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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Sozinho ou de braço-dado?

passos e portas.jpgSurgiu neste texto do Francisco Castelo Branco (no blogue associado "Olhar Direito") uma curiosa abordagem ao que tem sido o tabu pré-eleitoral das legislativas deste ano. Primeiro porque são conhecidos os principais actores candidatos ao cargo de primeiro-ministro; segundo porque é normal este estádio de limbo enquanto se afinam as “armas” que se levaram a combate quando se acenderem as luzes da ribalta da campanha eleitoral.

É, por isso e nesta altura, a principal interrogação eleitoral: o tabu que gravita em torno de eventual coligação pré-eleitoral PSD-CDS ou da ida às urnas separadamente. A esta questão o Francisco adicionou a liderança do CDS. E bem… porque as duas questões não são dissociáveis.

Decorria o ano de 1982 quando me filiei na Juventude Centrista. Percorri, desde essa altura, muitos anos de militância, de campanhas, de concelhias (uma das quais já pelo CDS). Há vários anos que a veia ideológica social-democrata teimava em demonstrar-me alguma diferenciação partidária entre as convicções e a militância centrista. Mas, mais importante ainda, foi a minha decepção (tal como o Franscisco refere) na excessiva personificação partidária do CDS, após o falecimento de Adelino Amaro da Costa e do fim da AD. Refiro-me, por exemplo, a Freitas do Amaral, a Manuel Monteiro e a Paulo Portas. Excepção feita, diga-se em abono da verdade, para essa personalidade de excelência que foi (e é) Adriano Moreira. Impunha-se esta declaração de interesses para que não haja qualquer tipo de dúvidas.

Tenho, por isso, algumas concepções diferenciadas do texto do Francisco.
Desde há muito que as lideranças do CDS sempre foram, principalmente pela questão da personificação do cargo, muito frágeis, tal como o posicionamento do partido no espectro partidário nacional. Basta recordar que foi sempre pela mão de coligações/acordos pós-eleitorais que o CDS chegou ao poder (com Mário Soares, com Durão Barroso, com Passos Coelho).

Neste momento, em contexto de ano eleitoral, o CDS só tem à sua frente um único destino: a sua perda de relevância na política nacional.

Razões:

  1. Não pode, nem consegue, negar o seu passado recente enquanto parceiro e membro deste Governo e corresponsável com as políticas que foram implementadas. Concordasse ou não com elas. Irrevogavelmente não bateu com a porta, não deu um murro na mesa, assinou sempre por baixo (mesmo que contrariado). Tem, por isso, a colagem ao Governo e a tudo o que foi feito.
  2. Ir isoladamente a eleições é o mesmo que um suicídio político, já que não consegue encontrar discurso que o afaste destes últimos anos.
  3. Propondo-se a uma eventual coligação pós-eleitoral com o PS (tal como muitas vezes já foi referido e escrito) seria a pública adjectivação de um partido apenas preocupado com a cadeira do poder.
  4. Alterar a liderança, nesta fase, era mais um tiro na já frágil sobrevivência partidária. Seria uma enorme divisão interna e seria, publicamente, uma tentativa incompreensível e condenável de desresponsabilização pelos anos de governação. O eleitorado e os eleitores não iriam aceitar.

Portanto, ao CDS resta manter-se (em “coma”) ligado à máquina da coligação, esperar que o PS continue a não ser alternativa (ou a não descolar nas intenções de voto) e assim ter a esperança de, pelo menos no nome, continuar a ser relevante em mais quatro anos, caso a coligação vença.

Tenho muitas dúvidas, como se sabe.

O facilitismo da banalidade discursiva

publicado na edição de hoje, 25 de fevereiro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
O facilitismo da banalidade discursiva

Em pleno processo negocial do programa de ajustamento financeiro à Grécia, são mais as polémicas e as movimentações paralelas do que o confronto de posições políticas entre a Alemanha, a União Europeia e o Governo grego.

