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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Bolsas (de)mérito

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publicado na edição de hoje, 30 de setembro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Bolsas (de)mérito

Não pretendo tecer qualquer consideração sobre o conflito entre a defesa da Escola Pública e a defesa da Escola Privada com subsidiação estatal. Entendo que era, e é, uma questão relevante mas desvirtuada pelo extremismo das posições e enviesada pela maioria dos argumentos usadas, parte a parte. O que ressuscita o tema prende-se com a Escola Pública, num âmbito que ultrapassa o referido conflito que encheu páginas de jornais e ocupou horas de informação. Na argumentação em defesa do fim dos contratos associativos com o ensino privado e cooperativo está não só o compromisso constitucional do Estado no investimento de uma rede pública de ensino que cubra as necessidades de toda a população, mas também a defesa de uma Escola “de qualidade, inclusiva, onde todos possam aprender mais e aprender melhor”, que “defenda a liberdade de ensinar e de aprender para todos, seja qual for a sua condição, o seu território, as suas necessidades, as suas aspirações. (…) Porque a escola pública não escolhe alunos. A escola pública é para todos e é a única que garante igualdade de oportunidades. A escola pública é de todas as cores da democracia.”… lia-se em vários manifestos da campanha pela Escola Pública. A argumentação, em si mesma, como princípio universal, não merece contestação. O problema é quando o princípio/fundamento é ilegitimamente apropriado para o combate ideológico radical e esbarra em realidades pragmáticas e estruturais, apesar de simples, contraditórias. A Lei de Bases do Sistema Educativo e o Decreto-Lei 55/2009 (Governo PS de José Sócrates) ainda em vigor, regulados por vários despacho ministeriais dos quais o último data de Setembro de 2011 (Governo do PSD de Passos Coelho) determina um conjunto de apoios no âmbito da acção social escolar, onde cabem os diversos escalões para a subsidiação dos manuais, da alimentação, do transporte, entre outros. Até aqui nada a contestar já que defendo, claramente, que um Estado que não sabe cuidar dos mais frágeis, dos desprotegidos, não é um Estado que promova a justiça, a inclusão, a equidade, que defenda uma sociedade de e para todos. Só que a realidade escolar e o confronto com a demagogia ideológica da defesa dos fundamentos da Escola Pública não é linear, nem transparente e, muito menos, justa, inclusiva e igualitária no tratamento e nas oportunidades. No âmbito das referências legislativas e dos apoios sociais escolares sumariamente descritas há algo surreal. O Ministério da Educação determina, há alguns anos e sem alteração pelo actual Governo (ou seja, com a actual anuência) a atribuição de Bolsa de Mérito Escolar. Ora, aqui está uma medida que, por princípio, só valorizaria a Escola Pública e solidificaria a argumentação da defesa da mesma: promover o mérito escolar sem condicionantes de natureza sócio-económica, sem exclusão, sem diferenciação. Mas condenavelmente a realidade é outra. A tal Escola Pública de todas as cores, para todos e com todos, determina pelo artigo 11º do Despacho n.º 18987/2009 (Governo socialista) que a Bolsa de Mérito escolar (que tem como princípio a valorização do empenho e do desempenho do estudante, com base nas suas notas) apenas se destina a alunos subsidiados pela acção social escolar (ou pela Segurança Social – abono de família). É surreal e manifestamente condenável e inaceitável.

É o próprio sistema da Escola Pública que diferencia pobres e ricos (e aqui entenda-se que um agregado familiar, com um dependente menor, no seu conjunto obtém o rendimento mensal de 2200 euros é rico, já que não tem subsídios escolares nenhuns, nem abono de família algum, apesar de pagar quase 500 euros de IMI, sem vistas privilegiadas, empréstimo bancário para habitação, cerca de 300 euros anuais só em manuais escolares), que exclui uns em benefício de outros (mesmo que estes outros usufruam de dupla subsidiação caso lhes seja atribuída a bolsa), que defende, de forma perfeitamente questionável, que o desempenho escolar e o mérito tem por base a condição sócio-económica do aluno (resta notar que a média exigida no secundário tem como mínimo 14 valores, com um indício claro de que quem tem dificuldades económicas é menos inteligente ou o mérito é claramente menorizado e desvalorizado). É a própria Escola Pública que, no mais elementar e essencial - a formação, o conhecimento, o saber - exclui em vez de incluir, que desvirtua o mérito, que cria injustiças e desigualdades, que não respeita todos, independentemente da sua condição.

