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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

A hipocrisia política

assembleia da republica - mario cruz-lusa.jpgou, se preferirmos, até onde chega a incoerência política e a sede do poder. Neste caso, bem antidemocrática.

Está em cima da mesa a questão o Programa de Estabilidade e Crescimento - PEC - do Governo do PS.

Sobre o mesmo cai um conjunto de reflexões que resumidamente são bastante claras e clarificadoras dos interesses políticos que circundam o PEC de António Costa e Mário Centeno.

A primeira é claríssima... oposição, PSD e CDS, criticam o PEC, apesar de não terem toda a informação de forma plena e acessível.

Bloco de Esquerda e PCP, ambos os partidos suportam o Governo e sentam-se, regularmente, à mesa de conversações, negociações e trabalho, de forma a garantir a aplicabilidade de medidas políticas e a definição de estratégias para a governabilidade. Ora, acontece que BE e PCP, tendo este último partido, pela voz de Jerónimo de Sousa, sido particularmente preciso nas suas palavras à saída de uma audiência em Belém, são frontalmente contra o PEC do Governo de António Costa.

E aqui começa a verdadeira falta de noção da responsabilidade política, de democraticidade, da ética política.

Em situações "normais" o Programa seria discutido e aprovado (ou rejeitado) pelos deputados da Assembleia da República, como por exemplo, aconteceu em 2011 no Governo de José Sócrates (e com os PECs I, II e III).

Tomemos como exemplo (servirá para BE e PCP) a reacção do líder comunista, Jerónimo de Sousa. Título do Diário de Notícias (que é transversal a vários órgãos de comunicação social): "PCP não apoia esse Programa de Estabilidade". Ponto.

Vejamos...

Não haver votação na Assembleia da República deste documento de suporte político à execução orçamental, deste documento que define a estratégia política da governação face ao projectado no Orçamento do Estado, é algo politicamente incompreensível. BE e PCP são liminarmente co-responsáveis pelo sucesso ou pelo fracasso deste PEC (não sei se de novo pec I ou um novo pec V), por todas as medidas que o Programa contém e pelos seus impactos na economia e na sociedade portuguesas.

Não vale a pena fugirem a essa responsabilidade porque ela está presente no suporte que dão ao Governo e no facto de não permitirem que o documento seja votado na Assembleia da República.

BE e PCP não podem continuar a enganar mais os portugueses, nomeadamente o seu eleitorado. Não é politicamente ético e responsável não assumir frontalmente uma posição crítica ao Programa, marcar uma posição política clara e definida quanto á avaliação do PEC, para poderem, mais tarde, quando o expectável falhanço acontecer vir afirmar que o desenho do PEC não era da sua responsabilidade, que não concordaram com o mesmo, que já estavam à espera deste desfecho., Não vale, não colhe e há muito que os portugueses deixaram de ser anjinhos e naifs. O BE e o PCP são tão responsáveis como o PS nos impactos que o PEC tiver na gestão política e governativa do país, quer pelo facto de serem suporte deste Governo, quer pelo facto de se terem alheado de uma posição clara e concreta, pela votação, na Assembleia da República, espaço e local próprio para as grandes decisões políticas do país.

Mas percebe-se bem porquê. Por exemplo, em relação ao Bloco de Esquerda, está ainda bem fresco na sua memória política os acontecimentos de 2011 e o seu contributo para a queda do Governo de José Sócrates e os "custos" políticos que esse posicionamento teve.

Uma votação do PEC deste Governo na Assembleia da República tinha, obviamente, complexos constrangimentos políticos para o BE e o PCP.

Uma aprovação do mesmo resultaria numa grave negação dos princípios políticos defendidos por BE e PCP na última campanha eleitoral e uma clara traição ao seu eleitorado.

Por outro lado, a rejeição do PEC implicaria a rotura com o Governo e a eventual queda do Executivo do PS. Uma ida a eleições será um sério risco do regresso à condição de oposição para PS, BE e PCP.

Porque, na prática, só existe um único propósito na coligação PS, BE e PCP. Não é o interesse estratégico para o país, nem a consolidação conjunta de esforços políticos para a recuperação de Portugal. É tão somente impedir que o PSD volte a governar o país, nem que para tal seja necessário adulterar a democracia.

(créditos da foto: Mário Cruz / Lusa)

42 anos “depois do adeus”…

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publicado na edição de hoje, 27 de abril, do Diário de Aveiro

Debaixo dos Arcos
42 anos “depois do adeus”…

Comemoramos, com especial incidência para a passada segunda-feira, o 42º aniversário do 25 de Abril de 74. Curioso é o facto de 42 anos depois de uma inquestionável libertação de Portugal de uma regime autoritário e ditatorial com 41 anos de existência (1933 a 1974) ainda hoje existir contextualização suficiente, seja do ponto de vista político, seja do ponto de vista social, para falarmos de Abril de 74 para além da sua realidade histórica.

O primeiro aspecto é que, volvidos todos estes anos, todas as conjunturas políticas que atravessaram este período, ainda há quem continue com o mesmo estigma e preconceito políticos em relação ao 25 de Abril. O que nasceu de uma revolta e contestação militar rapidamente se transformou num movimento político e popular, com muitos erros, com enormes virtudes, mas, acima de tudo, com um facto: a queda do regime de Salazar e Marcelo Caetano, o fim da ditadura e o princípio de um país a viver em Liberdade. E se é inquestionável o papel que os Capitães e militares de Abril tiveram em todo este processo, a verdade é que a Liberdade e o 25 de Abril não são, nem podem ser, propriedade ou património de ninguém. É de um povo e de um país que na sua globalidade, na sua quase totalidade, abraçaram a causa da Revolução, com visões e conceitos distintos, é certo, mas com o mesmo sentimento de Liberdade.

