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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

O dia de hoje... em disparates.

Já há muito tempo que não me lembro de olhar para as notícias do dia e assistir a tanto disparate. Se não fosse dia 31 de janeiro, diria que era Carnaval (se é que ainda existe). Mas reconheça-se que o dia de hoje foi pródigo.

1. RTP

Continuo defensor do serviço público de televisão, continuo defensor da RTP (mesmo que sujeita a redefinições), continuo perfeitamente solidário com os profissionais da RTP, com os conhecidos que tenho na RTP e com alguns Amigos que tenho na RTP. No entanto, até pelos (alguns) anos que estive ligado ao sindicalismo, mesmo que local, não basta o exercício do direito à indignação, à defesa dos interesses dos trabalhadores, à luta por determinados objectivos. Há que o fazer, essencialmente, com ponderação e com sentido de responsabilidade. Principalmente com o sentido de se ser parte da solução e nunca do problema. Daí que tenha muitas dúvidas que o caminho escolhido pela comissão de trabalhadores da RTP seja o mais correcto e eficaz.

2. Ver o "cisco" no olho dos outros.

Ou como se diz na gíria: "pimenta no rabinho dos outros é refresco". E tudo começa com esta afirmação de Carlos Zorrinho, líder parlamentar da bancada socialista: «Governo revela sinais de que está "esfrangalhado" e "esgotado".» A afirmação, por si só, até seria compreensível face ao que têm sido as várias trapalhadas deste Governo. Mas proferir tal afirmação em plena crise interna do PS que, afinal, ainda está muito longe de parecer resolvida (mesmo depois da noite quente de ontem, no Largo do Rato). E quando Carlos Zorrinho afirma que as negociações que ocorreram entre António José Seguro e António Costa não incidiram sobre cargos ou pessoas mas sim sobre ideias e propostas, mesmo que para o secretário-geral do PS não tenha havido um vencedor e um vencido, a verdade é que, pela pressão exercida por António Costa para a clarificação estratégica do partido só demonstra que, após o dia 10 de fevereiro, no PS vai haver mesmo um vencedor e um vencido, com uma futura escolha, nem que seja em congresso, de cargos e pessoas.

3. À terceira ainda não foi de vez.

Por causa de um Secretário de Estado (Paulo Júlio) 'pagam' mais seis. É desta forma que Passos Coelho, após ano e meio de governação, volta a remodelar o governo, pela terceira vez (média de uma remodelação a cada semestre). A questão não está apenas na remodelação em si mesma, até porque na sua origem está um acto aceitável e justificável de apresentação de demissão (diga-se, apesar de tudo, com alguma dignidade e ética política). A questão é a justificação e argumentação para mais uma mini-remodelação e apenas ao nível dos Secretários de Estado. Este parece ser o resultado óbvio e prático da opção de Passos Coelho pelos mega ministérios na estrutura governativa.

4. O 'dito' pelo 'não dito'

Muitas críticas surgiram, a vários níveis, pelo CDS no que respeita à candidatura, a outras autarquias, de presidentes de câmara que, por força legal (continuo a achar que a legislação nada tem de dúbio ou pouco claro), atingiram o máximo de mandatos permitidos e não se poderiam candidatar nos actuais municípios onde exercem as funções de Presidente de Câmara. As críticas atingiram o seu "expoente" máximo quando os centristas se insurgiram contra a candidatura de Luis Filipe Menezes à autarquia do Porto, afastando o seu apoio. Mas na política o que 'hoje é verdade amanhã é mentira' e o que é mais comum é a prática de "engolir sapos". E o CDS acaba por dar o dito pelo não dito, apenas por mero interesse partidário. Ao contrario do que aocntece em relação à "capital nortenha", o CDS decidiu apoir a candidatura de Fernando Seara (nas mesmíssimas condições que Menezes) à autarquia da capital portuguesa. Haja coerência... 

5. O regresso do "TV Rural" (e não é na RTP Memória)

A maioria parlamentar está disposta a apresentar, na Assembleia da República, uma proposta para fazer "renascer" o mítico programa do Eng. Sousa Veloso - "TV Rural", com o objectivo de promover o sector agrícola e das pescas. Nada mais hilariante...
O Governo tem mais do que inúmeros meios para promover o desenvolvimento da agricultura e das pescas no país (isto se ainda for possível recuperar o que quer que seja em dois sectores que Cavaco Silva arruinou completamente). Por outro lado, esta proposta é uma evidente e clara intromissão na gestão de conteúdos e de programas da RTP, a todos os níveis, incluindo os constitucionais, condenável. Aproveita-se a "embalagem" e sugere-se a inclusão do programa no "Canal Parlamento". Além disso, qualquer dia temos Pedro Passos Coelho, na televisão pública, a retomar o "Conversas em Família" (de Marcello Caetano), qui ça, aproveitando as mensagens do "cidadão Pedro" no faceboock.

6. De que vale contestar o óbvio?

E o óbvio é o desastre e o inqualificável relatório do FMI. Desde o primeiro momento que foi conhecido que são várias as vozes que denunciam as mais evidentes lacunas, os mais óbvios e graves erros, que o referido documento contém. Apesar do governo, mesmo que o relatório não seja a bíblia para Passos Coelho, afirmar, como o fez o Secretário de Estado, Carlos Moedas, que o documento era excelente e muito bom. Com base no mesmo, foi lançada, pelo Governo, a discussão em torno da temática da "Refundação do Estado" (aliás recordando o triste e polémico episódio da conferência "pública" para se ouvir a sociedade civil - alguma dela - sobre o assunto). Mas a questão ainda mais relevante (para além da qualidade do documento/relatório) é o uso da informação e das reformas anunciadas, supostamente, pelo FMI, com base em dados que não são fiáveis ou que são imprecisos, que servem de ponto de partida para a discussão sobre as funções do Estado. E torna-se incompreensível que haja quem, para além do Governo, sustente esta triste realidade.

