publicado na edição de hoje, 9 de agosto, do Diário de Aveiro.
Debaixo dos Arcos
Nem muros, nem arames farpados
O sentido, o significado e os princípios fundadores de uma Europa que viu, no pós-guerra, há cerca de 70 anos, uma janela de oportunidade para se afirmar nos destinos do mundo, no plano geopolítico e geoestratégico, têm, cada vez mais, os dias contados. Resultado, entre outros factores, da necessária ajuda americana na II Grande Guerra não foi capaz de se tornar auto-suficiente no plano militar e da defesa, bastando recordar a ineficácia de uma resposta isolada no conflito dos Balcãs e a actual incapacidade de resposta no conflito na Ucrânia, com vantagem russa. Apesar de ter conseguido furar a cortina de ferro, fazer cair o muro e unificar as duas alemanhas e ter provocado a queda do Pacto de Varsóvia e da União Soviética, não é menos verdade que não conseguiu, entre as diversidades, encontrar a união e solidariedade, tão presente na sua fundação, entre os seus Estados, nem soube, até à data, apesar da convivência no seio da NATO, encontrar uma resposta para permanente entrave à Turquia. Do ponto de vista económico e financeiro os últimos anos têm demonstrado uma fragilidade e uma conflitualidade internas nas respostas à crise, criando um fosso entre os países periféricos e os do norte, entre os mais ricos e os menos ricos, que tem trazido uma instabilidade política e social preocupante e que tem fracturado a União Europeia. Por outro lado, ao fim de todos estes os anos, após a sua fundação, o euro não se tornou a moeda de referência nos mercados internacionais e a excessiva abertura e permissividade ao mercado asiático tem criado algumas dificuldades à economia europeia. A par disto… Nesta semana registaram-se os 70 anos da tragédia de Hiroshima (a 7 de agosto) e, hoje, precisamente, a 9 de agosto a tragédia de Nagasaki. No balanço imediato, no lançamento da primeira bomba, a “Little Boy” a bordo do bombardeiro “Enola Gay”, estimou-se um número de vítimas na ordem das 80 mil mortes, valor que disparou (mesmo sem nunca se apurar a realidade estatística), por força dos ferimentos e da radiação, para cerca de 140 mil. Dois dias depois, com o balanço trágico de Nagasaki, após o lançamento da “Fat Man”, sobre a cidade que albergava a maior base da Marinha Imperial Japonesa, o balanço final cifrou-se em mais de 250 mil mortos. Ironicamente, a par com o desembarque na Normandia, este seria o contributo para o fim do conflito da II Guerra Mundial. Mas o mundo não ficou melhor… vivemos, no pós-guerra, um período de aparente estabilidade, numa paz podre, que ia mantendo a conflitualidade, embora mais regionalizada, na América do Sul e Central, em África, na própria Europa, na faixa de Gaza, e, no pós-11 de setembro, no Médio Oriente e na orla africana do Mediterrâneo, provocando, para além de todo resultado óbvio da conflitualidade bélica, uma instabilidade política e uma destruição social e económica de dimensão inquantificável. E, neste ponto, de novo a fragilidade e a fraqueza europeia: a explosão da tragédia da migração. A Europa, para além da responsabilidade política, económica e militar, que deve assumir pelas posições tomadas na origem e no foco do problema, e para além da falta de solidariedade com os Estados-membro da faixa mediterrânea (Itália, Grécia, Malta, …), encara a tragédia humanitária da pior forma, agora que o problema também bateu às portas dos “donos da Europa” França e Inglaterra (a par da Alemanha), e da Hungria. É inadmissível, dentro dos princípios europeus, que se encarem as mortes (cada vez de maiores dimensões, ainda na passada quinta-feira mais de 200 mortes) no Mar Mediterrâneo, transformado em enorme cemitério (mais de 2000 mil mortes este ano), e o desespero às portas de Calais, com muros, com arame farpado, com cães, com indiferença, com extremismos. A Europa tem responsabilidades acrescidas neste alimentar de um sonho, de uma esperança, de quem prefere arriscar tudo (até a vida) do que ter a certeza da morte na sua própria terra e casa. A título meramente exemplificativo, a Europa transpôs, ou ajudou a transpor, o inferno para a terra em países da África Subsaariana, do Magreb, do Médio Oriente, do Corno Africano, etc., como a Argélia, Síria, Egipto, Líbia, Iraque, Somália, Afeganistão, Eritreia, Etiópia ou o Sudão.
Transformar as realidades política, social e económica, destas PESSOAS, em vidas muito abaixo das trágicas condições das favelas ou dos piores bairros de lata; deixá-las num limiar de sobrevivência que as faça olhar para a Europa, do outro lado do mar, como um oásis e a ÚNICA esperança de superar a morte imediata, sem uma resposta eficaz na origem, com a indiferença à legitimidade de reclamar a Declaração Universal de 1948; é assinar a sentença de morte para tantos cidadãos e a declaração de incompetência e impotência da Europa. Sob a capa de um falso humanismo e moralismo, de uma podre bandeira da democracia, de um ausente sentido de responsabilidade política, económica, social e humanitária, a Europa bateu no fundo, com novos muros, arame farpado e cortinas-de-ferro.