As mais recentes boçalidades políticas demagógicas vieram pela voz e intervenção do ex-primeiro ministro luxemburguês (abraços com alguns processos pouco claros) e actual presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. Segundo a agência noticiosa Efe, o actual sucessor de Durão Barroso, numa intervenção perante o Comité Económico e Social da União Europeia, terá admitido erros graves nos programas de ajustamento e nas políticas de austeridade impostos a Portugal, Irlanda e Grécia (esta ainda em fase de ajustamento): «a troika ‘pecou contra a dignidade’ de portugueses, gregos e também irlandeses», concluindo que «é preciso rever o modelo e não repetir os mesmos erros». Nas mesmas circunstâncias, Juncker afirmou que, pelo facto de ter presidido ao Eurogrupo durante os processos de ajuda externa referidos, aquela observação “poderia parecer estúpida”. A questão é mesmo essa… a observação não parece; é mesmo estúpida.

Não se ouviu qualquer crítica ou uma simples observação contrária aos programas de ajuda externa e às consequentes políticas de austeridade impostas aos três países, enquanto presidente do EuroGrupo e responsável por parte de todo o processo de ajustamento financeiro. Muito menos à estrutura e funcionamento da Troika.
Corrigir, alterar, “dar a mão à palmatória”, são atitudes nobres, com carácter, com personalidade, quando, em função do reconhecimento do falhanço de determinados objectivos, se pretende mudar. Vir falar em erros, em alterar regras e a história dos processos, só porque politicamente é o mais correcto em função de conjunturas negociais, é pura demagogia política, pura banalidade discursiva. Para mais quando não se acredita (como nunca se acreditou) nem uma vírgula no desvio dos conceitos e princípios.
Além disso, o que espera Juncker com estas declarações? Criar alguma pressão na União Europeia (à qual preside) para uma mudança de concepção político-financeira? Pressionar a União Europeia (da qual é líder) para que seja reposta significativa justiça nos ajustamentos financeiros feitos a Portugal e à Irlanda? Vai pressionar os países-membros da UE (dos quais é referência) para devolver a dignidade roubada a milhares de portugueses e irlandeses? Ou tudo isto, mais uma vez e tal como aconteceu nas suspeitas de irregularidades bancárias e financeiras no Luxemburgo, enquanto primeiro-ministro, serve apenas para branquear as responsabilidades que assumiu, frontal e veemente, num passado tão recente?

Face a tudo isto, Jean-Claude Juncker, já que fala tão fluidamente em dignidade, deveria assumir a sua e, perante o que foi a história, os factos, as políticas, que agora repugna, pedir a demissão do cargo que ocupa, a bem da Europa e da nossa dignidade.

O imposto plástico…

sacos_plastico.jpgpublicado na edição de hoje, 22 de fevereiro, do Diário de Aveiro.

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O imposto plástico…

Ainda há muito pouco tempo a ex-ministra das Finanças do governo de Durão Barrosa, Manuel Ferreira Leite (pelos visto possível candidata a candidata à presidência da República) afirmava, no seu espaço de comentário televisivo, que a máquina fiscal portuguesa tinha uma história e um trabalho meritório nestes anos da democracia. Não colocando isso em causa, nem o trabalho feito, a verdade é que a questão fiscal em Portugal vai muito para além da sua “máquina”. Mais do que o valor monetário, em causa estará o volume e a quantidade de taxas e impostos. Mais ainda… a dificuldade que o contribuinte português tem na percepção do impacto e do destino dessa violenta carga fiscal, principalmente quando se depara com um Estado cada vez mais vazio das suas responsabilidades sociais, nomeadamente na área social, na saúde, na educação, na justiça, nos transportes e acessibilidades, nos bens essenciais como a água e a energia, ou se questiona perante a justiça tributária como por exemplo face ao IMI.

No passado domingo entrou definitivamente em vigor, após período transitório, o pagamento de dez cêntimos por cada saco plástico, fruto da Reforma da Fiscalidade Verde (Lei 82-D/2014, de 31 de dezembro), regulada, no caso dos sacos de plástico leves (artigo 30.º da Lei n.º 82-D/2014), pela Portaria 286-B/2014, também de 31 de dezembro.
O princípio que determinou esta medida governativa não é inovador, nem a própria Fiscalidade Verde (questionável num país, como o nosso, com um impacto do sector industrial muito baixo). Tal política fiscal é fruto da preocupação, a nível comunitário, com o elevado consumo e os impactes ambientais e económicos dos sacos de plástico leves e que determinou a alteração à Directiva 94/62/EC relativa a embalagens e resíduos de embalagens, impondo aos Estados-membros a redução do elevado consumo destes sacos. Do ponto de vista ambiental, nada a opor. Mas a questão volta a ser a da justiça e do impacto da medida fiscal.

