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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Saúde em ‘coma induzido’.

publicado na edição de hoje, 28 de janeiro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Saúde em ‘coma induzido’.

Não vale a pena tentarmos iludir a realidade e os factos. A saúde está mal em Portugal. E a amálgama de circunstâncias, de contextos, de episódios é tal que, neste momento, afigura-se complexo isolar acontecimentos e factos. Não me refiro à infelicidade do número de mortes que, por meras circunstâncias médico-biológicas, normalmente ocorrem nos picos do inverno. Isso é a lei da vida, a incapacidade do organismo humano vencer a natureza. Mas não é honesto, nem legítimo, que sob essa perspectiva se pretenda camuflar outros elementos, outros dados e outras realidades preocupantes e inaceitáveis em pleno século XXI. Um acto médico é, em si mesmo, um episódio de risco, com elevada dependência da condição humana (seja pelo paciente, seja pelo profissional). Há que saber, em todas as circunstâncias, perceber esta dimensão. Daí que, por exemplo, a morte numa urgência seja algo inerente ao risco profissional e ao acto médico, apesar da tragédia e da irreversibilidade. Mas nem todas as mortes numa urgência hospitalar estão circunscritas a esta realidade, não sendo, por isso, aceitável que, com a frieza dos números e das estatísticas, se escondam acontecimentos que estão para além do exercício da medicina. Não é, nem pode ser encarado no mesmo contexto um falecimento no decurso de um acto médico com alguém que morre por estar há quatro, seis ou nove horas à espera, numa maca ou numa cadeira de um corredor de um serviço de urgência, para ser tratado. Em pouco mais de um mês… nove casos no país.

Olhemos, como o fazemos em outras circunstâncias, para os chamados países economicamente desenvolvidos e sustentáveis, por exemplo, do norte da Europa. Na base de uma economia forte e produtiva, estruturada em regimes laborais, fiscais e financeiros, eficazes, estão dois pilares sociais bem solidificados, aos quais se apontam muito poucas falhas: educação e saúde.
Em Portugal, se a educação é aquilo que sabemos e se conhece, a saúde, essa, entrou em coma.

O risco da “dieta do Estado”, apesar do necessário emagrecimento da coisa pública, tem os seus custos quando as reformas que se implementam apenas procuram a mera redução de custos (muito para além da Troika) sem que daí resulte maior eficácia e eficiência na prestação dos serviços públicos essenciais. A forma como o país abandonou os cuidados primários, por exemplo, ao nível dos Centros de Saúde e dos respectivos serviços de urgência simples; a forma como se mapearam e concentraram os centros hospitalares, perdendo-se proximidade e respostas médicas mais descentralizadas para as populações; a forma como se desinvestiu em várias regiões do país, para se (re)investir num reduzido número de pontos geográficos (Lisboa, Porto, Coimbra); tem tido, claramente, impactos muito fortes na vida dos cidadãos e no estado da saúde. Mas não se culpe apenas e tão só o Estado (Governo) pela forma como tem descuidado e destruído o Serviço Nacional de Saúde. A força do interesse privado na política da saúde nacional tem sido foco de conflitualidade e de impacto no SNS (veja-se o caso recente das suspeitas no Centro Hospitalar do Baixo Vouga com as cirurgias ‘fantasma’), sem esquecermos que as próprias estruturas dos profissionais da saúde não podem, nem devem, sacudir responsabilidades e serem apenas parte das ‘vítimas’ do actual estado.

Quando a manipulação dos números dos factos servem para definir novas estratégias e políticas, podemos estar perante o mundo da retórica política, das ideologias, da engenharia estatística. Quando os números e os factos têm impacto na vida (literalmente) das pessoas, quando pessoas perdem a vida perante realidades que interessa manipular, isso já não é política, não é gestão, não é matemática… é Imoralidade.

Irá a montanha "parir um rato"?

bandeira grega.jpgOs recentes acontecimentos eleitorais gregos e os respectivos impactos têm surgido com uma extrema velocidade não muito vulgar quando se trata da "coisa política".

