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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Ou há moralidade... ou 'comem' todos

Censura foto.jpgTemos este péssimo "código genético": o da incoerência, o de agir em função do vento e das modas, o de tomar posições em função dos nossos interesses e do que mais nos convém. É péssimo e é condenável.

Importa, primeiramente, afirmar: não gosto do Correio da Manhã, nem da CMTV, bem pelo contrário. Isso é público e já por várias vezes proclamado.

Mas tal como critiquei, muito recentemente, o jornal Público pela eventual colaboração como cronista do ex-ministro Miguel Relvas ("Que a memória não se apague") depois do deplorável caso de pressão e perseguição à jornalista Maria José Oliveira, não posso deixar de criticar e repudiar, em defesa da liberdade de informação, do direito a informar e da liberdade de expressão, a decisão judicial de "calar e censurar" (porque é disto que se trata) o Correio da Manhã em relação ao processo "Marquês" que envolve o ex Primeiro-ministro, José Sócrates.

Nunca, até hoje e em função do desenrolar do caso, apontei qualquer crítica a José Sócrates (nem o defendi) por acreditar na separação de poderes e no elevado princípio da presunção de inocência. É público e repetido.

Mas não posso, independentemente de achar criticável o jornalismo (?) praticado pelo grupo Cofina, deixar de condenar o que entendo ser um acto puro de censura à informação e um claro e evidente ataque a um órgão (grupo) de comunicação social.

O CM e a CMTV, em particular, aos quais podemos juntar ainda a Sábado e a Flash, não são exemplos das virtudes jornalísticas, do meu ponto de vista. Mas tal como não sou adepto da sátira informativa do Charlie, pela superior defesa da liberdade de informação "não concordo, em nada, com o que a Cofina diz, mas não posso deixar de defender a liberdade da sua existência".

Há mecanismos próprios para condenar a acção dos órgãos de comunicação social do grupo Cofina sem limitar e amordaçar a liberdade e o direito de informar.

Abriu-se uma perigosa Caixa de Pandora, seja por este caso que envolve José Sócrates, seja por que caso for.

Isto é um claro atentado ao Estado de Direito e à democracia.

Recado da tradição

Por parte da coligaçao, nomeadamente pelo PSD, tem sido constante o recurso ao argumento político (?) da tradição.

A tradição de 40 anos em que o partido mais votado deve governar.

Mais recentemente, como o artigo de hoje no Diário Económico e assinado pelo deputado do PSD, Nuno Encarnação, em que se apela à tradição do partido mais votado indigitar o Presidente da Assembleia da República.

Entendo, como tantas vezes já o escrevi, neste último mês, que por uma questão de legitimidade política e democrática, por razões constitucionais, pelo respeito pelo voto dos portugueses, deve governar (ou tentar governar) quem vence as eleições. E não por uma questão de "tradição".

Até porque se este é o argumento mais consistnte que a coligação tem para reclamar a governação, é bom que o PSD retenha o seguinte recado: Se é tão importante a tradição, era bom que o PSD mantivesse (e não deitasse ao lixo) a sua tradição social-democrata.

ppd - bandeira antiga.jpg

 

Da legitimidade dos direitos políticos

regresso de socrates.jpgNuma altura em que se fala tanto sobre legitimidade e política, no que respeita à governação do país, importa destacar ou referenciar outra legitimidade política: a dos direitos individuais.

E José Sócrates foi claro no passado sábado ao abordar esta questão afirmando que todos os seus direitos políticos estão intactos e que tenciona exercê-los. Não só estão intactos como, face à sua condição apenas de arguido mas em liberdade, reforçados porque libertos de restrições ou limitações (as únicas que se conhecem é a impossibilidade de sair do país e de contactar os outros arguidos do processo).

Não vou, como já o afirmei, tecer qualquer tipo de considerações públicas sobre as acusações que ainda imperam sobre José Sócrates. Sou, e espero vir sempre a ser, pelo princípio da presunção de inocência. Mas neste caso, concordo com António Costa, alvo de crítica do ex Primeiro-ministro: à justiça o que é da justiça e à política o que é da política. É que há uma coisa com a qual não posso ficar indiferente no processo judicial que envolve José Sócrates: o excesso de vitimização pública. Primeiro, porque existe uma colossal diferença entre "preso político" e um "político preso" (recorde-se que já se comparou a Nelson Mandela e ao activista angolano, em greve de fome, Luaty Beirão). Segundo, mesmo que as críticas possam ser fundamentadas e consistentes, também não deixa de ser verdade que muita da realidade jurídica do actual direito, do qual Sócrates se queixa, tem origem nalgumas reformas do sistema judicial implementadas durante os seus mandatos.

No que respeita à vertente política, é um facto que José Sócrates tem toda a liberdade e direito de intervenção no espaço público e político. Mas será assim tão desinteressado o exercício do direito de cidadania? Que terá querido dizer Sócrates com a afirmação "Todos os meus direitos políticos estão intactos e tenciono exercê-los"? Que poderá criar um significativo embaraço político a António Costa, candidatando-se a Presidente da República?

Ainda no campo da política (e só esta interessa neste espaço) durante a primeira intervenção pública do ex Primeiro-ministro, após a sua libertação há ainda dois registos que são importantes destacar.

