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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Oh Boaaaa…

Piropos.jpgpublicado na edição de hoje, 30 de dezembro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Oh Boaaaa…

A Assembleia da República aprovou uma alteração legislativa ao Código Penal que introduz o assédio sexual na moldura penal como crime, acrescentando ao comportamento indesejado de natureza sexual não-verbal ou físico a forma verbal. Neste sentido, o artigo 170º do Código Penal incorpora a “importunação sexual verbal”, vulgos piropos na gíria portuguesa, como crime punível até três anos de prisão, dando expressão jurídica a parte da Convenção de Istambul de 2011 que prevê um conjunto de propostas de combate à violência contra as mulheres e a violência doméstica. A proposta surge pela mão do PSD com clara e abrangente concordância dos diversos grupos parlamentares.

Numa primeira reacção a aprovação da alteração ao Código Penal poderá afigurar-se como não prioritária, como secundária, face a outros tantos problemas e assuntos que assolam a conjuntura política e social do momento. Isto se quisermos esquecer que esta aprovação recente da Assembleia da República é o reflexo duma iniciativa legislativa do BE apresentada em Agosto e que caiu na especialidade. Mas bastou, na segunda-feira, percorrer as redes sociais para percebermos, claramente, a pertinência da alteração penal aprovada. Vou me escusar dos pormenores legislativos, realçando apenas o facto da alteração prever agravamento (a pena de três anos) quando em causa estiverem menores de 14 anos. E isto não é um pormenor. Nem sequer fará sentido estar aqui a discutir provas, decisões dos tribunais, etc. O que importa focar é que, infelizmente, o país que adjectivamos como “paraíso político e social”, um país sem grande conflitualidade social e com manifesta segurança nas ruas, um país pobre mas alegrete, permanece, em pleno séc. XXI, no mais retrógrado desenvolvimento social, civilizacional e cultural. Infelizmente, para se mudar mentalidades, tristes e condenáveis mentalidades, é necessário o recurso à imposição legislativa, à penalização e à criminalização. Só assim é que, a muito custo, aprendemos e mudamos. Mesmo que, perante a reacção generalizada, esta mudança vá levar muito e demasiado tempo. Só um triste e deplorável machismo cultural e identitário e enraizado, ainda e muito, na sociedade portuguesa (por mais incrível que pareça, também nos mais jovens ou mais novos) trariam uma reacção pública a esta medida legislativa como a que se assistiu no início desta semana. Confundir as mais abjectas “declarações” que são demasiado conhecidos no vocábulo corrente (só a título de exemplo usando os mais banais e softs «comia-te toda», «Oh borracho, queres por cima ou queres por baixo?») com galanteio ou elogio é o mesmo que confundir uma livre relação sexual com violação. Porque é, apesar da forma verbal, uma violação da dignidade da mulher (seja criança, jovem ou adulta) que está em causa. Liberdade de expressão ou de opinião não tem qualquer correspondência em “liberdade” de agredir, assustar ou humilhar. Isto não existe.

E esta realidade, ao contrário do que muitos querem fazer crer, existe muito para além do preconceituoso universo da “construção civil” ou da errada noção que tudo não passa de conceitos feministas radicais e fundamentalistas. Existe nas relações laborais, existe na escola juntamente e a par com os condenáveis e crescentes processos de bullying ou de stalking, existe nos círculos sociais e existe no dia-a-dia em cada esquina. Existe numa triste cultura que cria a ilusão de uma sociedade justa, igualitária, inclusiva, não racista ou não xenófoba, mas que, na prática, está a “anos luz” de o ser.

Todos aqueles que acham que tudo não passa de um histerismo, dum totalitarismo que impede um simples olhar, um sorriso ou um “piscar de olho”, aqueles que confundem agressão, opressão, atentado à dignidade, com elogio ou galanteio, nunca trataram directamente com a realidade. Nunca deixaram de passar por determinados sítios por receio ou desassossego, nunca tiveram que mudar de passeio ou de rua, nunca se sentiram pressionados, vexados, humilhados e ofendidos, nunca se sentiram alvo da mais abjecta risota ou chacota, nunca foram, inclusive, alvo de assédio físico. Mais ainda… quase de certeza, nunca chegaram a casa e tiveram a infelicidade de lidar com uma criança, uma adolescente ou a mulher, tristes, deprimidas ou a chorar, por terem sido confrontados com a deplorável realidade.

Infelizmente, somos demasiado primitivos para que uma mudança cultural e social tenha de surgir com base num processo de criminalização e penalização.

Mas como resposta, finalize-se: esta alteração do Código Penal é… “boa comó milho”.

A irrevogável saída

Paulo Portas - sapo.jpgPaulo Portas anunciou ontem, após reunião da Comissão política, que não se recandidata à liderança do partido no próximo Congresso, agendado, ao que tudo aponta, para Abril de 2016.

A par disso anunciou igualmente a renúncia ao lugar de deputado na Assembleia da República para, segundo o próprio, dar toda a liberdade ao próximo líder (algo que não fez, nem se preocupou, aquando da curta liderança de Ribeiro e Castro).

Este anúncio não é, de todo, uma novidade e muito menos uma surpresa, embora haja algumas questões que importa focar.

