Já chega...
Publicado na edição de hoje, 27 de junho, do Diário de Aveiro.
Debaixo dos Arcos
Já chega…
A apresentação, por parte do PCP, da moção de censura ao governo, na passada segunda-feira, estava, como foi referido na edição de domingo passado, condenada ao chumbo parlamentar, por força da maioria que suporta o executivo. Mas a referida moção de censura, apesar de chumbada, não deixou de ter consequências políticas. Não propriamente as que se esperam de uma moção (solidificar uma liderança ou maioria, ou fazer cair o governo, como aconteceu com o executivo minoritário de Cavaco Silva e de José Sócrates, embora com resultados distintos) mas pelo debate que se gerou e pelas posições parlamentares assumidas.
O “nim” do Partido Socialista tem duas leituras claras: a primeira a não colagem mais à esquerda e um certo “sabor a vingança” pelo facto do PCP (agora promotor da moção de censura) ter sido o mesmo que votou ao lado da direita para o derrube do governo de José Sócrates; a segunda, por mais que o PS queira disfarçá-lo e, em termos discursivos, se queira afastar do processo, a verdade é que os socialistas têm um passado ainda muito recente de grande responsabilidade pelo actual momento e pela crise que o país vive, para além do compromisso assumido com o memorando de entendimento com a Troika. E são vãs (para além de politicamente descabidas) as tentativas de querer fazer passar a mensagem do “fantasma” da austeridade para além do memorando, quando toda a gente sabe, porque é público, que o referido memorando apresenta metas e objectivos e que os mesmos são regularmente avaliados. O PS não se pode, por mais que tente, alhear de o ter, de facto, assinado.
Do ponto de vista de quem apresentou a moção de censura, é óbvio que para o PCP apenas estava em causa a oportunidade mediática de apresentação do seu discurso ideológico, tentando capitalizar a contestação de rua e as recentes sondagens que aumentaram o sentido de voto até perto dos nove por cento. No entanto, desde o período mais próximo pós-revolução de Abril, o PCP tem sido muito inconsequente na capitalização nas urnas das suas propostas para o país.
Mas há um dado bastante relevante neste processo de discussão da moção de censura, que foi o próprio governo e a consequência prática para o país. E há uma consequência, ou, pelo menos, um balanço a fazer: o Governo não garante que as medidas até agora impostas tenham o sucesso que sempre foi anunciado. Portugal corre o risco de não cumprir a meta do défice dos 4,5%, sendo aliás previsível que tal valor se situe perto dos 5,5%. E este é que é o resultado preocupante da moção de censura. É que ficou claro que o Governo deixou de ter a certeza das políticas que aplicou, deixou de ter a imagem de verdade e de credibilidade, perdeu no que respeita a competência.
A esperança depositada há um ano, por muitos portugueses, numa alternativa governativa que fizesse com que Portugal saísse da crise, no devido tempo, ficou-se por um acordo de concertação social por cumprir, num aumento desmedido do desemprego, no decréscimo da qualidade de vida de muitos portugueses (do seu poder de compra, da sua subsistência diária/mensal), de aumento de impostos, aumentos dos preços, de um retrocesso no desenvolvimento económico, num confronto, mesmo que legítimo, com o poder local, numa falha de projecção das receitas fiscais face à despesa com as reformas, os subsídios de desemprego, a diminuição do consumo, o encerramento diário de empresas, …
No fundo, todo este primeiro ano se resume à aplicação de políticas que beneficiassem as receitas, com menor incidência na vertente da despesa e na estruturação da dívida pública, sem medidas consistentes e abrangentes de retoma da economia, do emprego, da qualidade de vida, sem um combate eficaz a muitos interesses instalados.
O primeiro-ministro iria ainda mais longe neste debate: à pergunta directa se irão, ainda este ano, surgir mais medidas de austeridade, Pedro Passos Coelho afirmou, perentoriamente, que se forem precisas assim o fará.
A questão é que os portugueses já não aguentam mais. E já começam a duvidar das certezas do governo quanto à retoma do desenvolvimento do país, quanto à retoma do seu poder de compra, quanto ao abandono das medidas de austeridade. Porque as incertezas são muito mais que os aspectos positivos anunciados e que em nada favorecem o dia-a-dia dos portugueses. Os cidadãos não sobrevivem apenas com a imagem junto dos mercados externos, com a emigração, com uma balança de exportações que sobrevive face à diminuição do consumo interno. De conversa demagógica e irrealista, face aquilo que são os valores e os dados reais do país, já os portugueses tinham ficado fartos há dois, três anos atrás. Já chega…
Vir com demagogias e palavras de esperança que não se concretizam não chega… não resolve. Basta de sofrerem sempre os mesmos.
E a “procissão ainda agora vai no adro”…