Havia um slogan da campanha em defesa dão ensino público que dizia “a escola pública é de todas as cores”… pena que umas cores sejam mais esbatidas que outras.

A 12 meses das autárquicas

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publicado na edição de hoje, 28 de setembro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
A 12 meses das autárquicas

Se nada houver em contrário estamos a cerca de 12 meses do próximo acto eleitoral, as eleições autárquicas, que terão uma forte análise política quanto aos seus resultados.

Para a maioria dos candidatos a candidatos e para os eventuais recandidatos o timing ainda é longo e não será expectável que antes de primeiro trimestre de 2017 haja muitas novidades e anúncios formais ou informais.

Para a agenda política, as eleições autárquicas são ainda uma miragem dado que o próximo marco com relevância será a apresentação do Orçamento do Estado para 2017, dentro de dois meses.

Conjugando estes dois factores faz sentido estar a falar das eleições autárquicas de 2017? Também por estes dois factores, faz sentido.

Do ponto de vista do contexto eleitoral há já algumas realidades que importa analisar. As duas principais autarquias do país, Lisboa e Porto, com forte componente político-partidária, estão a revelar-se incómodas para alguns partidos, nomeadamente o PSD: a indefinição quanto ao apoio ou não à recandidatura de Rui Moreira volta a deixar o PSD-Porto num beco sem saída. Por outro lado, o contexto para a Câmara Municipal da capital não se afigura mais facilitado, antes pelo contrário. O inesperado anúncio de Assunção Cristas como candidata pelo CDS a Lisboa obriga o PSD a um redobrado esforço na escolha de um candidato forte e retira margem para uma desejável coligação, dando espaço de vitória ao PS. Mas não são apenas Lisboa e Porto a mexerem já com as eleições de 2017. Oeiras volta a trazer às autárquicas o regresso de Isaltino Morais e o confronto polémico com o PSD. Também o PS-Aveiro veio já a público, numa entrevista do líder da concelhia ao Diário de Aveiro, colocar as autárquicas na agenda política local com o anúncio de uma lista de quatro eventuais candidatos à liderança dos destinos aveirenses. Anúncio que se afigura algo estranho quer pela distância temporal em relação à data das eleições surpresa, quer pela indicação pública de um conjunto de quatro nomes (apenas para um lugar) que pode revelar-se constrangedor para qualquer um dos visados, dado nenhum deles ter assumido a candidatura.

Importa ainda saber de que forma é que o Governo irá posicionar-se em relação ao Poder Local e de que forma é que as suas políticas e acções poderão condicionar as eleições, tendo em conta, por exemplo, os avanços e recuos quanto a matérias de descentralização e delegação de competências ou em matérias fiscais e financeiras, como é o caso da estagnação (e a já anunciada, por parte do Secretário de Estado da Administração Local, intenção de alteração) da Lei FAM.

Do ponto de vista da agenda política é a própria discussão do Orçamento do Estado para o próximo ano que ditará também o que poderá ser o combate político nos próximos tempos, com um claro envolvimento das eleições autárquicas de 2017.

Face ao que tem sido a realidade política que envolve os três partidos que suportam a actual governação, com mais ou menos divergências, com mais ou menos retórica política com a pretensão de definição de fronteiras partidárias entre PS, BE e PCP, com a austeridade a manter-se encapotada nos impostos indirectos, com a economia a estagnar e a ficar longe dos objectivos traçados, com o défice em risco, com os avisos do FMI, da União Europeia ou do Conselho de Finanças Públicas, Partido Socialista, Bloco de Esquerda e Partido Comunista tudo farão, desde provar o próprio veneno ou engolir sapos, para manter o poder ou para evitar que ele volte a cair nas mãos de PSD e CDS. Não será, por isso, previsível, por mais abanões que sofram, que o Governo caia antes da legislatura.

Assim, estas eleições autárquicas têm um peso político muito significativo para avaliar a capacidade da esquerda em manter-se com escolha governativa ou a capacidade da direita em recuperar a escolha que os portugueses fizeram em 2011 e, mesmo que em maioria relativa, em 2015, afirmando como uma clara alternativa ao actual Governo.