Primeiro, saber se a decisão tem ou não ligação com as eleições e o actual momento político nacional. Tem, é óbvio que tem. E é lógico que assim seja, sem qualquer constrangimento. Paulo Portas está há 16 anos à frente do CDS-PP (sendo a liderança mais prolongada na história do partido), já passou por governos e oposições, mas os resultados de 4 de outubro, apesar da vitória, significaram uma aliança pré-eleitoral com o PSD (com todos os riscos políticos de uma "fusão" eleitoral), a redução do número de deputados, a redução do número de votos expressos. Acresce ainda os quatro anos de difícil governação e coabitação política com o PSD e Passos Coelho. É compreensível politicamente e perfeitamente democrático (honra seja feita) esta sua decisão, dando ainda tempo ao partido para fazer as suas "contas", as suas escolhas internas e arrumar a casa.

Segundo, esta decisão tem ainda outras importantes (se não, mais importantes) leituras, para além de uma natural, legítima e democrática alternância na liderança política de qualquer partido democrático.

1. A consciência de um possível cumprimento de toda a legislatura (quatro anos) de governação PS/António Costa, com mais ou menos acordo e compromisso à esquerda, o que descapitalizaria o seu "património" político.
2. O afastamento político já notado em relação ao PSD, como ficou provado na aprovação do Orçamento Rectificativo.
3. A noção de que o actual governo do PS gere o país sentado num verdadeiro barril de pólvora, sujeito a rebentar e a ter de abrir, novamente, as portas aos credores internacionais. Algo que será difícil gerir, pela segunda vez, apesar dos proveitos políticos que tal realidade traria ao PSD e ao CDS.
4. Perante o cenário provável da vitória presidencial de Marcelo rebelo de Sousa, Paulo Portas arrisca o seu futuro político numa eventual candidatura presidencial em 2021, mantendo-s fora das lides partidárias e parlamentares mas sempre por dentro da acção política.

Mas há ainda uma nota final neste processo. Olhando para o historial político de Paulo Portas tudo é "irrevogavelmente" revogável (desde os tempos do Independente e da sua actividade jornalística) resta mesmo saber se, às portas (ou dentro) do Congresso, Portas não repensará a sua posição, seja a pedido interno (o que só beneficiaria a sua condição de líder), seja por vontade própria. E não é de todo um pormenor descabido a realização do Congresso, segundo se consta, para a semana seguinte à do PSD, ficando Paulo Portas demasiado atento aos resultados e posições políticas do congresso social-democrata.

Uma quase certeza... a provável ocupação da cadeira de comentador da TVI deixada vaga por Marcelo Rebelo de Sousa.

Nota final pessoal... são algumas as figuras internas, são alguns os nomes que se apontam para a sucessão (por exemplo, Assunção Cristas e Nuno Melo). Se pudesse ou tivesse direito a posição, e se isso servisse de alguma coisa, a minha escolha recairia sobre o ex-Secretário de Estado do Turismo do XIX Governo Constitucional, Adolfo Mesquita Nunes. De caras... isso é que era.

CRP - Artigo 64º (pela saúde de todos)

hospital de S_Jose - Lisboa.jpgO nº 1, do artigo 64º, da Constituição da República Portuguesa (VII Revisão Constitucional - 2005) reza assim: "Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover."

Recentemente, a opinião pública foi confrontada com a tragédia (seja qual for a idade e as circunstâncias, a morte é sempre trágica) de uma morte de  um jovem de 29 anos ocorrida no Hospital de S.José, em Lisboa. Para evitar muito mais ruído do que aquele que a própria opinião pública já produziu perante o acontecimento fica o registo da carta escrita pela namorada do jovem falecido, publicada no jornal Expresso (versão online), e que aqui se dá nota para esclarecimento dos factos ocorridos.

À parte...

Julgo ser demasiado fácil e apelativo (do ponto de vista político) responsabilizar e chamar à causa o ex-ministro da Saúde, Paulo Macedo. Fácil porque são reconhecidas todas as polémicas da sua gestão, nomeadamente com a implementação de cortes orçamentais e estruturais no sector da saúde. Poderia e deveria ser um debate  e uma análise importante e urgente a fazer-se, não pelo momento, mas pela questão em si mesma. Por exemplo, se os cortes na saúde foram necessários; se os cortes tiveram impactos directos nas gestões hospitalares e, se sim, quais; se havia alternativas face à necessidade de redução de custos imposta pela austeridade; se a saúde deveria ter ficado de fora do processo de austeridade; que SNS queremos para Portugal; a relação entre a saúde pública e a privada (envolvendo, claramente, os seus profissionais); entre outras.

Mas a acusação política ao ex-Governo e ao ex-Governante é demasiado fácil porque redutora e parcial.

Há neste processo, como infelizmente em tantos outros que não são tornados públicos e nos quais os familiares nem se apercebem da realidade e dos acontecimentos, muitas outras questões.

Por imperativo ético e de respeito (pelos meus familiares e amigos da área da saúde... e são, felizmente, alguns) importa que não se veja a floresta apenas por uma árvore e não se meta tudo no mesmo saco (assim, curto e grosso). Há bons e maus médicos, há bons e maus professores, há bons e maus jornalistas, há bons e maus gestores, há bons e maus funcionários públicos, há bons e maus pescadores, há bons e maus calceteiros, há bons e maus sapateiros, há bons e maus... Não vale a pena generalizações ou, até mesmo, bafientas comparações. Não vale a pena.

O que vale a pena, principalmente quando está anunciado a abertura de um inquérito pelo Ministério Público, é dar resposta a um outro conjunto de questões e dúvidas que ultrapassam a vertente política.

Por exemplo, a eficácia da gestão do hospital, dos seus recurso financeiros e técnicos; estando, segundo se afigura, em causa a vida do jovem porque não foi transferido para outra unidade hospitalar com neurocirurgia; apesar de não haver equipa de neurocirurgia no fim-de-semana não haveria recurso à chamada extraordinária da equipa já que de uma urgência (em todo o seu sentido) se tratava; etc; etc.

