, que se avizinha novamente (basta ver os valores da bolsa, de hoje), ou pelo incumprimento de défices orçamentais como é o caso recente em França e o regresso da crise à Grécia.

Mas o maior derrotado é o Governo que se vê na contingência de novas medidas suplementares (venda da TAP, por exemplo, e ainda falta garantir que o caso BES não “explode” nas mãos deste orçamento), revendo a meta de 2,5% para 2,7%. O OE2015 é vazio de políticas públicas, da Reforma Fiscal, da Reforma do Estado (da qual nunca mais se ouviu uma palavra) e da sustentabilidade da Segurança Social.

Uma coisa é certa, há um dado em que Passos Coelho cumpriu: este Orçamento do Estado para 2015 está-se a lixar para as eleições.

Não dizer "sim" sem dizer "não"

Rui Rio - publico_paulo ricca.jpgA propósito do meu artigo publicado hoje (15 de outubro) no Diário de Aveiro, "O efeito sistémico das primárias", o Jornal i, na sua edição de segunda-feira, destaca uma nota da Lusa em que são transcritas algumas afirmações de Rui Rio a propósito do movimento e das estratégias públicas que pretendem a sua candidatura à liderança do PSD e às legislativas de 2015. Sob o título "Rui Rio garante não estar envolvido em estratégias para chegar a líder do PSD" são tornadas públicas afirmações e posições do ex-autarca do Porto onde afirma o seu não envolvimento directo neste processo, é totalmente alheio ao movimento e não teve nenhuma interferência nesta campanha.

Mas o que Rui Rio não disse, ou, pelo menos, a Lusa e o Jornal i não o referem, é se está ou não disponível para liderar o PSD e ser o próximo candidato a primeiro-ministro nas legislativas de 2015. Ou até se, face a uma eventual derrota do PSD no próximo acto eleitoral, está ou não disponível para substituir Passos Coelho à frente dos sociais-democratas.

E só após a definição desta realidade é que fazem sentido as interrogações sobre a possibilidade de um entendimento com o PS e António Costa.

Até lá... apesar de "eu não tenho nada a ver com isso", este processo tem contornos bem definidos na sabedoria popular: "gato escondido com rabo de fora".

(créditos da foto: jornal público / paulo ricca)

O efeito sistémico das primárias

Publicado na edição de hoje, 15 de outubro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

O efeito sistémico das primárias

É comummente aceite que existe na democracia portuguesa actual um desgaste do sistema político-partidário, em parte pela imagem negativa que alguns políticos transmitem sobre a coisa pública e a política, em parte também pela blindagem interna dos aparelhos partidários favorecendo os “instalados”, e ainda pelo alheamento dos cidadãos em relação à política.

Há uns anos, alguns dos partidos políticos (casos do PSD, CDS e PS) optaram por implementar o processo de directas para a eleição do líder partidário, reservando para os “tradicionais” congressos questões programáticas e a eleição da estrutura nacional. Há quem entenda que retira fulgor político aos congressos e à representatividade dos delegados congressistas, há, por outro lado, quem entenda que esta é uma forma de dar voz directa e participativa aos militantes de base. Mais recentemente, a propósito da contestação interna à liderança socialista de António José Seguro, surgiu a novidade no sistema democrático português da eleição de um candidato a primeiro-ministro através de primárias, envolvendo não só militantes mas também simpatizantes. Cerca de 190 mil cidadãos votaram e escolheram um dos candidatos, o socialista António Costa, para ser indigitado como o candidato do PS ao cargo de primeiro-ministro, nas eleições de 2015.

O processo, curiosamente proposto e implementado pelo candidato derrotado, mereceu os maiores elogios públicos, de vários quadrantes da vida política e pública. Ao ponto de haver já movimentações no sentido de destronar Passos Coelho da liderança do PSD tentando, através do mesmo processo das primárias, eleger Rui Rio. Para a plataforma Fórum Cidadania e Sociedade, grupo que apoia a candidatura de Rui Rio a primeiro-ministro, o ex-presidente da Câmara Municipal do Porto afigura-se como um verdadeiro social-democrata e a melhor alternativa a Passos Coelho.

Só que há pormenores e contornos neste processo das primárias que importa referenciar.