E esta Liberdade, ou melhor, a Liberdade, não é um conceito abstracto, inócuo, que se usa em função das nossas concepções ou dos nossos interesses. É uma realidade bem definida, bem própria. A sua indevida apropriação, torná-la património de uns em detrimento de outros, haver alguém que se ache “dono” dela, só negará a sua concepção, a sua existência e transformará a Liberdade em opressão, ditadura, autoritarismo. O contrário de Liberdade não é “direita ou esquerda”, mais conservadorismo ou radicalismo. O contrário de Liberdade é repressão e opressão, censura, exclusão, menorização de direitos e existência, despotismo, absolutismo, tirania. A letra da música de Sérgio Godinho, O Primeiro Dia, repete ciclicamente a expressão “(…) e vem-nos à memória uma frase batida (…)”. Ano após ano, vem à memória discursiva a frase batida “é preciso ou falta cumprir Abril”. A verdade é que este “cumprir Abril” não passa de uma retórica profundamente ideológica e imobilista. Abril cumpriu-se com a Liberdade e com o processo desencadeado pelos Militares de Abril. Há liberdade de voto, de opinião, de expressão, de informação… há um Estado de Direito e de direitos, com uma justiça que, apesar de lenta, é funcional… há um serviço nacional de saúde, uma escola de e para todos (seja pública ou privada), o acesso à universidade e à formação, o cumprimento das responsabilidades sociais do Estado (com mais ou menos intensidade e eficácia)... há o acesso ao emprego, apesar do elevado número de desempregados fruto de uma conjuntura (marcadamente externa) económica instável, desigual, desequilibrada. Mas há também e ainda um país com um grave fosso de desigualdades sociais, com um desenvolvimento económico e produtivo demasiado frágil e reduzido, com um elevado risco de situações de pobreza e instabilidade social, com desigualdades inaceitáveis em pleno séc. XXI (como, por exemplo, as desigualdades e exclusões raciais, homofóbicas ou de género… muito para além da banal discussão do sexo gramatical).

A realidade política e social destes 42 anos de Liberdade (41 de democracia e 40 constitucionais) mostra-nos que, apesar de, por exemplo, a actual Constituição da República Portuguesa manter apenas 10% dos seus artigos originais, Portugal ainda não cumpriu Abril na sua verdadeira essência: a Liberdade e a Democracia. Enquanto vivermos obcecados e amarrados a uma fobia ideológica que não nos liberte dos normais e óbvios momentos conturbados dos primeiros anos de vivência comunitária em liberdade, enquanto não dermos expressão a uma liberdade e uma democracia que nos permita desenvolver uma sociedade mais pluralista, com um renovado papel do Estado enquanto motor da estabilidade social, andaremos sempre, ano após ano, discurso após discurso, à procura dos ideais de Abril.

Faltam lágrimas pelo Equador

Há pouco mais de uma semana, a 16 de abril, um sismo com a intensidade de 7.8 na escala de Richter abalou a zona oeste do Equador.

As primeiras informações, ainda demasiado prematuras e especulativas, davam contam de cerca de 70 mortos (já por si só um número significativo ao qual se acrescentavam os feridos e desaparecidos).

Mas rapidamente, com as avaliações da tragédia a serem mais precisas e concisas, os números afiguraram-se desbastadores e avassaladores. Uma semana depois o número de mortos subiu para perto dos 700, havendo ainda um registo provisório de 130 desaparecidos e mais de 12 mil feridos. A estes dados acresce ainda uma outra realidade: mais de 26 mil desalojados e um prejuízo a rondar os cerca de 3 bilhões de dólares, segundo as previsões governamentais que estimaram este valor para a recuperação das áreas completamente desbastadas.

Há cerca de 6 anos, em 2010, o Haiti vivia também uma catástrofe e tragédia provocadas pela "fúria" da natureza. Naquele país, sob vigilância militar da NATO e das Nações Unidas, situava-se uma base da ONU. Apesar da diferença significativa do número de vítimas (embora a densidade populacional do Haiti seja 6 vezes superior à do Equador) a verdade é que, tal como na tragédia do Haiti ou nos Tsunamis que avassalam as cotas asiáticas, não surgiram, para além das notícias, nenhuma campanha internacional de ajuda humanitária (apenas apoios avulsos), nenhumas contas bancárias, nem bandeirinhas nas redes sociais.

O mundo esqueceu-se que o Equador, o menor país da OPEP, com graves dificuldades económicas e sociais, também é neste planeta.

A mente humana tem estas contradições e incoerências sem explicação.

Equador 2016 - Luis Acosta-AFP.jpg

(crédito da foto: Luís Ochoa / AFP)

25 abril 1974 - 42 anos

O 25 de Abril de 74 traz muitas memórias, comporta muitas histórias, após 42 anos ainda algumas dúvidas e segredos (nalguns casos contradições), transporta muitas oposições, recorda muitas figuras.

A verdade inquestionável é que a história regista 42 anos de Liberdade.

Correndo o risco de ser injusto quanto às "figuras" que fizeram a história, assumo as minhas "figuras" da história.

Capitão Salgueiro Maia

Os Cravos (que por sinal, num primeiro momento até foram brancos)

E porque o 25 de Abril de 74 (os dias, meses e anos seguintes) também se fizeram na família... Obrigado primo Capitão Rodrigo Sousa e Castro.

