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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Vender a alma ao diabo...

Publicado na edição de hoje, 30 de maio, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Pressão sobre o poder local...

Apesar das recentes medidas que limitam e criam sérios e incontornáveis obstáculos a que os órgãos do poder local possam executar a sua primária missão: um eficaz e concreto serviço público aos seus munícipes e fregueses (nomeadamente a Lei 8/2012 e a sua regulamentação – a chamada “lei dos compromissos”); não obstante, as câmaras municipais (ou uma grande parte, cerca de 70) vão sofrer nova pressão sobre o exercício dos seus mandatos, sendo que, em muitos casos, isso poderá significar o total e completo abandono das suas promessas eleitorais, dos seus compromissos para com os seus munícipes, nomeadamente para com aqueles que elegeram os respectivos executivos.

Ao final do dia de segunda-feira, após várias horas de reunião, o ministro Miguel Relvas veio divulgar o acordo celebrado com a Associação Nacional de Municípios Portugueses – ANMP no sentido de ser concedida uma linha de crédito às autarquias em situação de ruptura financeira: um empréstimo de mil milhões de euros, com uma taxa média de juros na ordem dos 4,15%, para um período máximo de 20 anos. Isto poderá significar, em muitos casos, um alívio financeiro (reposição a “zero” das dívidas a curto prazo) e o concretizar de um desejo e reivindicação de vários meses por parte dos municípios. Mas será, de facto, assim? Será que o governo se limita a “ajudar” e a contribuir para a consolidação financeira do poder local? Ou estamos perante mais uma situação de “dar com uma mão e retirar com a outra”, estrangulando e limitando as acções e o papel das autarquias, como focou o presidente da autarquia aveirense no seu discurso no feriado municipal?

Basta recordar as palavras proferidas pelo presidente da ANMP, Fernando Ruas, à comunicação social no final da reunião com o governo: “Não estamos com um sorriso na cara, mas a verdade é que conseguimos o acordo”. E a verdade é que não estão os autarcas com vontade de sorrir, nem os próprios munícipes. É que não há bela sem senão.

O governo, em vez de criar mecanismos para uma fiscalização mais assertiva às finanças locais e para promover uma estruturação das contas municipais, limitou-se a impor um conjunto de contrapartidas e exigências para a atribuição do referido empréstimo que resultam no asfixiar e aniquilar do exercício de gestão e acção das autarquias junto dos seus munícipes e nos seus concelhos, no imediato.

É que as autarquias vão ter de inventar muitas formas e engenharias que permitam não só fazer face aos seus compromissos com os munícipes, mas também com as obrigações dos cumprimentos financeiros. E no caso de incumprimento destes o acordo permite ao governo a retenção imediata das transferências das verbas previstas no Orçamento de Estado.

Para além disso, e de um claro limite à liberdade e ao exercício legítimo do poder (anulação das providências cautelares que foram interpostas, por causa da retenção dos 5% do IMI), as autarquias terão, obrigatoriamente, que alienar património municipal e não poderão contratar novas parcerias público-privadas, o que representa uma óbvia limitação ao desenvolvimento municipal.

Mas não são apenas as autarquias a “sofrer” com esta medida proposta pelo governo. Há, no acordo assinado, claros aumentos encapotados de impostos para os munícipes, para além de todos os recentemente aplicados.

É que a celebração do empréstimo implica o aumento nos preços da água, saneamento e recolha de resíduos (aumento da facturação). E mais ainda… contrariando, por exemplo, o que sempre foi defendido pelo Executivo da Câmara Municipal de Aveiro (minimizar os impactos do IMI nos munícipes, promover a construção e a instalação de empresas no concelho, com a redução da taxa da Derrama), o empréstimo contratado implica, sem margem negocial, que as câmaras aumentem as taxas da derrama e do IMI para os valores máximos previsto nas lei. Para além de condicionar a acção da gestão das autarquias e revogar compromissos assumidos com os eleitores municipais (para além do governo manter a retenção de 5% deste imposto que é municipal), estas regras implicam um maior esforço de alguns cidadãos em relação às suas contribuições fiscais (já houve, muito recentemente, uma revisão e reavaliação da taxa que, segundo dados divulgados pelo Diário de Notícias/Dinheiro Vivo, resultará, até 2015, num aumento de receita na ordem dos 128%, cerca de 1,4 mil milhões de euros).

Cada vez mais se afigura difícil encontrar quem se queira aventurar nesta “guerra” da gestão e serviço autárquico (seja municipal, seja ao nível das freguesias).