Sendo certo que a participação o envolvimento dos cidadãos na vida partidária e política, é uma mais-valia para a consolidação da liberdade, do direito ao exercício da cidadania, da consolidação da democracia, não foram propriamente estas preocupações que estiveram na génese do processo. António José Seguro sobrevalorizou a sua liderança, quis provar a solidez do seu papel à frente do PS e como alternativa a Passo Coelho, quis ultrapassar as fronteiras do aparelho partidário tentando, com isso, recolher apoios no eventual eleitorado socialista (simpatizantes) e na sociedade descontente com o actual Governo. Mas correu mal. Primeiro porque o processo foi um atropelo de acontecimentos processuais, segundo porque muitos dos eleitores nas primárias confundiram a candidatura a primeiro-ministro com a eleição de secretário-geral do PS, e, por último, o risco, concretizado, de personificação do poder levou a uma campanha desastrosa e, em momentos, nada dignificante.

Se este processo das primárias fosse uma realidade permanente, constante, indiferente a oposições e conflitos internos nos partidos, ainda aventaria a possibilidade de afirmação no sistema político-partidário português, nomeadamente transformando o actual processo das directas e a respectiva eleição das lideranças dos partidos. Para mera contestação de lideranças ou escolha de candidaturas presidenciais ou governativas não se afigura como capaz de criar raízes.

Este foi um processo pontual, com muitas interrogações, com muitos “casos”, que não me parece ter capacidade, actualmente, para produzir um efeito sistémico nos restantes partidos. Mesmo naqueles que, como o PSD, têm por tradição e génese uma conflitualidade interna latente e permanente.

Sete anos de "Olhar Direito"

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Blogue "Olhar Direito" celebra, hoje, o seu sétimo aniversário.

Há alguns meses passou a ser blogue associado do Debaixo dos Arcos, por responsabilidade acrescida do Francisco Castelo Branco que teve a amabilidade de me enviar um convite para fazer parte da sua equipa. O que aceitei com todo o gosto.

Parabéns ao Francisco que, com inquestionável mestria, soube manter um blogue dinâmico, interessante, com acções complementares (como as Conferências "Olhar Direito", por exemplo).

Se mais não der, pelo menos, que venham mais sete anos.

Freguesia em Festa

publicado na edição de hoje, 12 de outubro, do Diário de Aveiro.

Freguesia em Festa

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Propositadamente o título deste texto refere “Freguesia em Festa” e não “Freguesias em Festa”. E propositadamente porque ontem, com continuidade no próximo dia 25, foi comemorado o 179º aniversário da Glória e da Vera Cruz. Historicamente a data corresponde à veracidade dos factos. A realidade, hoje, desde as eleições de 2013, é, no entanto, outra, independentemente de se estar ou não de acordo com ela. Por força de uma reforma administrativa do Poder Local, implementada em 2013 pelo actual Governo (à data era uma bandeira governativa do então ministro Miguel Relvas), a realidade política e administrativa que se vive na cidade de Aveiro é outra: a agregação das freguesias da Glória e Vera Cruz numa só, a União das Freguesias de Glória e Vera Cruz. Tão legitimamente celebramos a história destes longos 179 anos das duas freguesias, como, com a mesma legitimidade, poderíamos ter celebrado os 178 anos da Glória e da Vera Cruz mais o primeiro aniversário da União das Freguesias de Glória e Vera Cruz. E nesta ambiência festiva, para além da história do poder local, das memórias desta terra e das suas gentes, importa uma reflexão, mesmo que muito sumária e breve sobre esta agregação, sobre o Poder Local, e os desafios que hoje se colocam aos autarcas.

O “25 de Abril de 74” (ou o “25 de Novembro de 75” conforme as sensibilidades, como é o meu caso) abriu uma porta fundamental para a sustentação da democracia: o direito ao voto livre, consciente, universal. O direito de elegermos e a sermos eleitos. Neste âmbito, ganhou particular dimensão e importância o Poder Local, quer do ponto de vista da proximidade com os cidadãos (municípios e freguesias), quer numa maior facilidade de participação dos eleitores na vida das suas comunidades. Volvidos 40 anos, apesar de não estarem em causa, na sua génese, os princípios da democracia conquistada, é um facto que algumas dessas conquistas de 74 e 75, perderam relevância, foram desvalorizadas e minimizados os seus importantes papéis. E o Poder Local está nessa linha.

