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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

O "dia seguinte" das directas do PSD...

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(créditos da foto: Paulo Novais - Lusa)

As directas do PSD aconteceram há três dias e ainda falta cerca de um mês para o 37º Congresso do PPD-PSD mas a vitória de Rui Rio começa a ter o seu impacto político, seja interna, seja externamente... os chamados "danos colaterais" sempre que há uma mudança política relevante. E, no caso em apreço, é relevante. Facto.

1. Impactos internos

Primeira Nota. Renasce a esperança no interior do PSD e naqueles que, nos últimos 6 anos, foram abandonando a militância e desvalorizando o seu voto no partido. Esperar que a liderança de Rui Rio volte a recuperar as bases, a recentrar o partido, a reconquistar eleitorado, a religar o partido à sociedade, a reassumir a sua natureza autárquica, a voltar a valorizar os seus princípios ideológicos e programáticos (justiça e igualdade social, liberdade e solidariedade), a tornar o PSD como a alternativa credível e possível para a governação do país. É este o sentimento que vai "transpirando" no interior do partido e no seu espectro eleitoral.
Segunda Nota. A defesa da liberdade, nomeadamente a de opinião, é um dos pilares da sustentação e consistência de uma democracia. O voto livre e consciente é uma das essências de qualquer processo eleitoral democrático. Cabe a cada um, em consciência, definir o seu sentido de voto independentemente de qualquer circunstância ou realidade. Não se pode, por isso, pedir a quem quer que seja, ocupe as funções e cargos que ocupar, que não exerça, em pleno, esse direito fundamental que é o de, livremente, eleger ou ser eleito.
Ao líder da bancada parlamentar social-democrata, só pelo cargo que exerce, nada devia condicionar o seu voto. Tem, como qualquer outro militante de pleno direito, (passe o pleonasmo) o direito à sua opção de escolha eleitoral. Hugo Soares optou, em consciência, votar em Santana Lopes. Até aqui nada de relevante. A questão passa a ter outros contornos quando essa opção tem uma expressão pública, uma responsabilização e uma definição eleitorais posicionada ainda e durante a campanha eleitoral. É a vinculação clara das suas funções e cargo de líder da bancada parlamentar a uma opção de voto e a uma escolha bem demarcada. Face aos resultados, felizmente, verificados, Hugo Soares não tem que esperar por congressos, por reuniões, pela decisão do próximo líder. A escolha pessoal foi feita ainda durante o processo de campanha eleitoral. Por isto, só lhe resta uma saída com alguma dignidade através do pedido de demissão. Entenda-se... demissão do cargo de líder da bancada e não de deputado, já que essa função emana do sufrágio eleitoral de 2015 e da representatividade que o eleitorado lhe concedeu através do voto.

2. Impactos externos

Ao contrário do que seria expectável com a eleição de Santana Lopes (e ao contrário do que muitas vozes referiam) a eleição do novo presidente do PSD tem leituras interessantes na política partidária nacional.
Comecemos logo pelo CDS. A ilusão eleitoral autárquica em Lisboa (com um resultado sem expressão no resto do país e claramente condicionado pela candidatura apresentada pelo PSD) deixou o partido envolto num irrealismo incompreensível. Ao ponto de Assunção Cristas ter afirmado que gostaria de projectar o facto de ter sido o segundo partido mais votado nas eleições na capital para o maior partido da oposição nacional. Face aos resultados das eleições directas no PSD a líder centrista já veio publicamente apresentar a sua disponibilidade para uma "colagem" aos sociais-democratas em próximas eleições (algo não conseguido em Lisboa e Porto, por exemplo, nas últimas autárquicas). Isto é o espelho da consciência tomada que a eleição de Rui Rio é uma clara "afronta" a uma franja do eleitorado do CDS.

Também a geringonça e alguns rostos do processo negocial à esquerda (por exemplo, Pedro Nuno Santos e João Galamba, curiosamente, este último extremamente silencioso) sabem que a eleição do Rui Rio, a recentralização do PSD, a aproximação a um largo espectro socialista (nomeadamente a António Costa), é uma permanente pressão política sobre a frágil coligação parlamentar. Não serão, por isso, de estranhar as próximas e anunciadas agitações sociais em sectores importantes como a saúde, ensino e função pública.

Por fim, afigura-se expectável que Rui Rio, cumprindo as promessas e os princípios que defendeu, traz para o país uma nova esperança: uma alternativa consistente e capaz à actual governação e maioria parlamentar de esquerda. Nem sempre o regresso ao passado é uma má opção: a perspectiva de solidificação política do Centro e de um eventual regresso do Bloco Central só traz uma nova esperança a muitos portugueses, empresas e famílias. 

