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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Ria abaixo. Ria acima.

Publicado na edição de hoje, 21 de julho, do Diário de Aveiro.

Cagaréus e Ceboleiros

Ria abaixo. Ria acima.

Na passada semana, neste mesmo espaço, referi-me à questão da taxa turística (“Taxar ou não taxar o turismo”), seja no que respeita ao sector hoteleiro, seja relacionado com os passeios de moliceiro nos canais urbanos da Ria. O regresso à temática da ”ria” prende-se como outros aspectos que me merecem especial atenção enquanto cidadão. Como, na altura, referi, a questão da taxa, mesmo que polémica entre operadores turísticos e autarquia, é, essencialmente, uma questão política de gestão autárquica e, na prática, uma questão de forma e aplicabilidade da taxa (já que não me parece, salvo raras excepções, que haja muita discordância entre as partes quanto à sua necessidade e objectividade).

Mas na temática do uso da Ria de Aveiro, nomeadamente em relação aos canais urbanos (precisamente aqueles que estão, agora, na alçada da gestão camarária), há outros aspectos que merecem uma análise, tão relevante quanto à taxa, mas que têm sido descuidados e que em nada abonam a favor da imagem turística da cidade e, muito menos, na preservação, promoção e representação do património histórico e cultural que é a Ria e o Moliceiro.

O primeiro aspecto prende-se com o excessivo número de operadores para um espaço fluvial tão exíguo como são os canais urbanos da Ria. O regulamento municipal de utilização dos canais urbanos da Ria define sete áreas. Se considerarmos a contiguidade óbvia entre o lago da Fonte Nova, o canal do Cojo, o canal Central e o canal das Pirâmides, e encararmos, naturalmente, como um canal no seu todo, restarão, para além “desse”, o canal de S. Roque e o canal do Paraíso (excluindo o canal da Praça do Peixe por se afigurar difícil o seu acesso aos passeios turísticos). Portanto, cerca de cinco operadores, com duas ou três embarcações, a navegarem neste espaço de três canais parece exagerado, não só em termos concorrenciais, mas para a própria preservação da ria e dos muros que a “suportam”.

Por outro lado, essencialmente por razões técnicas de navegabilidade, a “amputação” das proas dos moliceiros ou mercantéis têm gerado críticas legítimas dos aveirenses, para além da óbvia deturpação da imagem de um dos ícones culturais e sociais da história de Aveiro e da sua região. Mas se este pode parecer um aspecto relevante, ao analisarmos um dos objectivos da utilização dos canais urbanos para o turismo, será, salvo melhor opinião, dar a conhecer a cidade, as suas gentes, a sua cultura e a sua história. É isto que qualquer turista procura quando visita uma determinada localidade: a procura da sua identidade histórica. E tão importante como a proa levantada ou rebaixada, é o irrealismo (ou, se quisermos, o surrealismo) no que respeita, em primeiro lugar, ao vestuário: amarelos, laranjas, “às bolinhas”, imitações de outras localidades (como o Douro ou Veneza) nada tem a ver com a cultura e história de quem transportava moliço, sal ou produtos agrícolas (como as cebolas e as batatas para a feira que se fazia onde hoje está a Casa da Cultura e que a Junta da Vera Cruz, até há bem pouco tempo, retratou na Praça Melo Freitas). Além disso, diz a sabedoria popular, sempre certeira quando pretende “representar” a realidade, que “quem conta um conto, acrescenta sempre um ponto”. Se é importante dar-se a conhecer a cidade, as suas gentes, a sua cultura e a sua história, não será pela ambiguidade da informação (quando, na maior parte das vezes, errónea ou omitida) que se prestará a melhor imagem histórica (presente e passada) de Aveiro. E isto deveria ser uma obrigatoriedade imposta pela autarquia através dos seus serviços de cultura, unificando a informação a difundir.

Imagino a diversidade de informação em relação ao actual edifício da Assembleia Municipal de Aveiro; ao que foi a zona das cerâmicas (Aleluia, Paula Dias, Campos, etc., etc.) e dos barreiros na área da Fonte Nova; o que foi o Cojo; o Rossio; a marinha da Troncalhada; os palheiros, o sal e a principal festa da cidade (na altura) que era a Sra. das Febres; o bairro da beira-mar; a linha férrea que serviu para a construção do Farol que é de Aveiro (embora erguido na Praia da Barra); a Arte Nova e os seus edifícios (alguns contíguos ao canal central); … .

Se continuar a ambiguidade que o próprio regulamento permite (basta ver o artigo 8º e 30º, como exemplos) continuarão os turistas, em cada viagem, a receber mais “um ponto, por cada conto” e a verem Aveiro transformada numa amálgama de “estórias” e realidades que nada têm a ver com a sua identidade. E lá continuaremos a ser, tristemente, a chamada “Veneza de Portugal”, que nunca foi e que infelizmente teima em permanecer.

Como aveirense “Cagaréu e Ceboleiro”.

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