Primeiro, o que respeita à indigitação de Passos Coelho para o lugar de Primeiro-ministro.
José Sócrates afirmava que só deveria governar quem tivesse maior apoio parlamentar: "não pode governar quem tem o parlamento contra ele". Ora há aqui alguma falta de coerência e de memória política. É que é precisamente essa a maior divisão analítica das últimas legislativas. Para já, a nota inicial é a de que José Sócrates varreu da história da governação em Portugal o ano eleitoral de 2009, onde foi governo minoritário. Depois, com essa afirmação e visão (agora tão corrente por força da conjuntura política actual) perde qualquer sentido o princípio constitucional da governação minoritária e do reforço da importância dos compromissos políticos. Ou seja, o que se afigura a partir destas legislativas de 2015 é que ou há maioria absoluta ou quem vence o processo eleitoral nunca (ou dificilmente) governará.

Segundo, a questão da aliança, coligação ou compromisso à esquerda (porque ainda não se sabe muito bem qual o desfecho final).
Concordo plenamente com José Sócrates quando afirmou que é muito importante viver num país onde existe a liberdade de se ser contra a União Europeia ou contra a NATO. Eu também acho e subscrevo.
Mesmo que pessoalmente não veja que as questões europeias ou internacionais sejam o mais importante num eventual compromisso à esquerda (acho que as nacionais são mais limitativas na aproximação entre PS e BE e PCP), a questão deveria ter sido abordada por outro prisma muito mais importante para o impacto da opinião de Sócrates sobre esta aliança da esquerda portuguesa, esquerda, recorde-se, responsável pela queda do seu governo. O que importa saber é se José Sócrates faria ou não uma coligação com BE e PCP defendendo estes dois partidos políticos os princípios programáticos que defendem, seja a nível externo, seja na política nacional. A forma como José Sócrates abordou a questão não é uma visão política enquadrada na actual conjuntura, mas im uma questão de liberdade de opinião e de expressão ideológicas.

Apesar da crítica a António Costa sobre a indiferença pública do líder socialista ao seu processo judicial, Sócrates poupou um embaraço político ao PS abstraindo-se de ser incisivo quanto às negociações à esquerda. Mesmo estando na faculdade plena dos seus direitos políticos.

A machadada presidencial

cavaco silva indigita passos coelho - legislativaspublicado na edição de hoje, 25 de outubro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
A machadada presidencial

A legitimidade da indigitação de Passos Coelho como Primeiro-ministro é um acto da maior elevação constitucional e democrática. A legitimidade da indigitação de António Costa para Primeiro-ministro não é uma questão de inconstitucionalidade mas sim de uma questão de legitimidade política. E muitas das críticas que fiz, e que permanecem, ao acordo PS-BE-PCP residiram nesta vertente: o respeito pela democracia e pela legitimidade individual do voto dos portugueses. Acresce ainda a debilidade e a fragilidade do compromisso à esquerda. Não faz sentido repetir o que nas últimas semanas já aqui referi quanto ao acordo PS-BE-PCP. A obsessão do PS pelo poder e o querer disfarçar o choque pela inesperada derrota eleitoral tolda, aos socialistas, a visão política da realidade e do papel do partido na conjuntura. BE e PCP foram mais que claros e transparentes: o importante não é o PS ou o compromisso; isso é um mero meio para atingir o objectivo. O importante é que, a todo o custo, custe o que custar, PSD e CDS não governem. É esta a realidade do compromisso à esquerda, é este o objectivo final, é este o respeito e o sentido democrático e a noção de democracia para BE e PCP. E a fragilidade do compromisso não reside, essencialmente, nos tão badalados contextos europeus. Isso é o mal menor. O que separa PS do BE e PCP, só na política interna, é mais do que muito: papel do estado, os processos de privatizações, as reformas na justiça, na saúde (os hospitais SA não são inovação do psd-cds), na própria educação (muito para além dos professores), a relação com o sistema bancário e financeiro, as PPP’s, etc. Por alguma razão BE e PCP não assumiram lugares de governação. O compromisso tem um prazo, é frágil. E não colhe a retórica balofa do “papão do comunismo” ou de algo que ficou por resolver a 25 de novembro de 75 (isto, cabe muito mais à tal esquerda traumatizada). Mas a verdade é que não é fácil esquecer George Orwell e o seu “Animal Farm”: «todos os animais são iguais mas há uns mais iguais do que outros».

Importa, apesar de tudo o que foi descrito, reconhecer outra realidade dos actuais factos políticos, a bem da verdade. Os formalismos políticos e constitucionais são, pelo respeito pela democracia e pela legitimidade, importantes e devem ser respeitados. Cavaco Silva não fez perder tempo ao país na indigitação de Passos Coelho como Primeiro-ministro. Este é o respeito constitucional que tantas vozes, ao longo destes quatro anos, reclamaram. O tempo perdido por Cavaco Silva foi a não leitura imediata dos resultados, as não audições imediatas aos partidos com assento parlamentar e, face ao que era mais que previsível, a não mediação de um compromisso Coligação-PS (fosse ele qual fosse). O decurso político destas três semanas tão afastado do papel do Presidente da República e do Palácio de Belém é da inteira responsabilidade de cavaco Silva. E mais grave essa (ir)responsabilidade se torna após o discurso de quinta-feira passada. Quando se esperaria que um Presidente da República fosse o garante da Constituição e do respeito pela Democracia, eis que surge, mais uma vez Cavaco Silva para estragar tudo... e estragar significativamente. Bastava ao actual Presidente da República a dignidade institucional e de sentido de Estado para apenas cumprir um (necessário e legítimo) formalismo constitucional. Mas não... Cavaco Silva tinha necessidade de ir mais longe, satisfazer o seu ego partidário, e transformar-se no que, na prática, sempre teve dificuldade em ser: político (em vez de tecnocrata). Tanto que o feitiço virou-se contra o feiticeiro e indigitando Passos Coelho assinou também a sua demissão. O discurso de Cavaco Silva é uma enorme machadada no respeito pela democracia e no que foi, legitimamente, o sentido crítico de muitas vozes em relação ao compromisso à esquerda. Qualquer democrata, qualquer defensor da liberdade e do pluralismo, e, por todo e qualquer acréscimo de valor, um Presidente da República, não tem qualquer legitimidade, direito institucional ou moral política, para menosprezar, ignorar, banalizar ou ostracizar/marginalizar, os votos, a representatividade (eleitoral e parlamentar) e a legitimidade democrática da existência política do Bloco de Esquerda ou do Partido Comunista Português. Muito menos, ou ainda, desrespeitar a própria Assembleia da República. A Cavaco Silva só faltou relembrar as palavras de Galvão de Melo (no período quente do PREC, em 75, numa convulsão social intensa), em Rio Maior: «os comunistas deviam ser empurrados até ao mar para aí morrerem de morte natural”. E com tudo isto apenas reforçou o que tanto se criticou: um acordo mais sólido à esquerda e o aumento da aversão da esquerda radical à actual coligação da direita.

