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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Entre Golias e David’s

eu_DA_debaixo-dos-arcos.jpgpublicado na edição de hoje, 29 de julho, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Entre Golias e David’s

Há poucas semanas a Assembleia Municipal de Aveiro aprovou o regulamento municipal que estabelece horários de funcionamento do comércio, onde se insere o horário das grandes superfícies comerciais, vulgarmente apelidadas de hipermercados. Entendeu a maioria dos membros da Assembleia Municipal e o Executivo Camarário, no caso concreto, não proceder a qualquer alteração dos horários até agora praticados, não havendo razão de fundo substancial mesmo que a alteração do quadro legal traga algumas modificações. Nomeadamente, uma significativa liberalização e flexibilidade no estabelecimento de horários de funcionamento do comércio ao ponto de permitir horários de vinte e quatro horas, horários diferenciados ao longo da semana, alteração constante dos mesmos horários, etc. No fundo, a lei permite a arbitrariedade e a flexibilização total dos horários. Entendeu, no entanto, a Câmara Municipal de Aveiro manter a regulamentação vigente até agora.

Mas o que importa retirar desta questão é a posição de alguns partidos locais, nomeadamente o Bloco de Esquerda, que é determinantemente contra a permissão das grandes superfícies de funcionarem dentro do horário em vigor (domingos e feriados, concretamente). O exercício da contestação não é, de todo, descabido e levanta alguma problemática, nomeadamente no que respeita às questões laborais e ao argumento de que o alargamento do horário leva a um aumento de postos de trabalho (algo que carece de análise e estudos, até agora não encontrados). Não será fácil, para a maioria dos cidadãos, perceber os “custos” sociais, pessoais e familiares do trabalho nos chamados dias de descanso semanal para todos aqueles que o exercem enquanto outros descansam. Mas também é verdade que existe um conjunto significativo de profissões que exigem o cumprimento de horário laboral aos domingos e feriados: a segurança (mesmo a privada), a saúde (mesmo a privada), as forças armadas, os bombeiros, etc. Não colhe, aqui, o chavão do “só trabalha nas grandes superfícies quem quer”, porque isso seria uma enorme falta de respeito pelos trabalhadores, pelas necessidades de cada um, face ao que é a realidade da empregabilidade no nosso país, mas, de facto, não são as únicas profissões com funções nos chamados dias de descanso. O que se lamenta é que a legislação laboral não seja mais consistente em relação a legítimos benefícios, sejam de natureza monetária, fiscal ou social, para quem tem que trabalhar aos domingos e feriados (por exemplo).

No entanto, o que não faz sentido é relacionar o horário de funcionamento das grandes superfícies com as dificuldades que são sentidas pelo chamado comércio tradicional.

Não é o horário que condiciona as dificuldades ou o estrangulamento dos pequenos e médios comerciantes. Se limitarmos o horário das grandes superfícies os cidadãos passam a comprar no comércio tradicional ou ajustarão as suas rotinas aos novos horários? Se o comércio tradicional tiver o mesmo horário de funcionamento que as grandes superfícies torna-se concorrencial e consegue daí retirar proveitos?

A questão da relação entre o comércio tradicional e as grandes superfícies é uma questão de mercado, de desequilíbrio de forças e de sustentabilidade. Não é uma questão de horário.

As grandes superfícies têm uma estrutura, uma sustentação, um suporte económico-financeiro que o comércio tradicional muito dificilmente terá. E é esta abismal diferença, uma guerra entre Golias e David’s, que provoca as dificuldades na sobrevivência do pequeno e médio comércio (e não é apenas nos grandes centros urbanos).

Acresce ainda as legítimas opções dos cidadãos e das famílias na gestão dos seus orçamentos domésticos que conduzem à escolha das grandes superfícies comerciais face ao binómio oferta/preço de custo.

Mais do que os horários dos hipermercados ou das grandes superfícies (como, por exemplo, o Forum) o comércio tradicional tem nova batalha a travar, essa sim com implicações directas na sua sobrevivência: o aumento exponencial do comércio asiático. Isso sim, trará impactos relevantes na aniquilação do pequeno e médio comerciante.

Factura da Sorte de 7 milhões? Nem o totoloto...

factura da sorte.jpgQuando o Governo instituiu a Factura da Sorte foram muitas as vozes críticas a esta medida de âmbito fiscal (e fiscal no duplo sentido de fiscalidade e de fiscalização). Na altura posicionei-me a favor da medida e do projecto já que entendo ser um dever (e um direito dos que pagam) cívico a solicitação de factura em qualquer acto de aquisição de bens ou serviços. Não só pelo necessário combate à fraude fiscal, à fuga dos impostos, mas porque o contributo de todos significa um menor esforço do Estado (e de cada um de nós) nas contribuições. Cada incumprimento da obrigação fiscal significa a diluição dessa irresponsabilidade por todos, mesmo os que cumprem as suas obrigações. Não sendo, como é óbvio, possível ao Estado colocar um fiscal em cada “banca” ou “balcão” afigura-se como natural que seja pressionada a consciência social e fiscal de cada cidadão. A medida acabou por provar o sucesso já que, para além da detecção de situações fraudulentas, combateu a economia paralela, aumentou as receitas fiscais e procurou harmonizar a justiça tributária. Mesmo que ainda haja muito para ser feito. E há…