Por último, é questionável e criticável o sentido de oportunidade da posição demissionária da ARS de Lisboa e da Administração do S. José. As eventuais faltas de meios e de recursos não são novidade no sector hospitalar. Foi preciso morrer um jovem para que houvesse uma tomada de posição pública? Porque não se evitou antecipando a posição? A convivência com a falta de meios e de recursos, com os cortes, foi demasiado prolongada para, de um dia para o outro, deixar de se ter alguma conivência.

É que agora, perante a triste e lamentável factualidade, esta posição demissionária afigura-se como uma tentativa de sacudir responsabilidades e de "lavar as mãos".

E este caso não parece ser apenas uma questão monetária e de austeridade.

Um Natal bem pobre

pobreza - eclesia.jpgpublicado na edição de hoje, 23 de dezembro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Um Natal bem pobre

Chegados a dezembro e ao período natalício, paralelamente à azáfama consumista do Natal, existe nesta época um significativo aumento de causas solidários e de apelos para o envolvimento dos cidadãos com as mesmas. Infelizmente, há, por inúmeras razões, um aproveitamento desonesto e imoral por parte de terceiros e de causas fictícias. Por outro lado, o chamado “espírito natalício” proporciona um significativo aumento das campanhas e das solicitações de apoios, em alguns casos com pouca eficácia já que o excesso provoca algum afastamento e repulsa e alguma banalização. Além disso, apesar da necessidade, é discutível e questionável o aproveitamento comercial de algumas marcas/empresas na promoção e realização de campanhas natalícias, sob a capa da “caridade” ou da solidariedade que mais não fazem do que disfarçar campanhas de marketing e aumento de vendas.

No entanto, numa amálgama de missões e objectivos nobres, solidariedade efectiva, interesses comerciais ou campanhas fraudulentas, há uma realidade factual: os portugueses estão mais pobres e há muitos que precisam, definitivamente, de ajuda.

A necessidade do cumprimento do Programa de Ajustamento, a implementação de medidas de austeridade, a dificuldade que o país foi sentindo na recuperação económica, a dificuldade em concretizar políticas sociais, trouxe fortes impactos para os cidadãos e as famílias. O país saiu do assistencialismo externo, de forma mais ou menos limpa (ainda há muito para explicar), há cerca de um ano. Mas ficaram muitas marcas destes últimos quatro anos… os portugueses ficaram mais pobres. A título de exemplo, não é por acaso que PSD e CDS apresentaram uma proposta de lei que criminalizasse o abandono dos idosos, dando a entender uma eventual percepção da realidade, embora a medida seja incoerente dado que, por exemplo, o crescente abandono de idosos nos hospitais resulta, obviamente, da incapacidade de subsistência das famílias e não por “capricho”. Mas esta é uma pequena (mesmo que grave) circunstância da realidade. Ela é muito mais profunda e grave.

Percorremos o ano de 2015 com cerca de 27% (mais de 1/4) da população portuguesa em risco de pobreza ou exclusão social, sendo que cerca de 11% dos portugueses se encontram em situação de privação material severa (dados provisórios do INE). Em suma, mais de 2,8 milhões de portugueses são atingidos pela pobreza. E nem mesmo a forte emigração dos últimos dois e três anos fez abrandar estes valores (apenas uma ligeira diminuição na ordem dos 10 mil cidadãos, entre 2013 e 2014). Nos últimos cinco anos, os dados provisórios do INE mostram que o risco de pobreza e de exclusão social, em Portugal, aumentou de 24,9% para 27,5% (mais 2,6%).

Num relatório divulgado pela OCDE, no final do primeiro semestre deste ano, referenciava Portugal como o nono país mais pobre e desigual entre os 34 que compõem a lista da OCDE. Em termos numéricos os 10% dos portugueses mais ricos concentravam em si 25,9% da riqueza nacional, enquanto os 10% mais pobres detinha apenas 2,6%.

Em Portugal, a desigualdade de rendimentos agravou-se, o risco de pobreza e de exclusão social aumentou (com incidência nas crianças, mulheres e idosos) mesmo em relação a cidadãos empregados, quem é pobre ficou mais longe de conseguir sair da pobreza. Acresce ainda um aumento no número de inscritos nos centros de emprego no mês passado (cerca de 65 mil).

É certo que muitas dúvidas assolam grande parte dos portugueses no que respeita às inúmeras, excessivas, campanhas solidárias e peditórios em cada esquina das cidades deste país. O excesso vem provocando incertezas quanto à nobreza das acções, bem como a banalização das mesmas.

Mas a realidade é também outra: este é um Natal bem pobre em Portugal e para 2,8 milhões de vizinhos de cada um de nós. Quem sabe… mesmo à nossa frente.

da irresponsabilidade (não só) política

varrer para debaixo do tapete.jpgA propósito, e ainda, do BANIF.

Premissa de esclarecimento em relação ao post anterior ("das incoerências políticas"). Importa referir, a propósito, que o que está em causa, na minha (óbvia modesta) análise não é o caso do BANIF em si, nem as suas consequências política e não só. Apenas referi que não me parecia visado o Governo vir agitar a bandeira dos custos para os contribuintes (algo aliás mais que sabido pela maioria dos portugueses, desde o caso BPN) quando há outras "bandeiras governativas", como o caso da reversão da venda da TAP, com (maiores ou menores, não colhe para o caso) custos também para os contribuintes. Apenas e tão somente isto.

