Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Há eleições… faltaram as reformas

logo_autarquicas2017.png

publicado na edição de hoje, 5 de abril, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Há eleições… faltaram as reformas

Está oficialmente agendado o dia das eleições autárquicas de 2017: 1 de Outubro.

É por demais notório que estas eleições, do ponto de vista político, terão um peso partidário nacional significativo para todos os partidos, seja o PS, os da coligação ou os partidos da oposição. Um mau resultado do PSD e do CDS terá impacto futuro no que respeita às suas afirmações como alternativa ao actual Governo e terá ainda leituras e impactos significativos nas suas lideranças internas, bem como nas legislativas de 2019. Por outro lado, uma vitória eleitoral do PS representará a sua afirmação na governação do país e a sua consolidação como Governo, podendo ainda libertar o partido da amarra da agenda ideológica do BE e do PCP. A confirmação do PCP como partido com cariz autárquico e o aparecimento significativo do BE em algumas autarquias (apenas por uma única vez, e de forma negativa, o BE foi poder autárquico) será um importante balão de oxigénio para os dois partidos garantindo-lhes expressão política que lhes permita poder negocial na coligação parlamentar e nas próximas eleições legislativas.

Mas o processo eleitoral autárquico que se realizará este ano comporta outras realidades políticas e processuais que estão para além das leituras partidárias nacionais. Nomeadamente pela total ausência ou completo esquecimento de reformas há muito expectáveis ou que a experiência dos últimos quatro anos legislativos autárquicos deveria ter obrigado a reflectir e a repensar.

Excepção para os dois principais municípios portugueses, Lisboa e Porto, alguns municípios das suas áreas metropolitanas ou uma ou outra autarquia do país com peso político relevante (como mero exemplo a margem sul do Tejo tradicionalmente bastião da esquerda), as eleições autárquicas são mais marcadas pela personificação das candidaturas do que propriamente pela afirmação ou confronto ideológicos. Neste sentido, claramente por manifesto receio dos partidos políticos em perderem a sua influência política e capacidade de afirmação no espaço público, continua injustificável a considerável diferenciação processual entre candidaturas partidárias e candidaturas independentes, condicionando, na maioria dos casos, o pleno exercício basilar da democracia: o direito livre a eleger e a ser eleito. E dentro destes dois princípios constitucionais persiste uma lei de limitação de mandatos autárquicos (algo que não existe noutras funções políticas públicas, como por exemplo, primeiro-ministro, deputado parlamentar, vereador autárquico) que alguma polémica trouxe nas eleições de 2013 e que se mantém sem qualquer discussão ou avaliação, nomeadamente se essa limitação dos três mandatos é ou não castradora desses direitos fundamentais da democracia e se, na prática, foi, de facto, obstáculo ao caciquismo e à corrupção, como eram alguns dos seus objectivos mais relevantes.

Mas a principal reforma que era, apesar da sua muito recente aplicação, mais esperada para estas próximas eleições autárquicas, principalmente fruto da alteração governativa registada em 2015 (há dois anos), ficou na gaveta e caiu no esquecimento. Faltou uma avaliação à última reestruturação do mapa administrativo que agregou 1168 freguesias (4260 para 3092) e que resultou em freguesias demasiado volumosas para a dimensão da sua estrutura administrativa ou que resultou num maior isolamento rural e, principalmente, no interior, desvirtuando e desvalorizando a importância e o papel político, administrativo e social que as Juntas de Freguesia desempenham em muitas comunidades. Ficou ainda por avaliar o impacto financeiro que tal reforma teve nas contas públicas, já que esta era, infelizmente, a principal razão (negociada com a Troika) para as agregações/extinções efectuadas. Por outro lado, o peso e lobby político dos municípios leva, mais uma vez, à ausência de coragem política para o(os) Governo(s) repensar o mapa administrativo de uma forma mais abrangente e refazer o mesmo no âmbito dos municípios.

De fora ficou ainda uma urgente reforma do sistema eleitoral autárquico (por exemplo ao nível das vereações) onde cabe igualmente a competência e a responsabilidade das assembleias municipais, bem como a relação de responsabilidade democrática e de sobreposição política, legal e administrativa entre freguesias e autarquias e entre autarquias e comunidades intermunicipais, ou mesmo, entre o Poder Local e o Poder Central.

Por mais descentralização que se pretenda implementar, muitas vezes ao sabor dos interesses eleitorais e muitas mais vezes sem o necessário equilíbrio nacional, a verdade é que as próximas eleições autárquicas, para além da leitura político-partidária nacional, serão marcadas pela desvalorização do real papel governativo, administrativo, político e social do Poder Local. Foram quatro anos perdidos e com tanta gente na governação com experiência autárquica.