As eleições autárquicas previstas para daqui a 12 meses começam já a ser delineadas porque o combate político terá muito mais de governação, de país, de défices e orçamentos do que poder local ou política local. Doze meses passam num instante.

Uma excelente "prenda"... e ainda não é Natal

A economia aveirense recebeu prenda de Natal antecipada.

Segundo notícias vindas hoje a público (por exemplo, no Expresso online de hoje) a Fábrica da Renault/C.A.C.I.A. (Aveiro-Cacia) recebeu investimento na ordem dos 150 milhões de euros, viabilizando o exercício operacional de uma das mais fortes indústrias da região por mais 15 anos.

Para um sector (o automóvel) que vive momentos de turbulência, de polémica, de crise financeira e de gestão, para uma fábrica que por diversos períodos viveu momentos de incerteza e instabilidade, esta só pode ser uma excelente prenda antecipada de Natal para a empresa, para os trabalhadores e famílias, para a economia aveirense.

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É urgente recordar...

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A notícia tem cerca de um mês e, por lapso meu, não teve, na altura, o devido destaque aqui no Debaixo dos Arcos. De qualquer forma vem sempre a tempo (mesmo que a destempo).

Refere o Jornal de Notícias que o Governo retirou benefícios fiscais (isenção ou redução do pagamento do Imposto de Circulação (IUC) a deficientes com grau de incapacidade acima dos 60%, agravado ainda por algumas interpretações erradas na aplicação da lei por parte da Autoridade Tributária.

Há três notas que merecem referência em relação a esta incompreensível e condenável medida do Governo.

Primeiro, é difícil compreender e aceitar uma insensibilidade significativa por parte do Governo em relação aos cidadãos portadores de deficiência, sendo que um grau de incapacidade acima de 60% deveria merecer um maior cuidado e um maior respeito.

Segundo, um país que não sabe respeitar a deficiência, não sabe respeitar a diferença, muito dificilmente será um país justo, desenvolvido, coeso, por maior que seja o combate às desigualdades salariais e patrimoniais tão em voga nos partidos que suportam o Executivo de António Costa.
Esta realidade faz-me recordar um momento particular vivido em 2014 com a apresentação pública do livro da jornalista Fátima Araújo, "Por acaso..", em terras de Santa Maria da Feira, que retrata as realidades vividas por quatro jovens portadores de Paralisia Cerebral. Realidades que foram recordadas durante o ano de 2015 e que, pelos infelizes motivos, não se pretendem deixar de referenciar ainda hoje (Era bom nunca perder a memória... ; Para que servem os "dias de"... e Nem sei como adjectivar. Só me ocorre: VERGONHA! ).

Terceiro, é igualmente incompreensível esta obsessão governativa pela questão patrimonial que ultrapassa, ou se fixa, numa lógica de radicalismo ideológico, mesmo correndo todos os riscos da incoerência, da injustiça, da falta de pragmatismo ou da ausência da percepção da realidade.
A referida alteração legislativa incide especialmente (fim da isenção ou redução parcial do benefício) sobre os veículos mais poluentes ou de maior cilindrada (classe B). A obsessão ideológica é de tal forma patente que o Governo nem parou para pensar em duas realidades muito concretas: os veículos mais poluentes têm já uma taxa agravada por razões ambientais (aliás, era uma das críticas à decisão de António Costa, enquanto presidente da Câmara Municipal de Lisboa de limitar a circulação de determinados automóveis no centro da capital); e a necessidade das famílias com cidadãos portadores de determinadas deficiências terem veículos com determinadas características (peso, dimensão, cilindrada) para poderem fazer face às exigências de transportes (cadeiras, andarilhos, etc.).

É urgente olhar para a diferença com sentido de justiça, de solidariedade, de oportunidades iguais, de inclusão social. Só assim haverá um Portugal mais justo e mais desenvolvido. Há mais vida para além dos défices...

Os "nim's" da política... ou mais uma incoerência

Sem título.jpgTem sido penosa toda a discussão em torno do hipotético imposto sobre património, desde o anúncio feito pela deputada Mariana Mortágua, passando pela inconsistência e incoerência da medida anunciada, pelos avanços e recursos, pelas críticas e pelo mau estar que gerou no PS e no Governo.