Simultaneamente o Governo entendeu promover esta consciencialização colectiva com o incentivo da Factura da Sorte associada à atribuição de um carro em função das facturas solicitadas (registadas). Aqui, a intenção do Governo é legitimamente questionável. Primeiro, a necessidade de incentivar (mas isso diz respeito à baixa literacia fiscal de todos nós); segundo, o tipo de incentivo: um carro? Por aquele valor e daquela gama? Porque não outro género de incentivo?. Mesmo que tudo isto seja questionável também não é por aí que o “gato vai às filhoses”.

Surge agora nova polémica. O Governo foi à receita do IVA buscar dinheiro para pagar o incentivo à factura. Excluindo as questões do foro legal que o Tribunal de Consta levanta, sobre as quais não retive informação suficiente para analisar, a verdade é que a polémica surge apenas como demagógica e sustentada na vontade colectiva de “malhar” em tudo o que (um) o Governo faça. Se a intenção e o objectivo da medida implementada é o do combate à fuga fiscal e à não facturação, afigura-se como óbvio e recomendável que seja pelo IVA que o Estado faça o cumprimento da despesa, mesmo que o princípio de um imposto não seja o da consignação da despesa. Mas neste caso faz todo e único sentido.

No entanto, o Governo não sai bem da fotografia da “Factura da Sorte”. E isto é que deve ser muito bem explicado aos portugueses. Tendo em conta a informação que esta notícia do Expresso divulga, há um dado importante que fica por esclarecer, mais até do que os pormenores (ou os “pormaiores”) legais. Tendo em conta o valor máximo, do mercado, de cada viatura (50 mil euros), sendo que foram atribuídas 45 viaturas no ano de 2014, como é que o Governo justifica uma despesa de cerca de 7 milhões de euros? Mesmo que se acrescente despesas com o sorteio e processuais (se é que existem) 45 x 50 mil euros, pela minha matemática, dá apenas 2 milhões e 250 euros. Isto sim é que convinha justificar.

O valor das referências

eu_DA_debaixo-dos-arcos.jpgpublicado na edição de hoje, 26 de julho, do Diário de Aveiro.

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O valor das referências

Excluindo concepções narcisistas ou egocêntricas a ausência de referências nas nossas vidas, sejam elas de natureza pessoal, sociais ou histórico-culturais, deixa um inequívoco vazio, a perda de identidades ou a ausência de objectividade. Esta semana que passou fez realçar a importância das referências na construção e concepção das realidades e dos imaginários pessoais ou colectivos.

1. A notícia foi recebida com a agressividade de um estalo que atordoa e provoca inesperados momentos de inacção. Por mais que a nossa concepção e experiência de vida nos consciencialize para a noção de que tudo tem um princípio, meio e fim (seja qual for a sua duração), na realidade nunca estamos verdadeiramente preparados para o “fim”. Por mais sabor que tivesse o ‘prego’ (no pão ou no prato), por mais fresco que estivesse o ‘fino preto baixo’, o Ti Augusto era mais do que o seu “Rossio”. A Cervejaria pode ser (e é) uma das referências no roteiro turístico e gastronómico da cidade de Aveiro, mantida trigeracionalmente há mais de meio século. Mas o Ti Augusto era mais do que o seu negócio. Apesar de não ser natural de Aveiro (como tantos que escolheram a cidade para segundo berço) encarnava tudo aquilo que é para cagaréus, ceboleiros, afins, e quem nos visita, uma das referências desta cidade, a identidade das gentes do bairro da beira-mar: o saber acolher, o sentido da bondade, a atenção ao outro (seja vizinho, seja ‘forasteiro’), a devoção a S. Gonçalinho, a frontalidade e o puro e são bairrismo. Foram muitos “rossios” servidos, mas foram também muitos mais anos vividos e que espelharam, a quem com ele se cruzou, a identidade aveirense. Tal como na gestão do “Rossio” também a minha ligação ao Ti Augusto atravessou três gerações e bem sei que não o voltarei a ver sentado, na mesma mesa do canto, ao fundo, do lado direito. Mas também sei que a memória saberá perpetuar a sua imagem, sempre que ali voltar, que mais não seja para recordar como, apesar de me ter conhecido de fraldas, teimosamente me cumprimentava pelo título académico (por mais que não o sustente).