Primeiro, a legitima dúvida do contribuinte (neste caso, o chamado “adquirente final”) de que, tal como a lei o prevê, uma parte (não especificada) da verba seja realmente aplicada acções de conservação da natureza e da biodiversidade.
Segundo, a dúvida de que a tão elogiada “máquina fiscal” seja suficientemente eficaz (e eficiente) na cobrança do valor da “venda” dos sacos plásticos leves por parte do comerciante.
Por fim, e mais uma vez, a responsabilidade fiscal cabe sempre ao contribuinte/consumidor, tal como em tantos e tantos casos fiscais (por exemplo, relembre-se o que acontece com os “direitos de passagem” no caso das facturas do sector das comunicações).
O comerciante apenas serve de “entreposto fiscal” entre o Estado e o contribuinte, alheando-se de responsabilidades ambientais e fiscais. Paga, por tanto, sempre o mesmo do costume. Por outro lado, que legitimidade, ou se quisermos até, que moralidade tem o comerciante na exigência do pagamento do saco plástico (mesmo por dever legal) quando o saco que o consumidor adquire vem impregnado de publicidade? Que valor paga a “marca” ao consumidor como veículo publicitário/marketing? Neste caso, a lei deveria exigir a entrega de sacos sem qualquer publicidade (“brancos”).
Por último restam inúmeras dúvidas e interrogações quanto ao impacto ambiental da medida, excluindo uma eventual redução do número de sacos plásticos produzidos e comercializados. É que há já quem faça “contas à vida”: dez cêntimos por saco, após 20 idas às compras, significam, por exemplo, uma despesa de dois euros e 20 sacos plásticos em stock doméstico. Ora, um conjunto de 15 sacos do lixo custam cerca de três euros. Mais vale utilizar os sacos plásticos pagos no hipermercado. E lá se vai uma boa parte do princípio ambiental.

Dia Mundial da RÁDIO

Dizem que hoje é o dia Mundial da Rádio...
Saudades muitas daqui Rádio Terra Nova e dos velhos tempos piratas da Rádio Oceano.
Já lá vão longos anos (quase 30).
Um abraço aos camaradas da TSF, Antena1, Renascença, as inúmeras e IMPORTANTES Rádios Locais, e as generalistas nacionais. Um forte abraço a todos da RÁDIO.

Se bem que isto agora já não é a mesma coisa... agora a malta da rádio é mais "informática" que outra coisa qualquer; é tudo informatizado e pré-programado e tal.
Antigamente é que era... Carregar com os discos (LP e SP - 45 e 33 rotações), "apontar" as músicas, largar os "pratos" no timing certo... isso é que era intensidade radiofónica

radio as.jpg

À beira de um ataque de nervos

publicado na edição de hoje, 11 fevereiro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
À beira de um ataque de nervos

A Europa, mais concretamente a União Europeia e a Zona Euro, estão a ferro e fogo, à beira de um autêntico ataque de nervos. Em causa a pressão da Grécia em relação à sua dívida e ao programa de ajustamento a que tem estado sujeita. Mas não só… a par, e não menos importante, a Europa vê-se a braços a com o prolongar da crise na Ucrânia e com a posição de força da Rússia.
Em vésperas da reunião do Eurogrupo e do Conselho Europeu muito está em jogo, neste momento, na União Europeia. E não se pense que é apenas fogo-de-vista ou fumo sem fogo. Tudo é colocado em causa: os princípios magnos da constituição da União Europeia, os Tratados (concretamente o de Lisboa, por exemplo), a solidariedade (ou a falta dela) entre os Estados-membro, os fundamentos económico-financeiros dos processos de ajustamento (a austeridade), entre outros.

Os próximos dias e as próximas horas ditarão quem será o mais inflexível, quem será o mais moderado nas posições, quem cederá primeiro, quais os países que estarão ao lado da Grécia e quais os que estarão ao lado da Alemanha. No fundo, os próximos dias marcarão a queda ou a consolidação dos princípios financeiros que têm sustentado os programas de ajustamento aos países em desestruturação financeira.