Mas não se fica por aqui as incoerências do BE e do PCP/PEV no que respeita ao apoio a medidas do Governo, tendo em conta os discursos e os princípios dos dois partidos da esquerda portuguesa.

O mais recente prende-se, tendo em conta toda a argumentação usada na justificação da tributação do património, com o combate às desigualdades e a defesa dos mais pobres face aos mais ricos.

Incompreensivelmente, Bloco e PCP/PEV aprovaram não só o aumento dos administradores da Caixa geral de Depósitos (19 administradores) mas também o fim do limite salarial dos gestores do banco público. Para quem se atira com unhas e dentes a ludo o que é banqueiro e ao próprio sistema bancário é, no mínimo, criticável a posição tomada. Mas a incoerência não termina aqui.

Em outubro de 2015 muitas foram as críticas e as acusações por parte de BE e do PEV em relação ao aumento salarial (150%) do presidente da Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) tornada entidade reguladora. Por esse facto e tal como previsto na lei (mesmo que condenável) surgiu o referido aumento salarial.

No final desta semana, o parlamento discutiu e fez baixar a Comissão de Especialidade várias propostas de alteração da lei, limitando os tectos salariais das entidades reguladores, aplicando ainda tributação fiscal (considerando remunerações) à utilização de cartões de crédito e outras regalias.

Para quem tanto brada aos céus pelo princípio da igualdade e pela justiça social e salarial, pelos vistos há gestores públicos de primeira e de segunda (pelo menos).

Uns podem acumular riqueza, outros nem por isso.

A pimenta nos outros...

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Não vão assim tantas semanas ou dias em que o país se debruçava sobre a polémica das contas do Partido Socialista e as notícias vindas a público sobre as dificuldades financeiras que assolavam várias concelhias do PS.

Rapidamente, o PSD lançava a transposição da informação noticiada para a agenda política: se o PS não consegue governar a sua própria casa como é que irá governar o país? (mais vírgula, menos vírgula). Rapidamente a questão caiu no esquecimento até porque esta coisa da contas dos partidos políticos é algo que importa não deixar muito claro (e clarificado) na opinião pública.

Mais recentemente, após a afirmação da presidente do Conselho de Finanças Públicas sobre os excessivos anúncios de alteração tributária em Portugal, o Governo tem revelado um processo comunicacional frágil, impulsivo, inconsistente, em matéria fiscal, entre avanços e recuos e explicações que deixam mais dúvidas do que certezas.

A oposição tem-se agarrado a estes avanços e recuos governativos (ou da maioria que sustenta o Governo) para fazer o seu trabalho de confronto político, utilizando os argumentos ou o recurso aos interlocutores.

Só que coerência política e partidária é algo que há muito deixou de ser a imagem pública dos partidos e dos políticos.

Pedro Passos Coelho é o líder do PSD, o rosto do maior partido votado nas últimas eleições legislativas mas relegado para o papel de oposição (por força dum aproveitamento de uma determinada conjuntura parlamentar), foi, até há cerca de um ano, Primeiro-ministro de Portugal.

Como social-democrata só posso lamentar a imagem transmitida pelo presidente do PSD nos últimos dias.

De uma irrevogabilidade firmemente tornada pública na comunicação social quanto à apresentação do livro de José António Saraiva (entretanto aqui comentada) até à recusa do mesmo (ou ao pedido de escusa da apresentação) vai um espantoso intervalo de pouco mais de quatro/cinco dias. E isto não é apenas uma questão de pormenor, de fait divers, ou de uma questão individual e personalizada. É uma questão política e de imagem política.

É que Passos Coelho deixou muitas interrogações no ar e algum desconforto interno com este vai não vai, apresento não apresento, não recuso e afinal recuo, retirando argumentação moral ne legitimidade política ao confronto entre oposição (PSD) e Governo (PS, BE e PCP). Além disso, não colhe a argumentação da sabedoria popular do "preso por ter e preso por não ter", já que quem se colocou "a jeito" foi, claramente, Passo Coelho.

Que imagem deu o líder do PSD ao aceitar a exposição que é sempre pública e mediatizada da apresentação de um livro sem nunca o ter lido? E sem nunca ter lido a obra, apesar dos avisos públicos e das várias críticas, é compreensível que o líder da oposição se comprometa tão "irrevogavelmente" com o que desconhece?