2. Este momento triste que a semana passada trouxe a Aveiro fez salientar esta questão das identidades e referências para outra dimensão: a cultural. A discussão centrada em específicos círculos culturais e políticos não teve impacto na comunidade e passou despercebida à maioria dos aveirenses. Ou melhor, mais do que despercebida afigura-se indiferente aos aveirenses a tutela e o estatuto do Museu de Aveiro (Museu Santa Joana), mesmo que a componente histórico-religiosa ligada à Padroeira da Cidade (e do Município) ainda seja uma referência para a comunidade. A verdade é que o Museu em si tem tido muito pouco impacto junto dos aveirenses (seguramente mais de cinquenta por cento da actual população nunca lá terá colocado um pé, quanto mais os dois, e muito menos saberá algo sobre a talha dourada da Igreja de Jesus) e é questionável o seu papel na promoção da cidade e da região. Também não é menos verdade que Aveiro tem tido, até hoje, muito pouco para oferecer a quem nos visita, excluindo os passeios(?) de moliceiro nos canais urbanos da Ria. A descentralização da gestão do Museu de Aveiro para a responsabilidade da autarquia faz-me retomar a questão da identidade aveirense.

É constrangedor que a história e a identidade cultural, económica e social de Aveiro, alicerçada e sustentada pela cerâmica, azulejaria e o sal, não tenha um espaço digno, permanente, pedagógico, histórico, preservador desta mesma identidade. Excepção para a especificidade e temporalidade da Marinha da Troncalhada, Aveiro não tem um museu do Azulejo, da Cerâmica e do Sal, que promova os nossos valores sociais, históricos e culturais, tal como acontece em tantas cidades e vilas deste país, ou por essa Europa fora (por exemplo). Talvez seja esta uma oportunidade para complementar a realidade histórico-religiosa perpetuada pelo túmulo de Santa Joana e dotar o Museu de Aveiro da identidade aveirense, colocando-o como referência para a região. Tal como acontece em Ílhavo (Museu Marítimo) e Vista Alegre, nas Caldas da Rainha (Bordalo Pinheiro), com o vidro na Marinha Grande, o Dão em Viseu, o Museu do Pão em Seia, com os Caretos de Podence em Macedo de Cavaleiros, com os espaços vinícolas no Douro, etc., etc,. etc. Ou então continuaremos a ser tão só e apenas a “mini Veneza” com “corridas” de moliceiros. Salvam-se os Ovos Moles.

E quem salva a Europa?

eu_DA_debaixo-dos-arcos.jpgpublicado na edição de ontem, 22 de julho, do Diário de Aveiro.

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E quem salva a Europa?

Apesar de já ter sido alcançado, ao fim de seis meses de negociações, o acordo que celebra os fundamentos do terceiro resgate grego, toda a agenda e as atenções ainda gravitam em torno do processo.

Não só porque persistem dúvidas quanto à capacidade de cumprimento do programa de assistência, não só porque persistem ainda mais dúvidas quanto à eficácia e impacto das medidas na recuperação financeira e económica da Grécia, não só porque há muito poucas certezas quanto à capacidade dos gregos superarem todo o impacto económico, político e social, da austeridade que aí vem. Mas também porque são evidentes os danos colaterais da crise grega.

É certo que os mercados reagiram positivamente ao acordo celebrado, mas com tanta incerteza quanto ao seu sucesso permanece também a incerteza quanto à confiança dos mercados.

Mais… sendo certo que a principal e exclusiva preocupação centrou-se na vertente económico-financeira, é mais que notório que o impacto maior de todo este processo, e mesmo no seu desfecho final, foi sentido a nível político, não apenas no seio da Grécia (demissões e remodelações governamentais, divergências partidárias, contestação social, entre outros) mas, simultaneamente, no sei da própria União Europeia.

Se dúvidas restavam, todo este processo e o seu desfecho mostrou claramente ao que veio e para onde vai esta Europa.