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A política de causas

eu_DA_debaixo-dos-arcos.jpgpublicado na edição de hoje, 20 de abril, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
A política de causas

Há sempre a “velha” questão retórica e demagógica das prioridades na política e na acção governativa. Na sociedade há sempre a tendência de valorizar e majorar as questões e as causas, como se no meio das crises, das necessidades políticas e governativas urgentes, não houvesse também lugar e espaço para as chamadas “causas menores” ou temas menos relevantes. Não será, por opção minha, que haverá majoração temática das causas na política e na sociedade, sendo que há lugar, tempo e espaço próprio (que as próprias necessidades definirão) para o debate de todas as questões. É certo que ruídos como a crise no sistema bancário e financeiro, a tragédia humanitária com os refugiados, a crise no seio da União Europeia, provocam na abordagem a outros assuntos a necessidade de maior mediatismo que nem sempre é bom conselheiro comunicacional. Basta recordar o que aconteceu recentemente com a polémica e contestação (mesmo no interior do BE) com os cartazes promovidos pelo Bloco de Esquerda aquando da aprovação na Assembleia da República do quadro legal que legitima a adopção de crianças por casais homossexuais, em que era usada a referência parental de Jesus.

Mas a política é useira e vezeira neste tipo de “tiros nos pés” ou de incoerências quando precisa de vencer o ruído da agenda mediática em prol de outras causas ou princípios.

Há poucas semanas, PS e BE (curiosa e incompreensivelmente de forma separada tendo em conta o objectivo perfeitamente comum) apresentaram duas propostas de condenação pelo resultado judicial do chamado processo “caso Luaty Beirão”, quer ao processo em si, quer ao governo de Angola. As duas propostas foram rejeitadas com os votos contra do PSD, CDS e do PCP. Ao PSD (incompreensível o sentido de voto mas acima de tudo a imposição de disciplina de voto numa questão que é de consciência) e ao CDS, pelos princípios humanistas que integram as suas raízes ideológicas, esperava-se outro tipo de comportamento que ultrapassasse as barreiras do confronto político-partidário. Se bem que, no caso do PSD, o seu comportamento de voto não esteja muito distante do que foi a posição oficial do Governo de António Costa, nomeadamente do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Aliás, uma das razões que se pode apontar para a existência de duas propostas parlamentares é que a posição do PS era, claramente, mais “branda” e diplomática que a do BE. Mas a maior surpresa, ou não, surge por parte da bancada comunista e na argumentação de rejeição das duas propostas, essencialmente porque elas consagravam uma inqualificável ingerência na “democracia angolana” (tal como nãos e pode tocar em Cuba ou na Coreia do Norte). Espanto é a posição pública do PCP e de Jerónimo de Sousa em relação à grave crise política que se regista no Brasil. Aqui, só porque a direita se sobrepõe à esquerda (e isto sem tomar qualquer tipo de partido por qualquer das partes) já há toda e qualquer legitimidade para se bradar aos ventos e aos céus que querem “matar a democracia brasileira”.

Mas há mais falhas de concepção e tiros nos pés no combate pelas causas políticas, desta vez, de novo, pela voz do BE. O exagero e o extremismo/radicalismo de posições leva, na maioria das vezes, a uma perda da racionalidade, a uma desvalorização e a uma banalização retórica da causa que se quer promover. A diferença de género em pleno século XXI é abominável e condenável. Diferenças laborais, de igualdade de oportunidades, homofóbicas ou machistas, de inferiorização, de violência ou assédio, só porque se é mulher não podem passar impunes nem serem desvalorizadas ou menorizadas. Usar a gramática portuguesa como bandeira deste combate, ver numa mera questão linguística (e não de linguagem) uma afronta à igualdade de género é, no mínimo, ridículo. Usar o Cartão de (e não do) Cidadão como arma de combate à desigualdade entre homem e mulher é banalizar a legítima luta, é ridicularizar as verdadeiras questões que envolvem a igualdade de género: violência doméstica, assédio sexual, desigualdade salarial e laboral, disparidade nas oportunidades e nos direitos.

Quando se quer fazer muito ruído em torno das genuínas causas sociais e políticas torna os “ouvidos” da sociedade mais surdos.

A semana em “montanha russa”

Montanha Russa.jpgpublicado na edição de hoje, 17 de abril, do Diário de Aveiro

Debaixo dos Arcos
A semana em “montanha russa”

O facto de Aveiro estar a viver mais uma centenária “Feira de Março” é uma curiosa coincidência com uma semana política que foi uma verdadeira “montanha russa” de acontecimentos, nomeadamente para o país e para o Governo. A questão será a de se perceber se os acontecimentos que, claramente, fizeram tremer serão suficientes para fazer cair ou criar fissuras (instabilidade). Não fora todo o mediatismo em torno do processo das Offshore do Panamá e os portugueses teriam olhado para esta semana com outros olhos, sem estarem envoltos em demasiado ruído.

Com cerca de seis meses de legislatura o Governo já tremeu concretamente pelo lado menos esperado: o seu, internamente. Apesar da forma (a apresentação do pedido de demissão e da sua aceitação) a verdade é que, na prática, João Soares foi “despedido” por António Costa depois das “salutares ameaças de bofetadas”. Mas algum “mau estar” provocado pela saída do ministro da Cultura não seria esbatido com a nomeação do novo titular envolto em alguma polémica quanto à forma como o agora ministro da Cultura, Luís Castro Mendes, acedeu à sua anterior condição de embaixador, situação anulada em 2013 pelo Supremo Tribunal Administrativo que não considerou válida a sua promoção na carreira diplomática de ministro plenipotenciário a embaixador. Mas o “treme-treme” político na governação de António Costa não se ficaria por aqui: despercebido aos olhares da maioria dos portugueses, numa pasta que tem uma marca e uma componente ideológica muito forte neste Governo e na sua coligação à esquerda, um enorme fosso de relação institucional e de confiança política deu origem a que o Secretário de Estado da Juventude e do Desporto (tutelado pelo ministro da Educação) pedisse a sua demissão em clara ruptura com o Ministro, curiosamente num ministério onde tem reinado uma enorme instabilidade governativa na gestão do ensino e da educação no país. Mas se poderíamos pensar que em termos de governação seriam casos suficientes para marcar a semana, eis que, após um “Prós e Contras” da RTP dedicado às Forças Armadas e à conflitualidade internacional, a triste polémica em torno do Colégio Militar (suspeitas de inaceitáveis situações de exclusão e homofobia, diga-se) leva à demissão do Chefe de Estado-Maior do Exército e coloca o ministro da Defesa, Azeredo Lopes, debaixo de fogo serrado por parte das altas patentes militares.

