Publicado na edição de hoje (16.11.2006) do Diário de Aveiro
Post-its e Retratos
Voluntariado… virtuosidades discretas!
A sociedade dos nossos dias molda-nos num selvático inúmero de relações inter-pessoais, culturais, políticas, religiosas, sociais e económicas que nos tornam cada vez mais em indivíduos atípicos, fechados, indissociáveis.
Com a perca ou esmorecimento de valores comunitários relevantes como a solidariedade, o associativismo, a cidadania…
A forma como encaramos as realidades que se desenvolvem à nossa volta, a maneira como nos deparamos com os outros, a forma como nos comunicamos, como coabitamos, não tolera afectividades, emotividades, antes confrontos, egoísmos, interesses, rivalidades e conflitos.
Não temos tempo para nós próprios, para as realidades individuais, para as nossas responsabilidades e para as exigências que nos são feitas.
Quanto mais para os outros!
Mas temos, paradoxalmente, a noção diária de que existe quem, muitas vezes mesmo ao nosso lado, precise de ajuda, de alguém, de algo que não tem.
Quando a sociedade, o poder político e o governativo apelam à urgente necessidade de se combater a exclusão – fenómeno cada vez mais dilatado e globalizado, é impreterível valorizar uma das formas mais importantes de lutar contra o anti-social e o isolamento: o Voluntariado.
Não o voluntariado “carinhosamente” apelidado, por algumas camadas sociais, de “caridade balofa”. Os mesmos que o contestam e negam, pela incapacidade de resolver os problemas sociais que deveriam, por responsabilidade individual ou pública, de resolver. Em muitas situações, inclusive, por eles criados.
O esquecimento de que o voluntariado e a disponibilidade incondicional para ajudar, se ocupa de problemas que o Estado e os seus organismos, outras entidades privados e individualmente muitos cidadãos, irresponsavelmente não resolvem e dos quais não se encarregam.
Mas é possível ignorar que a AMI, a Cruz Vermelha, a Caritas, o Banco Alimentar, entre muitas instituições de carácter exclusivamente social, não promovem este voluntariado?!
É um facto. Promovem-no!
Mas estimulam a participação colectiva na acção continuada, ou apenas, em acções sazonais e promocionais?!
E o papel individual de cada um?! Resume-se à “moedinha” a troco do autocolante na lapela ou do quilo de arroz que se compra a mais, nesse dia, no hipermercado da zona?!
Não é justo pretender-se que o voluntariado substitua a responsabilidade pública e privada das estruturas do estado e das instituições ou empresas.
Não é igualmente justo que o comodismo, muitas vezes cobarde, nos limite o exercício desinteressado de sermos livres de nós próprios e disponibilizarmo-nos para tornar a sociedade mais aberta a todos, mais justa e mais comunitária.
Seja pelo gesto mais simples, pela dádiva mais irrelevante, pela humildade mais elementar.
Seja na vizinhança, na rua, nos hospitais, no trabalho, na escola ou na universidade ou em qualquer instituição pública ou privada.
Seja através da cultura, da política, do ambiente, da religião, da saúde, do ensino, do desporto, da economia. Mas pelo menos que seja… por uma questão de cidadania e de humanização!
O mundo não está mais inseguro só porque aconteceu o 11 de Setembro, se invadiu o Iraque ou a instabilidade continua no Afeganistão e em África.
O mundo está mais inseguro também porque há injustiça, há exclusão social, há isolamento, miséria, marginalidade, egoísmo e intolerância.
O mundo está mais tumultuoso porque a solidariedade e o voluntariado passaram a “lirismo” social ou a palavras estéreis. Para caridade dos pobrezinhos e coitadinhos.
Para infelicidade duma sociedade insensível, desumanizada, sem virtuosismos e sem verdadeiros “heróis do dia-a-dia”.
Lirismo é indiferença e apatia.
É esperar que tudo aconteça sem nada fazer.
Nem mesmo uma ajudinha, por caridade!