O poder financeiro das relações entre os Estados-membro veio desvendar uma União Europeia exclusivamente focada nos números e na moeda, sem qualquer rasgo de sentido político e social. Não apenas pela forma como conduziu e selou o acordo final. Isso será a menor parte e terá sempre leituras distintas e diversificadas. O que foi revelado foi uma União Europeia longe das ideologias, longe dos cidadãos (daí que não seja de espantar o constante aumento da abstenção eleitoral), da política e da essência da sua formação e constituição (muito próximos dos valores republicanos da Revolução Francesa): solidariedade (fraternidade) entre os povos, união (igualdade) e respeito pela soberania (liberdade). E os sinais da degradação e decadência europeias estão bem presentes nos mais recentes acontecimentos: a pressão financeira exercida sobre a Grécia e a corrente que viabilizaria uma saída grega da zona euro; o aumento dos eurocépticos e das tendências dos referendos para a saída da UE (veja-se o caso das recentes sondagens no Reino Unido que irá a referendo no próximo ano); o aumento da expressão popular contra eventuais adesões à União Europeia de países europeus que não fazem parte da comunidade (Noruega, Islândia, Liechtenstein e Suíça); as posições tomadas contra a Rússia apenas pelos interesses económicos sustentados no gás; a falta de resposta social e humanitária à migração no mediterrâneo; a incapacidade de lidar com o processo turco. Mas principalmente duas realidades bem recentes: ao mesmo tempo que a Europa se insurge contra a migração clandestina que atravessa (quando o consegue) o Mediterrâneo e protesta veemente contra as mortes provocadas pela guerra civil na Ucrânia, é a mesma Europa que fecha os olhos, não demonstra um pingo de vergonha, não assume qualquer posição contra a construção do muro anti-migração na Hungria (Estado-membro desde 2004); a União Europeia que soube celebrar tratados atrás de tratados (Roma, Maastrich, Amesterdão, Nice, Lisboa) pretendendo consolidar os princípios basilares da solidariedade e da unidade alargando a cooperação económica à do domínio político e social, é a mesma União Europeia que pretende agora regressar aos anos de 1951 (CECA – Comunidade Europeia do Carvão e do Aço) tendo como seu protagonista principal o socialista François Hollande. Para o Presidente francês o futuro da Europa sustenta-se na criação de um Governo europeu de elite, claramente suportado pelo poderio económico-financeiro já que seria alicerçado em seis países economicamente mais fortes. Relembre-se que a CECA foi formada tendo como princípio único a relação comercial entre os (também) seis países: Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Holanda (Países Baixos).

E é este o futuro da União Europeia que se afigura para muito do poder europeu instalado: o poder do mais forte sobre o mais fraco, para satisfação do dinheiro. Uma Europa fragmentada, sem sentido e com muitos “muros” entre os seus Estados. A Europa são apenas números, nem valores, nem princípios, nem liberdades, nem pessoas.

(ainda) a supresa da política...

boletim de voto antigo.jpgno seguimento do aplauso à (ainda) deputada social-democrata Francisca Almeida fica o registo para uma significativa e importante alteração de processos e mentalidades nas escolhas das listas eleitorais.

Podemos tecer, antecipadamente, um inúmero conjunto de considerações sobre os processos.

Primeiro, termos a noção do conhecimento que o eleitorado tem das listas em que vota. Retirem a simbologia partidária e duvido que sejam muitos os que saibam onde colocar o "x" no dia das eleições (que agora também pode ser "+").

Segundo, podemos discutir o método da representatividade (tal como sucedeu nas últimas eleições em Inglaterra) ou da representação (manter o actual sistema ou o dos ciclos uninominais). A verdade é que nada é garante, no day after eleitoral, que o eleito mantenha alguma ligação ao eleitor.

Mas independentemente de tudo isto, há sempre os "males menores", já que ainda não foi encontrado o modelo político perfeito (quanto muito, a democracia é o menos imperfeito).

Não sei se o processo é igual a todo o país e a todos os círculos eleitorais onde o PS apresentará candidatos.

Não sei sequer avaliar quantitativamente o impacto dos nomes sonantes nas listas distritais (círculos), tendo a maior dúvida de que, na prática, alguém vá votar por causa do cabeça de lista do circulo A, B ou C. Ou votam no partido X, Y ou Z ou votam em branco (ou fazem um bonequinho no boletim).

No entanto, é de louvar o que o PS Aveiro definiu para a elaboração da sua lista de candidatos para as eleições de 2015, mesmo correndo o risco de, mediaticamente (já que não tenho qualquer legitimidade - nem qualquer interesse - para avaliar a qualidade política e pessoal de cada um dos candidatos), não ser reconhecido peso à lista que apresenta. Mas reconheça-se o esforço inovador e a coragem política de apresentar uma lista sem os chamados "pára-quedistas" (como aconteceu em 2011), candidatos sem qualquer ligação e afinidade à região, aos interesses do eleitorado do circulo de Aveiro (teimosamente ainda chama de distrito), sem sequer conhecerem, minimamente, os municípios que os elegem.

Reconheça-se e aplauda-se de pé... que sirva de exemplo (como já serviram as primárias, pelo menos, pelo princípio e fundamentos).

(aplaudir) de pé...

francisca almeida psd.jpga bem da verdade e da justiça não é sério enveredar apenas pelo "delicioso sabor" de mal-dizer ou da crítica (por mais livre e justificada que o seja).

É sério que o exercício seja idêntico quando a realidade e os factos assim o exigem.

Critiquei a deputada Francisca Almeida (PSD), aquando da proposta de lei para a coadopção de crianças por casais do mesmo sexo, pelo facto de publicamente ter assumido, em consciência, as suas convicções sobre a matéria mas, na prática, ter "engolido o sapo" da castrante disciplina de voto parlamentar. Mais tarde, é verdade que, contra essa mesma disciplina, votou a favor da proposta socialista (mesmo que não tenha sido suficiente, fica o registo da consciência das convicções).

Já mais recentemente, elogiei a sua posição pública sobre a questão dos "independentes" nas listas partidárias, num artigo seu publicado no Expresso online.

