Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Da legitimidade dos direitos políticos

regresso de socrates.jpgNuma altura em que se fala tanto sobre legitimidade e política, no que respeita à governação do país, importa destacar ou referenciar outra legitimidade política: a dos direitos individuais.

E José Sócrates foi claro no passado sábado ao abordar esta questão afirmando que todos os seus direitos políticos estão intactos e que tenciona exercê-los. Não só estão intactos como, face à sua condição apenas de arguido mas em liberdade, reforçados porque libertos de restrições ou limitações (as únicas que se conhecem é a impossibilidade de sair do país e de contactar os outros arguidos do processo).

Não vou, como já o afirmei, tecer qualquer tipo de considerações públicas sobre as acusações que ainda imperam sobre José Sócrates. Sou, e espero vir sempre a ser, pelo princípio da presunção de inocência. Mas neste caso, concordo com António Costa, alvo de crítica do ex Primeiro-ministro: à justiça o que é da justiça e à política o que é da política. É que há uma coisa com a qual não posso ficar indiferente no processo judicial que envolve José Sócrates: o excesso de vitimização pública. Primeiro, porque existe uma colossal diferença entre "preso político" e um "político preso" (recorde-se que já se comparou a Nelson Mandela e ao activista angolano, em greve de fome, Luaty Beirão). Segundo, mesmo que as críticas possam ser fundamentadas e consistentes, também não deixa de ser verdade que muita da realidade jurídica do actual direito, do qual Sócrates se queixa, tem origem nalgumas reformas do sistema judicial implementadas durante os seus mandatos.

No que respeita à vertente política, é um facto que José Sócrates tem toda a liberdade e direito de intervenção no espaço público e político. Mas será assim tão desinteressado o exercício do direito de cidadania? Que terá querido dizer Sócrates com a afirmação "Todos os meus direitos políticos estão intactos e tenciono exercê-los"? Que poderá criar um significativo embaraço político a António Costa, candidatando-se a Presidente da República?

Ainda no campo da política (e só esta interessa neste espaço) durante a primeira intervenção pública do ex Primeiro-ministro, após a sua libertação há ainda dois registos que são importantes destacar.

Primeiro, o que respeita à indigitação de Passos Coelho para o lugar de Primeiro-ministro.
José Sócrates afirmava que só deveria governar quem tivesse maior apoio parlamentar: "não pode governar quem tem o parlamento contra ele". Ora há aqui alguma falta de coerência e de memória política. É que é precisamente essa a maior divisão analítica das últimas legislativas. Para já, a nota inicial é a de que José Sócrates varreu da história da governação em Portugal o ano eleitoral de 2009, onde foi governo minoritário. Depois, com essa afirmação e visão (agora tão corrente por força da conjuntura política actual) perde qualquer sentido o princípio constitucional da governação minoritária e do reforço da importância dos compromissos políticos. Ou seja, o que se afigura a partir destas legislativas de 2015 é que ou há maioria absoluta ou quem vence o processo eleitoral nunca (ou dificilmente) governará.

Segundo, a questão da aliança, coligação ou compromisso à esquerda (porque ainda não se sabe muito bem qual o desfecho final).
Concordo plenamente com José Sócrates quando afirmou que é muito importante viver num país onde existe a liberdade de se ser contra a União Europeia ou contra a NATO. Eu também acho e subscrevo.
Mesmo que pessoalmente não veja que as questões europeias ou internacionais sejam o mais importante num eventual compromisso à esquerda (acho que as nacionais são mais limitativas na aproximação entre PS e BE e PCP), a questão deveria ter sido abordada por outro prisma muito mais importante para o impacto da opinião de Sócrates sobre esta aliança da esquerda portuguesa, esquerda, recorde-se, responsável pela queda do seu governo. O que importa saber é se José Sócrates faria ou não uma coligação com BE e PCP defendendo estes dois partidos políticos os princípios programáticos que defendem, seja a nível externo, seja na política nacional. A forma como José Sócrates abordou a questão não é uma visão política enquadrada na actual conjuntura, mas im uma questão de liberdade de opinião e de expressão ideológicas.

Apesar da crítica a António Costa sobre a indiferença pública do líder socialista ao seu processo judicial, Sócrates poupou um embaraço político ao PS abstraindo-se de ser incisivo quanto às negociações à esquerda. Mesmo estando na faculdade plena dos seus direitos políticos.