Serão poucos, como dizia um socialista na noite eleitoral, são pouquinhos, os portugueses que agradecerão a Cavaco Silva os dez anos de exercício da mais alta magistratura do Estado Português. Ficarão na história, é certo… pela piores e mais tristes razões.

Que a memória não se apague

maria jose oliveira.jpgAs escolhas editoriais dos órgão de comunicação social (seja imprensa, rádio ou televisão) são da responsabilidade dos seus Conselhos de Redacção e/ou das suas Direcções. São opções próprias, internas, passíveis de crítica ou de anuência, mas comportam uma inquestionável dose de responsabilidade.

O que não podem é servir como forma de apagar a memória e a história.

Na edição de hoje do jornal Público há um artigo de opinião assinado por Miguel Relvas, por sinal novo cronista daquele diário. A responsabilidade editorial é, obviamente do jornal Público.

A minha responsabilidade moral é a defesa da ética e do profissionalismo dos jornalistas.

Para que a memória não se apague, nem a história seja rescrita.

Decorria o ano de 2012, o mês de maio, Miguel Relvas era Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares do anterior governo PSD-CDS.

Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares é acusado pelo Conselho de Redação do jornal "Público" de ter ameaçado a jornalista Maria José Oliveira, de quem "divulgaria, na Internet, dados da vida privada", caso uma notícia fosse publicada.

Critérios...

A democracia de Cavaco Silva à moda de Rio Maior

Cavaco Silva e Passos Coelho.jpgJá o afirmei por diversas vezes que a legitimidade da indigitação de Passos Coelho como Primeiro-ministro seria um acto da maior elevação constitucional e democrática.

Já o afirmei por diversas vezes que a legitimidade da indigitação de António Costa para Primeiro-ministro não era uma questão de inconstitucionalidade mas sim de uma questão de legitimidade política. E muitas das críticas ao acordo PS-BE-PCP residiram nesta vertente: o respeito pela democracia e pela legitimidade individual do voto dos portugueses.

Quando se esperaria que um Presidente da República fosse o garante da Constituição e do respeito pela Democracia, eis que surge, mais uma vez (e no fim de mandato) Cavaco Silva para estragar tudo... e estragar significativamente (para usar expressão light). Bastava ao actual Presidente da República a dignidade institucional e de sentido de Estado para apenas cumprir um (necessário e legítimo) formalismo constitucional.

Mas não... Cavaco Silva tinha necessidade de ir mais longe, satisfazer um ego partidário, e transformar-se no que, na prática, sempre teve dificuldade em ser: político. Tanto que o feitiço virou-se contra o feiticeiro e indigitando Passos Coelho assinou também a sua demissão.

A novela segue dentro de momentos e pode ser completada pela leitura integral na edição do próximo domingo, no Diário de Aveiro.

Para que servem os "Dias de..."

dia nacional da paralisia cerebral.jpgQuando um determinado dia assinala uma ou mais efemérides e causas (sejam elas sociais, humanitárias, científicas, políticas, etc.) questionamo-nos muitas vezes do valor das iniciativas e dos chamados "dias de...". Algumas vezes com alguma razão porque também não deixa de ser um facto que o calendário dos "dias de..." foi, em certa medida, banalizado e desvalorizado.

E a questão mantém-se: para que servem os "dias de..."? A resposta, dentro de algumas complexidade argumentativas, é bastante simples: para que a memória não se apague; para que não caia no esquecimento.

Ontem (sim... foi ontem, as minhas desculpas pela indisponibilidade) foi dia de assinalar o Dia Nacional da Paralisia Cerebral.

Assumo e penitencio-me pela incapacidade pessoal de promover uma especial atenção à realidade de quem tem, no seu dia-a-dia, que viver, aprender a viver e lutar com a doença e enfrentá-la nos vários (imensos) obstáculos com que se depara.

fatima e livro Por acaso.jpgApesar disso, ontem vieram-me à memória os acontecimentos de há um ano, por força da lembrança da Fátima Araújo e do seu contributo para a causa com o trabalho jornalístico depois vertido no livro "Por acaso...".

Lembro-me, como se fosse ontem, de tudo isto e do impacto que teve (e teve) na consciencialização pessoal e pública para uma realidade (obviamente, entre tantas outras) tão obscura na nossa sociedade.

"Por acaso..." da Fátima Araújo. (ou nada é por acaso)
Livro da jornalista Fátima Araújo, "Por acaso..."
Por acaso… estive lá.
Era bom nunca perder a memória...