No domingo, aguardavam-se com enorme expectativa os resultados finais. A vitória do Syriza era algo perfeitamente expectável, mas havia significativas dúvidas para saber se haveria, ou não, maioria absoluta; quais os resultados das outras forças partidárias, nomeadamente da Nova Democracia e do PASOK. Não foi preciso esperar muito tempo para que tudo, ou quase tudo, se esclarecesse: o Syriza ficou a dois deputados da maioria; a Nova Democracia sofreu pesada derrota; o PASOK desapareceu do mapa político grego.
Sobre a inquestionável vitória do Syriza já aqui expressei uma breve reflexão: "O rufar dos tambores no Olimpo...". Ao mesmo tempo, grande parte da esquerda portuguesa (BE, Livre, as novas e futuras plataformas políticas...) soltavam "hossanas" e deitavam foguetes pela legítima e democrática decisão do povo grego. Até António Costa, de forma questionável e que deixa algumas dúvidas políticas, preferiu esquecer a pesadíssima derrota dos seus "camaradas socialistas" do PASOK para se 'colar' a esta onda grega de anti-austeridade.

Mas face as resultados surgia a dúvida na forma como Alexis Tsipras iria contornar a questão dos dois deputados que lhe faltava para a maioria. Tão depressa surgiu a interrogação, como tão depressa (muito poucas horas para um processo de negociação política) surgiu a resposta e a solução, mesmo que esta tenha sido um balde de água fria nos ânimos esquerdistas tão calorosos (principalmente para os que têm querido forçar, discurso após discurso, uma grande frente de esquerda). Quando os olhares se voltavam para os 15 deputados do Partido Comunista Grego / KKE ou (porque não?) para os 13 deputados do Partido Socialista Grego / PASOK, surge a surpresa: excluindo os extremistas-direita do To Potami ou os neonazi "Aurora Dourada", Alexis Tsipras estende a mão ao partido de direita conservadora "Gregos Independentes". Estando claramente obcecado pela questão da dívida e da Troika, o Syriza esqueceu facilmente os conceitos xenófobos, as políticas de emigração, a anti-multiculturalidade, a enorme diferença ideológica, para se centrar num objectivo comum: "kickoff Angela Merkel".

Menos de 24 horas foi o tempo suficiente para arrefecer os ânimos.

Mas as surpresas não se ficam por aqui, nestes momentos pós-eleitorais.
À bandeira política de campanha, à promessa e compromisso de mudança e de enfrentar, cara-a-cara, a Troika e os mercados, assumido perante o povo grego, Angela Merkel e o BCE já fizeram o primeiro aviso, secundados pelo FMI e Christine Lagarde.
E perante estes primeiros sinais de inflexibilidade externa, o novo governo grego, já empossado, já dá mostras de alguma moderação pós-eleitoral quando o novo ministro das Finanças veio afirmar que houve "bluff eleitoral" nas posições do Syriza.

Assim, não é de espantar algum descrédito quanto ao futuro da Grécia e ao futuro da coligação e do Governo gregos, dando razão a algum cepticismo por parte dos partidos da direita, do PCP (após conhecida a coligação com a "direita radical grega") e de muitos socialistas, ao contrário de António Costa, como, por exemplo, Vital Moreira ou João Paulo Pedrosa (ao jornal i).

Quando continuar a faltar o dinheiro nas famílias e nos multibancos gregos, será a prova de fogo para se saber se o discurso anti-Troika e anti-austeridade manterá o mesmo fulgor eleitoral.

O rufar dos tambores no Olimpo....

Syriza.jpgA marca desta semana, independentemente de outros contextos relevantes (a venda PT aos franceses da Altice ou as mortes ocorridas, em esperas, nas urgências dos hospitais portugueses) é, inevitavelmente, o resultado eleitoral grego, com a vitória da extrema-esquerda do Syriza.
Os gregos disseram Basta e bem alto... disseram-no à Troika, à União Europeia, ao BCE, a Angela Merkel.
Pelo menos enquanto não houver o choque entre a retórica política/ideologia dos vencedores e a realidade económico-financeira do país (desemprego, falta de dinheiro, etc) está instalada a ruptura com o passado e com a influência da Troika na Grécia. O futuro muito próximo, não será mais que um ano, dirá quem será o primeiro a ceder: Troika ou Grécia. Sendo que os próximos tempos marcarão, ou não, a inflexibilidade da posições eleitorais assumidas pelo Syriza e que levou à conquista de uma vitória há muito anunciada.