Mas há mais. Há quem considere que as posições assumidas pelo governo grego não passam de meras conjunturas negociais e demagogia eleitoral. Já aqui o disse, há dias, que achava que as posições assumidas pelo Syriza, nas eleições, e assumidas como programa governativo pela nova coligação governamental grega, acabariam por, mais cedo ou mais tarde, ceder ou criar uma profunda ruptura. Espera-se o bom-senso político, de ambas os lados, para que a ruptura não surja porque uma saída grega da zona euro terá um efeito ainda não bem avaliado, mas que se afigurará negativo para a moeda e para a própria estabilidade da zona-euro.

Há ainda um outro dado importante nesta semana explosiva na Europa. E um dado que ultrapassa a sua configuração geoestratégica e bélica para contornos geopolíticos e financeiros: o conflito na Ucrânia e a relação tensa entre a Rússia e a Europa/Estados Unidos.
Mais do que a Grécia tomar as “dores de parto” da Rússia, todo este aproximar grego a Putin afigura-se como um cavalo de Tróia da Rússia na Europa. E poderá estar aqui a ponte política e a arma negocial russa no conflito ucraniano, apresentado-se Putin como a sustentação do “Plano B” grego caso falhem as negociações no Eurogrupo. Quando muitos dos países da ex-URSS se apressaram a solicitar a adesão à União Europeia e à Zona Euro, bem como a NATO, eis que a crise grega e as recentes eleições na Grécia invertem a tendência e aproximam países europeus da Rússia, aumentando a sua importância geoestratégica na Europa e na Ásia.
Daí a imediata preocupação da Alemanha em reunir com os Estados Unidos tentando mediar o conflito pela via diplomática (ao contrário dos Estados Unidos que preferiam a via militar com ajuda bélica ao governo da Ucrânia para combater os separatistas), bem como a imediata reacção da China face às posições financeiras assumidas pelo governo grego em relação a processos de privatização.

Não é só a nível económico-financeiro que se discute o futuro da Grécia e da União Europeia (e as respectivas instituições) nos próximos dias. Vai muito para além da dívida, da sua renegociação e do programa de ajustamento.
O futuro da União Europeia passa, essencialmente, pela forma como a Europa contornará ao conflito na Ucrânia e conseguirá fragilizar a relação, que se afigura intensa, entre a Grécia e a Rússia.

Da dignidade da vida e da pessoa

publicado na edição de hoje, 8 de fevereiro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Da dignidade da vida e da pessoa

Os últimos dias têm trazido à consciência colectiva duas realidades sobre a vida. A primeira, mais recente, tem a ver com os acontecimentos que vitimaram uma doente com Hepatite C e a questão do tratamento com o medicamento Sofosbuvir, da farmacêutica norte-americana Gilead. A questão só por si, e em si mesma, é complexa, seja do ponto de vista técnico (médico), seja do ponto de vista político-social. As interrogações e as dúvidas são inúmeras. Na vertente técnica (médica), por manifesta e óbvia insuficiência de conhecimento, não faz sentido tecer qualquer consideração. Este não é um caso como os que ocorreram à espera, horas a fio, numa urgência hospitalar, apesar da consternação do desfecho. Mas mesmo no que respeita à vertente político-social, não é, manifestamente, claro que a responsabilidade possa recair (pelo menos na totalidade) sobre o Governo e o Ministério da Saúde, apesar de ser surpreendente que, após todo o impacto que teve o falecimento da doente e as reacções de outros doentes que esperam e desesperam por uma eficaz solução para a sua doença, se tenha conseguido, finalmente, um acordo e um desfecho junto do laboratório. Ao mesmo tempo que se afigura de uma pobreza política a forma como os partidos da oposição “usaram” o tema e o triste acontecimento para atacar o Governo e o ministro da Saúde. Sabendo-se que todo este processo negocial já tem cerca de um ano, a questão é simples: onde andou toda a oposição (PS incluído) e a classe médica durante todo este tempo? Os recursos do Estado, como é óbvio, não são ilimitados, para mais na situação em que se encontra o país. É, por isso, curioso que ninguém se tenha manifestado contra a farmacêutica e a forma como usaram e abusaram da dignidade da vida. E não colhe o princípio da defesa empresarial, do mercado, do binómio custo/receita, porque isso só significa defender o abominável: que a vida é um negócio e um mercado. Não é, não pode ser. A vida humana não tem preço, nunca poderá ter porque o seu valor, esse sim, é ilimitado. Da mesma forma que os partidos da oposição e muita da sociedade se apressaram a acusar a triste e condenável afirmação do Primeiro-ministro que disse que “o Estado deve fazer tudo para salvar vidas, mas que isso não pode ser feito a qualquer custo” (deve sim, Sr. Primeiro-ministro, porque uma vida, uma só que seja, não tem preço, nem custo), teria sido, do ponto de vista ético e moral, muito mais politicamente correcto se as criticas tivessem sido, também, dirigidas à farmacêutica para quem o euro ou o dólar tem muito mais valor que uma vida.