Obrigado à Associação do Porto de Paralisia Cerebral.
Obrigado à IMOA Clothing for all
Obrigado ao bailarino Rui Reisinho, à socióloga Ana Catarina Correia, aos informáticos José Pedro Gomes e José Rui Silva, e à professora Maria de Fátima Ferreira, por terem lutado, terem dado a volta e terem dado voz à Paralisia Cerebral.

Obviamente.... um enorme beijo e um colossal obrigado à Fátima Araújo pelo trabalho jornalístico, pelo livro "Por acaso..." e pelo empenho demonstrado à causa.

A legitimidade da derrota

eu_DA_debaixo-dos-arcos.jpgpublicado na edição de hoje, 18 de outubro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
A legitimidade da derrota

Do ponto de vista da legalidade constitucional é tão legítimo um governo que surja da coligação PSD-CDS (que ganhou as eleições legislativas, foi quem obteve o maior número de representação parlamentar) como um outro governo de “aliança parlamentar” entre PS, PCP e BE. Estes são os factos legais e legítimos: PSD-CDS ganharam e devem formar governo; não recebendo o aval da Assembleia da República e, impedido que está de dissolver o parlamento e marcar novas eleições, restará a Cavaco Silva convidar o PS a formar governo. Mas o que se passa, neste momento, em Portugal não é uma questão de legalidade ou de constitucionalidade. O que está em causa a legitimidade política. Ao fim de 40 anos da democracia (e 41 da liberdade) descobriu-se agora que as legislativas têm como objectivo a eleição da representatividade no parlamento e não a formação do governo… mesmo que os portugueses continuem a votar em função do candidato (ou partido que o representa) que se apresenta como primeiro-ministro, que votem em função do partido e não das listas de cada círculo eleitoral ou ainda que não tenha havido, até à data, qualquer coragem política por parte dos “arautos” da representatividade legislativa para alterar a lei eleitoral e permitir, por exemplo, os círculos uninominais. Mas interessa agora, 40 anos depois e face à conjuntura, a reversão da cultura política, democrática e eleitoral dos portugueses. É também verdade que a política portuguesa foi, nestes 40 anos, uma verdadeira brincadeira, um faz-de-conta infantil, porque em 2015 apaga-se toda a memória política, toda a legitimidade política que sustentou os vários governos minoritários (apesar da representatividade parlamentar, importa lembrar também): PS (o último no segundo mandato de José Sócrates), PSD-CDS, PS-PSD, PS-CDS, PS-“Queijo Limiano”. Nada disto existiu, foi puro conto de fadas. Mesmo que a tradição possa deixar de ser o que era, que o decurso da história mude a legitimidade política, há três coisas que não mudaram: primeiro, os princípios programáticos e ideológicos do BE e PCP, que só se aproximaram do PS, não para serem solução, mas apenas para, a todo o custo (como afirmou Jerónimo de Sousa), impedirem a legitimidade democrática de um governo PSD-CDS, como se BE e PCP alterassem os seus ADN’s políticos, os acontecimentos de 2011 e a recente campanha eleitoral; segundo, a ilegítima apropriação da democracia por parte da esquerda mais extremista, como se fossem eles os tutelares dos valores democrático; e terceiro, a ilegítima (e imoral) apropriação do valor e do sentido de cada voto dos portugueses. E é aqui que reside a maior responsabilidade do PS. O desrespeito por quem votou PS com a esperança da vitória eleitoral e como potencial governo, e não para combater a legitimidade democrática de quem ganhou ou com jogos de bastidores para, a todo o custo, ser poder (como se ao BE e ao PCP interessasse o sentido de Estado mais do que a defesa ideológica e interesse partidário). Mais ainda… o desrespeito pelo valor social-democrata, no sentido lato do termo, que está no ADN socialista e que esteve no sentido de voto no PS de muitos sociais-democratas, descontentes com o recente percurso político-partidário do actual PSD. Tal como muitos socialistas, também muitos portugueses se sentem defraudados. Como disse a socialista Ana Gomes na noite eleitoral, “chocados” porque este PS está a ficar “muito pouquinho” socialista. O maior respeito pelo ADN socialista, pelos seus votos e pela dignidade da derrota, era o verdadeiro sentido de Estado, assumir veementemente a sua condição de liderança da oposição, e posicionar-se em função da defesa dos seus princípios programáticos e valores. Mesmo que, conjunturalmente, isso significasse umas vezes dizer sim, outras não, ou ainda abster-se.

A ler os outros... e a não apagar a memória.

Não tenho nenhum receio do papão governo de esquerda e, felizmente e bem, deixei tudo perfeitamente resolvido com a democracia a 25 de novembro de 75. Não vou por aí.

Entendo que existe toda a legitimidade constitucional para a existência de um governo da coligação PSD-CDS ou de um governo de esquerda.

Tal como afirmo no artigo que virá a público amanhã, 18 de outubro, no Diário de Aveiro, o país vive em suspenso não por uma questão de legalidade constitucional mas por uma questão de legitimidade democrática e política. O que é bem diferente.

Nuno Saraiva - DN.jpgA propósito, o Diário de Notícias traz na sua edição de hoje um excelente artigo do seu subdirector Nuno Saraiva, sob o título "A importância dos formalismos".

E tal como aos formalismos diz respeito é também muito importante que a memória política não se apague, nomeadamente em tempos tão polémicos e controversos.