Mas não vale a pena esconder que este resultado eleitoral na Grécia irá deixar marcas e terá "danos colaterais", pelo menos na União Europeia.
O efeito dominó das eleições gregas dificilmente se repetirá, em si mesmo, em outros países, por várias razões: sistemas eleitorais e democráticos distintos, a realidade do país que continua fortemente intervencionado, a excessiva dependência económico-financeira externa da Grécia, por exemplo.
No entanto, este "cartão vermelho" à Troika poderá criar uma movimentação mais global na União Europeia que pressione as suas Instituições para a forma como as medidas e as políticas de Ajudas e Ajustamentos têm sido implementadas nos países resgatados.

Há ainda os impactos que a leitura política destes resultados eleitorais devem provocar nos partidos políticos tradicionais, em muitos países europeus, já para não falar do crescimento do eurocepticismo. Há a tendência para a desfragmentação do peso eleitoral dos partidos do centro-esquerda (socialistas), sociais-democratas e liberais, para o surgimento (mesmo que pontual e espontâneo) dos extremos, sejam eles à direita ou à esquerda. E, neste caso, importa questionar se, aqueles que hoje aplaudem e se congratulam pela vitória do Syriza, como factor de ruptura e de mudança, manterão a mesma posição noutros contextos (lembremos a França) caso partidos de extrema-direita conquistem os mesmos palcos.
Por último, os partidos do poder ou partidos do chamado "arco do poder" de países em anos eleitorais deverão ter um cuidado redobrado com estes resultados gregos, já que é óbvio o aproveitamento político da vitória do Syriza para efeitos eleitorais pelos partidos da mesma "família ideológica".

Limites há… mas escusa de ser ao murro.

publicado na edição de hoje, 18 de janeiro, do Diário de Aveiro

Debaixo dos Arcos
Limites há… mas escusa de ser ao murro.

Não é um “tropeção”, mesmo que com dificuldade em digerir e em concordar, que me farão recuar na opinião que até agora mantenho do Papa Francisco. A forma como tem lidado com a Cúria e o interior do Vaticano, a forma como tem colocado à discussão alguns tabus e temas polémicos para a Igreja conservadora, a forma como tem lidado com a realidade política e social actual (lembremos as posições sobre a economia, sobre a pobreza, sobre o emprego, ou ainda o seu recente discurso no Parlamento Europeu) à luz de uma clara Doutrina Social da Igreja; serão mais que suficientes para me fazerem ultrapassar as suas mais recentes posições e declarações sobre os últimos acontecimentos em França. Mas também não deixa de ser verdade que as afirmações do Papa Francisco não são tão inocentes como muitos querem fazer crer. Nem mesmo a afirmação que Francisco fez sobre o atentado ao Charlie Hebdo (“matar em nome de Deus é uma aberração"), reforçada pelo sublinhado “"não se pode ofender, fazer guerra e matar em nome da própria religião, ou seja, em nome de Deus”, disfarça o mal-estar que a sequência discursiva tida provocou. A mim, por exemplo, deixou alguma perplexidade. E são duas as expressões do Papa Francisco, e que espero que sejam mais “expressões” que “convicções”, com as quais não posso concordar, nem deixar de criticar. A primeira tem a ver com a afirmação de que a “liberdade de expressão tem limites”. Isso é mais que óbvio e há nas sociedades livres, democráticas, e nos Estados de Direito, mecanismos regulamentares e jurídicos que determinam as respectivas consequências. Mas o que não é aceitável é que seja o Papa (ou o islamismo) a definir esse limite ao determinar que “não podemos provocar, não podemos insultar a fé dos outros, não podemos ridicularizá-la”. Podemos, Francisco. É um direito que assiste a quem não acredita; a quem também se possa sentir ofendido nas suas convicções pelas posições da Igreja (ou de outra religião); a quem acha que, como ateu (por exemplo), existe uma excessiva ligação entre a Religião e o Estado; e, por último (que não em último) pela liberdade de convicções e de crenças (mesmo na ausência destas). A Igreja deve ser espaço para acolher (quem assim o quiser, livremente), não deve nunca impor-se, nem pode impor as suas regras. E tal como se pode criticar a política, nada deve impedir a crítica à religião. Podemos não concordar, recorrer a mecanismos de regulação e judiciais, mas não podemos silenciar e censurar.
A segunda tem a ver com o facto do Papa Francisco ter usado a expressão “se um amigo meu chamar nomes à minha mãe, leva um murro” para justificar a resposta à “ofensa”. Não vale a pena usarmos falsas demagogias ou retóricas, nem colhe a justificação de um momento “mais descontraído” do Papa com os jornalistas. Porque as palavras têm uma força e um impacto próprios, alheadas às responsabilidades de quem as profere. Um murro não é o mesmo que um acto mortal? Não, não é. Mas a violência não pode ser a resposta, nem a solução, tal como não o é a morte. Se alguém chamasse nomes à minha mãe eu “dava a outra face”? Não, não dava (só por estupidez, claro). Mas esse tipo de comportamentos são, quer do ponto de vista social, quer jurídico, reprováveis, condenáveis e criticáveis. Para mais vindo de alguém com a responsabilidade de difundir uma religião de paz e amor. O que seria das nossas sociedades e comunidades se cada um, em função das suas convicções, dos seus estados de alma, dos seus sentimentos de ofensa, desatasse a fazer justiça pelas próprias mãos, a impor as suas “regras”, certezas e crenças? Com estas afirmações o Papa Francisco justificou, pelo menos (já que condenou o acto em si), a acção/reacção dos extremistas e dos terroristas contra o jornal Charlie Hebdo, justificando todo e qualquer acção mortal ou acto de violência (lembremos o caso de Badawi condenado a 1000 chicotadas por criticar o islão) só porque alguém ofendeu alguém, ofendeu a sua religião, esquecendo que matar não é solução, silenciar a vida não é um direito de ninguém nem de nenhuma crença. Alguém devia ter lembrado Francisco que o que sempre esteve em causa, nos acontecimentos em França, para além da liberdade de imprensa, foi a intolerância, a não aceitação da diferença, da liberdade crítica, limitando estes direitos através da morte ou da violência. O “puseram-se a jeito” não determina a justificação e o fim. Dois milhões de pessoas perceberam isso no fim-de-semana passado, e muitas delas, como eu, nem gostam do jornal.