Em 2013, extinguiram-se/agregaram-se cerca de 1500 freguesias, por força de uma Reforma Administrativa que não teve a coragem de ser abrangente; de ter um âmbito alargado; que não teve critérios justos, eficientes e lógicos nas agregações efectuadas; que não teve a audácia necessária para alterar a lei eleitoral autárquica; que esvaziou órgãos autárquicos de inúmeras competências; que atribuiu novas competências sem perspectivar as convenientes e necessárias alterações e sustentações de recursos (financeiros, estruturais, humanos); que não teve em conta as realidades próprias, a história, a cultura das comunidades. Não pretendo com isto dizer que tudo foi mau neste processo. Da mesma forma que olhamos com apreensão para a agregação de freguesias rurais, com agravante para as do interior do país, resultando num sobre-redimensionamento geográfico e estrutural sem benefícios para os cidadãos nem para o Poder Local, temos de olhar com racionalidade e clareza para uma necessária, positiva e eficaz redução das freguesias urbanas, nomeadamente em cidades como a de Aveiro. Seja pela dimensão geográfica, pela dimensão populacional, pelas especificidades quanto às competências e as suas relações com as câmaras municipais, etc. No caso concreto da cidade de Aveiro, da Glória e da Vera Cruz, a sua história é reflexo de unidade na especificidade (já houve quatro freguesias), a Ria (Canal Central) não pode ser um símbolo de separação mas sim de agregação, o saudável bairrismo das comunidades (bairros), sem perderem, com isso, as suas identidades - Alboi, Beira Mar, Barrocas, Vilar, Santiago, Sé, 25 de Abril, Forca, … - tem de ser canalizado para a consolidação e construção comuns de uma urbanidade única que sempre caracterizou a Cidade de Aveiro e as suas Gentes.

Por último, esta nova realidade das Freguesias, a crise que o país atravessou e atravessa e os constrangimentos económico-sociais daí resultantes, os erros de gestão cometidos no passado autárquico, colocam novos desafios, amplificam existentes e requerem um redobrado esforço dos eleitos, resultando numa multiplicada necessidade de uma relação forte entre autarquia e freguesia e os cidadãos. A cidade, a freguesia e o município, existem apenas “de” e “para” as pessoas, e, por mais relevante que seja a história e as “estórias”, é para os fregueses e para os munícipes que deve ser canalizado todo o cumprimento cabal das competências e funções para as quais cada autarca foi, democrática e livremente, eleito, com elevado sentido de responsabilidade e de serviço público, independentemente da realidade administrativa existente. A bem de Aveiro e dos Aveirenses.

(na qualidade de Presidente da Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Glória e Vera Cruz)

E vão NOVE...

Já me ia esquecendo... estou em fase de acabar o primeiro ciclo, quarto ano, ou como antigamente se dizia a 4ª classe.

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Desde 10 de outubro de 2005 e desde aqui... ("Os Arcos", centro da cidade de Aveiro)

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Para Portugal inteiro (e arredores)... há nove anos consecutivos.

Veremos quantos mais...

Uma certeza: até que o "teclado" me doa.

Afinal podemos ser todos BES

novo banco.jpgÉ certo que os impactos públicos (custo para o Estado e contribuintes) da participação do Estado na recapitalização do BES em nada terão a ver com o valor injectado no BPN que ronda os sete mil milhões de euros (qualquer coisa como cerca de 700 euros a cada português).

A dimensão do caso BES é menor que a do BPN (em parte pela estratégia de separação do banco em dois, o “bom” e o “mau”) e as eventuais perdas neste processo serão sempre resultado da diferença entre o valor da venda e o valor do fundo criado para a recapitalização do banco. Isto assim e uma forma muito simplicista e simplificada do processo, sem recurso a economês ou tecnicidades escusadas.

Porque o que importa realçar, neste momento, é a mudança de convicção e opinião do Governo em relação ao processo BES e ao valor injectado pelo Estado.