Pouco menos de um mês antes do dia das eleições legislativas, António Costa procurava conquistar leitorado na ala social-democrata (no sentido lato do termo) descontente com o rumo do actual PSD e com a notória negação (e mau uso) por parte de Passos Coelho do ADN social-democrata do partido. Mesmo que para tal a rama discursiva e política tenha sido o "mau exemplo" de Manuela Ferreira Leite, sabendo-se que a aversão a Pedro Passos Coelho é mais uma questão pessoal e individual do que político-partidária. Mas mesmo assim, António Costa afirmava, em plena campanha eleitoral, por exemplo: "Há identidade entre mim e Manuela Ferreira Leite" (entrevista ao jornal Sol); "Costa não afasta Manuela Ferreira Leite de um Governo PS" (jornal Público). Isto foi bandeira eleitoral em muito spin socialista. Curiosamente nem uma única reacção, volvidos apenas dois meses, sobre o eco que a imprensa dá à afirmação de Manuela Ferreira Leite na TVI24: "O que António Costa está a fazer é um verdadeiro golpe de Estado" (jornal Expresso, como serão também exemplo o jornal Solo Observador ou o jornal I).

Em lume brando para domingo

passos e costa.JPGEnquanto "cozinha em lume brando" o artigo para a edição de domingo do Diário de Aveiro sobre a "agenda" actual da política portuguesa (a governabilidade da nação) ficam duas notas motivadas pelos acontecimentos e pela forma como a realidade se vai transfigurando meteoricamente.

Da Constituição da República Portuguesa (revisão de 2005)

CAPÍTULO II  - Competência (Presidente da República)
Artigo 133.º - (Competência quanto a outros órgãos)
Compete ao Presidente da República, relativamente a outros órgãos:
(...)
f) Nomear o Primeiro-Ministro, nos termos do n.º 1 do artigo 187.º;

CAPÍTULO II - Formação e responsabilidade (do Governo)
Artigo 187.º - (Formação)
1. O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais.
2. Os restantes membros do Governo são nomeados pelo Presidente da República, sob proposta do Primeiro-Ministro.

Artigo 195.º - (Demissão do Governo)
1. Implicam a demissão do Governo:
(...)
d) A rejeição do programa do Governo;
e) A não aprovação de uma moção de confiança;
f) A aprovação de uma moção de censura por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.

Últimos acontecimentos

Passos quer "ponto final": o país não pode ficar "refém de um jogo político-partidário" (fonte: Rádio renascença)

Passos Coelho perdeu a paciência. Não quer voltar a falar com o PS "para fazer de conta" (fonte: Diário de Notícias)

A propósito da "ponte"

meditar.jpgNo seguimento do artigo publicado na edição de hoje, 11 de outubro, do Diário de Aveiro - "No meio da ponte" importa reforçar os contextos nele relatados. Ou, pelo menos, alguns deles.

O desrespeito pelo voto de quem, livre e democraticamente, votou PCP é significativo. Transformar o voto expresso no programa, ideologia ou princípios programáticos do PCP, num voto"útil", de protesto, de combate a uma eventual maioria de direita, é não ter respeito nenhum pelo seu eleitorado e pelo próprio partido. Quem verdadeiramente impediu a maioria da coligação foi a abstenção (mais de 43% dos eleitores). E não deixa de ser curiosa esta mudança do PCP quer no seu discurso, na sua acção, na sua estratégia política, só para, a todo o custo, tentar evitar o nque, democraticamente, os portugueses escolheram. Imagine-se ao ponto de, agora, já terem de novo sentido de Estado: "PCP quer voltar ao Conselho de Estado" (fonte: jornal Expresso).

Para além disto, a vida do PS e de António Costa continua a não estar fácil. E não vale a pena o exercício de alguns socialistas de quererem desviar o foco da atenção para um hipotético nervosismo à direita, um eventual medo do PCP ou do BE serem governo. É falsear a questão. O problema está mesmo do lado do PS e de António Costa. Apesar de ter perdido as eleições (a coligação venceu 13 dos 20 círculos eleitorais), para alguns socialistas até foi um "choque", outros há que não conseguem digerir os resultados de 4 de outubro passado, o PS é neste momento o centro político de todas as atenções. E passará pelos socialistas o futuro do país: seja com compromissos formais à direita, seja assumindo-se como o principal partido da oposição e tomando as decisões, contexto a contexto, individualmente, seja na tal hipotética e mitológica maioria à esquerda. Mas a verdade é que o nervosismo está no PS. E começa a ser notório e evidente.

Carlos Silva, Secretário-geral da UGT afirmou que PCP e Bloco não dão garantias de estabilidade para o futuro - "UGT não quer que PS faça acordo à esquerda" (fonte: RTP).

Já esta semana, Sousa Pinto apresentava a sua demissão da Comissão Política Nacional do PS. Agora é a vez da cabeça de lista do PS pelo círculo eleitoral de Coimbra de vir a público manifestar-se contra a "maioria de esquerda": «Helena Freitas, cabeça de lista do PS a Coimbra, considera que a maioria constituída por um Governo à esquerda "não é legítima" (...)» (fonte: Observador).

 

No meio da ponte

eu_DA_debaixo-dos-arcos.jpgpublicado na edição de hoje, 11 de outubro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
No meio da ponte

Não será fácil o processo de tentativa de assegurar estabilidade política e governativa em Portugal nos próximos tempos. Não será fácil e terá impactos político-partidários.

PSD-CDS apresentaram-se ao eleitorado pré-coligados e ganharam as eleições, sem maioria absoluta, o que representa uma fragilidade política notória. Com a legitimidade da formação do governo (haja ou não fusão parlamentar, PSD garantiu a maior representatividade parlamentar) surge igualmente a debilidade e a instabilidade governativa: a aprovação do programa de Governo e do próximo Orçamento do Estado, para além do normal exercício legislativo e governativo que terá sempre inúmeros obstáculos na necessária aprovação pela Assembleia da República. Como ou sem acordo formal, com mais ou menos “arco da governação”, PSD e CDS dependerão sempre de uma terceira força política.

