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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

O Rei vai nú!

Publicado na edição de hoje, 16 de Dezembro de 2010, do Diário de Aveiro.

Cheira a Maresia
O Rei vai nú!


Bem sei que referir-me à monarquia numa questão totalmente republicana pode parecer um autêntico paradoxo. Mas a verdade é que ainda mal se iniciou a campanha (isto é, os debates televisivos) para as próximas eleições presidenciais são gritantes e inquietantes o vazio de ideias, as trapalhadas discursivas e os “tiros nos pés” da demagogia do desespero.
O país atravessa uma crise grave que necessita de criatividade, de ideias concretas, de justiça, de estabilidade social, e de projectar um futuro consistente.
São estas as necessidades das pessoas: dos cidadãos que perderam ou não conseguem encontrar emprego, das famílias que têm cada vez mais dificuldades em se sustentarem, das pessoas que sentem obstáculos no recurso à saúde e à justiça… do aumento significativo de casos de pobreza e de fome.
Acrescida da influência que a União Europeia exerce sobre a soberania dos Estados (realidade cada vez mais consciente por parte dos portugueses), são estas as preocupações que os cidadãos gostariam de ver reflectidas na campanha eleitoral para as presidenciais, mesmo sabendo-se que não cabe ao Presidente da República a governação do país.
Até à data, a que se junta o início, na passada terça-feira, dos debates televisivos, as expectativas estão muito longe da realidade, correndo-se o risco de um alheamento dos eleitores em relação às eleições, provocando um significativo valor da abstenção.
É que a campanha está, claramente, com tendência para a demagogia, a falta de ideias, a repetição de clichés, o saudosismo histórico, o constrangimento político.
A tal ponto do desespero da falta de argumentação política levar o candidato Manuel Alegre a constantes “tiros no pé”, contradições e a demagogias baixas que em nada contribuem para o elevar da discussão, do confronto de ideias e convicções.
Veja-se o caricato episódio dos cantos de “Os Lusíadas” (como se Camões alimentasse as crianças e solucionasse o desemprego) enquanto o país necessita de soluções pragmáticas em vez de lirismos, os ataques pessoais a Cavaco Silva (mesmo que venha dizer que não condena os passados, foi o primeiro a levantar a acusação) como se o país sentisse algum interesse saudosista na sua história (mesmo que recente e com a importância reconhecida – o mesmo saudosismo histórico seria legítimo para os defensores da monarquia, em confronto com o espírito republicano das eleições presidenciais), e a triste falta de respeito para com o associativismo, a solidariedade e as respectivas medidas que promovam o combate à fome e à pobreza. É certo que não são os excedentes da restauração que resolverão o problema da fome e da pobreza, mas será com toda a certeza mais um contributo para a solução do problema (onde a questão do casino é um mero pormenor de cenário, sem qualquer fundamento político).
Problema que Manuel Alegre não consegue encarar de frente, por condicionalismos políticos, por constrangimentos eleitorais: se criticar as políticas socialistas que levaram ao arrastar e avolumar da situação perde o apoio oficial do PS e cola-se definitivamente ao Bloco de Esquerda (sem que isso significa um claro apoio da esquerda, já que o PCP tem em Francisco Lopes uma voz coerente com os seus princípios e convicções).
Ao contrário do que sucedeu nas últimas eleições presidenciais, onde Manuel Alegre surgiu como uma proposta de cidadania extra-partidária, para 2011 o candidato apresenta-se sufocado pela bipolarização do apoio partidário do PS e do BE, em claro confronto político e oposição no que é o essencial da estruturação da sociedade portuguesa.
O que torna Manuel Alegre um evidente erro de casting eleitoral.
Resta saber se intencionalmente ou não… Gritaria o povo: “o Rei vai nú!”.