Aliás, o que a jornalista Fernanda Câncio revelou, mais uma vez, na edição de hoje do Diário de Notícias com este interessante texto. (via Shyznogud)

7. A cereja em cima do bolo

O últimos são os primeiros e esta referência merece o destaque dos destaques. Já conhecíamos a expressão do "patrão" do BPI, Fernando Ulrich, "ai aguenta, aguenta". Na altura (e após esse momento) gerou acesa polémica por ser entendida como uma ofensa aos sacrifícios dos portugueses no seu contributo (quase exclusivo) no combate à crise que o país ainda atravessa. Mas Fernando Ulrich, pelos vistos, não ficou satisfeito com o "protagonismo metafórico" atingido. E voltou "à carga". Só que desta vez de forma mais ultrajante para todos os portugueses e para o próprio país. Ulrich justificou a expressão utilizada com uma ofensa à desgraça humana, ao infortúnio e, ainda pela segunda vez, aos sacrifícios dos portugueses, muitos deles alimentando o sucesso do lucro bancário que o BPI alcançou no final de 2012. E a justificação, pasme-se, foi dada: "Se os sem-abrigo aguentam porque é que nós não aguentamos?". Se isto não fosse demasiadamente grave e inqualificável, merecia a medalha da expressão humorística do ano. Era interessante ver Fernando Ulrich a passar um mês na qualidade de sem-abrigo numa das cidades deste país... sempre queria ver se ele "aguentava".

A confirmação socialista

O Largo do Rato, ontem à noite, conheceu forte agitação na reunião da Comissão Política Nacional do Partido Socialista.
Tal como referi no post anterior (“Tempestade Socialista”) são agitadas as águas socialistas com evidente oposição à liderança de António José Seguro. Apesar do resultado da reunião tida ontem à noite, a aclamada unidade partidária e independentemente da posição assumida por António Costa (que não deixou de defraudar algumas das expectativas e desiludir alguns socialistas, e que seria um dos eventuais desfechos que antecipei no texto anterior), o que é um facto é que a dita unidade (que, obviamente, não tem que significar seguidismo cego) parece ser uma “paz podre”. E a realidade está patente na necessidade que António José Seguro teve de criar uma “aliança” com António Costa, desdobrando-se numa agenda, intemporal, de reuniões bilaterais para acertar caminhos conjuntos.
Justifique-se da forma que se quiser, mas a necessidade de “coligações”, de “acerto de posições e estratégias”, etc., entre António José Seguro e António Costa significa tão simplesmente uma clara evidência: há, pelo menos, duas facções notórias no interior do PS.
A seu tempo veremos se este “braço-dado” se manterá ou não.

Tempestade Socialista

Tinha escrito aqui (“Danos colaterais da ‘ida aos mercados’”) que a operação, esta semana, da colocação de dívida pública no mercado secundário a 5 anos, para além do sucesso financeiro, trouxe ‘danos políticos’ na oposição, nomeadamente no Partido Socialista. Danos colaterais que se foram agudizando ao longo destes dias, ao ponto de António José Seguro, fortemente pressionado, convocar, para hoje, uma reunião do Conselho Nacional.

Há várias notas a registar nesta turbulência política interna nas hostes socialistas.

1. Já desde o Orçamento do Estado de 2012 (quando indicou ao Partido o sentido de voto: abstenção, e quando não apresentou o OE2012 a fiscalização do Tribunal Constitucional, obrigando alguns dos deputados a juntarem-se ao BE e PCP - tudo ao contrário do que fez, nas mesmas circunstâncias, em relação ao OE2013) que a liderança de António José Seguro sofria altos e baixos criando algum descontentamento interno. E toda a estratégia comunicacional do maior partido da oposição cairia por terra ao não conseguir antecipar o previsível sucesso do regresso aos mercados e os elogios das instituições internacionais à aplicação do programa de recuperação financeira do país. Por outro lado, a falta de alternativas especificadas e concretas às políticas do governo, o distanciamento repentino em relação ao passado governativo recente e a falta de estratégia (recurso à crítica apenas com base na agenda semanal das acções do governo) levaram a um evidente extremar da situação.

2. E esta realidade é clara na forma como António José Seguro se preocupou com a minimização dos impactos internos da reunião de hoje ao deixar de “fora” os deputados parlamentares sem assento no Conselho Nacional, ao contrário do que aconteceu nas outras reuniões. Desta forma, houve uma notória preocupação em fragilizar a posição de António Costa.

3. Ainda em relação ao líder socialista, a incapacidade de adiar esta reunião e um eventual congresso antes das eleições autárquicas significa deitar tudo a perder no que poderia representar a solidificação da liderança.

4. Mas tenho também algumas reservas quanto ao facto de António Costa sair “por cima” neste processo. Apesar de ser evidente que o actual presidente da autarquia lisboeta se tornou o principal opositor de António José Seguro, a reunião de hoje e o próximo congresso pode acabar por transformar António Costa no “Santana Lopes” do PS: o eterno candidato a candidato. E sempre derrotado.

5. Por outro lado, toda esta incerteza e controvérsia em torno da liderança do PS também se deve muito à falta de decisão de António Costa que, perante a insistência, os factos e o apelo interno, deveria ter, imediatamente, clarificado a sua posição (fosse ela qual fosse).