Mais uma vez (depois do que aconteceu na Justiça e na Educação) o Governo refutou, no princípio do processo, todas as críticas e negou todas as evidências apresentadas pela oposição e pela opinião pública, para, volvido algum tempo, reconhecer o que era mais que expectável e mais que provável. E as palavras da ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, não deixam dúvidas, depois de há um mês apresentar a solução BES como a melhor para que não houvesse risco para os contribuintes: «o envolvimento da CGD no processo pode resultar em “risco de perdas” para o banco público», o que, na prática, significa o risco de “custos para o Estado/contribuintes”, caso o banco seja vendido abaixo dos 4,5 mil milhões de euros do fundo de resolução (sabendo-se que deste valor 30% correspondem à CGD). Para além disso, há ainda uma nota em relação às declarações da ministra das Finanças proferidas quarta-feira no Parlamento: «é o preço do Estado ter um banco público [CGD]». Curiosamente, para as crises no sistema bancário o banco público afigura-se sempre como um problema financeiro dada a necessidade (e obrigatoriedade) de recurso do Estado ao banco público para a resolução dos “buracos”. Para os investimentos públicos e os negócios do Estado, o Governo recorre à banca privada (no caso do BES é conhecido o seu peso e influência na economia privada e pública) criando constrangimentos às contas públicas e aos contribuintes quando as coisas correm mal.

O Epílogo Político

Seguro - olhar direito.jpgAntónio José Seguro já tinha anunciado no início do processo das primárias que se demitiria das funções de secretário-geral do Partido Socialista caso perdesse essas eleições.

Perdeu e cumpriu a “promessa”, apesar das primárias servirem para a escolha, pelos simpatizantes e militantes socialistas, do seu candidato a primeiro-ministro nas eleições de 2015.

Simultaneamente, e pelo facto da função ter uma relação e ligação directa com o secretário-geral do partido, o líder da bancada parlamentar socialista, Alberto Martins, apoiante incondicional de António José Seguro, apresentou igualmente a sua demissão do cargo.

Ainda no seguimento do resultado das primárias do passado 28 de setembro, António José Seguro renunciou igualmente ao cargo de Conselheiro de Estado, função que desempenhou por nomeação/eleição pela Assembleia da República.

Mas as primárias do PS fizeram ainda mais mossa na então estrutura socialista. Marcos Sá, dirigente nacional do PS, escolhido por Seguro (de quem foi apoiante) para dirigir o jornal oficial do partido (“Acção Socialista”) apresentou igualmente a sua demissão das funções que desempenhava.

Mas a surpresa (ou não) estava para chegar. António José Seguro abandona também a sua condição de deputado na Assembleia da República (regressa ao ensino superior) e torna-se apenas militante socialista de base, deixando ainda a nota de não ter qualquer intenção de se envolver no próximo Congresso Nacional onde deverá ser aclamado António Costa como novo secretário-geral do PS.

É claro que a decisão tomada pelo ex-líder socialista, nomeadamente a renúncia ao cargo de secretário-geral e à de deputado, são de significativa nobreza e dignidade políticas. No entanto, reconheça-se que o registo político dos últimos três anos de António José Seguro fica demasiado sombrio, vazio e irrelevante: três anos de “abstenção violenta” enquanto oposição sabem a pouco; três anos sem conseguir marcar a diferença e assumir o PS como alternativa governativa, tal como sempre espelharam as sondagens e as próprias eleições (por exemplo, as europeias); três anos em que não conseguiu consolidar uma liderança interna forte e consistente, permitindo o crescer de uma oposição e de uma alternativa; três anos políticos (pelo menos os dois últimos) em que Seguro não conseguiu internamente fazer esquecer a liderança forte, histórica, e marcante de Sócrates enquanto secretário-geral do PS; três anos políticos que culminaram numa estratégia política errada e que se revelou mordaz, ao implementar um instrumento democrático apenas como recurso para “salvar” uma liderança frágil (provavelmente, sem as primárias, apenas com directas, poderia ter “salvado” a liderança). A tudo isto acresce um resultado de todo inesperado nas primárias, até pelo próprio, mesmo que a vitória pudesse ser questionável: pouco mais de um terço dos votos, numa relação esmagadora.

O epílogo é evidente: terminou um ciclo político de liderança que não fará história no país, no partido e a nível pessoal.

Como nos filmes… “The End”.

Coincidências políticas

A notícia é avançada na edição de hoje do Diário de Notícias online: Juízes tiveram um aumento de mil euros.

Numa altura em que a generalidade dos funcionários públicos sofre restrições salariais e profissionais (carreiras), numa altura em que as convulsões na Educação são diárias, numa altura em que se anuncia (Jornal de Negócios) eventual manutenção da sobretaxa de IRS (embora a 2,5%) e o regresso do subsídio de Natal pago em duodécimos, em 2015, esta realidade é, no mínimo, curiosa.

