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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

42 anos “depois do adeus”…

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publicado na edição de hoje, 27 de abril, do Diário de Aveiro

Debaixo dos Arcos
42 anos “depois do adeus”…

Comemoramos, com especial incidência para a passada segunda-feira, o 42º aniversário do 25 de Abril de 74. Curioso é o facto de 42 anos depois de uma inquestionável libertação de Portugal de uma regime autoritário e ditatorial com 41 anos de existência (1933 a 1974) ainda hoje existir contextualização suficiente, seja do ponto de vista político, seja do ponto de vista social, para falarmos de Abril de 74 para além da sua realidade histórica.

O primeiro aspecto é que, volvidos todos estes anos, todas as conjunturas políticas que atravessaram este período, ainda há quem continue com o mesmo estigma e preconceito políticos em relação ao 25 de Abril. O que nasceu de uma revolta e contestação militar rapidamente se transformou num movimento político e popular, com muitos erros, com enormes virtudes, mas, acima de tudo, com um facto: a queda do regime de Salazar e Marcelo Caetano, o fim da ditadura e o princípio de um país a viver em Liberdade. E se é inquestionável o papel que os Capitães e militares de Abril tiveram em todo este processo, a verdade é que a Liberdade e o 25 de Abril não são, nem podem ser, propriedade ou património de ninguém. É de um povo e de um país que na sua globalidade, na sua quase totalidade, abraçaram a causa da Revolução, com visões e conceitos distintos, é certo, mas com o mesmo sentimento de Liberdade.

E esta Liberdade, ou melhor, a Liberdade, não é um conceito abstracto, inócuo, que se usa em função das nossas concepções ou dos nossos interesses. É uma realidade bem definida, bem própria. A sua indevida apropriação, torná-la património de uns em detrimento de outros, haver alguém que se ache “dono” dela, só negará a sua concepção, a sua existência e transformará a Liberdade em opressão, ditadura, autoritarismo. O contrário de Liberdade não é “direita ou esquerda”, mais conservadorismo ou radicalismo. O contrário de Liberdade é repressão e opressão, censura, exclusão, menorização de direitos e existência, despotismo, absolutismo, tirania. A letra da música de Sérgio Godinho, O Primeiro Dia, repete ciclicamente a expressão “(…) e vem-nos à memória uma frase batida (…)”. Ano após ano, vem à memória discursiva a frase batida “é preciso ou falta cumprir Abril”. A verdade é que este “cumprir Abril” não passa de uma retórica profundamente ideológica e imobilista. Abril cumpriu-se com a Liberdade e com o processo desencadeado pelos Militares de Abril. Há liberdade de voto, de opinião, de expressão, de informação… há um Estado de Direito e de direitos, com uma justiça que, apesar de lenta, é funcional… há um serviço nacional de saúde, uma escola de e para todos (seja pública ou privada), o acesso à universidade e à formação, o cumprimento das responsabilidades sociais do Estado (com mais ou menos intensidade e eficácia)... há o acesso ao emprego, apesar do elevado número de desempregados fruto de uma conjuntura (marcadamente externa) económica instável, desigual, desequilibrada. Mas há também e ainda um país com um grave fosso de desigualdades sociais, com um desenvolvimento económico e produtivo demasiado frágil e reduzido, com um elevado risco de situações de pobreza e instabilidade social, com desigualdades inaceitáveis em pleno séc. XXI (como, por exemplo, as desigualdades e exclusões raciais, homofóbicas ou de género… muito para além da banal discussão do sexo gramatical).

A realidade política e social destes 42 anos de Liberdade (41 de democracia e 40 constitucionais) mostra-nos que, apesar de, por exemplo, a actual Constituição da República Portuguesa manter apenas 10% dos seus artigos originais, Portugal ainda não cumpriu Abril na sua verdadeira essência: a Liberdade e a Democracia. Enquanto vivermos obcecados e amarrados a uma fobia ideológica que não nos liberte dos normais e óbvios momentos conturbados dos primeiros anos de vivência comunitária em liberdade, enquanto não dermos expressão a uma liberdade e uma democracia que nos permita desenvolver uma sociedade mais pluralista, com um renovado papel do Estado enquanto motor da estabilidade social, andaremos sempre, ano após ano, discurso após discurso, à procura dos ideais de Abril.

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