6. Além disso, a eventualidade avançada, publicamente e mesmo que hipotética, de António Costa ser candidato à presidência da Câmara de Lisboa e à liderança do Partido Socialista, irá, decididamente, deixar marcas no número de votos nas eleições autárquicas. Muitos lisboetas terão imensas dúvidas se apostam num candidato a presidente da autarquia que possa não cumprir o mandato ou que diminua a sua disponibilidade pela dualidade de funções.

7. Por último, a verdade é que o PS entrou numa espiral de crise política interna com notadas divergências entre duas facções: António José Seguro e António Costa (com marcada “memória socrática”).

 

Em conclusão... das duas, três:

- ou tudo isto não passa de um "não caso";

- ou agudiza-se a crise interna no PS;

- ou António José Seguro vence a batalha oposicionista e parte fortalecido para as autárquicas e para o próximo congresso.

Está dito… infelizmente.

(créditos da foto: Nuno Fox - jornal Expresso)

No sábado passado, dia 26, a CGTP aliou-se à FENPROF na manifestação que concentrou cerca de 30 mil professores em Lisboa. A CGTP contou com a presença do seu secretário-geral, Arménio Carlos.

Quem já passou por manifestações e/ou pelo sindicalismo, mesmo o local, sabe que o fervor do momento, a necessidade de criar determinados ambientes, nem sempre levam a algum cuidado (se é que há necessidade disso) com o que se diz e como se diz.

E no sábado a polémica estalou quando Arménio Carlos usou a metáfora dos Reis Magos para se referir à Troika: “Daqui a pouco vêm aí outra vez os três reis magos, um do Banco Central Europeu, outro da Comissão Europeia e o mais escurinho, o do FMI, e já se fala em mais medidas de austeridade”. (fonte: jornal i). Numa óbvia e evidente alusão ao chefe da missão do FMI, Abebe Selassie.

Estava dado o mote para o desenrolar de várias críticas às palavras do secretário-geral da CGTP.

Pelo trabalho que tem sido desenvolvido em Aveiro na área social (imigração – Projecto Aveiro + Intercool II, do Centro Social da Vera Cruz e da Câmara Municipal de Aveiro) tenho tido a feliz oportunidade de acompanhar algumas das problemáticas e realidades relacionadas com racismo, xenofobia, multiculturalidade e inclusão social.

Independentemente das minhas opções político-partidárias, da minha concepção do mundo e da sociedade, há uma questão que sempre defendi e da qual não abdico: o direito à igualdade (contra o racismo e a xenofobia), o direito à diferença (sexual, política, religiosa, cultural), a defesa pela multiculturalidade como enriquecimento das comunidades.

E há outro aspecto que defendo acerrimamente: estes princípios e a defesa por estes valores não têm cor política, nem são propriedade de ninguém. Mas também reconheço que sempre foram bandeira mais ou menos ideológica da esquerda (mais à esquerda).

Voltando à polémica, foram várias as reacções contra Arménio Carlos e a expressão publicamente utilizada. Pessoalmente, a expressão que o secretário-geral da CGTP usou teve eco por dois motivos: primeiro, por ter sido proferida publicamente por alguém que tem responsabilidades políticas e sociais acrescidas, nomeadamente na defesa de valores contra a descriminação e exclusão; segundo, porque se a mesma expressão tivesse sido usada por alguém conectado com a direita dava lugar a uma indignação pública massiva de toda a esquerda, acrescida de associações dirigidas ao combate do racismo como a “SOS Racismo”. Curiosamente, como foi proferida por alguém da esquerda, a polémica não passa de uma mera demagogia pseudo-racista.

Mas o que é um facto é que a expressão usada por quem tem responsabilidades públicas, num acto público, foi, no mínimo, infeliz. No mínimo… E está dito.

Deitar foguetes antes da festa

 

 

Na passada semana o Governo português foi aos mercados e colocou 2,5 mil milhões de euros de dívida pública, com uma taxa de juros razoavelmente baixa (cerca de 4,8%) para uma maturidade de cinco anos.

Independentemente de se saber se o Governo teve ou não mérito na operação (embora tenha sido cuidadosamente preparada) a verdade é que o resultado é extremamente positivo, pelo menos para já.

A par disso, quer os partidos que suportam a coligação governativa, quer vários sectores do Governo, vieram a terreno, bradar a todos os ventos, que Portugal/Governo tinha cumprido a meta definida com a Troika dos 5% de défice para o ano de 2012.

Tão depressa fizeram a festa, como tão depressa recolheram os foguetes.

Primeiro, porque o défice real das contas públicas nacionais só será conhecido em Março deste ano.

Segundo, porque, como já se suspeitava, o Governo conseguirá, eventualmente, cumprir a meta estabelecida através do recurso extraordinário da venda da ANA Aeroportos Portugal.

Terceiro, porque paira sobre as expectativas do Governo a possibilidade da União Europeia (Eurostat) chumbar a privatização.

Até Passos Coelho resfriou o optimismo precipitado.

Morreu um valor da democracia portuguesa

O 25 de abril de 74 é, para todos os efeitos, o marco histórico na (re)conquista da liberdade e da vitória sobre o antigo regime (mesmo que a origem tenha estado apenas numa 'revolta' militar).

O 25 de novembro de 75 marca a (re)conquista da democracia, das liberdades e garantidas, da cidadania e de um Estado de Direito.

À frente desta importante realidade esteve mais um Capitão de Abril: Jaime Neves que comandou os 'Comandos da Amadora' neste processo revolucionário.

O major-general Jaime Neves faleceu, hoje, aos 76 anos (no Hospital Militar da Estrela).

É, indiscutivelmente, uma perda da democracia portuguesa.

PSD, PS e CDS destacam o contributo do general Jaime Neves na consolidação do pluralismo democrático, quer com o seu papel no 25 de Abril e, principalmente, a 25 de novembro de 75.