Bloco de Esquerda e CDU (PCP e Verdes), que, tantas vezes, se autointitulam “democráticos”, revelam a sua verdadeira natureza profundamente anti-democrática e com um elevado desrespeito e desvalorização do valor do voto. Não há, nem nunca houve, uma “maioria de esquerda” em Portugal. Isso é um verdadeiro “mito urbano” político. Seja pela história, seja pelo actual momento, do qual a campanha eleitoral foi disso reflexo, são muito mais as divergências do que as convergências “à esquerda”. Os exemplos são imensos, bastando dois ou três mais evidentes: os posicionamentos em 2011 que levaram à queda do governo socialista (minoritário) de José Sócrates, a elevada fracturação partidária, as divergências programáticas apresentadas na campanha eleitoral, os ataques políticos ao Partido Socialista, as veementes críticas do BE, PCP, Verdes, Livre, etc., quando os socialistas apelaram ao voto útil e à “tal união” da esquerda. Apesar do aumento de deputados e do número de votos expressos, a verdade é que BE e PCP sentem-se como verdadeiros derrotados pela da coligação ter, de facto, ganho as eleições do dia 4 de outubro. E o exercício usado para sustentar essa derrota é, no mínimo, política e democraticamente condenável. Os portugueses que, legitimamente, democraticamente, livremente, votaram BE, PCP, PS, fizeram-no por acreditar nas suas propostas programáticas e nos seus projectos políticos e não como forma de penalizar ou “condenar” PSD e CDS (ou a “direita” como tanto gostam de afirmar). Esses, infelizmente, foram os mais representativos e reflectidos nos 43% de abstenções. Mas, felizmente, esses, ao contrário do que os próprios pensam, não têm nem representatividade parlamentar, nem podem formar governo, por mais que os inúmeros abstencionistas, eleição após eleição, não tenham percebido isso (alguns, porventura, ter-se-ão já arrependido). A tão criticada sede do “pote do poder” de 2011, por parte de PSD e CDS, tem agora novo rosto. A isto chama-se incoerência e falta de credibilidade.

Resta, por fim, o PS. Não tendo ganho as eleições, sendo um dos grandes derrotados do último processo eleitoral, o Partido Socialista ganhou muita coisa. Primeiro, uma crise interna que terá de resolver e uma fragilidade de liderança que António Costa terá que menorizar. E como se uma dificuldade/crise não fosse suficiente, António Costa tem um paradoxo político para enfrentar: o de se ver como a solução para um problema, o da balança da estabilidade política (esteja ela onde estiver: à direita ou à esquerda). E por mais peso e relevância políticos que tal signifique traz mais impactos negativos do que se possa pensar. Não será fácil a decisão e opção do PS e de António Costa. Pressionado à esquerda por quem tenta na “secretaria” o que não conseguiu nas urnas, não será fácil esconder o enorme fosso programático que separa PS e BE+PCP: relação com a Europa, reestruturação da dívida pública, privatizações, segurança social, concertação social, redução da despesa, aumentos salariais, contribuições e carga fiscal individual e colectiva, entre outros. Basta reler os programas para ver as diferenças acentuadas. Mais do que entre PS e coligação (tal como acusaram BE e PCP durante a campanha eleitoral). Se o PS assumir um apoio formal à coligação ver-se-á inundado de críticas pela sua fragilidade política. Restará o compromisso que possa promover no seio da Assembleia da República e esperar por novo desgaste do governo PSD-CDS.

Até lá terá folga e manobra suficientes, com mais ou menos bluff negocial (as reuniões com PCP e BE serão menos conclusivas do que se quer fazer crer): Orçamento do estado para 2016, Presidenciais e Congresso. Em setembro ou outubro de 2016 logo se verá.

irrar nem sempre é úmano...

jose rodrigues dos santos e o caso quintanilha.jpgNão nutro qualquer empatia por José Rodrigues dos Santos, nem como escritor e muito menos como profissional da comunicação social. Não lhe reconheço talento, nem profissionalismo. Apenas o mediatismo, tantas vezes fútil, que a própria televisão cultiva também no campo da informação. O que não me impediu por uma ou outra vez de lhe reconhecer algum mérito (lembro-me, por exemplo, da polémica com o espaço de comentário de José Sócrates).

Não é agora o caso.

Já não é a primeira vez, e muito dificilmente será a última, que José Rodrigues dos Santos, tem a veleidade de se achar "engraçadinho" frente aos écrans de televisão (nem sei se o caso dos sem-abrigo na Grécia terá sido o mais recente).

Surge agora a polémica com o "erro homofóbico" do pivot da RTP ao referir-se ao Prof. Alexandre Quintanilha como "o" ou "a" deputado eleito mais velho para a próxima legislatura. E pior do que a forma como o jornalista apresentou a peça no telejornal de quinta-feira, foram as desculpas e as justificações mais que esfarrapadas e inconsistentes.

Seria, por si só, extremamente grave a postura de José Rodrigues dos Santos na referência feita ao deputado eleito pelo partido socialista. Mas há mais...

A atitude condenável de José Rodrigues dos Santos tem outros impactos. À custa de um mediatismo e vedetismo dispensáveis e dúbios, a atitude do jornalismo denegriu a profissão, a ética profissional, e colocou em causa o esforço e a dedicação de tantos profissionais que dão tanto à causa (jornalismo) e à casa (RTP). Uns com mérito reconhecido publicamente, outros, infelizmente muitos, sem que o seu trabalho seja devida e merecidamente confirmado.

Infelizmente há quem se brilho e sem brio, brilhe à custa do brio dos outros.