Nem tudo deve ser corrido ao murro e ao pontapé… nem à “bala”.

Sou Charlie... Mas também pelas crianças da Nigéria

Sou 'Charlie'...

Sou 'Raif Badawi'... (blogger e jornalista da Arábia Saudita condenado a 10 anos de prisão e 1000 chicotadas por criticar o islão)

E também SOU pelas crianças da Nigéria, vítimas às mãos do Boko Haram.

a favor das criancas massacradas na nigeria_cortad

E sublinho, em tudo, este excelente texto do Henrique Monteiro, no Expresso on-line de quarta-feira, 14 janeiro, "As meninas de Boko Haram", do qual destaco: «Nós somos todos Charlie – e bem – mas temos de ser todos aquelas 200 raparigas raptadas e usadas como bombas por uma organização que literalmente quer dizer “a educação não-islâmica é um pecado”, ou no seu nome em árabe, “Jama'atu Ahlis Sunna Lidda'awati wal-Jihad”, pessoas dedicadas aos ensinamentos do Profeta para propagação e jihad.» Ou ainda «Perante o horror não temos resposta. Porque nos recusamos ao “olho por olho, dente por dente” e porque na nossa civilização, que inclui cristãos, muçulmanos, judeus, agnósticos, ateus, budistas, hindus e quem mais quiser entrar – como na manifestação de Paris – não há penas nem leis que cheguem para tamanho mal.»

Ontem fomos 'Charlie'. E hoje?

publicado na edição de hoje, 14 de janeiro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Ontem fomos ‘Charlie’. E hoje?