A segunda realidade sobre a vida está relacionada com a dignidade com que ela é vivida e protegida. Portugal vive, nos últimos anos, uma das suas maiores crises económicas da sua história recente. Que o Governo tenha, pela legitimidade democrática, defendido e aplicado um determinado conjunto de medidas e princípios que entendeu e entende mais correctos para ultrapassar a crise, é, apesar de criticável, perfeitamente aceitável. Que o Governo diga que está encontrado o rumo para que sejam, a médio prazo (provavelmente um médio prazo bem esticado), valorizados os sacrifícios violentos a que se sujeitaram milhares e milhares de portugueses, famílias e empresas para “pagar a crise”, é, apesar das dúvidas e incertezas, perfeitamente aceitável. Que o Governo aponte alguns indicadores que indicam uma ou outra melhoria no país, mesmo que a sustentação da sua justificação não seja a mais consistente, é perfeitamente aceitável. Mas o que não se pode aceitar, nem esperar de um Governo que queira ser, politicamente, sério e transparente, frontal com os seus cidadãos, é que se desvirtue a realidade, se queira iludir as pessoas com retóricas e demagogias que em nada condizem com a forma como os portugueses vivem o seu dia-a-dia, fazem as suas (poucas) compras, pagam as suas inúmeras despesas, os seus impostos, a sua saúde, educação, etc. Dizer que hoje estamos melhor que há três anos é o verdadeiro “conto de crianças” (mesmo que possamos estar melhor, aí sim, daqui a alguns anos). Querer desmistificar uma realidade que é desmentida pela vida dos portugueses, das famílias, de instituições e empresas, é atirar “areia para os olhos”, e essa ilusão, os portugueses, viveram na última década e não querem voltar a repetir. E não vale a pena Passos Coelho vir a terreiro dizer que os dados do INE não reflectem a realidade. Ela não mudou no último ano. A verdade, nua e crua, é que a pobreza em Portugal aumentou, em 2013, mais 0,7% que em 2012 e mais 1,4% que em 2010. Estamos mais pobres e mais de dois milhões de portugueses não deixam mentir os dados. O Estado deve fazer tudo para dignificar a Vida e isso não tem preço, nem custo, porque as pessoas valem mais que um número, uma estatística e um “conto infantil”.

Afinal, nem pela metade

Os resultados das recentes eleições gregas criaram uma onda de efeitos sistémicos, em função de interesses e convicções diversas.
Para uns, tudo não passou de demagogia eleitoral, de falta de percepção da realidade económico-financeira do país, de um "conto infantil".Para outros, as posições assumidas pelo Syriza, em plena campanha eleitoral e que o novo governo grego promete não abandonar (pelos vistos está apenas a negociar e a ser mais moderado), concretamente as que se referem à renegociação/perdão da dívida e ao confronto com a Troika , a Alemanha e o BCE, deveriam servir de lição ao Governo Português e a Passos Coelho por tudo o que se passou nestes três anos em que Portugal foi presente aos destinos da austeridade da Troika.

Só que os defensores desta última realidade não lêem tudo e escondem a metade discursiva que não lhes convém.
Sim, é verdade que fomos sujeitos (e estamos) a uma austeridade extrema, que fomos (e estamos) sujeitos a sacrifícios muito grandes para recuperarmos as nossas contas e a nossa economia.
Mas mesmo assim e apesar de tudo, ainda longe do que a própria Troika pretendia.
Pelos vistos, dois terços do caminho foram feitos pelo nosso próprio pé.

Comissão Europeia indica que Portugal apenas cumpriu pouco mais de um terço das reformas estruturais do programa de ajustamento.

Aliás, não é de estranhar, por isso, a posição do Partido Socialista, ou melhor... de António Costa, em relação à dívida portuguesa, em relação ao relacionamento com a União Europeia, e ao distanciamento do radicalismo grego (e de alguma esquerda portuguesa).