Agora, a bem da justiça e do mérito, bem como da liberdade, há que aplaudir de pé.

O PSD fez aprovar uma norma interna que exige aos deputados eleitos a apresentação de demissão em caso de persistente divergências com o grupo parlamentar. A deputada social-democrata Francisca Almeida, presente no hemiciclo desde 2009, sempre manifestou, mesmo publicamente, a sua oposição a tal norma, lembrando, e muito bem, que a Constituição determina que a função de deputado da Nação deve ser exercida de forma livre e em consciência, apesar dos compromissos estabelecidos com o partido pelo qual são eleitos. Desta vez, bateu com a porta (ou baterá no futuro próximo).

Embora a legislatura esteja a conhecer os seus tempos finais face ao próximo acto eleitoral; apesar de, profissionalmente, ter a possibilidade do exercício da advocacia num dos mais prestigiados e influentes escritórios de advocacia do Porto; mesmo que Francisca Almeida não queira assumir publicamente, como sustentação da sua decisão, esta divergência interna com o partido; é calor e notório que a sua decisão de não voltar a ser deputada parlamentar (pelo menos na próxima legislatura) tem como base a defesa do princípio da liberdade e do pluralismo partidário que viu serem limitados e condicionados pela decisão do partido em promover a disciplina de voto como regar e norma.

Parabéns pela coerência e determinação. Mal um partido, dito democrático e pela democracia, que não sabe liderar com a liberdade e a diversidade.

#PorAcasoFoiIdeiaMinha - Eu é que sou o Presidente da Junta

Foi mais que discutida, aplaudida, ironizada, a afirmação do Primeiro-ministro, Passos Coelho, que chamava a si alguns créditos negociais no dificil e polémico acordo entre o Eurogrupo e a Grécia.

Apesar de todos os conceitos e preconceitos, a verdade é que não terá sido um "mito urbano" a tal afirmação de Passos Coelho quando referiu que "a solução que acabou por desbloquear o último problema que estava em aberto partiu de uma ideia que eu próprio sugeri". Conforme escreveu (e bem) Ricardo Costa, no Expresso, afinal #PorAcasoFoiIdeiaMinha terá correspondido à verdade, por mais que custa à oposição, nomeadamente a socialista que foi quem fez mais eco da ironia. E foi... ironia do destino.

Simultaneamente a todo este turbilhão negocial grego e à ideia/sugestão de Passos Coelho, surgiu em plataformas oficiais do PSD e nas redes sociais a imagem seguinte que reflecte o slogan "Por um Portugal mais amigo das crianças", sustentado num crescimento do número de nascimentos no primeiro semestre deste ano em relação a igual período do ano passado.

natalidade 2015 psd.jpg

Os dados, em si mesmo, são, obviamente, uma excelente notícia para a demografia portuguesa e para a inversão daquilo que era a realidade conhecida de um país cada vez mais envelhecido. Obrigado às mães e aos pais (obviamente também a algumas mães/mães, já que para já, cientifica e geneticamente, pais/pais é difícil) pelo nascimento de 40.113 crianças nos primeiros seis meses deste ano de 2015, cerca de mais mil nascimentos em relação ao primeiro semestre do ano passado.

O que é pura demagogia política é o uso destes dados (e realidade) para campanha partidária já que não há qualquer, nem a mínima, relação entre os factos/dados e qualquer acção ou medida governativa. Isso são construções ficcionadas da realidade nas quais só acredita quem quiser (e não conseguir ver mais nada).

A não ser que este valor apontado de 40.113 crianças nascidas nos seis primeiros meses deste ano de 2015 (mais mil que em 2016) #PorAcasoTenhaSidoIdeiadoPassosCoelho... mas aí, o primeiro-ministro vai ter de dar muitas explicações à Sra. Dona Laura. Ai vai, vai... porque +40113 é obra, e muita.

À terceira será de vez?

eu_DA_debaixo-dos-arcos.jpgpublicado na edição de hoje, 15 de julho, do Diário de Aveiro.

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À terceira será de vez?

Seis meses de conversações, de impasses sucessivos, de conjunturas diversas, foi demasiado tempo para que a solução encontrada para a crise grega seja tudo menos limpa, afável; bem pelo contrário, é uma enorme carga de austeridade, repleta de incertezas e desconfianças. E principalmente porque, com tudo isto, ao fim de tudo isto e tal como era expectável, nem a União Europeia (Zoan Euro/Eurogrupo), nem a Grécia, saem ilesas do processo. O Eurogrupo poderá ter conseguido, no imediato, safar a sua imagem no processo mantendo a Zona Euro intacta, para além da surpreendente recondução esmagadora do seu presidente, o ministro holandês das finanças Jeoren Dijsselbloem, contando com os votos favoráveis da Grécia e de muitos socialistas que se apresentam como anti-austeridade. Mas o acordo (que ainda terá de passar por processos políticos complexos, como a sua aprovação em seis parlamentos nacionais, entre os quais o alemão e o grego) não safou a Grécia, seja do ponto de vista interno, seja no que respeita à confiança externa. A pergunta que se impõe colocar aos gregos é: “à terceira será de vez?”.

