Rir de quê?
Publicado na edição de hoje, 23 de maio, do Diário de Aveiro.
Debaixo dos Arcos
Um país sem vontade de sorrir...
Portugal prepara-se para receber mais quatro mil milhões de euros, caso a avaliação da equipa da Troika, de novo presente no país, seja positiva.
E este facto não passaria mais ou menos despercebido, não fosse a pressão externa exercida pela situação grega e a pressão que existe internamente face aos mais recentes dados e à realidade do país.
A saber… as previsões da OCDE, reveladas esta semana, apontam para a eventual necessidade de uma ainda maior consolidação orçamental, face a uma possível derrapagem das previsões em 0,1% e em 0,5%, em relação às metas do défice para 2012 e 2013 (4,5% e os 3%, respectivamente), o que na prática resultará em mais medidas de austeridade. Com uma taxa de cidadãos sem trabalho apontada há alguns meses para o máximo de 15,5%, o desemprego deverá atingir, em 2013, os 16,2%, sendo que, neste momento, 14% dos jovens portugueses já não estuda ou não tem trabalho.
E serão, essencialmente, estes dois factores que directamente influenciarão a avaliação da Troika à execução do plano de resgaste financeiro.
Primeiro, porque o plano que incorpora as medidas de austeridade até agora implementadas, e que significam um esforço considerável para a maioria das famílias e das empresas, está no seu limite, não se vislumbrando mais capacidade de resposta por parte dos portugueses e da maioria do tecido empresarial. Isto significa que o Governo terá que encontrar rapidamente formas de consolidar as contas públicas e promover o crescimento (onde se inclui o emprego) através de políticas estruturais, concretamente com incentivos às empresas, com alterações nos processos de apoios sociais, de reestruturação do tecido empresarial do Estado, na revisão das rendas e parcerias público-privadas, nas despesas da Administração Central e Local (despesismo e transparência), bem como no maior rigor e cuidado nos investimentos públicos. Isto se quiser manter o seu optimismo para a saída da crise após o período de resgate financeiro que terminará em 2014.
Por outro lado, o combate ao desemprego tem de passar a ser uma “batalha” diária e não uma simples percepção do problema (na óptica do ministro da Economia, no “coiso”). O aumento do número de desempregados tem uma relação directa com a diminuição do consumo, das receitas fiscais, das contribuições dos empregados e entidades empregadoras, e, consequentemente, um aumento preocupante das contribuições sociais do Estado (subsídio de desemprego e subsídio de rendimento mínimo) o que provoca uma evidente incapacidade de consolidação orçamental e do cumprimento das metas propostas e estabelecidas nos acordos.
Por outro lado, o aumento do “coiso” do desemprego traz alterações substanciais (usando outra terminologia governamental, “colossais”) do ponto de vista social: aumento da emigração, aumento da desertificação e das assimetrias regionais, fome, insegurança, conflitualidade e contestação/inconformismo social.
E enquanto o Primeiro-Ministro entende que, face à realidade vivida em cada dia-a-dia, os portugueses devem sair de Portugal, são piegas ou não aproveitam a “vantagem” de estarem sem emprego e perderem o seu maior (ou um dos maiores) valor que é o trabalho, a verdade é que a sociedade começa a dar mostras de bastante inquietação.
Aliás como o demonstra um estudo da OCDE apresentado ontem, Portugal é dos países onde o fosso entre ricos e pobres se tem acentuado mais e dos países onde a satisfação com a vida revela os valores mais baixos.
É caso para dizer… vamos rir de quê?