Por mais que tentem sustentar uma equidade na Administração Pública (Central, Regional ou Local) nem todos os funcionários públicos são iguais e tratados de igual forma. Nada tem a ver com a particularidade da Justiça, mas sim na generalidade da estruturação do Estado.

Por outro lado, as razões apontadas na notícia do DN referem o processo da Reforma do Mapa Judiciário e a criação de 77 novos tribunais de especialidade, resultando numa subida de escalão salarial e ao aumento dos cerca de mil euros referidos. No entanto, não deixa de ser curiosa a coincidência com toda a polémica e o constrangimento causados pelo caos do Citius.

Coincidências... claro.

A moda da partidarite

Publicado na edição de hoje, 8 de outubro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

A moda da partidarite

Tem surgido, recentemente, uma significativa quantidade de fundação/criação de novos partidos, posicionados à esquerda, à direita e ao centro. O eventual desmembramento do Bloco de Esquerda deu origem ao Livre (do ex-eurodeputado Rui Tavares) e à anunciada nova plataforma da esquerda envolvendo o movimento Forum Manifesto, nomeadamente, Daniel Oliveira e Ana Drago. Ao centro, conforme declaração própria, surge o movimento cívico “Nós Cidadãos”, posicionado entre o PSD e o PS e que surgiu das reflexões políticas do Instituto Democracia Portuguesa que tem nos seus órgãos sociais nomes como D. Duarte de Bragança, Rui Moreira, Fernando Nobre, entre outros. Quanto à formação partidária o movimento é representado por nomes como o General Garcia Leandro, Mendo Castro Henriques, Juiz Rui Rangel ou o músico José Cid. Mais recentemente, na semana passada, surge mais uma formação partidária, encabeçada por Marinho e Pinto e intitulada Partido Democrático Republicano, assente em três pilares programáticos: liberdade, justiça e solidariedade. Já nas eleições autárquicas de 2013 (embora com particularidades e especificidades próprias, nomeadamente conflitos internos nos partidos provocados pelas escolhas polémicas de candidatos e de listas) surgiu um expressivo conjunto de movimentos de cidadãos e independentes. E estas realidades merecem, por parte de todos (cidadãos e partidos), uma atenta reflexão. Se é verdade que a imagem da política, dos partido e dos políticos na opinião pública está pelas “ruas da amargura”, não deixa de ser igualmente verdade que a responsabilidade por essa imagem deve ser repartida entre cidadãos e instituições (partidos, políticos, órgãos públicos, etc). Afigura-se muito fácil, mas simultaneamente desleal, criticar e acusar o sistema político português, mas ao mesmo tempo existir um alheamento da maioria dos cidadãos nos processos eleitorais ou na participação cívica. Por outro lado, se a participação cívica, para além de desejável, é louvável, esta banalização dos processos políticos, este proliferar de movimentos e partidos só pelo descontentamento partidário ou por ambição política, em nada beneficia a democracia, nem o sistema político, e muito menos a desejada representatividade (já que esta necessitaria de uma reforma do sistema eleitoral português). A verdade é que é difícil e, em muitos casos, inexistente, encontrarmos nesta proliferação de movimentos, plataformas e partidos novos, a apresentação de alternativas sólidas, de projectos políticos sustentáveis, e, acima de tudo, de novas opções ideológicas. Aliás, este esvaziar ideológico no sistema democrático e político português é um dos seus maiores obstáculos, vício e defeito: a ausência, cada vez mais acentuada, de referências a valores e princípios ideológicos leva ao aumento do alheamento e do descrédito dos portugueses na democracia, no sistema e na política. Ressurge a demagogia fácil, vácua, a chamada “banha da cobra”, esquecendo-se os políticos que a sociedade mudou, os portugueses estão mais atentos e menos disponíveis para se deixarem levar e enganar por falsas e vazias profecias. Por outro lado, paradoxalmente, surge a crítica, tantas vezes fácil e infundada, em relação aos partidos, ao sistema e aos políticos, ao mesmo tempo que se usa e se recorre à mesma democracia e ao mesmo sistema tão criticados para a personificação do poder e da política com a criação destes novos partidos e movimentos pela necessidade e ambição de espaço público e de palco político, como é claramente o caso de Marinho e Pinto. Basta recordar o que tem sido, desde o início deste ano, o percurso político de Marinho e Pinto: de candidato europeu (vencedor) pelo MPT, à decepção europeia pelo desencanto provocado pelo Parlamento Europeu, passando pelo desvincular da ligação ao MPT e a apresentação de candidatura às legislativas de 2015 com um novo partido (PDR). Nos ‘entretantos’ fica o registo de um conjunto de contradições, antinomias e incoerências durante todos estes meses: do louvável apoio do MPT à sua candidatura à Europa, da recusa em reconhecer o recurso a “barriga de aluguer” política para a sua candidatura ao Parlamento Europeu, à acusação de MPT familiar e com interesses apenas particulares, fica o abandono do Parlamento Europeu, o desencanto com os corredores da União Europeia; do elogio eleitoralista ao papel da União Europeia e do Parlamento Europeu, à acusação e crítica a um Parlamento Europeu de “faz-de-conta”, “viciado” e sem relevância política nenhuma, fica o anúncio da saída da Europa carregado de peripécias quanto à integração numa “família política europeia”; da crítica violenta aos salários dos deputados europeus e que considerou uma obscenidade ao anúncio da sua candidatura às legislativas, estendendo as mãos a toda e qualquer coligação que promova poder político/governativo, fica a crítica ao baixo salário de deputado (4800 euros líquidos) que “não permite padrões de vida muito elevados em Lisboa”. Populismo e “banha da cobra” é nisto que se está a transformar, perigosamente, a democracia portuguesa, na generalidade, sem mais-valias.