Não vai ser nada fácil a vida dos gregos, a recuperação económica da Grécia (que é fundamental para o cumprimento das principais metas do acordo) a estabilidade política e social, e a confiança dos credores (pelas falhas nos dois anteriores processo). Foram demasiadas as promessas extremistas e radicais apresentadas ao povo grego na campanha eleitoral por parte do Syriza. São já sentidos as primeiras roturas e o sentimento de desilusão e de traição. Foram demasiados radicalismos nas negociações que culminaram com a realização do referendo, com a votação expressa e inequivocamente clara do “Não”, mas que rapidamente foi transformado num “sim” e menosprezada a vontade democrática dos gregos, seja pelo afastamento do ex-ministro das Finanças, Yaris Varoufakis, seja pela celebração do acordo que implica a execução de medidas políticas contrárias ao desejável e ao anunciado pelo Governo (por exemplo, as privatizações, as pensões e o sistema de segurança social, a flexibilização laboral e a carga fiscal, nomeadamente no IVA). Com roturas políticas no governo, no maior partido que sustenta o governo (Syriza), não se afigura nada fácil o futuro governativo de Alexis Tsipras (já há greves agendadas e foi notória a ausência de manifestações pró-governamentais na rua, tal como sucedeu em vésperas do referendo e durante grande parte do tempo negocial), não sendo, por isso, de estranhar as posições concordantes da oposição, nomeadamente da Nova Democracia e do PASOK já a mirarem no horizonte eleições antecipadas.

A União Europeia manteve o seu destino neste processo. A decadência política, o abandono dos princípios fundadores da comunidade: justiça, igualdade e solidariedade. Entre os mais frágeis era evidente a posição sempre alinhada com quem recentemente ajudou em resgates e apoios diversos (Itália, Espanha, Portugal e Irlanda), para além (aí legitimamente) não quererem ceder perante realidades que contrariassem os sacrifícios que lhes foram exigidos em situações semelhantes. Os mais fortes, espicaçados pelo confronto e pela afronta grega, usaram o que tem sido a arma mais comum nos últimos tempos europeus: o poder do dinheiro. De lado ficou a ideologia do conceito fundador da Europa, mesmo para os socialistas europeus, a política da solidariedade entre os Estados-membros. Ganhou quem é mais forte, mesmo que para tal isso signifique empobrecer os outros. Como se diz na gíria futebolística, são onze contra onze mas no fim ganha sempre a Alemanha.

Continuamos com todos os actuais países na Zona Euro (Cavaco Silva escusa de fazer mais contas difíceis) mas seguramente ficámos com uma Grécia devastada e com uma Europa politicamente arruinada ou ainda mais arruinada. E muito ainda estará para vir (referendo na Inglaterra, o muro na Hungria, situação na Ucrânia).

Por mais federalismos que queiram colocar no horizonte da salvação do futuro da União Europeia haverá sempre, quando colocado o peso da economia e das finanças versus a política nas relações entre Estados, os países do “norte” e os do “sul”, os mais fortes e os mais frágeis. E haverá sempre vencedores e vencidos. Julgo que não foi para isto que se criou a “CEE”.

Andamos 'distraídos'...

eu_DA_debaixo-dos-arcos.jpgpublicado na edição de hoje, 12 de julho, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Andamos “distraídos”

É um facto que a situação política, económica e social que envolve a Grécia é significativamente preocupante para todos, não apenas gregos mas para os europeus, nomeadamente os da Zona Euro e os países recentemente intervencionados, como Portugal e Irlanda. O futuro não é apenas jogado na Grécia mas também na Europa. Desde há muito anos que não se via uma preocupação tão grande e generosa dos portugueses para com a União Europeia, obviamente por força do reconhecimento que os impactos serão transfronteiriços. Mas este olhar tão atento sobre a Grécia e a Europa é, igualmente, fruto da massificação do tema na comunicação social ao ponto de existirem tão poucos assuntos a prender a atenção e as expectativas. Nem mesmo o mediatismo do futebol, os casos da justiça, a política nacional (também ela toda direccionada à Grécia).

Mas a verdade é que há mais vida para além… da Grécia. Por mais importante que a questão seja.

É, por isso, curioso que em pleno verão, em plena época de incêndios, de repente, nos tenhamos esquecido do tema e dos bombeiros. Ou que infelizmente apenas nos lembremos deles pelas realidades mais trágicas. Mas é indiscutível que os bombeiros estão no terreno e que os incêndios têm proliferado e, novamente, assolado o país, queimando floresta e destruindo edificado, propriedades e bens. Felizmente, não vitimou bombeiros (mesmo que ferindo alguns), mas a destruição é significativa.