Curiosamente, PCP e BE mantiveram o silêncio.

A democracia é isto... principalmente por aqueles que se dizem pluralistas e defensores dos valores democráticos.

Notas semanais

Publicado na edição de hoje, 27 de janeiro, do Diário de Aveiro.

Entre a Proa e a Ré

Notas semanais

1. “Refundar” o Estado... mas meio secretamente.

A semana passada terminava em baixa para o Governo por força da polémica em torno da conferência com o tema "Pensar o futuro – um Estado para a sociedade", sobre a ‘refundação’ do Estado. Não porque o assunto não deva ser debatido, antes pelo contrário. Mas quando se promove publicamente um evento desta natureza e se o sustenta com o envolvimento da sociedade civil, não faz qualquer sentido ‘elitizá-lo’, condicioná-lo e, apenas, procurar transmitir a versão e posição oficial do Governo (abertura e encerramento). Se esta é a forma, como em diversas ocasiões, entendida pelo Governo em envolver e escutar a sociedade sobre tão delicado tema, está tudo dito em relação ao conceito de democracia e participação cívica. Aliás, crítica reforçada por Freitas do Amaral que afirmou esta semana que o Governo perdeu base de apoio social e que ignora o que se passa e debate à sua volta. É que para repensar a função do Estado Social não basta sacar da cartola 4 mil milhões de euros e solicitar um frete ao FMI para assinar (de cruz) um pseudo relatório.

2. Do outro lado da barricada.

Independentemente da "côr" política ou da ideologia, a verdade é que sempre me surpreendeu a facilidade com que antigos governantes (Presidentes da República, Primeiros-ministros, ministros, ...) comentam a actualidade, nomeadamente no que respeita ao Estado e às vertentes económico-financeiras. Isto porque, enquanto no exercício das suas funções governativas, fizeram tudo precisamente ao contrário do que agora (do outro lado da "barricada") preconizam e comentam. Mas ainda pior que esta realidade é a forma como se muda de opinião, como se deixa de assumir as responsabilidades quando se deixam as funções públicas. Como se a saída da governação significasse um "apagão" político dos actos praticados. O que é incompreensível é a mais recente atitude de Teixeira dos Santos, que por diversas vezes elogiei, com as declarações proferidas na Assembleia da República, na audição na Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as Parcerias Público-Privadas, na qual considerou que o PEC IV, que foi chumbado e que ditou a queda do Governo liderado por José Sócrates, teria evitado o recurso ao resgate da troika. Importa recordar que foi o que afirmou, publicamente (enquanto Sócrates estava na Europa) que, no espaço de um mês, Portugal não teria dinheiro sequer para pagar salários. Uma no cravo, outra na ferradura.

3. O sucesso dos ‘mercados’.

O Estado português, ao fim de dois anos de resgate financeiro (troika), regressou aos mercados de financiamento colocando dívida pública soberana (a cinco anos). Numa operação que se manifestou um sucesso, fortemente pré-preparada, o Estado arrecadou cerca 2,5 mil milhões de euros de financeiro, com uma taxa de juro considerada record (mínimo) e inferior a 5% (cerca de 4,8%). Independentemente dos méritos, esta é uma boa notícia para uma parte do problema: o refinanciamento do Estado e da economia, mesmo que apenas com um pequeno passo. Mas, como muita coisa na vida, também a euforia é efémera. Não hajam dúvidas que as mais recentes posições da União Europeia/BCE contribuíram para a confiança dos investidores e do aumento da procura, e para que os juros baixassem por força da diminuição do risco. Por outro lado, fazer desta operação uma excessiva euforia governativa é, simultaneamente, pura demagogia política e o encapotar do resto da realidade que é o ajuste das contas públicas e a austeridade que tem sido implementada (a crise interna). Aliás, situação de todo caricata com a Secretária de Estado do Tesouro, Maria Luís Albuquerque, a afirmar que não é possível abandonar o programa de austeridade sob pena da operação não ter qualquer consequência, e, por outro lado, no sentido oposto, o “ministro sombra” deste Governo, António Borges, afirmar que o risco de bancarrota desapareceu, a economia está equilibrada e não é necessário agravar a austeridade. Uma ‘bipolaridade política’ governativa impressionante.

Mas apesar de todos estes factores há um outro que se revelou extremamente importante e marcante: não nos podemos esquecer que a Irlanda (país igualmente sob resgate financeiro) regressou aos mercados já no início deste mês, abrindo a tão badalada “janela de oportunidades” para o sucesso português. Mas mais ainda… a Irlanda assumiu, a 1 de janeiro, a presidência do Conselho da União Europeia. E a questão coloca-se, com alguma racionalidade: se não fosse essa realidade Portugal teria tido capacidade para regressar aos mercados com este sucesso?

