Dos preconceitos e dos (pré)conceitos...
(créditos da foto: Gerardo Santo / Global Imagens)
Esta semana foi divulgado pela Porto Editora o óbvio e o mais que esperado: a palavra do ano de 2017 é "Incêndios".
Também esta semana, ao fim de tantas interrogações, pressões, polémicas e indecisões que não são facilmente compreensíveis quer para os interessados, quer para a opinião pública e política, o Primeiro-ministro António Costa assinou o despacho que determina o pagamento das primeiras indemnizações aos familiares titulares do direito de indemnização por morte das vítimas dos incêndios de junho e outubro de 2017, conforme nota difundida pelo gabinete do Primeiro-ministro.
As tragédias dos meses do verão e outono do ano passado não vão desaparecer tão facilmente da memória colectiva, nem as polémicas políticas que envolveram os acontecimentos e que resultaram na demissão da então ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa.
Para a generalidade dos portugueses, onde me incluo, que criticaram a ex-ministra em causa esteve tão somente a incapacidade (ou falta de capacidade) para gerir a crise e o impacto da tragédia, bem como para lidar e liderar (tutelar) uma Autoridade Nacional de Protecção Civil desestruturada e ineficaz.
Curiosamente, volvidos três meses desde os acontecimentos de outubro, Constança Urbano de Sousa surge publicamente numa entrevista ao Notícias Magazine, da Global Notícias, conduzida pela jornalista Alexandra Tavares-Teles.
Naturalmente que as perguntas e respostas levariam ao focus da entrevista (que entendo como um excelente exercício jornalístico, passados estes tempos, para percebermos onde "pára" a ex-ministra que sucumbiu politicamente aos fogos.
Só que a entrevista, do ponto de vista político e social, tem algo que nos deixa surpresos.
A determinada altura Constança Urbano de Sousa afirma «senti que se tivesse sido um homem a passar pelas mesmas circunstâncias talvez tivesse merecido mais respeito. Acredito que ser mulher pesou na forma por vezes desrespeitosa, deselegante e malcriada como fui tratada por alguns». E acrescenta à pergunta directa da Alexandra Tavares-Teles «quem?»... «não vou fulanizar. Políticos, jornalistas e aspirantes a opinadores».
Há algo de grave neste contexto e perante duas circunstâncias.
1. Comentários (não só nas redes sociais) desrespeitosos, malcriados e estúpidos (sim... estúpidos) sempre houve nas mais diferenciadas circunstâncias e contextos. Mas se é verdade que houve uma pressão com base no género e que esta realidade levou à demissão da ministra é grave do ponto de vista dos direitos e garantias, da dignidade humana, e, mais grave ainda, do ponto de vista político de um governo e de um primeiro-ministro que cedeu a pressões preconceituosas. Aliás, contexto que nos faz recordar o mistério na substituição de ex-Secretária de Estado da Cidadania e Igualdade, Catarina Marcelino.discriminatória
2. Não sendo verdade, é a confirmação das incapacidades políticas reveladas pela ministra (e apenas isso) que se esconde na sombra dos preconceitos sobre a fragilidade emocional feminina ou sobre o facto de ser mulher. O que só revela um menosprezo pela causa da igualdade.
Seja qual for o contexto é sempre grave.