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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Profecias políticas e profetas políticos

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publicado na edição de hoje, 8 de fevereiro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Profecias políticas e profetas políticos

Uma das mais importantes discussões políticas actuais recai sobre o chamado voto de protesto nos actos eleitorais. Foi assim, recentemente, no Brexit ou na eleição de Donald Trump e são as perspectivas para os próximos actos eleitorais europeus, nomeadamente as presidenciais francesas. E sobre o que protestam os votos (ou os votantes)? Sobre as conjunturas (realidades vividas com proximidade), sobre as decepções quanto a expectativas formadas ou promessas feitas e, também, em relação ao descrédito das instituições políticas e dos políticos. Importa, neste último contexto, realçar que quando os cidadãos protestam ou se afirmam contra a política não está propriamente em causa a arte mais nobre da retórica e da organização/gestão das sociedades e comunidades mas sim o uso que muitos fazem da política.

A aproximação e as movimentações que já se fazem sentir em torno das próximas eleições autárquicas, marcadas para este ano, trazem para a opinião pública e para o espaço público, infelizmente, o pior da política: a falta de ética, a usurpação da sua essência para a satisfação de egos pessoais. São os conflitos com listas de candidaturas, com cargos, com cabeças de lista, com as chamadas trincas partidárias pessoais, esquecendo o objectivo primário da política e do seu exercício: a organização das comunidades, as relações em sociedade e o serviço público.

Ainda na semana passada, aos microfones da Rádio Terra Nova, Luís Leitão, antigo membro dos órgãos sociais do Grupo Desportivo da Gafanha, a propósito da gestão desportiva de clubes afirmava (e bem) que “é preciso estar atento aos falsos profetas”. Não podia haver melhor imagem política para o momento eleitoral que se avizinha. A realidade do vizinho município de Ílhavo dá-nos um perfeito e claro exemplo para ilustrarmos esta triste realidade que afasta cada vez mais eleitores dos eleitos (ou candidatos a eleitos) e dos processos eleitorais.

É muito fácil e demagógico o recurso a populismos fáceis (brexit, Trump, Le Pen) e, sem medir ou projectar as consequências futuras, angariar os referenciados votos de protesto dos desiludidos com a realidade, nem que para tal se coloque a ética política na gaveta, as convicções ideológicas e se venda a alma ao diabo.

É relativamente fácil aceitarmos que se possam mudar as convicções ideológicas em função da nossa leitura do mundo que nos rodeia e das realidades que vamos vivendo. A vida constrói-se aprendendo dia-a-dia e a aprendizagem é um processo que pode implicar eventuais mutações.

O que se afigura incompreensível e, até, inaceitável é que alguém rasgue compromissos, elos partidários, (hipotéticas entregas de cartão de militante que, na realidade, não aconteceram) queime convicções e princípios, só porque não nos afagam o ego e a ambição do poder, só porque não concordamos ou estamos desencantados com a orientação partidária, só porque nos acenam com a cadeira do poder.

O PS-Ílhavo apresentou publicamente Eduardo Conde como candidato à presidência da Câmara Municipal de Ílhavo. Ex-presidente da Junta de Freguesia da Gafanha da Encarnação eleito pelo PSD, elemento activo na concelhia social-democrata ilhavense, até à data do anúncio da candidatura era ainda um dos membros mais activos na bancada do PSD na Assembleia Municipal de Ílhavo. Mas eis que veio à memória de Eduardo Conde uma frustração política antiga: não ter sido escolhido para vereador municipal, apesar de saber quais os condicionalismos políticos que a sua escolha poderia acarretar publicamente.

Até ao início deste ano apenas o descontentamento partidário parecia criar sombras políticas a Eduardo Conde. Algo, aliás, que se deve combater no seio das estruturas partidárias e não fora delas. De repente, o sonho e a ambição pessoal pelo poder fizeram esquecer as suas convicções, princípios, ideologias, compromissos partidários assumidos e meteu a ética e os valores políticos na gaveta, omitindo ainda o passado político vivido sob a bandeira social-democrata. Os eleitores ilhavenses saberão avaliar esta forma criticável de fazer e viver a política em jeito de camaleão.

Por fim, é de estranhar que o PS de Ílhavo que tanto dinamismo pareceu imprimir na crítica e na fiscalização à actuação do actual Executivo ilhavense não tenha, nos seus próprios quadros, pessoas com capacidade para assumir uma liderança à presidência da autarquia e tenha que recorrer aos quadros partidários de terceiros para assumirem o que parece não terem capacidade interna para fazer.

Sim… é urgente e importante estar atento às “falsas profecias” e aos “falsos profetas” que neste período vão proliferar.