Mas a semana não foi apenas marcada pelos incómodos políticos no seio da governação. Este Executivo de António Costa, com o compromisso celebrado euforicamente à esquerda, tinha a solução mágica para o país e a crise em que vivemos, mesmo que a austeridade surgisse travestida e encapotada como contraponto aos quatro anos de ajustamento que obrigaram a consideráveis e enormes sacrifícios dos portugueses, das famílias e das empresas, mas que deixaram o país com novas perspectivas e esperanças e algumas almofadas para o brilharete político inicial deste Governo. António Costa, Mário Centeno & Co (com o compromisso assumido, unilateralmente, com o BE e o PCP) só porque chegaram a S.Bento já melhorariam a economia e trariam desenvolvimento às empresas, trariam e captariam maior capacidade de investimento, disponibilizariam aos portugueses maiores rendimentos e menos esforço fiscal. Isto tudo sem comprometer a estabilidade social, as metas do défice e a exequibilidade orçamental. Lembro, a propósito, o que escrevi aqui a 23 de março último, sob o título de “geringonça e a caranguejola”, sobre os dados do desemprego, da pobreza e das taxas de juro da dívida pública. Mas a verdade é que as políticas implementadas, as adiadas, as que nunca sairão da gaveta e aquelas que potenciam afastamento político ao compromisso à esquerda, começam a dar preocupantes sinais de instabilidade governativa e política à coligação face à perspectiva e preocupação do Governo na necessidade de apresentação, finalmente, de um Plano B ou de cedência à pressão europeia, algo que dificilmente será aceite, tolerado e compreendido pelo BE e pelo PCP. E para além da evidente falha da implementação das políticas actuais e da execução orçamental face ao cenário macroeconómico traçado pelo Governo com a assinatura do ministro Mário Centeno, há todo um conjunto de acontecimentos que vão deixar marcas à esquerda: as incompatibilidades dos cargos públicos e políticos (como o novo caso do consultor do Governo: o “amigo de Costa”), o Governador do Banco de Portugal, o sistema bancário e financeiro nacional, os casos de corrupção (Finanças e PJ), o abrandamento sucessivo da economia, as comissões parlamentares que mais parece que “a montanha parirá um rato” (como a do caso Banif), as relações com Angola, os “ciúmes políticos” entre PCP e BE. Se isto fará cair o Governo? Dificilmente. Mas deixará claras marcas quando chegar a hora da verdade com o próximo Orçamento de Estado e a execução orçamental do actual OE2016. Pior que montanha russa.

De regresso à “batalha” das Freguesias

eu_DA_debaixo-dos-arcos.jpgpublicado na edição de hoje, 10 de abril, do Diário de Aveiro

Debaixo dos Arcos
De regresso à “batalha” das Freguesias

Em 2013, pouco tempo antes das eleições autárquicas, o Governo PSD-CDS implementava a lei da reorganização administrativa territorial autárquica (Lei 22/2012, de 30 de maio) que, na prática, se restringiu à fusão de algumas freguesias do país (cerca de 1000, dum total de pouco mais de 4000).

A lei foi polémica, pessoal e publicamente bastante criticada, principalmente pela sua fraca abrangência, por ser inconsistente e irrealista quanto a uma necessária e urgente reforma profunda do Poder Local, deixando de fora, por incapacidade do então ministro Miguel Relvas de ultrapassar as pressões dos municípios, as autarquias (câmaras municipais) e usando as freguesias como bandeira reformista para cumprir uma das muitas exigências da Troika com base no memorando de ajuda externa. Importa referir, antes de continuar, que este processo não é inédito, nem apenas da responsabilidade do PSD, já que o próprio PS, na altura em que foi governo, tentou iniciar um exercício de reforma idêntico. Além disso, mesmo antes da publicação do diploma legal, o agora Primeiro-ministro e à data presidente da Câmara Municipal de Lisboa, António Costa, concretizou uma reforma bem particular da reorganização do mapa administrativo da autarquia de Lisboa, com a extinção e fusão de várias freguesias.

Volvidos quase três anos, no ano em que se comemora em Portugal os 40 anos de Poder Local democrático, o Governo veio anunciar, pela voz do Secretário de Estado das Autarquias Locais, Carlos Miguel (ex-autarca), que vai ser revisto de novo o mapa administrativo autárquico, repondo algumas freguesias entretanto extintas ou fundidas (não todas, segundo o próprio, mas muitas).

O Secretário de Estado, Carlos Miguel antevê um "verão escaldante", fixando como previsível este período do presente ano para a definição das novas regras e do novo enquadramento legal para a revisão do mapa das freguesias que, segundo o governante, não voltará às "quatro mil e tal" mas ficará acima das actuais "três mil e tal". Ou seja, no universo das cerca de mil fusões de freguesias ocorridas em 2013, haverá mexidas significativas.