Até porque, e agora regressando de novo ao caso BANIF, o PS e o Governo de António Costa têm argumentação e fundamentos de crítica política tão ou mais consistentes que os custos para os contribuintes.

É inegável a irresponsabilidade política e governativa do XIX e XX Governos PSD-CDS no adiamento e no encobrimento do caso BANIF, sabendo-se agora que a situação tem já cerca de um ano. Aliás, tudo isto não é mais do que o espelho de grande parte da governação anterior, espelho esse que, como já aqui referi, afastou, por culpa e responsabilidade programática próprias, o PSD de uma solução governativa ao centro. A governação do XIX Governo não foi direccionada ao país nem aos portugueses, tendo, por estes últimos, demonstrado uma significativa falta de respeito.

É indiscutível que tal gestão errónea (para ser brando) tem impactos significativos nas contas públicas, quando ainda nem saímos da crise BES.

E esta irresponsabilidade política, da qual não será de excluir outras responsabilidades, é tão mais grave (e disfarçadamente impossível de "varrer para debaixo do tapete") que noutras circunstâncias (por exemplo, caso BES) e perante outro cenário (manutenção do PSD-CDS no poder), a imagem do Governador do Banco de Portugal estaria, para o PSD, imaculada.

Agora, quando rebenta a bomba (e afinal a TVI não estaria assim tão longe da verdade jornalística, como foi acusada) e já não há a "almofada governativa" a responsabilidade é sempre de terceiros e teme-se, mais uma vez neste pobre país, que morra solteira. Pior ainda, para além do modesto ping-pong ou troca de "mimos" entre Maria Luís Albuquerque e o Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, Pedro Passo Coelho escondeu-se, não dá a cara, não apresenta uma única justificação.

Zangam-se as comadres, sabem-se as verdades. Razão tem (sempre) o povo (muitas vezes sem saber ler, nem escrever e, muito menos, de economia ou finanças).

Três mil milhões de euros de irresponsabilidade e gestão políticas e de dolo governativo é um valor demasiado elevado para um Portugal onde mais de 2,8 milhões de portugueses vão ter o Natal mais pobre dos últimos anos (ver Diário de Aveiro, edição de amanhã).

Mas como somos uma país de brandos costumes, há sempre lugar a uma medalha, condecoração ou estátua. Neste último caso que seja uma estátua à irresponsabilidade política. Ao menos isso... é o mínimo.

das incoerências políticas

banif.jpgÉ sempre evitável e lamentável quando, politicamente, se pretende atirar "pedras ao telhado do vizinho" esquecendo-nos que o nosso é de "vidro". E em política para além de lamentável é criticável.

Vem isto a propósito do caso e da venda do BANIF.

Já o afirmei em outras ocasiões e expressei recentemente aqui ("No mealheiro não se pode tocar") que tenho alguma dificuldade em aceitar (perceber, percebo) esta obsessão por "salvamentos à banca". Tomara o país que o Estado/Governos tivessem a mesma posição em relação ao tecido económico e produtivo quando uma empresa gere mal o seu negócio, há corrupção, gestão danosa e incumprimentos legais.

E importa afirmar expressamente que, perante o que tem sido a informação divulgada e circulada, o anterior-anterior Governo (o XIX Governo) tem claras culpas no cartório. Facto.

Além disso, nesta matéria de "salvamentos bancários" nem a realidade é justa e equitativa, basta recordar as posições perante o BPN, BES e agora BANIF e, por exemplo, BPP. E por mais retórica argumentativa que queiram produzir e promover a verdade, e essa tem sido a verdade dos factos e dos números, há sempre uma factura final para o contribuinte. Curiosamente, neste tipo de exercícios o Estado acaba não por salvar os bancos (esses quem salvam são os depositantes, obrigacionistas e os contribuintes) mas sim, sempre, os banqueiros.

Mas ainda a propósito do BANIF, do ponto de vista político, o PS volta, como no caso BPN, a atirar as pedras sem acautelar efeitos boomerang. Tal como no caso BPN os tiros direccionados ao PSD resultaram numa necessária operação de resgate/nacionalização que ainda hoje tem um peso significativo nas contas públicas. Tal como há uns anos, agora a história parece repetir-se.

Mas há ainda mais uma contradição/incoerência política na indignação socialista/governativa que, para o comum do cidadão "mais que mortal", é de difícil digestão. António Costa vem afirmar publicamente que "Esta venda tem um custo muito elevado para os contribuintes", custo que deverá rondar os cerca de 1,7 milhões de euros. Passar para opinião pública a responsabilidade de odiar e a condenar terceiros (ao caso, Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque) tem o seu reverso da medalha e, raramente, corre bem. Faz bem, António Costa, lembrar o que sempre foi dito em relação ao BPN, ao BES e afins. O problema é que António Costa e o Governo têm uma posição totalmente oposta e contraditória quando pretendem reverter o processo de venda da TAP (como se esta fizesse alguma falta ou diferença no universo público nacional) como se isso não trouxesse os mesmos (ou até mais) custos para os contribuintes e para as contas públicas.

Entretanto, afigura-se um período muito fértil de confronto polítco em sede de (mais uma) comissão parlamentar de inquérito.

A galardoada Europa, Nobel da Paz

Nobel da Paz Uniao Europeia.jpgpublicado na edição de hoje, 20 de dezembro, do Diário de Aveiro.