A resposta ao atentado da semana passada (precisamente há oito dias), em Paris, na redacção do jornal Charlie Hedbo, e que vitimou 12 pessoas, das quais oito eram jornalistas, foi, em França, na Europa e em muitos locais do mundo, massiva e pronta. A resposta através da mensagem e das afirmações públicas “Je suis Charlie” correu televisões, jornais, redes sociais, câmaras fotográficas por todo o mundo. A mediatização dos acontecimentos, a solidariedade e a condenação dos actos tomou, rapidamente, proporções, à partida, não imagináveis. O que foi tido, inicialmente, como um ataque à liberdade de informação rapidamente tomou contornos de um atentado à liberdade de expressão e ao próprio sistema democrático, para mais num país onde em 1789 surgiu a revolução pela Liberdade, Igualdade e Fraternidade. No entanto (viva a democracia e a liberdade de expressão) várias foram as vozes que se manifestaram indiferentes e críticas do movimento que se gerou. Alguns questionaram o porquê de só perante o atentado se erguerem vozes a favor da liberdade de informação e de expressão. Sendo um facto que existe, no dia-a-dia da comunicação social, constantes e relevantes atropelos à liberdade de informação, há, no entanto, uma desproporcionalidade dos factos e de contexto perante o assassínio bárbaro dos cartoonistas e jornalistas (sem esquecer, obviamente, as outras quatro vítimas). Nada justifica o silenciamento através da morte. Há em França, tal como cá e noutros pontos do globo, mecanismos próprios (judiciais/jurídicos, reguladores, o próprio direito à ‘contra-crítica’ pública) que permitem combater eventuais excessos à liberdade de expressão e de informação. Seguramente, a morte não é um deles. A crítica, a diferença de convicções e opiniões (e de crenças), a pluralidade, são pilares fundamentais do sistema democrático e de um Estado de Direito. Criticar é um dos fundamentos da liberdade; existem mecanismos próprios quem permitem a defesa de quem se sente ofendido. A morte não é um deles.

Uma parte dos que se manifestaram a favor da liberdade nunca ouviu falar do jornal Charlie Hedbo (nem da sua história); outros, como eu, nem eram adeptos das críticas e caricaturas que proliferaram, durante anos, naquelas páginas. Mas a defesa da liberdade exige transpor barreiras e divergências… exige união e convicção (naturalmente, mesmo com medos e receios). O radicalismo, o fundamentalismo, o extremismo, que produzem actos como estes não podem ficar impunes, nem vencer.

Mas os acontecimentos da semana passada levantam sérios desafios às comunidades, aos países, às instituições internacionais (como a UE), até porque, a par da ‘arma do fanatismo religioso’ há a inquestionável vertente política dos acontecimentos.

A defesa da liberdade e da tolerância, do multiculturalismo, não pode (nem deve) ser pontual e circunstancial. A liberdade e a tolerância, tantas vezes gritadas nestes últimos dias ou lidas na expressão “Je suis Charlie”), não podem cair no outro lado dos extremismos e radicalismos: a xenofobia, o racismo, a islamofobia, a incapacidade de acolher a diferença. Sendo certo que também não basta ao islamismo, ao dito moderado (caso seja correcto falarmos de vários ‘islamismos’), condenar, também e publicamente, os actos e os atentados, porque o facto é que as forças extremistas radicam no seu seio. A posição de ‘Pôncio Pilatos’ em nada favorece o combate a este tipo de terrorismo e em nada favorece a defesa da existência legítima do islamismo. Além disso, para muitos daqueles que se afirmaram como “Charlie” importa desafiar a sê-lo sempre, em qualquer circunstância, seja à sua “porta” ou mais “longe”, seja em que contexto for. Por exemplo, seria interessante constatar se muitos católicos “Je suis Charlie” também o são face às inúmeras caricaturas com que o jornal parisiense “brindou” o Vaticano e a Igreja Católica.

Por outro lado, o poder e as suas instituições (os Estados) devem evitar cair na tentação duma reacção desmedida que possa conduzir à limitação de liberdades, direitos e garantias, sob a capa da (necessária e urgente) Segurança.

Por fim, nós que fomos “Charlie” neste dias, temos o desafio de o ser ontem, hoje e sempre; quando a liberdade e a democracia estão em risco ou são silenciadas; quando se abate friamente alguém que pensa diferente e, por direito, nos critica; e também, quando se raptam e escravizam jovens e adolescentes em África; quando se mata e se desrespeita a dignidade através do abuso sexual na India; quando morrem milhares de pessoas num atentado bombista no Paquistão; quando jornalistas são executados e mortos no exercício das suas funções (só em 2014 foram mais de 40); quando são mortos, às mãos dos fundamentalistas, milhares de pessoas no Iraque; etc., etc.