Mas as dúvidas e o desconforto permanecem com a opção de recusar (recuar) na apresentação do livro polémico (mais que polémico, abjecto) porque as razões apresentadas por Passo Coelho acabam por ser praticamente as mesmas com que as vozes críticas (eu incluído) veemente protestaram e condenaram a publicação. E a dúvida, a qual leva à fragilidade da imagem política, persiste. Foi uma tomada de consciência individual, uma opção pessoal, ou a mera incapacidade de resistir à pressão pública que, neste caso, era demasiado generalizada e abrangente?

Não correu nada bem, em tudo (do princípio ao fim). Resta o consolo do distanciamento final em relação à polémica. Pela minha parte, como social-democrata, só lamento toda a exposição e a precipitação inicial.

Este diz que não disse, esta incoerência, esta inconsistência, não ficam bem e só mancham a imagem política do líder do PSD.

E como diz a sabedoria popular: "pimenta no rabinho dos outros é refresco".

Livro “mal-dito”

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publicado na edição de hoje, 21 de setembro, do Diário de Aveiro.

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Livro “mal-dito”

A par da questão do imposto ou taxa “Mortágua” (património), que deixaremos para outras núpcias quando o que agora não passa de um conjunto de intenções, que muda constantemente ao sabor do vento, se tornar algo mais concreto e consistente; a par do aproximar da data do Orçamento do Estado para 2017 (ao qual acresce o cumprimento ou não do défice); a par da jogada política de antecipação autárquica de Assunção Cristas para Lisboa; o mediatismo dos últimos dias tem-se centrado na publicação do livro de José António Saraiva, “Eu e os políticos - o livro proibido”, com o selo das edições Gradiva.

Tive algumas dúvidas em escrever sobre tal tema uma vez que demasiada publicidade, nestes casos, leva a um significativo aumento da curiosidade e à compra de abjecta literatura. Mas como está na génese dos portugueses, no seu adn, é da condição lusa o gosto pelo mórbido, pela mexeriquice, pelo cheiro à devassa, pelo mal-dizer (salve-se o escárnio) e porque o tema entrou também ele na agenda e no discurso político, não quis deixar passar em branco porque é demasiado grave e tem suscitado críticas e posições públicas dos mais variados quadrantes político-partidários.

Que o autor (jornalista, ex-director do jornal Expresso e do jornal Sol) escreva um livro sobre a sua relação com políticos usando informação privilegiada ou confidencial, pretendendo demonstrar uma posição de relevo na comunicação social e na política que dificilmente alguém lhe atribuirá, é um exercício de puro egocentrismo e narcisismo que, criticável, não deixa de ser legítimo e sustentado no princípio do direito à liberdade de expressão. A questão prende-se mesmo com o conteúdo (mais que a forma) e com parte do próprio título do livro “(…) - o livro proibido”. Num país que vive siderado por uma “casa dos segredos” onde até a política já entra nada melhor que surgir à estampa o pior e o mais ignóbil da mexeriquice e da alcofa alheia. Só que o problema é que o livro é mais do que a mera mexeriquice, é a devassa da privacidade e da intimidade de terceiros, através de um ignóbil recurso a eventuais informações transmitidas por quem já faleceu e não está entre nós para o contraditório, o que, por si só, é plausível de processo-crime (segundo a Lei Penal em vigor), para além de uma gritante falta de carácter do autor pelo uso de informação confidencial e pessoal (no sentido de íntimo e privado). Obviamente, o “crime” compensará pela eventual perspectiva do autor e da editora no lucro das vendas. Pessoalmente, só desejo o maior dos falhanços. A vida privada, a intimidade de cada um, nada tem de político, nem partidário. Vale pela reserva desse importante direito, mesmo em confronto com a liberdade de expressão. Os portugueses não podem andar, legitimamente, a bradar aos céus e a todos os ventos a defesa de direitos pessoais como as contas bancários, dados pessoais, entre outros, e não deixarem de star preocupados com a facilidade com que se expõe em praça pública informação íntima e privada de terceiros, mais ainda usando um esquema deplorável de colocar a responsabilidade da informação em quem já não a pode contrariar (ou até provar) ou impedir a publicação da mesma.