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A galardoada Europa, Nobel da Paz

As recentes eleições regionais em França, disputadas a duas voltas, deixaram marcas e instalaram algum pânico político e social, por mais que se queira valorizar os resultados finais com a vitória do partido republicano de Nicolas Sarkozy e da derrota de Marie Le Pen. Mas a verdade é que os resultados significativamente positivos da Frente Nacional na primeira volta obrigaram a direita e os socialistas a um jogo de rins político e a muita retórica para evitar o que seria o início do extremismo partidário e ideológico em França. No entanto, apesar de Marie Le Pen não ter ganho em nenhum dos círculos eleitorais, importa referir que a extrema-direita aumentou, neste processo eleitoral, o número de votos e de eleitos. Mas este avançar dos extremos partidários e ideológicos na Europa não é exclusivo da extrema-direita francesa. A realidade mais recente verificou-se na Grécia com uma inimaginável coligação entre esquerda radical e extrema-direita, bem como o crescente número de partidos radicais e eurocépticos que surgiram das últimas eleições europeias, criando obstáculos democráticos e promovendo radicalismo, nacionalismos ou fundamentalismos seccionistas. No entanto, este extremar ideológico não cria apenas um vazio programático no centro político, de que Portugal é recentemente exemplo e o qual a Espanha quer evitar com uma eventual aproximação entre PP e PSOE, mas projecta-se, muito para além da política, nas vivências sociais da Europa, de cada Estado-membro, das comunidades. Do ponto de vista político, a crise financeira global do pós-2008 projectou as primeiras posições extremistas e radicais, abalou a identidade europeia e os seus princípios fundadores, fez nascer os eurocépticos e as cisões. A trágica crise dos refugiados que tem batido às portas da Europa e que tem assolado a estabilidade internacional fez explodir, para além da vertente política, uma realidade ideológica e fundamentalista com claros impactos na sociedade. A Europa, abalada na sua estruturação, nas suas relações internas, nos impactos que crise provocou na solidariedade, na justiça e na equidade entre os Estados-membros, e a instabilidade e o impacto económico-social que a austeridade gerou nalgumas comunidades, não conseguiu, nem está a conseguir, lidar com esta tragédia humana, quer internamente, quer na solução ou resolução do problema na origem (ou origens), tendo nas mão umas das maiores tragédias do pós-Guerra, fazendo recordar o êxodo húngaro de 1956 ou o conflito na ex-Jugoslávia e nos Balcãs entre 1991-1999, por exemplo. Curiosamente perante uma Europa que ainda há bem pouquíssimo tempo (2012) foi galardoada com o Nobel da Paz.

A desorientação política da União Europeia, a falta de posições concertadas entre os Estados, o surgimento do radicalismo e do fundamentalismo, a queda dos valores da solidariedade e da tolerância, têm sido razões mais que suficientes para se justificar esta incapacidade de encontrar uma solução cabal e capaz. Por outro lado, tudo isto tem levado a posições surreais só justificáveis pela total ausência de estratégia social e política. A mais recente foi avançada ainda esta semana pela imprensa que dava nota que a Dinamarca se prepara para iniciar o novo ano de 2016 com a aprovação de uma lei que permite confiscar jóias e dinheiro (valor acima dos 300 euros) a quem solicitar asilo, nomeadamente aos refugiados.

É gritante esta incapacidade de distinguir um imigrante de um refugiado. É gritante e preocupante esta incapacidade para lidar com a tragédia, com quem simplesmente foge da morte, de quem é obrigado a desafiar a vida para se salvar da morte certa.

Para quem não sabe o que lhe reserva o dia de amanhã, quanto mais o futuro, para quem procura na Europa a salvação apesar das dificuldades económicas e sociais que a Europa vive (por exemplo, o desemprego), por que razão se há-de confiscar alguma esperança que ainda lhes resta?

Para nota final, a propósito da chegada dos primeiros refugiados a Portugal, algumas reportagens davam conta da preocupação de muitas famílias quanto ao futuro após os dez meses de apoio que lhes foi concedido, nomeadamente na mais que conhecida e sentida falta de emprego no nosso país. Confiscar alguma da hipotética capacidade de sobrevivência faz algum sentido? Confiscar o que é a propriedade e o sonho de qualquer cidadão é moralmente legítimo?

No entanto continuamos a viver numa Europa galardoada com a Paz.

No mealheiro não se pode tocar

mealheiro antigo - CGD.jpgMuitos de nós estarão recordados dos mealheiros de infância (muito antes destes Ágata Ruiz de la Prada), de mil e um feitios, para mil e um objectivos de poupança. A maior parte deles com chave ou sem abertura (apenas a ranhura para a introdução dos escudos - notas ou moedas) mas que, por força da tentação, facilmente se descobriam formas e trejeitos de sacar sempre uma ou outra moeda para gastos adicionais ou extraordinários.

No último roteiro presidencial, curiosamente por terras de Aveiro, Cavaco Silva tinha a sua última tirada "presidencialista": «É preciso medir bem as palavras quando se fala do sistema bancário».

Ora para um economista da escola/filosofia da Univ. Católica para quem, mesmo que contrariando as leis divinas e os evangelhos, a seguir a Deus vem o dinheiro, não há nada de extraordinário nas palavras de Cavaco Silva.

A menos que alguém se lembre de opor e recordar que, se calhar, o melhor era que o cuidado em relação ao sistema bancário fosse direccionado para a sua regulamentação e fiscalização, para o seu rigor e transparência, para a sua justiça e equidade.

Isso sim... seria um importante Cuidado, quando se fala do sistema bancário.

E se Aveiro for o centro da Europa?

Proas Moliceiros 2.JPGpublicado na edição de hoje, 16 de dezembro, do Diário de Aveiro.

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E se Aveiro for o centro da Europa?