Antes de entrarmos propriamente no verão (na fase pré Bravo), o ano de 2015, até final de maio, registava cinco vezes mais fogos que no ano anterior, segundo dados da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC). Segundo a ANPC no ano de 2014 contabilizaram-se 846 fogos, número que disparou, em 2015, para cerca de 5000, só neste período. Com base neste dados provisórios e com a realidade que se vive, já em plena fase Bravo (1 de junho a 30 de setembro), perspectiva-se que o ano de 2015 será o pior da última década.

Só no período compreendido entre 15 de maio e 30 de junho registaram-se no país 3355 ocorrências e que representam um acréscimo na ordem dos 30% da área ardida (cerca de 17,5 hectares), em relação aos últimos 10 anos, apenas superados ligeiramente por valores referentes aos anos de 2005 e 2009. Importa recordar que no ano passado o total da área ardida foi de 19.867 hectares, o segundo valor mais baixo dos últimos 35 anos, e registaram-se 7.186 fogos, sendo este o valor mais baixo dos últimos 25 anos.

Só pelos valores em si mesmos não seria difícil prever uma subida dos números, mas não tão acentuada, fazendo recuar a tragédia para anos e períodos demasiadamente preocupantes. Por outro lado, as condições meteorológicas até agora verificadas são um verdadeiro pesadelo para os bombeiros: mais calor, temperaturas demasiado altas, vento e baixa precipitação e humidade. Acresce ainda que, pela diminuta quantidade de área ardida no ano passado, o rejuvenescimento da vegetação e a quantidade de matéria combustível presente nas florestas facilita a combustão e a propagação dos fogos.

Mesmo que não tenha havido, mais uma vez felizmente, vítimas mortais a registar, não se percebe porque é que, perante a realidade e os números apontados nos vários relatórios, o tema tem estado afastado das primeiras páginas dos jornais e das televisões.

Ou melhor… não é difícil de adivinhar porquê. Não morreu ninguém, não morreu nenhum bombeiro, é bem verdade. Mas não esqueçamos que estamos em ano eleitoral. Sim… os incêndios também votam.

Pelo merecido respeito... R.I.P. Maria Barroso.

Um rosto claro e inequívoco da esquerda social.

Uma personalidade forte, guerreira, combativa.

Uma constante preocupação humanitária (por exemplo, Moçambique).

Nunca na sombra, sempre ao lado e, não raras vezes, bem à frente.

Faleceu Maria de Jesus Simões Barroso Soares.

Não tenho legitimidade para mais, a não ser... Respeitosamente, R.I.P.

Maria Barroso.jpg

O paradoxo do "Oxi" grego

referendo grecia julho 2015.jpg

Há poucos meses os gregos escolhiam o Syriza (e as suas posições e convicções políticas, sejam elas radicais ou não) para governar a Grécia. Escolheram e ganharam, mesmo que sem a maioria (e o facto não é um mero pormenor ou uma mera circunstância eleitoral).

Como resultado o Governo de Tsipras transpôs para a mesa das negociações com o Eurogrupo, credores e FMI, toda a linha política que serviu de "bandeira" eleitoral durante a campanha e que deu origem ao resultado eleitoral final. Não havia, por uma questão de ética política (reconheça-se) outra forma de agir ou seria o total descrédito e o colocar em causa a confiança política dos gregos no actual Governo.

À "cabeça" da posição inflexível e irredutível da Grécia nas inúmeras rondas negociais está (ou estava) o Ministro das Finanças, Yanis Varoufakis.

A inflexibilidade das instâncias internacionais e dos credores foi mantendo, semana após semana, um agoniante impasse na resolução da grave e trágica crise económica, financeira e social que a Grécia vive.

Face às circunstâncias e ao isolamento político a que a Grécia se viu votada pelo Eurogrupo e pelos Estados-membro o Governo grego avançou, como óbvia arma negocial, para a realização de um referendo.

O referendo, face ao que era o sentimento do povo grego e ao recente resultado eleitoral, era uma forma clara de pretender, após a legitimidade democrática eleitoral, sustentar e apoiar as posições intransigentes e o braço-de-ferro entre Grécia e credores.

Pelo escasso tempo de campanha, pela celeridade com que correu o processo do referendo, pela pressão política externa sobre o mesmo, pela própria complexidade técnica da questão referendada, seria expectável o resultado do "Não" ("Oxi"). O que já não seria tão previsível era uma tão significativa expressividade eleitoral com cerca de 61% dos votos a dizerem "Não" aos credores. O Governo grego ganhava assim um enorme suporte democrático e uma acrescida legitimidade para as negociações.

Mas a verdadeira surpresa surgiu muito poucas horas após os resultados do referendo. O Ministro das Finanças da Grécia, Varoufakis, apresentava a sua demissão do governo. Eis o paradoxo político.