4. Danos colaterais da ‘ida aos mercados’.

A operação teve o efeito mais que pretendido pelo Governo (embora seja pura demagogia política o excessivo gáudio na meta dos 5% do défice, quando esse valor só será, definitivamente, conhecido em março e é, nesta data, pura especulação). Mas, de facto, foi um sucesso não só em termos económico-financeiros, não só em termos de ego político, mas também pela capacidade de fragilizar ou abanar a imagem do PS e do seu líder, António José Seguro. Ainda há pouco tempo, o líder socialista assegurava que o PS estaria pronto para ser governo e a almejar uma maioria. Mal foi conhecido o resultado da operação da dívida pública, ao que devo, pessoalmente, acrescentar o encontro entre Hollande (que era a referência europeia de Seguro, tal foi a euforia no pós-eleições francesas) e Passos Coelho, o encontro entre Merkel e Hollande para acções europeias conjuntas, a flexibilização conseguida pelo Governo em relação ao juros da Troika correspondentes à comparticipação europeia, o reconhecimento da UE no esforço e sucesso (?) do programa de consolidação português, o PS ficou mudo, ficou sem reacção, ficou "imobilizado" e sem estratégia. Nada melhor para surgirem as vozes da oposição interna (por exemplo, com Pedro Silva Pereira a afirmar aos microfones da Rádio Renascença que “o Partido Socialista ainda não é alternativa”). Não será pelo facto de, em julho, ser a data limite dos dois anos que medeiam os congressos, não será pela realização das eleições autárquicas, em si mesmas, porque esse processo já deve estar a ser, internamente, preparado há algum tempo, e não será para discutir o "estado da nação". O que os socialistas pretendem é, tão somente, substituir António José Seguro por António Costa (antes das autárquicas) e afirmarem-se como alternativa ao Governo (porque esta euforia dos "mercados" depressa trará a realidade da austeridade do programa da Troika).

5. Agenda.

Solidariamente… RTP. Na edição de quarta-feira.

Ainda pergunta 'qual é a pressa?'

Esta foi a questão/resposta que António José Seguro enviou aos socialistas que reclamam a realização do Congresso do PS antes das eleições autárquicas.

Tal como aqui referi, face ao que tem sido a oposição que o PS tem efectuado ao Governo e na perspectiva de eventuais eleições antecipadas (o que nesta altura começa a figurar-se menos provável, por enquanto), há uma evidente, embora encoberta, vontade de uma determinada ala socialista em alterar a liderança do partido.

E o mais interessante é que António José Seguro só tem favorecido a argumentação de quem exige ao PS maior consistência e uma verdadeira alternativa política.

A propósito do último post "Solidariamente... RTP." esperava-se toda e qualquer reacção de António José Seguro menos esta: "Seguro vê adiamento da privatização da RTP como «mais uma vitória do PS»" (via TSF).

E depois, o actual líder socialista, fica admirado, furioso e questiona: qual é a pressa?

Como é que é possível o PS congratular-se e reclamar vitória num processo que tem tudo para acabar mal, ser uma verdadeira falácia e apenas ter como certeza o despedimento (à custa de 42 milhões de euros) de 600 profissionais da RTP?

Só significa que o responsável pelos 600 postos de trabalho a cortar na RTP, afinal não é Relvas, mas sim António José Seguro.

Enfim...

Solidariamente... RTP.

 

Qualquer processo de reestruturação de uma organização tem sempre impacto (negativo) na vertente dos recursos humanos dado que esta é uma fatia considerável dos encargos financeiros. Mas não só… há outras e inúmeras formas de minimizar esses impactos, muito longe dos números avançados pela imprensa para um processo de despedimento como o da RTP (mais de 600 profissionais) e com contornos muito pouco claros, ou, por outro lado, muito preocupantes: como é que será o futuro da RTP Porto?

Dos 323 trabalhadores (números avançados pela Comissão de Trabalhadores) perspectiva-se o despedimento de 300, reduzindo toda uma história e uma capacidade produtiva comprovada a 23 colaboradores? E que tipo de reestruturação vai ser executada? Apenas o que respeita aos encargos com o pessoal? É isto que é repensar o serviço público de televisão e todo o papel da RTP na comunicação social?

Já aqui avancei, em algumas ocasiões, um exemplo do que poderia ser (evidentemente com alguns constrangimentos de recursos humanos, mas isso seria de todo inevitável mesmo que em número muito mais reduzido) uma parte de um processo abrangente de reestruturação: a fusão da RTP2 com a RTP Inf, aproveitando o que de melhor tem a informação com a “formação” e conteúdos de excelência da RTP2 (pena que já tenham antecipado o fim do “Câmara Clara” ou a redefinição do “Sociedade Civil”, por exemplo). Por outro lado, repensar a RTP Memória, RTP África e RTP Internacional.

Agora, pura e simplesmente, pegar em dinheiro (que afinal existe… deve ter vindo dos “mercados”) e cortar (nem sequer é reestruturar) sempre pelo elo mais fraco, parece-me mais do mesmo, num país completamente esfrangalhado nas competências sociais e culturais do Estado.

Resumo de uma triste história, com um final ainda pior.

RTP: História de uma privatização que passou a concessão e que vai acabar numa reestruturação “dolorosa”

(via Jornal de Negócios, versão on-line, 26 janeiro 2013)

Danos colaterais da "ida aos mercados"

Independentemente a quem se possa (ou deva) atribuir o mérito da operação, realizada ontem, de colocação de dívida pública no mercado, é um facto que o seu reconhecido sucesso foi importante para o país.

Não resolve a crise, não afasta a austeridade, nem sei se terá consequências práticas nas políticas deste Governo, nem se sabe se será possível repetir o êxito (por exemplo com dívida a prazos de maturidade mais alargados, como a 10 anos), e, muito menos, será sentido directamente pelos portugueses. Servirá, no entanto, para relançar a confiança em Portugal dos níveis de investimento e promover algum impacto na economia, pelo menos em algumas empresas mais fortes e mais exportadoras.

Mas esta operação teve outros efeitos.

Primeiro, a breve prazo e por alguns tempos, serviu para criar, mesmo que ilusoriamente, um certo bem-estar e fortalecimento na coligação governamental, ao ponto do "terceiro" (Paulo Portas) vir, com todo o gáudio, a terreiro congratular-se pelo sucesso do governo.

Segundo, tal como refere, e bem, a insuspeita Estrela Serrano, de forma muito simples mas eficaz e clara, o PS como principal partido da oposição perdeu toda a pujança dos últimos tempos, por não ter sabido antecipar-se ao que spin que seria expectável se confirmado o sucesso da "ida ao mercado".