E se Aveiro se tornasse Capital Europeia da Cultura? A perspectiva não foi colocada como interrogação mas foi avançada pelo presidente da autarquia aveirense numa das recentes sessões da Assembleia Municipal de Aveiro: Aveiro poderá avançar com uma candidatura a Capital europeia da Cultura, em 2027.

Coloquemos de parte, por mil e uma razões óbvias, a questão da data. Para muitos poderá parecer distante no tempo mas a verdade é que um conjunto de regras, calendários, a própria proposta de candidatura e a sua preparação (para além da necessária influente campanha de marketing promocional), não permitem, nem possibilitam, uma candidatura mais breve. Apesar dos doze anos de distância, a data não é tão ilusória como pode fazer crer; pouco mais de três exercícios legislativos e estamos lá.

Mais importante que a data é a relevância da iniciativa (pelo impacto que possa gerar na cidade e na região) e a conjugação de esforços e empenhos que pode gerar nas forças políticas, culturais e sociais de Aveiro. Algo que Aveiro há muito necessita: os aveirenses lado-a-lado, focados numa causa comum, identificados e preocupados com a sua cidade e o seu município, e uma cidade referenciada no mapa, obviamente, pelas melhores razões.

Mas numa iniciativa deste género e desta dimensão, com a forte concorrência interna de outras cidades, envolvendo recursos (de toda a natureza) nunca antes despendidos em Aveiro, levam à necessidade de termos os pés bem assentes na terra.

É que a realidade tem-nos mostrado a dificuldade que Aveiro tem sentido para se afirmar cultural e patrimonialmente, e a forma como, há alguns anos, deixou esvanecer a sua identidade. O património (material e imaterial) religioso continua “escondido”; o que foi a fundamentação social, económica e o desenvolvimento regional assente na cerâmica, na azulejaria e no sal, já há muito que desapareceu da memória aveirense; a arte urbana e o urbanismo restam nas referências bibliográficas; entre outros. Há pois um necessário e desgastante, embora igualmente gratificante e promissor, trabalho patrimonial e cultural a desenvolver que terá de ir mais longe do que os Ovos Moles, os moliceiros e os canais da Ria de Aveiro que são, neste momento, as principais referências identitárias da cidade (conforme o recente estudo divulgado à cerca de quatro ou cinco dias pelo curso de Marketing do ISCAA-UA que aponta a Ria, os moliceiros, os Ovos Moles e a própria Universidade de Aveiro como as principais marcas fortes do turismo aveirense).

Acresce ainda que, só por manifesta falta de bom senso ou perfeito desvario megalómano, é que alguém poderia supor ou imaginar todo este exercício sem o recurso a parceiros estratégicos da autarquia, como por exemplo a Universidade de Aveiro, o Turismo Centro Portugal e os agentes culturais da região. O que eleva esta questão para um outro patamar, esperando não parecer descabido ou ilusório.

Hoje é mais que evidente a eliminação das barreiras e dos limites geográficos, seja ao nível local, seja ao nível regional. São por demais claras as identidades que confinam a gentes e terras vizinhas, são óbvias as realidades sociais, económicas e culturais que se interligam e se sustentam reciprocamente. Só a título, meramente exemplificativo, podemos recordar a ligação de Aveiro às gentes das Gafanhas, da pesca e do mar, ou à importância que a azulejaria também tem em Ovar, tal como teve em Aveiro, já para não falar nas questões gastronómicas. A lista seria, obviamente, mais extensa.

Neste sentido, dentro de uma Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro, que tem procurado, a outros níveis, um conjunto de medidas e iniciativas comuns ou a perspectiva de relações mais estreitas entre os diversos municípios (veja-se o exemplo da energia ou da mobilidade, mais uma vez como exemplos) esta candidatura seria uma evidente aposta comum muito positiva, com impactos regionais muito fortes, que valorizaria, aos mais diversos níveis, a Região de Aveiro e a colocaria, com sucesso, no mapa cultural Europeu. E 2027 é já “manhã”…

Injusto... reconheça-se

Pacheco Pereira.jpgDeclaração de interesses: não gosto, nunca gostei, de Pacheco Pereira. Reconheço-lhe a capacidade e o património cultural, mas acho-o de um snobismo intelectual deprimente.

No entanto, querer reduzir a sua nomeação para o Conselho de Administração da Fundação Serralves ao facto de ter sido crítico em elação ao Governo de Passos Coelho ou à animosidade que corre no seio do PSD, levando a que alguns pretendam deixar cair a "guilhotina política" sobre a sua cabeça, é, no mínimo, abjecto.

Não é a única participação de Pacheco Pereira no circuito da gestão cultural em Portugal. São vários os actuais exemplos.

Reduzir a sua capacidade intelectual a mera coincidência ou conjuntura política é um exercício demagógico que só resulta em mais mediatismo e ribalta que Pacheco Pereira sempre gozou ao longo de muitos anos de vida política e partidária, com merecimento questionável.

A Fundação Serralves ganhou um excelente administrador. Facto. Reconheça-se (mesmo que custe).

dos Direitos... Todos.

Dia Internacional dos direitos humanos.jpgHoje celebra-se o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Há 65 anos, precisamente a 10 de dezembro de 1948, no período do pós-Guerra, foi proclamada a Carta Universal dos Direitos Humanos, sustentada no atrocidades do conflito da II Guerra Mundial, mas também no direito natural que fundamentou, por exemplo, a Magna Carta (1215), a declaração de Independência dos Estados Unidos (1776), a Revolução Francesa (declaração dos direitos do homem e do cidadão em 1789), a criação da ONU em  junho de 1945.

