As entranhas da (in)consciência humana
Por mais evoluídos que sejam os processos médico-científicos e a investigação a mente humana permanece, e há-de permanecer, um verdadeiro mistério, uma constante incógnita e enigma.
A tragédia recente, ainda “fresca” na memória de todos nós, da queda do avião da Germanwings nos Alpes franceses é disso um claro exemplo. A capacidade do co-piloto Andreas Lubitz para a dissimulação de eventual depressão e a frieza para levar a cabo o atentado, são o espelho perfeito do mistério da mente humana (reforço a questão do atentado, já que o suicídio afigura-se-me como um acto individual e não o “arrastar” de cerca de centena e meia de inocentes).
Mas há ainda outras realidades psíquicas misteriosas com mais ou menos impactos trágicos. Por exemplo, a capacidade ou a incapacidade para a tolerância, para a aceitação de realidades e convicções diferenciadas, para o valor da inclusão e da igualdade de oportunidades e direitos. Bastaria recordar os acontecimentos, também em França, da tragédia no Charlie Hebdo, se, infelizmente, com mais ou menos regularidade, esta incapacidade não tivesse também consequências trágicas e não se revestissem de actos bárbaros ou de convicções e pensamentos que levem, na prática, a esse destino.
Ainda na semana passada, nos Estados Unidos, terra fértil nos extremos e extremismos, um advogado do Estado da Califórnia apresentou ao gabinete da Procuradora uma proposta de lei - a Lei da Supressão Sodomita – que, entre sete medidas contra a homossexualidade, entre as quais prevê algo como a execução através de um tiro na cabeça (“qualquer pessoa que voluntariamente toque noutra pessoa do mesmo sexo para fins de gratificação sexual deve ser morta com balas na cabeça ou por qualquer outro método conveniente”). Se a proposta é, em si mesma, completamente absurda, abominável, reprovável e criminosa, a sua sustentação, fundamentada num conjunto de pressupostos e convicções, é inaceitável numa sociedade justa e de plenos direitos.
O advogado Matthew Gregory McLaughlin sustenta que a homossexualidade é "um mal monstruoso que Deus todo-poderoso, que dá liberdade e independência, nos ordena a suprimir sob pena de nos destruir". Independentemente da minha opção e orientação sexual não tenho qualquer direito, moral ou superioridade para julgar quem, por opção e convicção próprias, tem outros rumos e orientações de vida (de regresso à tolerância e liberdade do caso “Charlie”). Mais, como cidadão, defendo por convicção liberal de costumes e princípios, a liberdade de cada um em escolher a sua orientação sexual, sem que isso me dê qualquer direito de julgar ou marginalizar.
Por outro lado, como católico, não conheço um Deus todo-poderoso que me ordene matar, marginalizar, inferiorizar, limitar nas liberdades e convicções de cada um. Mais ainda, conheço sim um Deus todo-poderoso, a quem apenas cabe julgar, que, de facto, dá a cada um de nós a liberdade e a independência, não para condenar, mas para fazermos as nossas opções, convicções e princípios de vida.
Mas se pouco me espanta este mistério da intolerância nos norte-americanos, pela (in)cultura, pelos extremismos, fundamentalismos e radicalismos (mesmo que acusem outros, apesar das diferenças serem poucas), o que me assusta verdadeiramente é o “silêncio falacioso e traiçoeiro” de muitos portugueses que, ao lerem esta notícia, interior e silenciosamente batem palmas e rejubilam de gozo. E essa “misteriosa” atitude mental, assusta tanto como alguém que tragicamente leva consigo para a morte centena e meia de inocentes.