Há, ainda, a primeira parte do título do livro: “Eu e os políticos”, deixando de lado o narcisismo do “eu”.

Portugal, ao longo da sua história política, cultural e social, sempre viveu sobre o manto da corrupção, do amiguismo, do caciquismo, dos favores pessoais, da cunha, etc. Apesar disso, há uma grande parte da sociedade que manifestamente tem vindo olhar para essas realidades de forma muito mais crítica e condenatória, principalmente quando envolve a política e os políticos. É por isso lamentável e criticável que para, José António Saraiva, a política, ou a “sua” política, e os políticos, com quem, profissionalmente, andou tantos anos de mãos dadas, se resuma a uma convivência pessoal e profissional do mexerico, da intimidade, da intriga, da sexualidade e da alcofa. Triste, abjecto, infeliz…

Por último, porque de política e políticos se trata, porque há sempre uma linha, ética e deontológica, muito ténue entre a política e o jornalismo, pelo conteúdo da publicação, é incompreensível para os portugueses, nomeadamente para os militantes e simpatizantes do PSD, que o líder social-democrata, ex-Primeiro ministro, actual líder do maior partido da oposição, com tantos problemas no país, se preze a um teatro mediático desprezível e se mostre disponível para apresentar, publicamente, o livro. Por maiores ligações pessoais que existam entre Passos Coelho e José António Saraiva, o líder do PSD sairá, publicamente, manchado. Era, e é, escusado.

A meia verdade e a demagogia política

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publicado na edição de hoje, 14 de setembro, do Diário de Aveiro.

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A meia verdade e a demagogia política

A propósito da publicação das listas com as candidaturas ao ensino superior e o aproximar de mais um ano lectivo o Primeiro-ministro afirmou que «o aumento de colocações no ensino superior registado este ano representa a morte do modelo de desenvolvimento sem direitos, salários e Estado Social que a direita quis impor».

Com isto, António Costa quis afirmar que existe uma recuperação financeira das famílias que permite um maior acesso dos jovens ao ensino superior, algo que o anterior governo PSD-CDS, segundo o Primeiro-ministro, não conseguiu e regrediu (empobreceu). António Costa criticou ainda a desculpa da demografia eventualmente usada pelo Governo de Passos Coelho.

O facto é que António Costa tem metade da razão e da verdade: a primeira fase dos resultados de colocação dos "caloiros" revela-nos um aumento do número de alunos colocados nas universidades e institutos politécnicos, isto é, mais cerca de 2,1% totalizando perto dos 43 mil alunos. Só que há dois pormenores que António Costa preferiu esconder. Os últimos três anos registaram aumentos no número de alunos colocados no ensino superior o que, por seu lado, desfaz a sua tese de que tal é resultado da melhoria das condições de vida das famílias portuguesas. A menos que António Costa tenha dado um verdadeiro tiro no pé, com tanta ânsia de anunciar a boa nova, e reconheça, de facto, que durante os últimos dois anos de governação PSD-CDS as condições de vida dos portugueses e das suas famílias tenha também melhorado.

O número de colocações de novos alunos no ensino superior, tal como o Primeiro-ministro afirmou, não tem, de facto a ver com questões de demografia. Aliás, isso é patente no primeiro ciclo (antiga primária) e é uma realidade que o Governo não pode esquecer: o mesmo número de turmas abertas no 1º ciclo que em 2015/2016 (55 mil) mas um decréscimo no número de crianças matriculadas (80 mil para este ano lectivo face às 94 mil do ano passado).

A sustentação ou as fundamentações para o ingresso no ensino superior são muito mais variadas e complexas do que o factor financeiro (mesmo que este seja, compreensivelmente, importante). Há que ter em conta, por exemplo, a decisão em 2009 do Governo de José Sócrates, pela mão da então ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, de aumentar a escolaridade obrigatória até ao 12º ano (medida com prazo de aplicação efectiva até ou a partir de 2013), medida que começa agora a dar os seus frutos por força da diminuição do abandono escolar. Por outro lado, o aumento do número de vagas tem igualmente impactos no aumento do número de alunos no ensino superior.