Nada acontece por acaso...

reduzida Foto Fátima Araújo (cores)_JPG.jpgO Francisco Castelo Branco teve a brilhante iniciativa de entrevistar a jornalista da RTP, Fátima Araújo, a propósito do lançamento do seu primeiro livro (espera-se que o primeiro de vários) "Por acaso..." que terá lugar já no próximo dia 20 de outubro, na Casa da Música, no Porto.

A interessante entrevista pode e deve ser lida no "Olhar Direito" (a 'segunda casa' do "Debaixo dos Arcos").

A Fátima Araújo (RTP) em discurso directo no Olhar Direito, por Francisco Castelo Branco, a propósito do seu livro "Por acaso..."
E também... esse paradoxo circunstancial de que tem pavor a aviões mas tem como paixão viajar (e muito).

Capa e etiquete livro Por acaso_JPG.jpg

Caderno de Notas - Apontamentos III

Publicado na edição de hoje, 5 de outubro, do Diário de Aveiro

Caderno de Notas

Apontamentos III

A semana em resumo (29 de setembro a 4 de outubro)

1. O poder de Costa

Após a inquestionável e esmagadora vitória de António Costa nas primárias de domingo passado, o candidato socialista a primeiro-ministro e, eventualmente, a secretário-geral do partido, não perdeu tempo a movimentar as suas peças no xadrez político do PS. Com a anunciada candidatura de Álvaro Beleza (apoiante de Seguro) às directas, António Costa antecipa qualquer movimentação de oposição interna. Escolhe o histórico Ferro Rodrigues para sufrágio à liderança da bancada parlamentar e, face aos resultados das primárias (dois terços para Costa e um terço para Seguro, cerca de 70% contra 30%, respectivamente) indica a Ferro Rodrigues que escolha quatro vice-presidentes da bancada da facção Seguro (um terço). E a escolha não deixa de ser curiosa: contra nomes como Ana Catarina Mendes, Vieira da Silva, Marcos Perestrello ou Pedro Nuno Santos (facção Costa) surgem ilustres e perfeitos desconhecidos como Jorge Fão ou Mota Andrade. Mas há, neste processo, uma interrogação que fica. Com a tentativa clara de António Costa de controlar eventuais focos de oposição interna, neste jogo de cadeiras e de cedências, resta saber se os que deram a cara, foram à luta e apoiaram incondicionalmente António Costa aceitarão de bom grado esta realidade. É que a “procura” é muita e os lugares são poucos.