Terceiro, a operação teve o efeito mais que pretendido pelo Governo (embora seja demagogia política o excessivo gáudio na meta dos 5% do défice, quando esse valor só será, definitivamente, conhecido em março). Não só em termos económico-financeiros, não só em termos de ego político, mas também pela capacidade de fragilizar ou abanar a imagem do PS e do seu líder, António José Seguro. Ainda há pouco tempo, Seguro assegurava estar o PS pronto para ser governo e a almejar uma maioria. Mal foi conhecido o resultado da operação da dívida pública, ao que devo, pessoalmente, acrescentar o encontro entre Hollande (que era a referência europeia de Seguro, tal foi a euforia no pós-eleições francesas) e Passos Coelho, o encontro entre Merkel e Hollande para acções europeias conjuntas, a flexibilização conseguida pelo Governo em relação ao juros da Troika correspondentes à comparticipação europeia, o reconhecimento da UE no esforço e sucesso (?) do programa de consolidação português, o PS ficou mudo, ficou sem reacção, ficou "imobilizado" e sem estratégia.
Não será pelo facto de, em julho, ser a data limite dos dois anos que medeiam os congressos, não será pela realização das eleições autárquicas, em si mesmas, porque esse processo já deve estar a ser, internamente, preparado há algum tempo, e não será para discutir o "estado da nação".
O que os socialistas pretendem é, tão somente, substituir António José Seguro por António Costa (antes das autárquicas) e afirmarem-se como alternativa ao Governo (porque esta euforia dos "mercados" depressa trará a realidade da austeridade do programa da Troika).

E agradecermos à Irlanda?

Demagogias (e convicções) políticas à parte.

O Estado português, ao fim de dois anos de resgate financeiro (troika), regressou aos mercados de financiamento colocando dívida pública soberana (a cinco anos). Numa operação que se manifestou um sucesso, apesar de fortemente pré-preparada, o Estado arrecadou cerca 2,5 mil milhões de euros de financeiro, com uma taxa de juro considerada record (mínimo) e inferior a 5% (cerca de 4,8%). Apesar da forte procura (segundo o Governo foi cinco vezes superior ao estimado) Portugal pagará mais juros por esta operação obrigacionista do que a última colocação de dívida pública irlandesa no mercado (início deste mês) que ronda os 3,4%.

Independentemente dos méritos, esta é uma boa notícia para uma parte do problema: o refinanciamento do Estado e da economia, mesmo que apenas com um pequeno passo.

Por isso é que o confronto político sobre a temática, principalmente entre PS e PSD/CDS (Governo), não encontra um vencedor.

O PS porque (como muito bem descreve a Estrela Serrano em “Governo – 1, PS – 0: o treinador não esteve à altura do desafio”) não soube capitalizar, no momento certo, um discurso que vinha repetidamente profetizando mas que acabou por se revelar inadaptado face ao sucesso da colocação de dívida pública nos mercados. Por outro lado, a renegociação das condições do memorando (mais tempo e diminuição dos juros) parece não ser, afinal, uma necessidade tão premente para uma das vertentes da saída da crise (desenvolvimento da economia). Além disso, importa referir que o sucesso da operação de refinanciamento provocou uma importante reacção financeira:  as quedas acentuadas dos juros da dívida pública para os prazos de dois e dez anos.

No caso do Governo, fazer desta operação uma excessiva euforia política é, simultaneamente, pura demagogia política e o encapotar do resto da realidade que é o ajuste das contas públicas e a austeridade que tem sido implementada (a crise interna). E acima de tudo, apesar do sucesso e da operação ter sido estrategicamente bem preparada e de termos regressado ao mercado antecipando, em vários meses, a data perspectivada (setembro/outubro), a verdade é que a confiança reconquistada aos investidores tem, eventualmente, um maior mérito externo que interno.

Para este sucesso e o retomar da confiança dos investidores (93% estrangeiros: 80% de fundos, 4% de seguros e 9% da banca) contribuiu, naturalmente, o cumprimento das metas impostas pelo memorando de resgate (o défice de 2012 poderá ficar nos definidos 5%, mesmo que à “custa” da ANA); as medidas do BCE; a imagem que a União Europeia tem transmitido sobre Portugal e o programa de ajustamento das nossas finanças públicas, ao ponto de justificar a flexibilização do cumprimento das metas impostas no memorando (mesmo que ainda não se saiba o que isso nos irá custar).

Mas apesar destes factores todos há um outro que se revelou extremamente importante e marcante: não nos podemos esquecer que a Irlanda (país igualmente sobre resgate financeiro) regressou aos mercados já no início deste mês, abrindo a tão badalada “janela de oportunidades” para o sucesso português. Mas mais ainda… a Irlanda assumiu, a 1 de janeiro, a presidência do Conselho da União Europeia. O que não pode deixar de poder ser considerado um aspecto importantíssimo, quer para as posições da UE que foram recentemente tomadas, quer para a confiança do próprio mercado de investimento. E a questão coloca-se, com alguma racionalidade: se não fosse essa realidade Portugal teria tido capacidade para regressar aos mercados?

Por fim… é legítimo exigir do Governo toda a clareza e verdade no seu discurso. Esta operação não terá, directamente, implicações no esforço que os portugueses estão a fazer e as dificuldades porque estão, e continuarão, a atravessar na consolidação das contas públicas.

