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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

A factura há-de chegar para ser paga

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publicado na edição e hoje, 9 de agosto, do Diário de Aveiro

Debaixo dos Arcos
A factura há-de chegar para ser paga

Vem bem a propósito, nesta semana, a expressão que serve de resumo à entrevista de Daniel Oliveira ao jornal i. O ex-dirigente do Bloco de Esquerda afirmou que “no dia em que o Partido Socialista conseguir maioria absoluta, a geringonça acabou”. A afirmação tem acrescido impacto numa semana (há cinco dias) em que é conhecida a sondagem Expresso/SIC/Eurosondagem que mostra um ligeiro aumento de intenções de voto no Partido Socialista (perto dos 41%), apesar dos impactos negativos dos incêndios e de Tancos na imagem de António Costa e do Governo, a estagnação do PSD e CDS (juntos perfazem 35% das intenções e voto, infelizmente por claro demérito próprio) e ligeiras oscilações negativas do PCP e do BE (entre -0,2 e -0,1).

Mas não é só pela coincidência da afirmação com a divulgação da sondagem que a expressão do Daniel Oliveira tem impacto. Ela é reveladora e espelha claramente o objectivo político que esteve na origem dos acordos da maioria parlamentar que sustenta o Governo: impedir, tão somente, que houvesse continuidade do PSD e do CDS no Governo. Não foi a aproximação das vontades políticas comuns para alterar o rumo da governação do país ou quaisquer afinidades ideológicas e partidárias. Bem pelo contrário… e haja o que houver (a menos que surja algum sismo ou terramoto político) tudo será feito para garantir a governação na totalidade da legislatura. Nem que para tal BE e PCP abdiquem de princípios, esqueçam os conteúdos programáticos eleitorais de 2015, esqueçam as promessas e as políticas com que se apresentaram a votos, abdiquem claramente do que foram sempre as suas lutas, as suas preocupações, os seus combates sociais e políticos. É muito pouco, mesmo muito poucachinho, a reivindicação do BE no aumento do salário mínimo nacional, como foi aqui referido na edição de domingo. É ainda muito pouco, mesmo muito poucachinho, toda a demagogia e do “alarido partidário” em torno da preparação do Orçamento do Estado para 2018.

Do BE e ao PCP esperava-se mais seriedade, mais coerência e menos “sapos engolidos”. E são demasiados. Numa mesma realidade, em contextos semelhantes ou até mesmo iguais, numa conjuntura mais agreste ao país, Bloco de Esquerda e Partido Comunista Português “rasgavam vestes”, enchiam ruas, avenidas e praças, paralisavam sectores importantes para o país. Não se acobardavam sob a capa de demagogas estabilidades. O sentido de Estado, a defesa de princípios e de dogmas políticos eram outros. As exigências ideológicas e políticas são agora muito menores, displicentes, esquecidas. O sindicalismo entrou num estado de hibernação (mesmo que a ferver por dentro) como garante da estabilidade social, duma paz social podre, para que a ilusão de um país melhor se mantenha longe das críticas e das preocupações dos portugueses. BE e PCP tornaram-se indiferentes.

Os problemas da banca, nomeadamente da CGD, do perdão bancário do Fundo de Resolução, um sistema que lucra, por dia, cerca de 5 milhões de euros em comissões, passam ao lado do combate partidário.

Importa lembrar ao PCP e ao BE que as cativações orçamentais do governo, aquelas que Pedro Filipe Soares, líder da bancada parlamentar do BE, veio timidamente afirmar que «o Governo não tinha mandato política para fazer esta cativações», aquelas que retiram capacidade ao cumprimento das responsabilidades sociais do Estado, ao cumprimento das necessidades de investimento público (não apenas nas obras de betão), foram, segundo a Unidade Técnica de Apoio orçamental (UTAO), as mais elevadas dos últimos oito anos (mais do que no tempo da Troika).

A total descoordenação e incapacidade política na gestão do “pós-Pedrógão Grande”, que já levou a que mais de 30 militantes do PS concelhio se desfiliassem do partido, o atraso nos apoios ás vítimas e aos seus familiares e empresas, era motivo para doer a voz ao BE e ao PCP noutras circunstâncias políticas. Aliás, está bem na memória as acções de Catarina Martins, há precisamente um ano, nos incêndios da Madeira. Hoje, ainda há apoios e subsídios por atribuir. Acusações, manifestações, críticas? Zero. Nem uma palavra.

Quando se apregoam alvíssaras de ilusórias conquistas políticas, é bom lembrar o que é o descalabro do sentido social e laboral de hoje no BE e no PCP. Em Maio deste ano o INE avançava que cerca de 2,6 milhões de portugueses viviam no limiar da pobreza, dos quais perto de 500 mil eram crianças e outros tantos 500 mil idosos. Um estudo científico recente (Universidades Católica e de Lisboa e a Rede Europeia Anti-Pobreza) demonstra que este valor está manifestamente subavaliado já que o valor mensal do limiar da pobreza determinado para 2017 e que é de 439 euros mensais é manifestamente insuficiente e que o mesmo se devia situar, actualmente, nos 783 euros por mês (média). Obre isto, nem uma referência à esquerda.

A realidade há-de continuar ilusória, o Orçamento para 2018 há-de passar, o Governo cumprirá os quatro anos, haverá ali e acolá disfarçadas críticas e acusações… mas a factura há-de chegar para ser paga. E sempre pelos mesmos. E não será pelo diabo.