Sim… “Je suis Charlie”. Ontem e hoje. Pela Liberdade e pelo direito à Vida.

 

Desviar do essencial...

Muitos dos que criticaram a 'onda' do "Je suis Charlie" aproveitaram a marcha de ontem, em Paris, pela Liberdade para enviar mais umas "farpas" ao sistema, em laivos de superioridade intelectual e, até, profissional.

À falta de argumentos para minimizar o impacto que cerca de dois milhões de pessoas transmitiram ao percorrerem o centro de Paris, usa-se, e mal, o supérfluo (o insignificante) para desviar a atenção do essencial.
Tudo a propósito do que alguns apelidaram de Hipocrisia e Embuste, indo ao ponto de criticar a própria comunicação social que adjectivaram de cúmplice.

A imagem é esta, a da presença em Paris de várias representações internacionais.

marcha pela liberdade - governantes 01.jpg marcha pela liberdade - governantes 02.png

 e como resultado final esta foto (como exemplo das ditas críticas) apesar das evidências.

marcha pela liberdade - DN.jpgAté podiam ter ficado por aqui... alguns nomes presentes deixam uma significativa inquietação quando se olha para as suas acções governativas e se fala de Liberdade. Mas não... a ânsia da crítica e da vontade de diminuir e amesquinhar é tanta que se fica pela análise (deturpada) da realidade que as fotos nos apresentam.
O "embuste" gritado aos quatro ventos pretende criticar a postura dos governantes na manifestação, bem como a "ilusão jornalística" implicada a muitos jornais e televisões. É bom que se desmistifique, também, esta corrente.
Primeiro, desde sempre que se soube, e foi totalmente coordenado com a organização da marcha pela liberdade, que os governantes e representantes internacionais apenas percorriam uma curta distância e a cerca de 200 metros distanciados da manifestação.
Segundo, as razões são mais que óbvias e claramente compreensíveis: questões óbvias de segurança. A concentração de vários governantes junto a milhares de manifestantes dificultaria (ou até tornaria quase impossível) qualquer medida de segurança preventiva. Imagine-se o que não seria para uma organização terrorista esta mistura? Um verdadeiro "maná" celeste... E note-se que a questão da segurança não se limitou apenas aos governantes mas, naturalmente, aos próprios cidadãos que compunham a manifestação.

E é pena que quem perdeu imensos caracteres com um pormenor escusado não tenha elogiado a adesão massiva à iniciativa (para além de outros momentos idênticos e solidários espalhados por vários pontos do globo) ou, por exemplo, este intenso momento em que o presidente francês, François Hollande, abraça um dos sobreviventes (Patrick Pelloux) do massacre ao jornal Charlie Hedbo.

marcha pela liberdade - hollande e cartoonista 02. marcha pela liberdade - hollande e cartoonista 02.

Hoje somos Charlie... e amanhã?!

A onda de solidariedade para com o jornal Charlie Hedbo, a condenação do atentado de ontem, a defesa da liberdade de expressão e da liberdade de informação, e, infelizmente em menor escala, o luto também pelos dois polícias mortos, fizerem crescer um sentimento colectivo nas redes sociais e nos espaços públicos.

As capas de muitos jornais (nacionais e internacionais) de hoje (08-01-2015) são o espelho deste sentimento colectivo.
Espero, muito sinceramente, que todos nós, os que hoje somos "Charlie", amanhã o continuemos a ser em tudo o que condiciona a Liberdade de Expressão, a Liberdade de Informação e o direito à Vida.

(em portugal)

I 08-01-2015.jpg DN 08-01-2015.jpg JN 08-01-2015 Charlie Hedbo.jpg

Publico 08-01-20015.jpg Negocios 08-01-2015.jpg

(lá fora)

 Berliner Kurier 08-01-2015.jpg Berliner Zeitung 08-01-2015.jpg  Berlingske.jpg

Guardien 08-01-2015.jpg Independent 08-01-2015.jpg La Tribune 08-01-2015.jpg

Le Parisien 08-01-2015.jpg Lecho 08-01-2015.jpg Lequipe 08-01-2015.jpg

Liberation 08-01-2015.jpg  National 08-01-2015.jpg Normandie 08-01-2015.jpg

Politiken 08-01-2015.jpg

Pelo jornalismo... pela liberdade de expressão... por TODOS NÓS.