Volvidos estes 65 anos e muitos milhares da história da humanidade, não deverá haver tantos acordos, declarações, compromissos, tão violados e rasgados como a Declaração Universal do Direitos dos Homens.

Hoje, 10 de dezembro de 2015, com óbvia naturalidade os olhares e a opinião pública voltam-se para a tragédia e a crise dos refugiados na Europa. Facto inquestionável e mais que evidente.

No entanto importa não esquecer que há "mais vida" para além dos refugiados (infelizmente).

Há a falta da liberdade de expressão e de opinião que resulta em prisões, perseguições e morte.
Há a pobreza, a falta de cuidados de saúde, de educação, de justiça, por exemplo no continente africano (mais gritante e mais esquecido).
Há a perseguição pela crença/religião, orientação sexual ou raça, em tanto do dia-a-dia de milhares e milhares de pessoas.
Há os crimes de abuso sexual e tráfico humano, dos quais, por exemplo, podemos destacar a pedofilia e mutilação genital feminina.
Mas há ainda as coisas "simples(?)" como a violência doméstica, a homofobia, a xenofobia, a desigualdade de género, que caminham lado-a-lado com a vida no dia-a-dia das nossas comunidades.

Teresa Pina - AI Portugal.jpgPor último, importa ainda aproveitar a efeméride para recordar o trabalho que foi realizado por Teresa Pina (ex-jornalista da SIC e ex-assessora) que deixou, ontem, a direcção executiva da Amnistia Internacional - Secção Portuguesa.

Nestes últimos quatro anos, sem querer promover juízos de valor, nem juízos qualitativos, sobre as diversas direcções executivas da AI - Portugal, nestes 34 anos de existência, a verdade é que o país voltou a ouvir falar da AI (infelizmente pelas razões óbvias da sua missão). Fica, aproveitando o dia, o merecido registo.

Temos Governo até quando?

xxi governo no parlamento.jpgpublicado na edição de hoje, 9 de dezembro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Temos Governo até quando?

É inquestionável que, a par da já iniciada azáfama natalícia e do respectivo stress, o tema de conversa nos mais variadíssimos círculos políticos e sociais seja a durabilidade do XXI Governo Constitucional. Aliás, a título de exemplo, afigura-se curioso que tenha havido mais abordagens às eleições presidenciais durante o período pré-eleições legislativas do que agora, quando estamos a pouco mais de um mês do exercício eleitoral. É um facto. Como mais ou menos conformismo, depois da nomeação e queda do XX Governo Constitucional da coligação PSD/CDS, depois de Cavaco Silva ter “indicado” António Costa para Primeiro-ministro, depois da tomada de posse dos Ministros e Secretários de Estado, depois da aprovação do Programa de Governo e do chumbo da Moção de Rejeição, o XXI Governo Constitucional tem a natural legitimidade para o exercício das suas funções governativas. Daí que, das discussões mais restritas e familiares até aos debates e análises políticas mais formais, os discursos abandonem a abordagem da legitimidade para se centrarem na questão da durabilidade do Governo PS à frente dos destinos da Nação. E neste âmbito há de tudo e para todos os gostos políticos, desde um ano até à legislatura (4 anos) completa.

Tenho, para mim, que face à estrutura governativa construída e apresentada por António Costa e perante o tão aclamado compromisso à esquerda, afigura-se como provável e possível o cumprimento governativo dos quatro anos que dura uma legislatura. Vejamos… os resultados eleitorais de 4 de outubro, a posição do PS perante a possibilidade de ser Governo, permitiram ao BE e ao PCP, mesmo que de forma diferenciada, abrir um ciclo histórico na política portuguesa. Infelizmente, ao contrário do que António Costa tanto proclamou, não foi o derrube de “um muro” mas sim a construção de um novo, já que o PS acabou por escorregar na trama e estratégias claramente antidemocráticas que o BE e o PCP fizeram e pressionaram. A usurpação do sentido democrático dos resultados eleitorais, por parte do BE e do PCP, não se fundamenta um apoio ao PS por razões políticas e de alternativa governativa. O compromisso à esquerda apenas tem como objectivo final a inviabilidade, a todo o custo, de um qualquer governo à direita do PS e/ou com este como aliado. A estratégia acaba por servir às três partes. O Bloco de Esquerda não quererá repetir (pelo menos a tão curto espaço) a posição assumida em 2011 com os custos políticos que isso acarretaria para o BE e para o PS; os comunistas têm uma clara oportunidade de marcar uma pressão ideológica muito forte nas políticas do Governo, se já de forma directa ou por intermédio da CGTP; e por fim, com mais ou menos recuos, o PS tudo fará, mesmo que refém, para terminar a legislatura como governo e procurar ser a referência governativa daqui a quatro anos. Não passam de meras demagogias e inócuas retóricas políticas as afirmações do BE e do PCP de distanciamento quanto ao Governo (e ao facto de dele não fazerem parte) ou do programa do PS. A verdade é que, com menos ou mais recuos, com aplicação das medidas a curto ou médio prazo, com mais ou menos convocações e desmarcações de greves, o compromisso à esquerda acabará por se manter nos quatro anos, a todo o custo. Aliás, não é por mero acaso que o BE vem, agora, com uma tão forte ânsia em marcar presença no Conselho de Estado, depois de tantos e tantos anos de repudiar este órgão consultivo.

