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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Para além do horizonte político

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publicado na edição de hoje, 16 de agosto, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Para além do horizonte político

Não há memória de uma silly season tão pouco politicamente silly como este período de férias político-partidárias deste ano. Em parte devido ao período eleitoral autárquico que se aproxima e que há mais de um ano tem vindo, a espaços, a animar as hostes político-partidárias, não só locais, como, em alguns casos, ampliadas, que mais não seja pelas polémicas, para o âmbito nacional. Por outro lado porque a ambiência e vivência política neste período, normalmente dedicado e preenchido pelos fait divers, têm sido substancialmente férteis em polémicas, em casos, em conjunturas e circunstâncias, em conquistas e em medidas falhadas. É quase caso para podermos usar o expressionismo popular “há de tudo como na farmácia”.

Para o Governo as áreas das finanças e da economia tem servido de bandeira política para a demonstração do sucesso da gestão socialista do país. E, de facto, não há como esconder ou contrariar a realidade: Portugal cumpriu, acima do esperado, as metas orçamentais exigidas pelos tratados e compromissos europeus; Portugal saiu de alguns dos constrangimentos e das regras dos Procedimentos por Défice Excessivo; a taxa de desemprego situou-se abaixo dos nove pontos percentuais e os últimos dados divulgados pelo INE apontam para um crescimento histórico do PIB, nas duas últimas décadas, em 2,8%.

Só que quando olhamos para o mar há muito mais para além da linha do horizonte ou quando olhamos para a floresta temos que ver muito mais que uma ou duas árvores. E aqui, o recurso à expressão “floresta” não é, de todo, inocente. A forma como o Governo não tem tido a capacidade de assumir responsabilidades ou de incutir responsabilidades e, essencialmente, de gerir a tragédia que tem sido o flagelo dos incêndios (já muito para além do caso de “Pedrógão”), em toda a sua dimensão (humana, material, económica, demográfica, ambiental) é demasiado grave. Como começa a ser grave a tentativa de encobrimento político de uma realidade que está à vista de todos sob a capa ou o subterfúgio do compromisso partidário do “não aproveitamento político da tragédia”. Se é verdade que é deplorável que alguém faça bandeira política da tragédia humana (qualquer que ela seja) não é menos condenável e criticável que o Governo tente fazer cair no esquecimento a sua responsabilidade governativa, como é tão apanágio das governações neste país (a culpa morre sempre solteira: já lá vão mais de dois meses sobre a tragédia do Pinhal Interior, já lá vai mais de um ano sobre a tragédia dos fogos na Madeira, já lá vão 16 anos sobre a tragédia da ponte Entre-os-Rios, em Castelo de Paiva… só como exemplos). E, no entanto, o país continua tragicamente a arder sob a mísera preocupação política de uma fútil obsessão ideológica do BE pelo “único” culpado até à data: o infeliz do eucalipto e a diabolização da celulose.

Há ainda o outro lado da linha do horizonte ou o resto da floresta. Todo o, legítimo, direito do Governo em fazer a “festa” com os resultados da vertente económico-financeira da governação deveria implicar, simultaneamente, um assumir de preocupação pública perante outras realidades que são demasiado relevantes para o destino do país e não em teimar em varrer os problemas para debaixo do tapete como se vivêssemos num “mar de rosas” (literalmente).

Os dados do desemprego divulgados pelo INE divulgam, pela primeira vez, uma outra realidade: o desemprego real (aquele que vai muito para além da subsidiação social) situa-se nos 16,6% (cerca de 900 mil portugueses), valor demasiado alto, com impacto no valor do emprego.

Por outro lado, importa não esquecer os importantes recados do Tribunal de Contas que colocam em causa o rigor e a transparência nas contas públicas. Já é demasiadamente badalada a polémica em torna das cativações que reduzem a responsabilidade social do Estado na gestão do país, como o caso da educação e da saúde. E no último caso não deixa de ser preocupante a informação recentemente divulgada que demonstra que, nos últimos cinco meses, os pagamentos em atraso só nos hospitais subiu 195 milhões de euros. Mais… enquanto o Governo mantém (ou agrava) a austeridade camuflada por via indirecta, recorre ao perdão fiscal para incumpridores criando uma enorme injustiça no fisco, desagrava as responsabilidades do sistema bancário à custa dos contribuintes (algo tão convenientemente ignorado por BE e PCP), a dívida pública aumentou 18 mil milhões de euros e o défice da balança comercial voltou a aumentar com as importações a vencerem o valor das exportações em cerca de 6 mil milhões de euros. Por último, apenas como exemplo, apesar do aumento do salário mínimo nacional, das pensões mais baixas e da reposição progressiva dos salários, segundo os últimos dados divulgados pela OCDE, Portugal é o penúltimo país com a taxa mais baixa de poupanças dos cidadãos (-4,1%). Além disso, um em cada quatro portugueses (25,1%), cerca de dois milhões e seiscentos mil encontram-se no limiar da pobreza e da exclusão social.

Preocupa o outro lado da moeda que o Governo teima em varrer para debaixo do tapete sob o “assobiar para o lado” e BE, PCP e sindicatos.