Um dado certo e com o qual concordo com o Secretário de Estado: vai ser um "verão escaldante" ou melhor... vai ser um "verão polémico". Não o será para aquelas freguesias que regressarão à sua configuração territorial e geográfica pré-2013. Mas, da mesma forma que foi polémico em 2013, será "escaldante" porque deixará de fora muitas expectativas e desejos locais, com o risco da falta de rigor, de consistência, de realismo e de não contemplar particularidades específicas dentro de uma diversidade social e cultural que existe no mapa administrativo local. Se é verdade que houve inúmeros erros cometidos em 2013, nomeadamente nas zonas com maior particularidades e especificidades, nas zonas mais rurais, nas zonas geograficamente mais extensas, também é um facto que, volvidos estes cerca de três anos, muito foi consolidado e, particularmente, não se afigura razoável e eficiente que se desagreguem, por exemplo, freguesias urbanas (veja-se o caso da cidade de Aveiro, a título de exemplo).

Numa altura em que a palavra "reforma" está tão em moda - é o Plano Nacional de Reformas (que nada tem a ver com reformas/pensões) que está em discussão, foi o próprio lema do 36º Congresso do PSD que terminou na passada semana em Espinho ("Compromisso reformista") - o que se teme e que se transformará em legítima polémica é precisamente a ausência da Reforma do Poder Local, ficando-se, mais uma vez, por uma ou duas "árvores" esquecendo o resto da floresta. E pelo todo da "floresta" entenda-se: lei eleitoral autárquica, lei das finanças locais, delegações de competências nas Juntas de Freguesia (revisão do quadro legal incoerente e impraticável), descentralização do pode central e das macroregiões (CCDRs), o reforço (e o respeito) da autonomia do poder local, uma regulamentação mais coerente e consistente das Comunidades Intermunicipais e Áreas Metropolitanas evitando riscos de duplicação de poderes ou de asfixia de competências das autarquias (câmaras municipais e juntas de freguesia). E, finalizando, quem sabe se uma igual reforma do mapa administrativo das autarquias com algumas fusões municipais.

Enquanto presidente da Assembleia de Freguesia da União de Freguesias de Glória e Vera Cruz (Aveiro) sempre defendi publicamente a necessidade de uma Reforma do Poder Local, como um todo, de forma consistente e abrangente, e não a "brincadeira política" que foi levada a cabo em 2012 e 2013. Isso sim... seria um enorme desafio governativo e um verdadeiro "verão escaldante" (40 anos volvidos sobre o "verão quente" de 75). Pela democracia...

primeira (bofetada chicotada) psicológica

demissao de Joao Soares.png

Ainda a "época desportiva" do Governo de António Costa não cumpriu o primeiro ano de legislatura e já assistimos à primeira "baixa" na governação.

João Soares, agora ex-Ministro da Cultura, apresentou a demissão e o ainda Primeiro-ministro, António Costa, aceitou de imediato ("João Soares demite-se" "Costa aceita demissão de João Soares").

Mas há, neste processo, um contorno que importa destacar e que não é um mero pormenor de forma mas um "pormaior" de conteúdo.

João Soares demitiu-se não pela sua resposta às críticas dos críticos do jornal Público e muito menos por alguma indignação generalizada na sociedade civil. Muito menos ainda por alguma pressão (pelo menos pública) dos partidos que suportam o Governo (PS, BE e PCP), da oposição ou do Presidente da República, apesar das críticas à reacção do ex-Ministro.

O que é curioso neste processo é que João Soares demitiu-se após as declarações do Primeiro-ministro, primeiro com um pedido de desculpas do Governo, segundo com críticas dirigidas a João Soares e terceiro com um claro aviso à "navegação" governamental ("António Costa pede desculpa pelas prometidas bofetadas de João Soares").

João Soares demitiu-se porque foi, claramente, desautorizado e enfraquecido politicamente e como governante por António Costa.

Este episódio terá reflexos futuros? Não consigo, muito sinceramente, prever. Até penso que não... mas ficou a mancha e a nódoa.

 

das incoerências políticas...

Qualquer que seja o governo (verdade seja dita) há uma esquizofrenia comunicacional sempre que a informação ou os dados são favoráveis à actuação governativa ou favoráveis como "arma/bandeira" do combate político com a oposição.

Mas há, neste processo todo, uma enorme incoerência política na forma como é relegada para centésimo plano tudo o que não reflecte sucesso na governação.

Mas há dados que não podem ser escondidos da realidade, não podem ser desvalorizados, porque são demasiado importantes e factuais.

Do ponto de vista económico...

O risco da dívida pública portuguesa disparou para máximos situando-se nos 3,42% a 10 anos e as taxas de maturidade a seis anos situaram-se nos 2,5%, no dia em que Portugal voltou a ir ao "mercado de financiamento" para colocar cerca de 1,5 mil milhões de euros de dívida pública. Quanto à colocação de dívida pública no mercado para maturidades de 30 anos o Estado português ficou obrigado a uma taxa superior a 4% (4,14%).

No recente estudo da Cetelem, mais de metade dos portugueses (cerca de 58%) já tiveram reais dificuldades ou não conseguiram de facto pagar a totalidade das suas despesas mensais. Por outro lado, sendo que 29% dos portugueses sempre que tal se manifeste possível (sempre que sobre algum dinheiro no final do mês) realiza alguma poupança mensal, a verdade é que apenas 4% dos portugueses o consegue fazer com alguma regularidade mensal (em 2015 esse valor ascendia aos 8%).

Do ponto de vista social...

O mês de fevereiro foi madrasto para os sucessos governativos. Contrariando a tendência europeia (desemprego fixou-se nos 8,9%) a taxa de desemprego em Portugal aumentou em fevereiro para os 12,3%, mais 0,2% que em janeiro deste ano. Portugal regista o quarto valor mais elevado de taxa de desemprego dos 28 países da União Europeia.