Por último, a posição e a acção do PS em toda esta conjuntura não é, apesar do que foi referido, displicente. A forma como António Costa construiu a estrutura governativa é disso sinal. Quebrando a “tradição” do relevo político da pasta das Finanças, António Costa, independentemente das responsabilidades ministeriais, rodeou-se de um conjunto de personalidades de carácter marcadamente político, com experiência no confronto partidária e de governação. Augusto Santos Silva, Eduardo Cabrita, Viera da Silva, Capoulas Santos, Pedro Nuno Santos, Mariana Viera da Silva, Azeredo Lopes, aos quais acresce João Galamba, Ana Catarina Mendes e Carlos César, e ainda o trabalho de “bastidores” de Edite Estrela e Porfírio Silva, são escolhas que, apesar das comprovadas experiências de governação, têm um peso político evidente e serão a sustentação da durabilidade do governo no confronto político com a oposição e com a difícil relação com BE e o PCP. Neste sentido, António Costa foi, notoriamente, inteligente e perspicaz, dotando o governo e as estruturas próximas do mesmo de “armas políticas” suficientemente capazes de perspectivarem a durabilidade da governação nos próximos quatro anos. A ver vamos se o perspectivado se torna realidade…

Dois meses depois…

eu_DA_debaixo-dos-arcos.jpgpublicado na edição de hoje, 6 de dezembro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Dois meses depois…

As últimas eleições legislativas tiveram lugar no passado dia 4 de outubro. Volvidos dois meses, após todas as polémicas políticas e todas análises eleitorais, após a nomeação e queda do XX Governo Constitucional da coligação PSD/CDS, após os surrealismos presidenciais de Cavaco Silva, após a “indicação” de António Costa para Primeiro-ministro, após a cerimónia de tomada de posse dos Ministros e Secretários de Estado, temos o XXI Governo Constitucional em funções.

Nesta semana, o governo do PS fez aprovar, na Assembleia da República, o seu Programa de Governo e ultrapassou a Moção de Censura de rejeição ao programa do Governo de António Costa, dois exercícios políticos que confirmam o início das funções de um Governo que tem a legitimidade constitucional, a legitimidade democrática parlamentar, mas que terá também, junto de grande parte dos portugueses, o peso da interrogação (e da crítica) quanto à sua legitimidade política. Neste contexto, a primeira análise centra-se na questão da apresentação da Moção de Rejeição. Este é um mecanismo constitucional que permite, de forma muito particular, a marcação de uma específica posição política. E esse recurso apresentado, face à conjuntura política do momento, foi claramente natural e legítimo, marcando uma posição à direita e clarificando os compromissos à esquerda. Foi naturalíssimo e expectável, quer a sua apresentação, quer o desfecho final, mas do ponto de vista político significativamente importante.

Quanto ao Programa do Governo era expectável que a discussão fosse, nesta fase política, fraca e sem interesse. Excluindo as posições pragmáticas da retórica discursiva do PCP e do BE, face à anunciada apresentação da moção de censura de rejeição ao programa do Governo pelo PSD e CDS era natural que o confronto político se centrasse entre PS, Governo e a oposição PSD-CDS em torno de legitimidades democráticas e governativas, mesmo que o discurso dê sinais de desgaste e de perda de impacto na opinião pública. Esta naturalidade da discussão política que decorreu na Assembleia da República tem ainda uma outra face: as questões programáticas, a verdadeira discussão política e ideológica deverão ocorrer na apresentação e votação do Orçamento do Estado para 2016 e das suas medidas. Nessa altura serão muito mais clarificadoras as posições, os confrontos e os compromissos políticos quando a discussão deixar de se centrar nos “favorecidos e desfavorecidos”, nos “ricos e pobres”, “nos trabalhadores e nos pensionistas”, na maior ou menos austeridade, nas “almofadas ou travesseiros financeiros”, para passar ser focada na quantificação, a projecção e a concretização de medidas como metas orçamentais; salários; rendimentos; capitais, sistema bancário e economia; sistemas contributivo, tributário e impostos; sustentabilidade da Segurança Social e pensões; emprego e desemprego. Isto para além de outras pequenas grandes questões como a saúde, o ensino, a justiça, as portagens, os investimentos públicos, os processos de privatizações, a relação com o poder local ou, por fim, a relação coma Concertação Social e a CGTP. Aí, sim… ver-se-á a solidez ou a fragilidade deste compromisso à esquerda, até que ponto preponderará o radicalismo ideológico de uma esquerda (BE e PCP) que tudo fará para impedir que a democracia apresente alternativas de governação à direita (estratégia política em que, infelizmente, o PS se deixou cair na ratoeira e se envolveu) ou, pragmaticamente, essa “maioria da esquerda” assumirá a coragem política (tal como em 2011) da ruptura com um Programa e um governo repetidamente declarado como não sendo “nem do BE, nem do PCP”.

Por último, da mesma forma que o discurso sobre a legitimidade ou ilegitimidade do Governo já satura, também é um facto que a retórica sobre a representatividade parlamentar é meramente demagógica e teórica. A democracia portuguesa assenta no exercício política da representatividade eleitoral. Na prática, em cada eleição legislativa, isso é uma falácia discursiva que só ao fim de 40 anos é que é valorizada (ou sobrevalorizada) por claro e manifesto interesse partidário. Na prática e no acto, os cidadãos, nas legislativas, não votam na sua representatividade parlamentar. Votam no partido que querem que governe, em programas eleitorais de governação, em figuras/lideres que se apresentam, pública e assumidamente, como candidatos a Primeiro-ministros, e não em líderes de bancada. Tal como os cidadãos, quando votam, não votam nas listas dos respectivos círculos eleitorais (nem conhecem os candidatos s deputados, sequer), votam antes nas ideologias e nos “símbolos” partidários.

O contrário, a teoria política e constitucional, surge agora porque dá jeito a fundamentação de legitimidade.