Reforma a passo demasiado apressado

Publicado na edição de hoje, 23 janeiro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Reforma a passo demasiado apressado

No dia 21 de dezembro de 2012, numa verdadeira maratona parlamentar, a Assembleia da República aprovava a lei que determinava, por força de agregação, a extinção de cerca de 1200 freguesias, após todo um processo que surge em finais de 2011 com a discussão em torno do Documento Verde da Reforma da Administração Local e, a partir de setembro do ano passado, com processos de manifestações, de pronúncias e não pronúncias, e propostas das Assembleias Municipais, analisadas e relatadas à Assembleia da República pela Unidade Técnica criada para avaliação do processo.

Havia, para muitas populações, autarcas e políticos, uma réstia de esperança que Cavaco Silva vetasse o diploma, à semelhança do que tinha feito em relação à proposta de agregação de freguesias em Lisboa, por iniciativa da Câmara Municipal. Mas a verdade é que o Presidente da República promulgou, na passada semana (dia 16 janeiro), a lei que reduz, por agregação, 1165 freguesias (das 4259 existentes) e reformula todo o mapa territorial autárquico nacional.

Para além de tudo o que já manifestei, comentei e critiquei em relação à forma como este processo da Reforma da Administração Local surgiu e foi conduzido, e que não importa agora reeditar, há um aspecto que foquei num dos mais recentes textos sobre o tema (“A ligeireza legislativa local”), esse sim, relevante para os próximos tempos até às eleições autárquicas, em outubro. Aliás, aspecto esse que foi manifestado também por Cavaco Silva numa nota enviada à Assembleia da República: o timing que medeia todo o processo seguinte até à realização das eleições, bem como o desejável normal funcionamento do acto eleitoral.

Não se percebe (nem faz sentido algum) esta urgência e excessiva pressa do Governo em promover esta reforma tão atabalhoada (ao contrário do que afirma o Ministro Miguel Relvas a reforma não é para as pessoas, é contra elas) e com um tão curto espaço de tempo para a implementar até outubro. Porque não basta esta promulgação do Presidente da República, que mais uma vez não teve coragem política para usar os mecanismos que tem ao seu dispor tais são as dúvidas que expressou à Assembleia da República, (refugiando-se numa singela mensagem/nota ao parlamento) e a entrada em vigor da lei. Há, até às eleições autárquicas deste ano, muito ainda a fazer: constituição, por parte das câmaras municipais, de comissões instaladoras das novas freguesias; listas eleitorais adequadas às alterações do número de eleitos; cadernos eleitorais; informação aos cidadãos; entre outros. Além disso, nada garante que o processo eleitoral em outubro seja pacífico, bem pelo contrário: surgirão boicotes em inúmeras freguesias como forma de retaliação contra esta medida do Governo e a pressa, que nunca foi boa conselheira, poderá trazer dificuldades acrescidas na preparação de todo o procedimento eleitoral.

Apesar do Governo ter sentido necessidade de constituir uma equipa, que entrou em funções na quinta-feira passada, de preparação de todo o processo eleitoral (Equipa para os Assuntos da Reorganização Administrativa Territorial Autárquica - EARATA), é a própria Comissão Nacional de Eleições (CNE) que, pela seu porta-voz, Nuno Godinho de Matos, vem expressar preocupação com a escassez de tempo para todo um conjunto de alterações que são necessárias efectuar para o acto eleitoral decorrer nas condições mínimas indispensáveis, já que todo o recenseamento está estruturado com base nas freguesias que existem actualmente (antes da reforma).

Por outro lado, a Associação das Freguesias (ANAFRE), para além dos problemas apontados na estruturação e organização das eleições, alertou ainda para os riscos eminentes com eventuais recursos judiciais (providências cautelares, por exemplo) e boicotes eleitorais no dia das eleições autárquicas em inúmeras freguesias.

Tudo o que é feito de forma precipitada, irreflectida, inconsequente, sem atender às necessidades das comunidades e às suas realidades, só pode resultar no que se costuma dizer na gíria popular: está o caldinho entornado.

As árvores afinal não morrem de pé.

(créditos da foto: Notícias de Aveiro - Júlio Almeida)

Foi de tal modo forte o temporal que se fez sentir em Aveiro, nomeadamente na cidade (sem querer entrar em qualquer tipo de comparação ou “competição” com o resto do país) que nunca se tinha assistido a uma devastação tão significativa das árvores do espaço urbano. Não sei quantificar, de forma exacta, o seu número (embora pense ser já possível existir esse dado oficial, pelo menos estimado. Mas posso garantir que forma muitas… demasiadas).

Não se trata, ao caso, de qualquer medida de política ou paisagismo urbanos, mas tão somente a força da natureza e a maneira da mesma se manifestar, por vezes de forma negativa e trágica.

Só que as consequências da manifestação da natureza tem, essencialmente, posteriores responsabilidades políticas, sejam ao nível nacional, regional ou local (como é o caso da cidade de Aveiro).

Como avançou, e muito bem, José Carlos Mota no blogue “Os Amigos d’Avenida”

"é importante um bem pensado ‘plano verde’ para 'decorar' de novo a imagem urbana de Aveiro. Deveria seguir-se uma rápida e intensiva plantação de árvores de porte significativo e espécie cuidadosamente seleccionada."

Se concordo inteiramente com a primeira parte (‘plano verde’) já coloco algumas reticências quanto à solução.

Transcrevo aqui alguns conceitos da bióloga e especialista Rosa Pinho sobre a temática da arborização em espaços públicos urbanos (com os devidos créditos em Boirede – Arboreto de Aveiro).