Aquele que era o rosto mais visível e mediático das posições radicais e inflexíveis nas negociações do governo grego, da vertente económica, financeira e social da campanha eleitoral, da iniciativa do referendo (o Primeiro-ministro grego, Tsipras, esteve quase a voltar atrás), caía aos pés de uma dos mais elementares instrumentos democráticos, curiosamente após a vitória do "Não" pela qual tanto batalhou.

E tudo isto se afigura como estranhamente paradoxal. Primeiro, não vale a pena entrarmos em demagogias políticas e surreais sobre princípios de ética e dignidade para adjectivar a posição da Varoufakis quando é sabido que, apesar de sair pelo próprio "pé", a verdade é que foi claramente pressionado e impulsionado para a demissão pelo Primeiro-ministro Tsipras.

Tendo o governo grego usado a bandeira do referendo (e o constante e insistente apelo ao Não) como arma negocial, tendo os gregos acedido às pretensões do seu governo (mesmo aqueles que não votaram Syriza, face ao resultado verificado) que sentido político e democrático faz "deitar para o lixo" a vontade expressa do povo grego? Porque é mais que óbvio que a demissão de Varoufakis é uma evidente rotura com a intransigência negocial da Grécia.

E mais ainda... após toda esta "batalha" não restam dúvidas que, finalmente, Tsipras reconhece a realidade trágica da Grécia e não terá muitas mais alternativas que aceder às condições dos credores. Mesmo que para isso se tenha que marimbar para a vontade do povo grego.

O resultado do referendo na Grécia faz-nos recordar a irrevogabilidade da demissão de um governante português. Um "não" facilmente se transforma num "sim".

Cara ou Coroa

eu_DA_debaixo-dos-arcos.jpgpublicado na edição de hoje, 1 de julho, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Cara ou Coroa

O desfecho da negociação entre Grécia, UE, FMI e credores, só terá um resultado final: ou sim ou sopas… cara ou coroa. Ou há negociação e acordo, com cedências de ambas as partes, ou há uma rotura total com impactos imprevisíveis.

Seja qual for o desfecho irá sempre haver danos colaterais, mais ou menos significativos, com maiores ou menores repercussões. Há ainda um pressuposto que não é, de todo, irrelevante: não foi a União Europeia, nem os credores, que colocaram a Grécia no fundo do poço, assim como não são o Syriza e o actual governo grego os responsáveis pela irresponsabilidade de gestão da crise grega, nos últimos anos. Em traços muito simplicistas, a Grécia viu-se a braços com uma enorme crise financeira, pediu dinheiro, solicitou apoio internacional, não soube gerir a realidade, não soube estruturar, nem consolidar, viveu como se nada tivesse acontecido. Resultado: a Grécia faliu e levou o seu povo ao desespero social e político.

Neste momento, falhadas todas as negociações até agora levadas a efeito, mais do que encontrar uma solução por força negocial, há um confronto claro entre a Grécia e os credores. Ninguém cede, apenas são movidos esforços para vencer a outra parte, que mais não seja, pelo cansaço.

À Grécia colocam-se duas realidades: um acordo, ou a cedência às propostas dos credores, significará o descrédito interno do governo e do Syriza, cenário, aliás, igualmente patente no caso do “sim” ganhar o referendo proposto, sendo mais que provável a demissão do governo e novo processo eleitoral. No caso de Tsipras ceder à comunidade internacional, as novas condições de resgate, com mais ou menos austeridade, por mais sacrifícios que possam ser exigidos aos gregos, poderá significar a recuperação do país.

Em caso de “vitória” grega, significando esta a rotura total com as negociações, a Grécia mergulhará num profundo abismo social e económico, tornando-se um enclave europeu (recordando a história dos tempos cinzentos dos balcãs).

Se a União Europeia não chegar a acordo com a Grécia desmoronará todo um conjunto e realidades políticas e financeiras. Primeiro, será colocado em causa o princípio da solidariedade entre os povos europeus, não sendo tão linear, como afirmou o Presidente da República, Cavaco Silva, que uma saída da Grécia apenas signifique a subtracção pura e simples de um país. Segundo, é a noção da falta de respeito pela soberania dos Estados-membros manifesta pela constante acção da União Europeia em impor as suas regras, sem qualquer noção das particularidades, dos regionalismos, das entidades próprias de cada país. Terceiro, se não houver acordo entre as partes a dita Troika terá um claro problema de consciência: fica sempre presente que, no caso de Portugal, Irlanda e Espanha, teria havido outra solução política e económica para fazer face à crise, sem a imposição de uma austeridade tão forte.

O caso grego, face ao ponto a que chegaram as negociações ou a falta delas, é hoje um problema que ultrapassa as próprias fronteiras e não diz apenas respeito aos gregos.

Embora sem a noção clara dos impactos que possam ocorrer para além fronteiras gregas, a verdade é que os danos colaterais do falhanço das negociações e da falência da Grécia serão vários e nenhum positivo. E Portugal não ficará a salvo desses impactos, inclusive a possibilidade, a curto prazo, de nova ajuda externa, por mais almofadas que o Governo português anuncie.