Mas há mais… Era bom que o Governo PS, sustentado pelo BE e pelo PCP, tivesse também presente outras realidades relevantes, face às afirmações do Primeiro-ministro. Para além das questões de âmbito financeiro e económico (cumprimento do défice, orçamentação do Estado, abrandamento do investimento e da economia para metade do previsto) era importante que fossem tidos em consideração outros dados: se 80% dos alunos que terminam o 12º ano, cursos gerais, opta por se candidatar ao ensino superior, apenas 18% dos alunos dos cursos profissionais ou vocacionais têm intenção de prolongar a sua formação académica (dados da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação); cerca de 24 mil alunos que terminam o secundário opta por não continuar os seus estudos; há cerca de 45 cursos superiores vazios nas universidades e, essencialmente, nos politécnicos, deixando desertas cerca de 1200 vagas na formação superior. A isto, já que António Costa falou da qualidade de vida e dos direitos dos portugueses, importa recordar o desemprego, o número de desempregados que já não consta dos dados do IEFP (sem subsídios e sem emprego) ou quem em Julho o IEFP registava um aumento do número de casais desempregados (mais de 21 mil) ou ainda que, segundo um estudo sobre sustentabilidade realizado pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, cerca de 30% dos portugueses deixou de ter possibilidade de comer em restaurantes e que 13% comem pior desde que a crise se instalou em Portugal.

As reentradas

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publicado na edição de hoje, 7 de setembro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
As reentradas

Sendo a vida, toda ela, marcada por ciclos também a política o é. Há as legislaturas, os intervalos/ciclos eleitorais, as prestações de contas … E há as chamadas “férias políticas” (as silly season) e as reentradas nos novos anos políticos (rentrées).

No que respeita ao período morno, quando a política vai a banhos, este ano até foi uma estação movimentada: o polémico processo da Caixa Geral de Depósitos com o aumento do número de administradores, a fim do limite salarial dos cargos e o chumbo de oito nomes pela União Europeia; a polémica em torno da presença de Hélder Amaral, do CDS, em Angola e a suposta colagem ao MPLA; as viagens a França pagas pela GALP para os jogos do Euro2016; o acesso indiscriminado (apesar da fasquia dos 50 mil euros) do fisco a todas as contas bancárias; as vistas privilegiadas do IMI e a tributação aos imóveis religiosos e partidários; e, mais recentemente, a crise das finanças internas do Partido Socialista. Não fosse o infeliz ciclo repetitivo, com mais ou menos impacto, do flagelo dos incêndios e havia (houve) matéria política suficiente para entreter os portugueses no intervalo de dois mergulhos, porque o calor bem apertou.

Quanto ao regresso da plenitude da actividade política, as reentradas para mais um ciclo, foram marcadas pela mesma realidade: a execução orçamental, o défice, a dívida pública e o próximo Orçamento do Estado, antevendo-se que este seja o principal foco político para os próximos meses.

Prevê-se, por isso, um permanente medir de forças nos próximos tempos. Primeiro, mais silenciosamente, entre o Governo/PS e os partidos que sustentam o apoio parlamentar, BE e PCP, independentemente do sound bite que se possa ir produzindo para alimentar as expectativas do eleitorado. E há três questões políticas fundamentais em jogo: saber até que ponto o Governo consegue convencer BE e PCP para a importância da harmonia nas relações com as instituições europeias, conhecendo-se as posições mais radicais de bloquista e comunistas; saber até que ponto BE e PCP não esbarrarão nalguma “inveja partidária” quanto a eventuais primazias na coligação e nas negociações orçamentais; e saber até que ponto BE e PCP estão disponíveis para “beber” do próprio veneno para assegurar a continuidade no poder e não alimentar nenhuma crise política que só favorece PSD e CDS. Os dados que estão em cima da mesa não são nada favoráveis, antes pelo contrário: o valor do crescimento económico ficou, para já, a metade das expectativas do Governo (0,9% face aos perspectivados 1,8% com um crescimento de três décimas, após revisão do INE); o valor das exportações recuou em junho passado em cerca de 2%; o consumo privado, o tal motor económico tão badalado pelo Governo, baixou no primeiro trimestre e indicador de confiança dos consumidores voltou a descer em agosto, pelo terceiro mês consecutivo, devido à situação financeira generalizada dos agregados familiares e ao desemprego; a dívida pública, em julho, aumentou 800 milhões de euros, colocando o valor da dívida acima dos 240 mil milhões de euros que representam cerca de 131,9% do valor do PIB (o ano de 2015 fechou com o valor de 128,8% do PIB). Mas em cima da mesa das negociações estão mais particularidades: as exigências da União Europeia (2,5% de meta do défice e uma redução do défice estrutural em 0,6% contra a vontade governativa de baixar apenas 0,4%); a necessidade latente e óbvia de que o Governo e as contas públicas precisam urgentemente, face às políticas actuais e ao processo da CGD, de dinheiro que levará a  aar processo da CGDre os combusteradoecessidade latente e rego; rspectivados 1,8%) o calor bem que apertou.uma eventual revisão da carga fiscal (relembre-se toda a recente polémica em torno do IMI e o exemplo do praticamente inalterado valor do imposto sobre os combustíveis); a complexidade da gestão dos recursos humanos na função pública (congelamento de salários, manutenção do “subsídio de Natal” em duodécimos, as carreiras e contratações ou mobilidades); os eventuais cortes nas pensões; a subsidiariedade social (RSI, desemprego, ADSE, ensino, etc); o aumento da despesa na saúde e os atrasos nos pagamentos neste sector, bem como as PPP’s com sistemas privados; as políticas de ensino e de gestão escolar; entre outros.