Entretanto, à margem, vamo-nos deliciando com quem "esbofeteia" mais ou melhor e em quem...

só à bofetada, mesmo...

Joao Soares - bofetadas.jpg

Está lançada a nova agenda política nacional actual: resolução ministerial "à bofetada".

O mote foi dado pelo ministro da Cultura, João Soares, em reacção a duas críticas à sua acção ministerial à frente da tutela da Cultura, publicadas no jornal Público: uma por Augusto M. Seabra (06/04/2016) e outra por Vasco Pulido Valente.

A reacção do ministro João Soares fez ricochete e há, da direita à esquerda quem peça a "cabeça do ministro" ou, na melhor das hipóteses um retratar público do episódio.

Mas vamos mais longe... "Debaixo dos Arcos" propõe uma análise mais abrangente e, qui ça, até mesmo uma sondagem (mesmo sem boca e sem urnas).

O que é que politicamente tem mais impacto negativo na opinião pública?

1. os "corninhos" do ex-ministro da Economia, Manuel Pinho, à bancada do PCP.

2. o "manso é a tua tia" do ex Primeiro-ministro José Sócrates para o então deputado Francisco Louçã.

3. o desejo de cumprimento da promessa de 1999 do ainda ministro da Cultura, João Soares, de umas "salutares bofetadas".

O povo é quem mais ordena... a escolha é sua.

da série... ingerências políticas

Após a tomada de posse de Marcelo Rebelo de Sousa, menos de um mês depois, o Presidente da república convoca o seu primeiro Conselho de Estado, não apenas para a sua tomada de posse, mas para uma primeira consulta aos Conselheiros sobre o actual estado da Nação, principalmente no que respeita às contas públicas e orçamentais.

A novidade é a presença neste Conselho de Estado, por convite expresso do Presidente da República, do presidente do Banco Central Europeu (Mário Draghi) e do Governador do Banco de Portugal (Carlos Costa). É um legítimo direito que assiste ao Presidente da República.

A um Conselheiro de Estado impõe-se que aconselhe o Presidente da República, obriga-se a uma "lealdade" e respeito institucional e político, independentemente, necessariamente independentemente, das suas opiniões, das suas críticas ou dos seus apoios. O "aconselhamento" não significa, de todo e de modo algum, uma subserviência.

Assim, dentro da lealdade e respeito institucionais e políticas, era importante conhecermos se o Conselheiro de Estado, Francisco Louçã, indicado pelo Bloco de Esquerda assumirá as suas funções ou marcará presença nesta primeira reunião do Conselho, face à posição pública e à promoção da iniciativa de protesto agendada pelo próprio Bloco de Esquerda.

cartaz BE contra draghi em portugal.jpg

Soube a pouco

publicado na edição de hoje, 6 de abril, do Diário de Aveiro.
(nota: a foto, significativamente antiga, publicada na edição do jornal é da responsabilidade da redacção do Diário de Aveiro)

Debaixo dos Arcos
Soube a pouco

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Soube a pouco o 36º congresso do PSD, realizado em Espinho, neste último fim-de-semana. Um congresso marcado pela mera confirmação da liderança de Passos Coelho à frente do partido, por muitas ausências, algumas inquietações e incómodos e a marcação de um novo tempo para os social-democratas: o tempo do partido assumir a sua condição de oposição. Mas também foi um congresso que define alguns desafios políticos importantes para o futuro.

A primeira nota de destaque vai para o discurso de Pedro Passos Coelho na abertura do 36º Congresso do PSD. Muito para além dos “vivas” e “urras” dados pela esquerda que viu nas palavras de Passos Coelho o reconhecimento da legitimidade da governação (o sentido da expressão “consistência” tem mais a ver com a pouca previsibilidade de eleições legislativas antecipadas do que a admissão ou valorização da maioria à esquerda), a declaração de abertura do congresso foi toda virada para o interior do partido: críticas à oposição interna e às ausências, a avaliação dos últimos quatro anos de governação e o assumir, que faltava e já tardava, da condição de partido da oposição (deixando definitivamente para trás o trauma pós-eleitoral de 2015). Num Congresso marcado por duas fortes expressões, “compromisso reformista” e “social-democracia sempre”, nem a primeira e muito menos a segunda foram a marca da reunião magna social-democrata. Curiosamente, o único a “pisar” terrenos ideológicos foi mesmo a honrosa intervenção da voz crítica mais esclarecida de José Eduardo Martins ao referir alguns aspectos menos positivos da governação e ao afastamento do PSD em relação a algumas vertentes sociais (por exemplo, as reformas e os pensionistas). O liberalismo ou, de forma mais clara, um afastamento da concepção de social-democracia (para não entrar em concepções ideológicas mais extensas) marcou as duas intervenções de Passos Coelho. Por outro lado, falou-se muito pouco de reformas neste congresso (segurança social e sistema eleitoral souberam a pouco) e nem a lista à Comissão Política Nacional deixou marcas de grandes mudanças ou afastamento do que foi a linha pragmática e programático dos quatro anos de Governo (o “mau estar” em algumas nomeações para as vice-presidências ou a ausência de acordos com as diversas distritais foram tónica presente e sinais de alguma inquietação).

