Os rendimentos dos portugueses
publicado na edição de hoje, 6 de agosto, do Diário de Aveiro.
Debaixo dos Arcos
Os rendimentos dos portugueses (o outro lado da moeda)
No comício de Verão do BE, na quarta-feira, a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, elencava um conjunto de medidas e políticas implementadas pelo Governo com a “marca política” do BE. Entre elas estava o regozijo pelo fim dos cortes salariais no tempo da Troika e pelo aumento do salário mínimo que, esperam os bloquistas, possa atingir, em Janeiro de 2018, os 580 euros mensais.
As notícias não podiam, aparentemente, ser mais encorajadoras e positivas: Portugal cumpriu as metas e as exigências orçamentais a que estava obrigado pelos compromissos e regras europeias; Portugal saiu do Procedimento por Défice Excessivo; Portugal baixou a taxa de desemprego para níveis significativos, muito próximos dos 9%; entre outros dados.
Mas este vangloriar partidário do Bloco de Esquerda esquece, porque politicamente dá jeito para garantir a estabilidade governativa e parlamentar, uma realidade que teima em estragar a festa política da actual conjuntura: o PIB ficou longe do aumento previsto; a economia não evoluiu para os valores expectáveis; surgem as críticas e as condenações às cativações orçamentais que implodem o investimento e a responsabilidade social do Estado (por exemplo, na saúde e na educação). Por outro lado, cumpridas as metas orçamentais e as exigências e procedimentos, o Banco de Portugal divulgou dados referentes ao primeiro semestre de 2017 (junho) e que revelam um aumento da dívida pública em cerca de 18 mil milhões de euros, situando-a, nesta data, em cerca de 250 mil milhões de euros.
E os anunciados aumentos dos rendimentos dos portugueses e das famílias espelham outras realidades preocupantes. Em 2016, segundo os dados divulgados pela OCDE, Portugal é o penúltimo país com a taxa mais baixa de poupanças dos cidadãos (-4,1%), deixando apenas a Grécia num lugar abaixo na lista. Uma das razões, para além da economia não crescer dentro dos valores esperados, pode estar o aumento preocupante (face ao historial de erros e resultados negativos que um passado recente ainda traz à memória) do crédito ao consumo em cerca de 5% o que pode, se não controlado, provocar um endividamento das famílias de novo incontrolável, com impactos para todos e para o país. Por outro lado, os dados revelados pelo Banco de Portugal, na passada quinta-feira, demonstram que 90% dos depósitos a prazo simples (para a maioria das poupanças do comum dos portugueses) davam uma remuneração anual simples inferior a 1%, sendo que cerca de 70% dos depósitos situava-se abaixo dos 0,5% ao ano.
Importa ainda não esquecer que um em cada quatro portugueses (25,1%), cerca de dois milhões e seiscentos mil encontram-se no limiar da pobreza e da exclusão social. Destes, 500 mil são crianças e outros tantos (mais meio milhão) são idosos. Ou seja, um milhão de portugueses encontra-se nas faixas etárias mais vulneráveis da sociedade. Além disso, os dados das instituições privadas e públicas que lidam com a vertente social indicam que cerca de 300 mil portugueses não conseguem fazer uma refeição de carne ou peixe de dois em dois dias (dia sim, dia não).
A tudo isto o Eurostat vem juntar agora mais um elemento que reforça as dificuldades que sentem os portugueses e que em nada demonstra uma diminuição da austeridade: na Europa, um em cada três cidadãos não tem dinheiro para sair de casa durante uma semana de férias. Em Portugal, o mesmo estudo do Eurostat revela que perto de metade dos portugueses, 47%, não tem dinheiro para fazer uma semana de férias fora de casa. Contexto que não difere muito dos valores indicados pelo INE há dois dias e que demonstram que, em 2016, 90% das viagens turísticas dos portugueses se realizaram dentro do país, apesar da maioria das deslocações ter como objectivo a visita a familiares e amigos e só depois surgem as viagens de lazer e férias.
Por mais que haja quem se queira vangloriar por políticas que encobrem uma austeridade que teima em manter a sua presença e os seus efeitos, num manifesto exercício demagógico, esta é a outra face da mesma realidade: o país pode estar melhor mas os portugueses nem por isso.