Resta pois saber até que ponto as afirmações de Catarina Martins e o seu arrependimento político de apoio à “geringonça”, de José Manuel Pureza quanto à relação com a União Europeia ou as de Mariana Mortágua que adjectivou o Governo como não sendo de esquerda são concretas, reais e verdadeiras ou apenas um cardápio de frases retóricas e demagogas para que tudo se mantenha igual quando o peso do poder falar mais alto. Ou ainda… saber até que ponto a passividade ideológica e pragmática do PCP e da CGTP continuarão a alimentar o rumo do país.

Que a memória não se apague...

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Fez esta sexta-feira passada um ano que o mundo olhava para esta foto com um misto de estupefacção, raiva, emoção, inquietude... de dor. Mas simultaneamente com muitas interrogações, críticas, o apontar de responsabilidades ao fundamentalismo religioso e político, ao estado islâmico, à Síria, à União Europeia, aos Estados Unidos.

Mas acima de tudo a imagem do pequeno Aylan Kurdi marcou de forma "explosiva" o momento, apesar de tantas e tantas mortes que o Mediterrâneo tinha já registado.

Infelizmente, a memória é curta ou as pessoas tendem a transformar rapidamente as lágrimas e a revolta em passado.

A verdade é que desde janeiro deste ano até ao passado mês de agosto foram resgatados às águas do Mediterrâneo mais de 270 mil refugiados, estimando-se que tenham perdido a vida cerca de 3165 pessoas das quais 205 são crianças e bebés.

E se o polémico e condenável acordo entre a União Europeia e a Turquia, transformando a vida humana num negócio e reduzindo a condição humana a um mero valor monetário, parece ter reduzido a afluência de refugiados às costas gregas e italianas, também é verdade que criou outro tipo de realidades: o aumento do tráfico humano e de órgãos humanos, das violações e da prostituição infantil, das condições de vida sub-humanas nos campos de refugiados; e, por outro lado, o aumento de refugiados de outros pólos de migração, nomeadamente do norte de África (Eritreia, Somália, Nigéria, Gâmbia, entre outros).

E preocupante é também a incapacidade da ONU, do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, da Rússia, dos Estados Unidos, entre outros, e principalmente da União Europeia para encontrar uma solução eficaz, humanitária, política, para este incontrolado e grave flagelo das dias de hoje. Segundo a organização Save the Children "desde o ano de 2015 terão chegado à Europa mais de 1,2 milhões de refugiados – a maior vaga de migração forçada desde a Segunda Guerra Mundial" (fonte: revista Visão).

A tudo isto acresce a preocupante afirmação do Presidente do Conselho Europeu, Donal Trusk, que afirmou, na presente cimeira dos G20, que «capacidade da UE para acolher refugiados está "próxima dos limites"» (fonte: Diário de Notícias - edição online de 4 de setembro).

Como diz a canção... o mundo gira, mas parece ter deixado de avançar.