Eleições PSD: o cartão vermelho em dois tons (laranjas)

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Rui Rio é o novo presidente do PPD/PSD. É o 18º presidente social-democrata desde a fundação do partido (Maio de 1974 - Francisco Sá-Carneiro. O acto eleitoral protagonizado por 42254 militantes votantes (dos 70692 inscritos nos cadernos eleitorais das 325 secções de voto) espelhou a preferência de 54,73% (22611) dos militantes por Rui Rio, contra 45,63% (18974) dos votos em Pedro Santana Lopes.

Do mal, o menos... E digo isto como declaração de interesses porque é sabido, desde o primeiro momento, que entendo este processo eleitoral desviado do que seria desejável e com a ausência de uma candidatura que entendo que melhor serviria os interesses do partido e do país: José Eduardo Martins. Apesar disso... entre Rui Rio e Santana Lopes a escolha afigurava-se óbvia (como se verificou). É ainda relevante referir que desde as primeiras eleições directas para a liderança do PSD (Marques Mendes em 2006) estas foram as directas com o terceiro valor mais alto de inscritos nos cadernos eleitorais e a terceira melhor taxa de participação (60%), o que se traduz numa legitimidade clara do novo líder do partido.
Mas persiste, do ponto de vista pessoal, um enorme sabor amargo a vazio.

1. O primeiro cartão vermelho: Oportunidade perdida.
O ex-líder da bancada parlamentar do PSD, Luís Montenegro, afirmava em entrevista ainda durante a campanha eleitoral interna que era “uma oportunidade perdida para se começarem a afirmar já os princípios programáticos da alternativa política que eles querem corporizar nas próximas eleições. Não se falou de saúde, de educação, do sistema público de transportes...” Nem tinha que ser… esta obsessão pela geringonça e pela oposição a Costa (ainda como resultado da sede de vingança pela usurpação política da governação, em 2015) tolda a clareza de raciocínio político. Todas estas oportunidades a que Montenegro se refere têm o seu tempo próprio no e pós Congresso de fevereiro próximo (16 e 18 de fevereiro, em Lisboa) e poderão ser “música” para os ouvidos dos portugueses em 2019. Mas há parte da afirmação de Luís Montenegro com a qual tenho de concordar inteiramente: “foi uma oportunidade perdida”. Porque o que se exigi ao partido era o aproveitamento conjuntural para uma verdadeira reflexão interna e reposicionamento ideológico do partido. E não vale a pena andar-se a esconder a questão como as avestruzes, metendo a cabeça na areia. Por mais que se queira disfarçar ou argumentar a realidade é clara: os sete anos de liderança desastrosa de Passos Coelho afundaram o partido, corromperam-lhe a identidade, feriram-lhe os princípios. O partido perdeu militantes, simpatizantes e eleitorado (basta ver as sondagens e recordar que nas directas de 2010 havia 78 mil inscritos e nas de 2016 apenas 50 mil); o partido perdeu uma das particularidades políticas que é a sua expressão autárquica (em 2005 conquistava 157 câmaras para se fixar, em outubro de 2017, nas 98 autarquias… 59 perdas em três ciclos eleitorais e 16% dos votos) e, essencialmente, esqueceu-se dos seus princípios ideologicamente estruturantes (justiça e igualdade social, liberdade e solidariedade) que sempre o posicionaram ao centro e que os últimos anos de governação (“para além da Troika”) colocaram na sombra e menosprezaram. E para os que acham que reposicionar o partido no espaço ideológico e eleitoral que foi sempre seu é colá-lo ao Partido Socialista relembro duas notas: a primeira centra-se na semiótica do seu símbolo (as três setas são os três princípios ideológicos que o caracterizam como social-democrata e a cor laranja distingue-o do vermelho - e recentemente do rosa - do comunismo e do socialismo). A segunda nota é histórica e relembra um partido com as maiorias absolutas governativas mais consistentes, sete primeiros-ministros e dois presidentes da República, que mais investimento público e desenvolvimento económico proporcionou ao país desde Abril de 1974. Indiscutivelmente, com mais ou menos proeminência, ideologicamente ao centro.

