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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Autárquicas: rescaldo nacional

Publicado na edição de hoje, 6 de outubro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Autárquicas: rescaldo nacional

Nunca compreendi, nem aquando da demissão de Primeiro-ministro de António Guterres no seguimento das autárquicas de dezembro de 2001, esta “obsessão” política de transpor a realidade eleitoral local para uma perspectiva nacional. As eleições autárquicas têm uma componente muito significativa de “personalização” do voto, seja ao nível das freguesias, seja para as câmaras municipais. Mesmo reconhecendo uma maior partidarização do processo eleitoral para a autarquia de Lisboa. Mas, de forma generalizada, existe uma elevada personalização na decisão/escolha dos eleitores nas eleições autárquicas. Para sustentar esta perspectiva basta olhar os resultados. É certo que o PS é o claro vencedor destas autárquicas. Conquistou um elevado número de câmaras municipais (149), de mandatos (921) e de votos expressos (cerca de 36% e 1800000 votos). Mas se juntarmos os resultados globais do PSD e do CDS (já que é esta a coligação governamental actual), a vantagem socialista fica demasiadamente reduzida: cerca de 34% dos votos (PSD, CDS e coligações) para os 36% dos socialistas. Além disso, o elevado número de candidaturas independentes dissidentes do PSD e do CDS dispersou os votos à direita (com raras excepções em relação ao PS). Por outro lado, se estas eleições autárquicas tivessem uma leitura nacional (protesto contra a acção do governo) o CDS não conquistaria mais quatro autarquias que em 2009, não haveria um dispersão de votos à esquerda que resultou numa clara vitória eleitoral também para o PCP (34 autarquias e 11% dos votos) e num afastamento à esquerda do PS o que significa que António José Seguro não é alternativa ao governo (tal como afirmou António Costa), ou não se registaria um notório desastre eleitoral do Bloco de Esquerda (acrescida do ‘desatre’ da entrevista de João Semedo à Antena 1). O que se notou à escala nacional foi um descontentamento dos cidadãos em relação à política e aos políticos, em geral, expresso numa abstenção de cerca de 47% e num total de votos brancos e nulos a rondar os 7%. Isso sim, é algo sobre o qual a democracia deve reflectir.

Um outro dado relevante nestas eleições autárquicas foi o excessivo número de candidaturas (ditas) independentes (13 câmaras municipais, 340 juntas de freguesia, 3429 mandatos/eleitos). Mas será correcto e coerente pensar-se numa alteração da partidocracia da democracia portuguesa? Já há quem lhes atribua um estatuto de “potência no poder local”. Mas pelo menos em relação a estas eleições é evidente que não. E esta realidade só vem reforçar a questão acima referida sobre a personalização eleitoral autárquica e o seu desfasamento em relação à política nacional. O que as candidaturas independentes mostram (veja-se, a título de exemplo, o caso de Aveiro) é que nem sempre o que os aparelhos partidários decidem é o que o eleitorado deseja. Praticamente a totalidade destes movimentos surgiram de “guerrilhas” internas pelo poder, de dissidências partidárias (aliás, irão surgir muitos processos internos à custa das “rebeldias”), de confrontos nas estruturais locais dos partidos e entre estas e as estruturas nacionais ou distritais. Em muitas e notórias situações, os movimentos surgiram pela ânsia do poder e pela mediatização pessoal das candidaturas e o impacto junto das comunidades locais. É um claro sinal aos partidos (neste caso ao PSD, CDS e também ao PS) que as escolhas dos candidatos devem estar mais próximas das vontades locais e dos eleitores do que propriamente dos interesses partidários.

Um outro dado prende-se com a polémica em torno das recandidaturas em ‘conflito’ com a lei de limitação de mandatos. A verdade é que os eleitores e as comunidades estão mais sensíveis à personalidade do candidato do que à ‘perpetuação’ da função ou do cargo. Daí que dos 11 casos reconhecidos pelo Tribunal Constitucional, seis tenham ganho o processo eleitoral.

Por fim, não é de admirar a baixa cultura democrática e cívica dos portugueses eleitores. E nem sempre a responsabilidade cabe aos mesmos (políticos, partidos), muitas vezes mais “bodes expiatórios” do que verdadeiros culpados. É inacreditável que em noite eleitoral o programa com mais audiência televisiva tenha sido a gala da “casa dos segredos” da TVI (propositadamente emitido às 22:00 horas). Praticamente tanta audiência (cerca de 1 milhão e 800 mil espectadores) como a RTP e a SIC somadas em plena cobertura dos resultados eleitorais.

E o pior é que esta gente também vota… Enfim!