Obama virou grego... pudera.

Obama pensar.jpgObviamente por razões distintas... depois do "Je suis Charlie" e outras causas, eis que, ao fim de alguns anos de processo de ajustamento das contas públicas na Grécia, Obama descobriu o "Olimpo" no mapa.

De repente, Obama afirma "I am Greek", numa entrevista à CNN em que defendeu menos austeridade e uma "estratégia de crescimento" para a Grécia.

Mas porquê só agora, ao fim de tanto processo de ajustamento e de ajuda externa à Grécia?!

Não é pelo Syriza, pelo novo Governo, pelo fim da austeridade ou a favor da renegociação da dívida pública grega. Isso é retórica política e demagogia balofa.

Obama aproxima-se da Grécia por esta se ter tornado, tão rápida e supreendentemente, uma aliada da Rússia. E isto sim, tira o sono a Obama.

A Europa vê-se ‘grega’…

publicado na edição de hoje, 1 de fevereiro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
A Europa vê-se ‘grega’…

As recentes eleições na Grécia têm marcado a agenda política nacional e internacional ou as discussões políticas mais ‘caseiras’. Os gregos, de forma legítima e democrática, marcaram a sua posição anti-austeridade e de oposição à Troika.
Mas a posição da Grécia, o discurso radical do Syriza em matéria da dívida ou as afirmações e as opções políticas já tomadas pelo novo governo, são o “mal menor”. Depressa desvaneceu o encanto do “cisne”: primeiro com a surpresa da coligação governamental com direita radical do “Independentes Gregos” (muito facilmente surgirão as divergências ideológicas que estão para além das questões financeiras… multiculturalidade, nacionalismo, defesa, emigração, xenofobia, cultura, área social, entre outros); segundo com a posição das relações externas claramente contrária ao que tem sido a movimentação política dos países do leste europeu face à Rússia, à União Europeia e à NATO (veja-se o caso da Ucrânia) podendo criar um isolamento geopolítico não favorável aos gregos; e terceiro, mais relevante, a moderação do discurso anti-Troika e anti-austeridade que irá acentuar-se ainda mais com o desenrolar da governação e a confrontação com a realidade da falta de dinheiro e de investimento. Aliás, o próprio novo ministro das Finanças foi o primeiro a dar esse sinal face às posições da Alemanha e do BCE em relação à renegociação da dívida grega ao afirmar que algum do discurso eleitoral foi “bluff político”.
No entanto, importa destacar que neste renascer grego todos os quadrantes vão ter os seus “sapos” para engolir: a esquerda radical pela moderação do discurso e pela coligação governamental à direita; o centro-esquerda socialista pelo impacto do resultado eleitoral do PASOK e por não ter sido um partido socialista, depois do falhanço “Hollande”, a marcar uma posição de força com a União Europeia; a direita e o centro-direita por, mais uma vez, se colocar em causa as políticas monetárias e financeiras e os programas de ajustamento das dívidas soberanas (mesmo que para alguns isto não passe de um “conto infantil”).

Mas mais do que tudo isto, há, em toda esta mudança na Grécia, um aspecto que merece especial valorização e um reconhecido mérito político. A forma como o novo governo helénico tem questionado os mais elementares fundamentos e princípios da União Europeia do ponto de vista da solidariedade entre os 28, da decisão conjunta, da igualdade dos deveres e direitos dos Estados Membros e não da submissão às “vontades” de dois ou três Estados ou de uma entidade (BCE).
E é neste questionar do actual projecto europeu e do futuro da União Europeia (algo que interessa aos russos minar tal como o fazem via Ucrânia) que se deve reconhecer o mérito político de Alexis Tsipras. O efeito dominó das eleições gregas dificilmente se repetirá, em si mesmo, noutros países, por várias razões: sistemas eleitorais e democráticos distintos, a realidade do país que continua fortemente intervencionado, a excessiva dependência económico-financeira externa da Grécia, por exemplo. No entanto, este "cartão vermelho" à União Europeia poderá criar uma movimentação mais global que pressione as suas instituições para a forma como se tem desenvolvido o seu funcionamento, como têm sido aprovadas e implementadas as medidas e as políticas europeias na comunidade ou como se têm relacionado os 28 Estados-Membros, num permanente conflito de interesses individuais esquecendo o princípio da unidade e solidariedade comuns.