Se a repetida afirmação de que o PSD, face à actual conjuntura política, será, após o Congresso de Espinho, um partido sem pressa, sereno, com a assunção clara do seu estatuto de partido de oposição, a verdade é que são vários os desafios que se colocam ao partido e que determinam, ao contrário do que algumas vozes pretendem insinuar, o sucesso da liderança de Passos Coelho e o regresso do partido ao poder. E começa tudo por o maior desafio que se coloca ao partido e que foi a marca mais visível neste congresso: as eleições autárquicas de 2017. É certo que a forma, a substância, com que o partido se apresentar aos portugueses no seu papel de oposição e alternativa à actual governação terá o seu impacto sobre a capacidade de manter ou crescer o seu eleitorado e a preferência dos portugueses. É certo que uma mudança reformista, de compromisso político com o seu adn ideológico, só trará benefícios ao partido se o PSD se souber posicionar ao centro e recuperar a sua essência social-democrata. Mas que não restem dúvidas. O partido precisa, como do pão para a boca, de vencer as eleições autárquicas de 2017. Não apenas, como foi referido por alguns congressistas, para conquistar as presidências da ANMP e da ANAFRE (isso é o menos e de somenos, convenhamos). O PSD precisa de vencer as autárquicas do próximo ano para recuperar a sua veia de partido autárquico, de proximidade com as comunidades e os cidadãos. Precisa de voltar a ter mais câmara e mais juntas de freguesia para preparar o seu regresso à governação. Precisa de vencer como barómetro da sua capacidade política e do seu potencial como alternativa, ganhando estratégia e argumentação para o combate final das legislativas de 2019. De outra forma, quer o partido, quer Passos Coelho, entrarão num ciclo político preocupante de “travessia do deserto”. E há aqui três aspectos demasiado importantes: a forma como serão encaradas as autarquias de Lisboa e Porto neste processo eleitoral; o impacto político que possa surgir de uma eventual transposição do compromisso entre PS e BE (deixando de fora o PCP) para o processo autárquico; a forma como as estruturas de base, nomeadamente as distritais, conduzam o processo de escolha dos melhores, limando fissuras e fracturas existentes (não vale a pena esconder a cabeça na areia há “feridas” por sarar). Se o PSD superar estes desafios mais facilmente ganhará a batalha eleitoral seguinte, não esquecendo que, após quatro anos de difícil e complexa governação, os eleitores, os portugueses, em 2015, ainda preferiram o PSD a qualquer outra alternativa que se apresentou ao eleitorado. E isso é um facto que não pode ser menosprezado. Segundo Passos Coelho “o PSD é um partido que não tem pressa” mas não tem tanto tempo como querem fazer parecer.

"DesReforma" autárquica... de novo.

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Em 2013, a muito pouco tempo das eleições autárquicas, o Governo de Pedro Passos Coelho implementava a lei da reorganização administrativa territorial autárquica (Lei 22/2012, de 30 de maio) que, na prática, se restringiu à fusão de algumas freguesias do país (cerca de 1000, dum total de pouco mais de 4000).

A lei foi polémica, pessoal e publicamente bastante criticada, principalmente pela sua fraca abrangência, por ser inconsistente e irrealista quanto a uma necessária e urgente reforma profunda do Poder Local, deixando de fora, por incapacidade do então ministro Miguel Relvas de ultrapassar as pressões dos municípios, as autarquias (câmaras municipais) e usando as freguesias como bandeira reformista para cumprir uma das muitas exigências da Troika com base no memorando de ajuda externa.

Importa referir, antes de continuar, que este processo não é inédito, nem apenas da responsabilidade do PSD, já que o próprio PS, na altura em que foi governo, tentou iniciar um exercício de reforma idêntico. Além disso, mesmo antes da publicação do diploma legal, o agora Primeiro-ministro e à data presidente da Câmara Municipal de Lisboa, António Costa, concretizou uma reforma bem particular da reorganização do mapa administrativo da autarquia de Lisboa, com a extinção e fusão de várias freguesias.

Volvidos quase três anos, no ano em que se comemora em Portugal os 40 anos de Poder Local democrático, o Governo veio anunciar, pela voz do Secretário de Estado das Autarquias Locais, Carlos Miguel (ex-autarca), que vai ser revisto de novo o mapa administrativo autárquico, repondo algumas freguesias entretanto extintas ou fundidas (não todas, segundo o próprio, mas muitas).

Segundo o jornal Público, Carlos Miguel antevê um "verão escaldante", fixando como previsível este período do presente ano para a definição das novas regras e do novo enquadramento legal para a revisão do mapa das freguesias que, segundo o governante, não voltará às "quatro mil e tal" mas ficará acima das actuais "três mil e tal". Ou seja, no universo das cerca de mil fusões de freguesias ocorridas em 2013, haverá mexidas significativas.

Um dado certo e com o qual concordo com o Secretário de Estado: vai ser um "verão escaldante" ou melhor... vai ser um "verão polémico". Não o será para aquelas freguesias que regressarão à sua configuração territorial e geográfica pré-2013. Mas, da mesma forma que foi polémico em 2013, será "escaldante" porque deixará de fora muitas expectativas e desejos locais, com o risco da falta de rigor, de consistência, de realismo e de contemplar particularidades específicas dentro de uma diversidade social e cultural que existe no mapa administrativo local. Se é verdade que houve inúmeros erros cometidos em 2013, nomeadamente nas zonas com maior particularidades e especificidades, nas zonas mais rurais, nas zonas geograficamente mais extensas, também é um facto que, volvidos estes cerca de três anos, muito foi consolidado e, particularmente, não se afigura razoável e eficiente que se desagreguem, por exemplo, freguesias urbanas (veja-se o caso da cidade de Aveiro, a título de exemplo).

Mas voltará a ser, principalmente, por outra razão.