A propósito do texto anterior solidário com o massacre na redacção do jornal Charlie Hedbo, "A morte nunca há-de ser solução..." encontrei nas redes sociais três enormes expressões solidárias com o Charlie, entre um número interminável de textos, imagens, post's, comentários, ...

Importa, por isso, por imperativo de consciência e de condenação da barbárie de hoje, em Paris, partilhar e difundir.

No Twitter (via Alexandra Tavares-Teles)

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No Facebbok (via Helder Robalo)

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E este SOBERBO texto do Expresso, um dos primeiros jornais portugueses a assumir, editorialmente, a sua solidariedade para com o jornal francês: "Nós somos o Charlie Hebdo".

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E por fim, pese a escassez das escolhas (entre milhares possíveis), esta reacção da redacção do jornal belga LaLibre.

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A morte nunca há-de ser solução...

Por alguma razão a vida é o direito mais fundamental e inalienável.

A morte nunca foi, é ou há-de ser solução (Massacre na sede do semanário "Charlie Hebdo", em Paris)

O ultrapassar as barreiras que limitam a liberdade de expressão e opinião, se caso for, combate-se com os mecanismos judiciais existentes (e até são muitos, em muitos lugares do mundo - infelizmente não em todos). Radicalismos e extremismos, venham de onde vierem, não deverão nunca ser a solução, nem podem ser aceitáveis.

Pela minha condição de defensor da vida, das liberdades, da tolerância nas convicções e opções individuais, da culturalidade, no respeito pelas diferenças (mesmo sendo católico e apesar das inúmeras caricaturas à Igreja)...

SOLIDARIAMENTE (solidarité)

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2014... um ano negro.

laco preto.jpgNum ano em que morreram mais de 7000 pessoas infectadas com o Ébola...

Num ano em que ocorreram, para além de muitos outros, três acidentes de aviação envolvendo o Grupo AirAsia e Malaysian Airlines...

Num ano em que se registaram centenas de naufrágios envolvendo emigrantes clandestinos, nomeadamente no mediterrâneo e às portas da Europa...

Num ano em que, depois da aclamação e do regozijo pela Primavera Árabe, surge o o "inverno árabe" com flagelo e a morte impiedosa pelas mãos do Estado Islâmico...

Num ano em que conflitos como os que ocorrem na Ucrânia ou ocorreram na Faixa de Gaza 'ceifaram', entre inúmeros inocentes, milhares de vidas...

Num ano em que Portugal regista o vergonhoso e inqualificável número de 40 mulheres mortas em resultado da violência doméstica...

Eis que 2014 se torna, igualmente, um ano de muitos e tristes desaparecimentos:
em Portugal (ou em Português)

  • política: Soares Carneiro (candidato da AD às presidenciais de 1980); Meneres Pimentel (ex provedor da justiça); Veiga Simão (ex ministro); Medeiros Ferreira (ex ministro) e dois militares de Abril (Pires Veloso e Vítor Crespo).
  • jornalismo: Miguel Gaspar (jornal Público); Rui Tovar (RTP); Emídio Rangel; Alexandra Vieira (RTP); Fernando Sousa (SIC); Nuno felício (Antena 1).
  • personalidades: D. José Policarpo; Anthímio de Azevedo (meteorologista); Sousa Veloso (eng. - Tv Rural).
  • cultura: Vasco Graça Moura (escritor e ensaísta); António Montez (actor).
  • desporto: Eusébio e Mário Coluna.

lá fora

  • política: Ariel Shalon (ex primeiro-ministro israelita); Adolfo Suarez (ex primeiro-ministro espanhol); Eduard Chevardnaze (ex ministro russo e presidente da Geórgia)
  • jornalismo: 60 jornalistas morreram por motivos relacionados com a profissão (a maioria cobria temas como política, guerra e direitos humanos).
  • personalidades: Maya Angelou (activista)
  • cultura: Pete Seger (músico); Paco de Lucia (músico); Seymour Hoffman (actor); Mickey Rooney (actor); Robin Williams (actor); Lauren Bacall (actriz); Gabriel García Márquez (escritor e jornalista); Joe Cocker (cantor).
  • desporto: Di Stéfano (futebolista); Luis Aragonés (ex seleccionador espanhol futebol).