2. Segundo cartão vermelho: Pedro Passos Coelho. Não vale a pena negar o óbvio… o resultado da eleição de Rui Rio é espelho categórico e claro: 54% dos militantes que votaram disseram NÃO à governação de Passos Coelho e pedem, claramente, uma mudança no Partido e o fim do "Passismo". E ao contrário (aliás, pessoalmente, será sempre ao contrário) do que afirmou Miguel Relvas, este não será um presidente a prazo, à espera dos resultados eleitorais de 2019. Os sociais-democratas sabem ser, apesar de tudo, pacientes… Não há pressa. O que se espera é a redefinição programática do PSD, que o partido se REPENSE, com uma forte oposição em 2019, a recuperação das suas bases autárquicas em 2021 e a vitória eleitoral em 2023 (sem “moletas” à direita).

A ver vamos se Rui Rio cumpre o prometido e o que nos traz o debate ideológico e programático após 18 de fevereiro - 37º Congresso Nacional.
Apesar de tudo… renasce a esperança e as expectativas crescem. Se o resultado tivesse sido outro o partido correria claramente o risco de repetir o cenário de PASOK e do Partido Socialista Francês… desapareceria ou tornar-se-ia irrelevante (já íamos nuns pequeninos 38% em 2015). Felizmente não regressámos a julho de 2004.

Dos preconceitos e dos (pré)conceitos...

28281344_BINARY_GI18062017carlosmanuelmartins_0015(créditos da foto: Gerardo Santo / Global Imagens)

Esta semana foi divulgado pela Porto Editora o óbvio e o mais que esperado: a palavra do ano de 2017 é "Incêndios".

Também esta semana, ao fim de tantas interrogações, pressões, polémicas e indecisões que não são facilmente compreensíveis quer para os interessados, quer para a opinião pública e política, o Primeiro-ministro António Costa assinou o despacho que determina o pagamento das primeiras indemnizações aos familiares titulares do direito de indemnização por morte das vítimas dos incêndios de junho e outubro de 2017, conforme nota difundida pelo gabinete do Primeiro-ministro.

As tragédias dos meses do verão e outono do ano passado não vão desaparecer tão facilmente da memória colectiva, nem as polémicas políticas que envolveram os acontecimentos e que resultaram na demissão da então ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa.

Para a generalidade dos portugueses, onde me incluo, que criticaram a ex-ministra em causa esteve tão somente a incapacidade (ou falta de capacidade) para gerir a crise e o impacto da tragédia, bem como para lidar e liderar (tutelar) uma Autoridade Nacional de Protecção Civil desestruturada e ineficaz.

Curiosamente, volvidos três meses desde os acontecimentos de outubro, Constança Urbano de Sousa surge publicamente numa entrevista ao Notícias Magazine, da Global Notícias, conduzida pela jornalista Alexandra Tavares-Teles.

Naturalmente que as perguntas e respostas levariam ao focus da entrevista (que entendo como um excelente exercício jornalístico, passados estes tempos, para percebermos onde "pára" a ex-ministra que sucumbiu politicamente aos fogos.

Só que a entrevista, do ponto de vista político e social, tem algo que nos deixa surpresos.

A determinada altura Constança Urbano de Sousa afirma «senti que se tivesse sido um homem a passar pelas mesmas circunstâncias talvez tivesse merecido mais respeito. Acredito que ser mulher pesou na forma por vezes desrespeitosa, deselegante e malcriada como fui tratada por alguns». E acrescenta à pergunta directa da Alexandra Tavares-Teles «quem?»... «não vou fulanizar. Políticos, jornalistas e aspirantes a opinadores».

Há algo de grave neste contexto e perante duas circunstâncias.
1. Comentários (não só nas redes sociais) desrespeitosos, malcriados e estúpidos (sim... estúpidos) sempre houve nas mais diferenciadas circunstâncias e contextos. Mas se é verdade que houve uma pressão  com base no género e que esta realidade levou à demissão da ministra é grave do ponto de vista dos direitos e garantias, da dignidade humana, e, mais grave ainda, do ponto de vista político de um governo e de um primeiro-ministro que cedeu a pressões preconceituosas. Aliás, contexto que nos faz recordar o mistério na substituição de ex-Secretária de Estado da Cidadania e Igualdade, Catarina Marcelino.discriminatória

2. Não sendo verdade, é a confirmação das incapacidades políticas reveladas pela ministra (e apenas isso) que se esconde na sombra dos preconceitos sobre a fragilidade emocional feminina ou sobre o facto de ser mulher. O que só revela um menosprezo pela causa da igualdade.

Seja qual for o contexto é sempre grave.