Numa altura em que a palavra "Reforma" está tão em moda, é o Plano Nacional de Reformas (que nada tem a ver com reformas/pensões) que está em discussão, foi o próprio lema do 36º Congresso do PSD que ontem terminou em Espinho ("Compromisso reformista"), o que se teme e que se transformará em legítima polémica é precisamente a ausência da Reforma do Poder Local, ficando-se, mais uma vez, por uma ou duas "árvores" esquecendo o resto da floresta. E pelo todo da "floresta" entenda-se: lei eleitoral autárquica, lei das finanças locais, delegações de competências nas Juntas de Freguesia (revisão do quadro legal incoerente e impraticável), descentralização do pode central e das macroregiões (CCDRs), o reforço (e o respeito) da autonomia do poder local, uma regulamentação mais coerente e consistente das Comunidades Intermunicipais e Áreas Metropolitanas evitando riscos de duplicação de poderes ou de asfixia de competências das autarquias (câmaras municipais e juntas de freguesia). E, finalizando, quem sabe se uma igual reforma do mapa administrativo das autarquias com algumas fusões municipais.

Enquanto presidente da Assembleia de Freguesia da União de Freguesias de Glória e Vera Cruz (Aveiro) sempre defendi publicamente a necessidade de uma Reforma do Poder Local, como um todo, de forma consistente e abrangente, e não a "brincadeira política" que foi levada a cabo em 2012 e 2013.

Isso sim... seria um enorme desafio governativo e um verdadeiro "verão escaldante" (40 anos volvidos sobre o "verão quente" de 75). Pela democracia...

O primeiro grande afecto

Marcelo Rebelo Sousa promulga OE2016.jpgpublicado na edição de hoje, 3 de abril, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
O primeiro grande afecto

Numa semana que termina com o 36º congresso do PSD, realizado em Espinho, e que teve também o ponto alto com a rejeição (infeliz e vergonhosa) parlamentar da proposta do PS e BE de condenação do Governo de Angola pela prisão dos activistas angolanos do chamado caso “Luaty Beirão”, estes dias tiveram ainda a marca política presidencial. Dentro do que era mais que expectável, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, promulgou o Orçamento do Estado para 2016. Até aqui nada de novo. Tal como não teve qualquer surpresa a aprovação do Orçamento do Estado para 2016 na Assembleia da República também a comunicação de Marcelo Rebelo de Sousa ao país declarando a promulgação do OE2016 era mais que esperada.

Mas os cerca de dez minutos (para além da particularidade do horário escolhido, 17.00 horas) que duraram a declaração ao país deixaram algumas notas que merecem destaque.

A presidência de Marcelo Rebelo de Sousa não será apenas um magistério de afectos para com o país, para com os portugueses. Ela será, pelo menos nos próximos tempos, uma presidência de afectos para com o Governo. O Presidente da República já o tinha referido aquando da sua tomada de posse e voltou a ficar bem expresso nesta promulgação do Orçamento do Estado. Não será por Marcelo que a maioria à esquerda deixará de governar e, desta forma, a oposição, nomeadamente o PSD, terá de fazer o seu trabalho de forma isolada sem a âncora ou muleta presidencial. E isto será significativo. Por mais que Passos Coelho tenha afirmado à entrada do segundo dia do congresso que não será pelo seu partido que haverá instrumentalização política do papel do Presidente da República, o que aliás também não seria benéfico numas eventuais legislativas antecipadas, a verdade é que Marcelo Rebelo de Sousa não permitirá ao PSD uma pressão política tão premente e tão forte como a que foi feita pela então oposição (PS, BE e PCP) nos mandatos de Cavaco Silva em Belém.

Reconhecendo claramente as limitações do papel e da acção política do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa não assumirá nenhum exercício de fractura ou de ruptura, agindo e intervindo em função dos acontecimentos mas sempre com uma postura de devolver as responsabilidades políticas para os diversos agentes, sejam eles internos (Assembleia da República, Governo, Partidos) ou instituições externas (por exemplo, a Comissão Europeia).

Daí que tenha sido perfeitamente expectável o seu discurso, uma declaração carregada de afecto e muito pouco crítica ou acusadora, apesar de todas as dúvidas, incógnitas, incertezas e instabilidade que o Orçamento para este ano carrega e contempla e que foram, mesmo que de forma suave, apontadas nas palavras de Marcelo Rebelo de Sousa. Como exemplos registe-se a interrogação sobre o demasiado optimismo das previsões macroeconómicas, a eventual necessidade de medidas excepcionais, a sua execução e a capacidade do cumprimento das metas e políticas, bem como o modelo que suporta a sua estruturação assente, essencialmente, no aumento do consumo.

Mas sobre a questão da austeridade, sobre as medidas e políticas que estão contempladas no OE2016 (por exemplo carga fiscal, despesa pública, investimento público, emprego, desemprego, saúde, justiça ou educação) Marcelo não se pronunciou.

A promulgação do documento orçamental acabou por ser sustentada em três premissas, meramente formais, que devolvem à Assembleia da República e ao Governo as responsabilidades políticas. Primeiro, o não haver dúvidas quanto à sua Constitucionalidade, o que resultou numa bandeira política para o BE e PCP (como se o rigoroso cumprimento da Constituição, este preconceito ideológico da esquerda, fosse garantia do sucesso da execução orçamental). Segundo, o facto do Orçamento do Estado ter espelhado o compromisso dos partidos que suportam o Governo (PS, BE e PCP). Terceiro, o documento ser o reflexo dos trabalhos realizados entre o Governo de António Costa e as instituições europeias, apesar das inúmeras interrogações, dúvidas e pressões que foram publicamente referidas.

Em 2017, ano de autárquicas, logo saberemos se a execução orçamental, a estabilidade da maioria à esquerda, produzirá o mesmo sentimento de afecto de Marcelo Rebelo de Sousa.