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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

O país real e o do natal...

Publicado na edição de hoje, 30 de dezembro, do Diário de Aveiro.

Entre a Proa e a Ré

O país real e o do natal…

Tradicionalmente a mensagem de Natal cabe ao Primeiro-ministro e a de Ano Novo ao Presidente da República. E foi no cumprimento desta “tradição política” que o Primeiro-ministro se dirigiu ao país, aos portugueses, na passada terça-feira, dia 25 de dezembro.

Se desta vez o Primeiro-ministro teve o cuidado de não ofender os portugueses, ao contrário de outras comunicações ao país proferidas (recorde-se termos como “piegas” ou “emigrem”), a verdade é que não alterou o estilo, nem a tendência. A demagogia, a incapacidade de ler os sinais da sociedade e a falta de coragem política para assumir os erros, continuam uma constante.

É que o país que Pedro Passos Coelho governa não é o mesmo país que os portugueses vivem no dia-a-dia, na realidade. Basta-nos decompor a mensagem do Primeiro-ministro.

O início é, por sinal e paradoxalmente, um facto: o ano de 2012 foi um ano difícil e o ano de 2013 vai ser pior. No entanto, tempos houve em que o Governo anunciava aos quatro ventos que 2013 seria o ano da viragem económica e o início da recuperação da crise. Face às incertezas da economia além-fronteiras, à previsão do não cumprimento da meta dos 5% para este ano com implicações para 2013 (daí Passos Coelho ter já referido eventuais medidas que afectarão a função pública) nada faz prever que “as bases de um futuro próspero” anunciadas pelo Primeiro-ministro estejam num horizonte próximo. E muito poucos são os que acreditam que “estamos hoje muito mais perto de o conseguir”.

Ao retratar de forma expressiva a capacidade de sacrifício da maioria dos portugueses (“não existe forma mais elevada de coragem do que aquela que tem sido diariamente demonstrada pelos Portugueses”), embora não seja tão linear que, no próximo ano, os cidadãos continuem com esta capacidade de conformismo, imaginava-se que Pedro Passos Coelho estaria capaz de mudar de discurso. Mas logo a seguir percebe-se que tinha sido “sol de pouca dura”. Para um país que vê crescer, dia após dia, o desemprego, o número de empresas a fechar portas, o aumento dos sacrifícios impostos aos cidadãos; para um país onde o governo não consegue promover reformas capazes e consistentes (veja-se o caso da reorganização das freguesias, o projecto das comunidades intermunicipais, dos contratos das pps, do sector empresarial do estado e local, entre outros); para um país que não vê a sua economia crescer e que a balança das exportações e importações se equilibra à custa da baixa de produção nacional e do consumo interno; é difícil de aceitar e compreender como é que o Primeiro-ministro afirma que “iniciámos um processo de reforma das estruturas e funções do Estado” ou que “a esmagadora maioria das medidas que faziam parte do nosso programa está já concluída ou em fase de conclusão”.

E o final da mensagem natalícia do Primeiro-ministro não deixa de ser um exercício de muita demagogia e algum cinismo político.

Primeiro, sem qualquer tipo de pudor, Passos Coelho afirma que “todos foram e continuarão a ser chamados a participar neste esforço nacional”. E “todos” entende-se como os que até agora foram os mais sacrificados.

Depois, ao “recordar aqueles que estão mais longe ou aqueles que se afastaram de nós no último ano” o Primeiro-ministro esquece-se que foi por sua própria sugestão e pelas políticas e medidas que implementou que muitos portugueses (principalmente jovens) deixaram, mesmo contra vontade própria, o país à procura de outras oportunidades e de qualidade de vida.

A mensagem do Primeiro-ministro mostra-nos um país natalício, agravado pela infeliz, decepcionante e inqualificável mensagem “postada” na rede social Facebook (não é possível desassociar a função de Primeiro-ministro da do cidadão Pedro, tal como o próprio afirmou publicamente em Coimbra).

O que os portugueses sentem é um país bem real e muito diferente, por sinal.