No fio da navalha

no fio da navalha.jpgHá algumas vozes socialistas que tentam desviar o foco das atenções para um eventual e hipotético nervosismo à "direita" (leia-se Coligação) perante o bluf das negociações do PS à esquerda (BE e PCP).

A verdade é que face ao resultado eleitoral e ao quadro parlamentar o PS foi colocado entre a espada e a parede e perante um enorme desafio e compromisso de Estado. Ou assume compromissos com a Coligação vencedora das eleições (mesmo que não integre o futuro governo e não tenha que votar a a favor do programa ou orçamento) ou rompe com o seu posicionamento de centro-esquerda e assume uma coligação radical e extremista à esquerda, menorizando o sentido do voto e os resultados eleitorais. Isto sem esquecer que seria bom o PS recordar a sua própria história, por exemplo, a de Novembro de 75.

E os impactos de tanto zig-zag estão a começar a surgir.

Sérgio Sousa Pinto demitiu-se do Secretariado Nacional do PS

Será que o arco da governação já não é o que era?

Vítor Ramalho defende referendo se PS quiser coligação de Governo

Amanhã mais desenvolvimentos no Diário de Aveiro.

Começa agora a pré-campanha

eu_DA_debaixo-dos-arcos.jpgpublicado na edição de hoje, 7 de outubro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Começa agora a pré-campanha

As eleições do passado domingo deram claros resultados mas também inequívocos sinais. E o mais relevante é a ingovernabilidade do país a médio prazo. No curto prazo, face ao calendário das eleições presidenciais e ao aproveitamento de alguma instabilidade interna do PS, PSD-CDS conseguirão alguma margem de manobra e algum compromisso, nem que seja por força de uma “abstenção violenta” socialista. No prazo de um ano ou ano e meio, estaremos mergulhados em novo processo eleitoral.

Quanto aos resultados eleitorais (quando falta saber quais são os quatro deputados eleitos pelo círculo internacional) são simples as notas, apesar de diversificadas.

Desilusão no Livre/Tempo de Avançar, face à expectativa das primeiras projecções, perante a não concretização da eleição de Rui Tavares. Decepcionantes os resultados de Marinho e Pinto (PDN) e Garcia Pereira (MRPP). Maior surpresa, a maior de todas, para a eleição de um deputado pelo partido PAN (resta a dúvida se tal não aconteceu por confusão entre PàF e PAN).

Bloco de Esquerda e CDU aumentam o número de deputados com uma nota de relevo para o maior resultado até hoje alcançado pelo BE que é, face aos resultados (10,22% e 19 deputados), a terceira maior força parlamentar. Nota negativa é o extremismo e o radicalismo das posições assumidas, desvirtuando a democraticidade do voto, seja no voto que foi expresso na coligação, seja no voto expresso no Bloco. A desvalorização de quem votou no Bloco por entender que era uma alternativa capaz, por acreditar nas suas propostas programáticas, e não apenas por penalizar a “direita”, foi mais que notório no discurso de Catarina Martins. Foi este discurso que levou o BE a um estado quase que “em coma” em 2011 e que não faz qualquer sentido, após a notória recuperação do fôlego, nesta altura. Além disso, assumir, em pleno escrutínio dos resultados, a inviabilização de um Governo revela, no mínimo, um défice de sentido democrático. O partido/coligação com mais votos tem toda a legitimidade democrática e constitucional para formar governo. Se, durante a legislatura, as suas políticas são ou não validadas é outro exercício, também ele, democrático. Esperava-se mais, ou diferente, na noite eleitoral de quem foi uma relevante surpresa durante toda a campanha.

O PS (e António Costa), independentemente de ter, de facto, conseguido aumentar o número de votos e de deputados face a 2011, é um dos derrotados da noite. Face ao que foi o discurso da campanha, às expectativas que foram sido criadas, não vencer as eleições, ter menos 19 deputados que o vencedor, não ter sido capaz de ser a escolha alternativa dos portugueses, é uma derrota que a não conquista da maioria pela coligação PSD-CDS não disfarçará. E António Costa tem outros dois problemas, consequência dessa derrota. A disputa e a crítica internas a que estará sujeito e a pressão parlamentar que será constante, forçado à sua esquerda (a maioria de esquerda tão badalada nestes 40 anos de democracia sempre foi um mito, desde as famosas divergências entre o PS de Soares e o PCP de Cunhal) e forçado ao compromisso político à direita com o Governo e a coligação.

A história da política democrática destes últimos 41 anos mostra-nos que só houve duas maiorias absolutas parlamentares consistentes (Cavaco Silva - PSD e José Sócrates – PS), que todas as minorias formaram governos (ao contrário da falta de democracia do BE e PCP), que nenhum governo minoritário terminou a sua legislatura à excepção da governação de Guterres à custa do “queijo Limiano”. O grande desafio que se coloca a Passos Coelho é ter a capacidade política para aproveitar a fragilidade interna do PS e conseguir alguns compromissos que projectem no tempo a governabilidade. Ou a capacidade eleitoral para recolher eventuais proveitos e impactos negativos na opinião pública que uma moção de rejeição e consequente demissão governativa possa gerar. Este é, pela conjuntura política, um Governo a prazo… por um ou dois anos, logo se saberá. A menos que haja um enorme sentido de Estado e cultura democrática que promova um compromisso entre Governo e PS. Eu, não acredito.

Por último, a nódoa. A vergonha eleitoral de uma abstenção das mais elevadas, em legislativas, com um valor histórico de 43,07% de eleitores que não exerceram o seu direito e dever cívicos. Este tão elevado número de abstencionistas, de quem preferiu alhear-se da sua responsabilidade enquanto cidadão, principalmente num momento tão importante para o país, penalizou, obviamente, os dois principais partidos PSD-CDS e PS.