2. Salário mínimo sobe, mas pouco.

Ao fim de três anos de congelamento, fruto de uma das imposições do memorando de ajuda externa assinado com a Troika, o salário mínimo nacional (sector privado, já que o coeficiente/índica 100, na Função Pública, mantém-se inalterável) subiu de 485 euros para 505 euros mensais. São 20 euros de acréscimo até dezembro deste ano. Muitos terão tendência a rir e a achar ridícula esta subida de 20 euros no salário mínimo. É um valor irrisório face ao custo de vida e às necessidades das pessoas e famílias com mais dificuldades financeiras. Aliás, com impostos e aumento de preços, os vinte euros terão, na prática, um valor real mais reduzido. Mas a verdade é que o Governo concertou com os seus parceiros sociais, abriu mão de um congelamento longo e abriu ainda portas para novas negociações. Só que esta questão do salário mínimo não é, de todo, pacífica, seja no meio académico, na gestão empresarial ou no meio sindical (trabalhadores). Se para estes últimos esta é uma forma de precaver e limitar a exploração laboral por meio do salário, dando dignidade ao trabalho e defendendo a dignidade humana, para outros é questionável que o aumento do salário mínimo (ou até, no limite, a sua própria existência) seja benéfico para o combate ao desemprego, para a sustentabilidade da economia e do tecido empresarial, para que as pequenas e médias empresas consigam permanecer activas, para o próprio comércio, principalmente quando em contexto de crise acentuada como a que vivemos (sim…ainda viveremos nela por muitos anos).

3. Chumbo escolar

Depois da triste e lamentável cena do “perdoem-me”, o ministro da educação, Nuno Crato, volta a criar polémica no ensino. Não lhe bastou a lição da trapalhada com colocação de professores para repetir novo imbróglio e nova confusão instalada no ensino. Sem ter a mínima preocupação com questões legais de anulação de actos administrativos por quem não os efectuou ou promulgou, os professores voltam a estar no pingue-pongue governativo de Nuno Crato. O ministro quer obrigar os directores escolares a assumirem as responsabilidades por um erro que não cometeram, nem têm fundamento legal para o fazerem. Por outro lado, na tentativa de corrigir as injustiças criadas com o concurso, a publicação das novas listas parece implicar a anulação do primeiro concurso criando novas injustiças perante os professores colocados e que não tiveram qualquer culpa dos erros cometidos pelo ministério.

4. Efeito sistémico

A França prepara-se para entrar em crise. Embora ainda sem contornos específicos e claros, advinham-se tempos difíceis para o cumprimento das metas do défice francês e a capacidade do Governo gaulês para fazer face a uma iminente crise. As preocupações são várias, para já mencionando duas: o efeito sistémico na economia e finanças europeias e dos países mais débeis (como o caso de Portugal), para além do impacto (e danos) que tal realidade possa ter nos emigrantes portugueses (Portugal não está preparado estrutural e socialmente para receber os que se virem forçados a um "regresso" a casa).

Memória curta à Esquerda...

Na edição de segunda-feira do Observador, num trabalho assinado pela jornalista Rita Dinis, existe a referência à disponibilidade de alguns partidos/movimentos da Esquerda para dialogarem com António Costa, após este ter vencido as primárias socialistas de domingo passado e afirmar-se, convictamente, como alternativa ao governo de Pedro Passos Coelho. Pelos argumentos apresentados quer por Daniel Oliveira (Fórum Manifesto), quer por Rui Tavares (Livre), não será muito difícil extrapolar os mesmos fundamentos e as mesmas condições para eventuais idênticas posições do BE e do PCP.

Só que esta disponibilidade para o diálogo tem um "preço" (condição): "ou vira à esquerda ou governa ao centro (bloco central". A decisão está nas mãos de António Costa, que, há cerca de dois ou três meses, afirmava que tinha a convicção de conquistar uma maioria ou que o PS não tinha receio em governar sozinho.

Mas o que os partidos à esquerda do PS têm é outro problema: a memória curta. O PS, António Costa, os seus apoiantes, à ala socrática, não esqueceu ainda o cenário político de 2011, quando a tal esquerda toda disponível pactuou com a direita, fazendo cair o governo de José Sócrates e dando o "poder" ao PSD e ao CDS.

Esta tal esquerda parece ter esquecido esse colossal pequeno pormenor.

Eu não acredito que António Costa e o PS tenham esquecido.

Apontamentos II (semana 22 a 30 setembro)

publicado na edição de hoje, 1 de outubro, do Diário de Aveiro.

Caderno de Notas

Apontamentos II

Na semana final deste mês de Setembro… depois de um verão atípico e um outuno solarengo.