Resultados martelados

A preparar a análise mais aprofundada dos resultados eleitorais de ontem domingo, dia 4 de outubro, para edição do Diário de Aveiro.

Para já... FACTOS (faltam atribuir 4 deputados para o círculo eleitoral do estrangeiro).

1. A coligação PSD-CDS ganhou as eleições. Perdeu 25 deputados (de 129 para 104) e obteve menos 166976 votos, em relação a 2011. A coligação foi a primeira escolha dos portugueses que exerceram o seu direito de voto, com 36,83% das preferências.

2. O PS não conseguiu o seu objectivo: ganhar as eleições e ser Governo. Cerca de menos 4% dos eleitores colocaram o PS como a segunda força política (32,38% das opções de voto). Algo que vai alimentando o ego e a liderança de António Costa: mais 12 deputados que em 2011 (85 - 73) e mais 182050 votos conquistados. Mas os próximos meses trarão outras realidades políticas bem complexas e que extravasam o mero registo estatístico.

3. O Bloco de Esquerda foi quem mais festejou, mesmo sem ganhar (e não ganharam mesmo porque essa ideia da maioria de esquerda é um mito que os 40 anos de democracia já o provaram por inúmeras vezes - a mais recente, em 2011 na moção de censura ao governo de Sócrates). Mas a verdade é que para um partido que há quatro anos tinha entrado em "coma", para o qual já se vaticinava o seu desaparecimento (as eleições europeias em nada ajudaram, muito menos as autárquicas), ter um acréscimo de 11 deputados (19 deputados eleitos), ser a escolha de 10,22% dos votantes (549153), passar à frente da CDU e ser a terceira força política parlamentar, não pode ser menosprezado. E tem um rosto: Catarina Martins. Para comparação: (2011) 8 deputados e 5,19% dos votos (288206), ao que se acrescentava uma forte crise interna.

4. A CDU mantendo sensivelmente o se eleitorado e a sua expressão política tem o sabor amargo de se ver ultrapassada pelo Bloco de Esquerda, com quem partilhará, em teoria, muito do eleitorado nacional. Apesar disso conquistou um deputado (16 para 17), aumentou ligeiramente a sua percentagem de votos e o número de votos expressos: 8,27% (444319), em 2015, sendo que em 2011 os valores eram de 7,94% (440922). Líder em "martelar" resultados, é sabido que a CDU não perde eleições há 40 anos.

5. Surpresa eleitoral. Surpresa mesmo. O PAN (o partido Pessoas-Animais-Natureza) obteve o seu primeiro deputado eleito em toda a sua história. Mais ainda... teve cerca de 20 mil votos a mais que em 2011. Não desvalorizando, nem retirando o mérito ao trabalho eleitoral do partido e dos seus dirigentes, resta, no entanto, a dúvida se o acréscimo e o deputado eleito não possa ser resultado de alguma confusão entre a sigla PAN e PàF, na altura de alguns portugueses votarem. O que a acontecer não tem expressão nos resultados finais globais da coligação PSD-CDS.

6. A nódoa. A vergonha eleitoral de uma abstenção das mais elevadas, em legislativas, com um valor histórico de 43,07% de eleitores que não votaram (apesar de considerar excessivo o número de eleitores recenseados, 9 milhões 439 mil e 651 eleitores, pressupondo uma significativa não actualização dos cadernos eleitorais). Este tão elevado número de abstencionistas, de quem preferiu alhear-se da sua responsabilidade enquanto cidadão, penalizou, obviamente, os dois principais partidos PSD-CDS e PS.

Última nota: por mais que BE e PCP queiram desvirtuar os resultados, queiram menosprezar o sentido democrático do voto e desrespeitar a livre opção dos portugueses, à coligação PSD-CDS, por força da escolha dos portugueses, da constituição e da tradição democrática, caberá formar governo e governar. Até quando? Tudo é incerto. Face às ambiências partidárias actuais é bem provável que dentro de um ano possa haver novas eleições.

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Um direito e um dever... a cumprir.

legislativas_2015.gifDomingo, 4 de outubro, os portugueses são chamados a escolherem os 230 deputados que terão assento na Assembleia da República, "palco" máximo da democracia.

A revolução francesa abria as portas à participação dos cidadãos (mesmo que ainda condicionada a estatutos e classes) nos destinos do Estado. Mais de um século foi o tempo necessário para que, mesmo que condicionalmente, as mulheres conquistassem o direito ao voto, não sem antes muitas terem sido presas, espancadas, violentadas, mortas. O primeiro país a garantir o voto feminino foi a Nova Zelândia, em 1893 (Estados Unidos em 1920. Portugal em 1931 e plenamente após 1974). Em Portugal durante 48 anos (1926 a 1974) o acto de votar (o direito ao voto), para além da ausência da universalidade, era tudo menos livre, transparente ou democrático.

Com a conquista da liberdade em Abril de 74 e a assunção da democracia em Novembro de 75, o acto de votar assumiu a sua plena condição de direito (livre e democrático) e de dever cívico.

A liberdade e a democracia que tanto custaram a reconquistar não pode, nem deve, ser menosprezada, desvalorizada, bem como o dever dos portugueses de assumirem as suas responsabilidades de cidadania.

A abstenção não é uma arma de protesto ou contestação... é a negação do direito e do dever, é a transferência da responsabilidade para os outros. Votar é ter voz, é ter direito a escolher e a participar; é, inclusivamente, o direito a protestar.

Por isso... domingo, seja qual for a sua opção, consciente e livre, VOTE.