1. O Tecnogate

Em teoria, o caso morreu passado uma semana. Mas era escusado ter-se prolongado por tantos dias. Bastava que Pedro Passos Coelho tivesse adoptado uma outra estratégia, logo no despoletar da polémica. Bastava ter sido claro, incisivo, frontal: “não recebi qualquer vencimento da Tecnoforma enquanto fui deputado”. A forma dúbia, evasiva, remetendo as responsabilidades para os serviços da Assembleia da República, para a Procuradoria-Geral da República e para uma surreal conferência de imprensa de uma empresa insolvente há cerca de três anos, eram escusados. A imagem pública de um político honesto e transparente, concordando-se ou não com a sua governação, saiu manchada por culpa própria. Salvou-se o debate quinzenal, de sexta-feira, no Parlamento, nomeadamente com o populismo do confronto com António José Seguro. O então líder socialista, ainda recentemente, congratulou-se com a decisão do Tribunal Constitucional em chumbar a proposta de lei do Governo sobre a inversão do ónus da prova nos crimes de enriquecimento ilícito. O mesmo líder que bradava no hemiciclo nacional a importância do levantamento do sigilo bancário a Passos Coelho. Pesavam as primárias… depois foi o resultado que se viu.

2. As primárias pela primeira vez

O Partido Socialista inovou na democracia portuguesa: implementou as primárias. Independentemente do decurso da campanha, esta é uma vitória colectiva do PS: a democracia e o funcionamento dos partidos, em Portugal, não será igual daqui para a frente. Isto pelo princípio em si. O problema é que António José Seguro foi vítima do seu próprio feitiço, já que as primárias não foram instituídas para dar resposta a um problema de democraticidade ou da relação política/partidos vs cidadão/eleitor. Foi para responder a uma crise de liderança interna que Seguro não foi capaz de vencer. Um enorme descontentamento pelo facto do PS, nestes três anos de oposição, não ter conseguido capitalizar em intenção de votos e em imagem pública uma alternativa ao Governo do PSD-CDS. Para uns ganhou o regresso ao passado socialista. Para outros, simplesmente, ganhou António Costa personalizando uma alternativa credível a Passos Coelho. Apesar da esmagadora vitória, há um conjunto de interrogações no futuro do PS cujas respostas terão impacto significativo nos próximos desafios: directas; legislativas 2015; presidenciais 2016; câmara de Lisboa.

3. A ‘não-desculpa’

O ministro Nuno Crato pediu desculpa e mandou refazer a lista de colocação de professores depois de defender o processo inicial mas incapaz de suster a pressão e a realidade dos factos. A ministra Paula Teixeira da Cruz andou várias semanas a escusar responsabilidades e críticas face à polémica instaurada pelo “crash” do programa Citius até ser confrontada com a incapacidade do seu ministério em resolver, eficaz e atempadamente, o problema. Muito mais importante que um populismo mediático que o país dispensava de bom grado teria sido o rigor governamental e técnico das medidas aplicadas. Aos portugueses colocou-se uma questão relevante: os ministros, responsáveis máximos pelos actos dos seus ministérios, tinham informação suficiente e conhecimento dos factos que poderiam ter impedido os desfechos verificados? Em caso afirmativo, o “nobre” pedido de desculpa deveria ter sido acompanhado de um digno assumir das responsabilidades e daí retirarem as consequências políticas das suas gestões governamentais. Isso sim, seria um elevado sentido político e de serviço público. A teatralidade do acto só revelou fraqueza política e sinal de hipocrisia, já que nada mudou. A coragem necessária (reconheça-se) para vir a público pedir desculpa diluiu-se na falta de coragem para, consequentemente, assumirem as devidas responsabilidades.

4. A selecção nacional tem novo timoneiro

Fernando Santos foi apresentado como o substituto de Paulo Bento à frente do comando técnico da Selecção Nacional de Futebol. Reconheço-lhe competências, curriculum, experiência, embora não seja propriamente muito fã do seu futebol. Mas há duas questões neste processo forçado de renovação do seleccionador que me inquietam. Primeiro, o objectivo França 2015 (Europeu) mantém-se como prioridade. Assim sendo, como se justifica a escolha de um treinador que terá de cumprir oito jogos de castigo até poder orientar, do banco, a equipa? Será que tal realidade não terá impacto no atingir do objectivo traçado? Segundo, o que muda na estrutura, na actuação, na blindagem de "pressões e influências externas", na FPF? Mudar o seleccionador será suficiente?