Alguns aspectos positivos e que justificam a existência de árvores nas ruas das cidades (por exemplo, Aveiro) e que considero mais relevantes: a arborização urbana tem uma importância que excede o seu valor ornamental e recreativo como a melhoria da qualidade do ambiente urbano; a importância das árvores como filtro ambiental, na purificação do ar através da fixação de poeiras e gases tóxicos e pela reciclagem de gases através de mecanismos fotossintéticos, reduzindo os níveis de poluição; a redução da poluição sonora pelos obstáculos que oferece à propagação das ondas sonoras, funcionando de amortecedores de ruídos; a redução da velocidade dos ventos; e o contributo para a harmonia paisagística e ambiental do espaço urbano. Por outro lado, os aspectos negativos (que também os há) são, ainda segundo Rosa Pinho: a pavimentação do solo deixa, por vezes, um espaço muito reduzido à volta do tronco, limitando a infiltração da água e o arejamento do solo; o trânsito de veículos e de peões, pode ocasionar ferimentos nos troncos e nas copas; se as árvores estiverem próximas umas das outras, são ‘obrigadas a competir’ pelos recursos disponíveis (água, luz, minerais e oxigénio); os problemas causados pelo confronto das árvores (por exe., as raízes) com o equipamento urbano, nomeadamente em interrupções no fornecimento de energia, entupimento de calhas, danos nos muros e passeios; e, face à dificuldade e erros no planeamento urbano em conceber espaços amplos (passeios largos em detrimento de excesso de espaço viário), há os inúmeros obstáculos gerados à circulação de peões, concretamente para quem tem mobilidade reduzida (cadeiras de rodas, entre outros). (adaptado)

É, por isso, inquestionável a conclusão da Rosa Pinho e que vem ao encontro da questão do ‘plano verde’ do José Carlos Mota:

"em virtude destes factores, quando se trata de enquadrar as árvores num ambiente, há que proceder a uma escolha adequada das espécies, em conformidade com o local, clima e tipo de solo, em que se pretende efectuar a sua implantação.

Só que face aos pós e contras (não televisivos) da arborização do espaço urbano apresentados, independentemente do peso e dimensão no confronto entre os aspectos positivos ou negativos referidos, pessoalmente tenho outra visão (aliás já expressa publicamente) sobre a problemática das árvores nas cidades.

Sendo difícil (embora não impossível) alterações significativas no espaço urbano (nomeadamente alteração da dimensão de muito dos passeios – são inúmeros os casos na cidade de dificuldade de circulação dos peões nos passeios, pela redução do espaço ou pela sua degradação por causa das raízes); havendo pouco cuidado na escolha das espécies e que, mais tarde, se traduz, por exemplo, na degradação do piso dos passeios; havendo sempre o risco de queda inesperada das árvores colocando em perigo a segurança das pessoas; prefiro arriscar outro tipo de solução, mesmo que implique ruas e avenidas sem arborização (o que não significa som exclusivo domínio do automóvel). E a solução passaria antes pela regeneração biológica consistente e eficaz de parques já existentes (como o Parque D. Pedro) e a criação de novos parques arborizados (por exemplo reformular o Rossio, a zona do Canal S. Roque, a zona do Cais da Fonte Nova, a zona da Forca a nascente do Centro Congressos na Av. Sá Carneiro), criar novos Parques na cidade como o projecto antigo de implementar um novo parque na zona “agrícola” entre o cruzamento de S. Bernardo (Pingo Doce) e o Pavilhão do Galitos até à EN.109, ou alguma área na zona a nascente da Estação (entre a Estação e a EN109). Isto entre muitos outros exemplos. Eventualmente mais relevantes do que o, apesar de meritório, parque da sustentabilidade, que poderia ser, preferencialmente, uma sustentabilidade ambiental. Veja-se o exemplo do Porto com a reabilitação do Parque da Cidade.

Mas as cidades, praticamente todas e à qual Aveiro não fugiu, nem foge, à regra sustentam a sua sobrevivência mais no “betão” do que na “florestação”.

A propósito da verdade

Tal como já aqui fiz referência a uma excelente exposição/texto de Estrela Serrano a propósito da comunicação em política, continuo com a convicção de que comunicar só se traduz num acto pleno se for claro e perceptível ao receptor (isto, obviamente, de uma forma simples, mas óbvia).

Não faz sentido, por isso, que quando pretendo dizer "alhos" quem me ouve compreenda "bugalhos". Algo correu mal neste processo comunicacional.

Mas tão grave ou pior que isso é quando comunico uma determinada mensagem, ideia, conceito ou afirmação e, passado algum tempo, mudando as circuntâncias e os contextos, e por mero interesse ou desculpa, nego o que anteriormente afirmei. Das duas, uma. Ou menti e enganei na primeira afirmação, ou, ao dar o dito pelo não dito, tenho a maior cara de pau e lata, para além de uma falta de coerência, consistência e personalidade.

Tudo isto a propósito de "verdades".

Factos: quer o Secretário de Estado da Juventude, quer o próprio Primeiro-ministro aconselharam os jovens e os cidadãos (no caso concrteo, os professores) a emigrarem. Ponto.

Vir agora o Primeiro-ministro afirmar que não o disse, face à realidade, aos números e a outros interesses, só se traduz numa total falta de ética e coerência política. É comunicar (e governar) conforme "sopra o vento".

Mas contra factos...

Do outro lado da barricada...

Independentemente da "côr" política ou da ideologia, a verdade é que sempre me surpreendeu a facilidade com que antigos governantes (Presidentes da República, Primeiros-ministros, ministros, ...) comentam a actualidade, nomeadamente no que respeita ao Estado e às vertentes económico-financeiras. Isto porque, enquanto no exercício das suas funções governativas, fizeram tudo precisamente ao contrário do que agora (do outro lado da "barricada") preconizam e comentam.

Mas ainda pior que esta realidade é a forma como se muda de opinião, como se deixa de assumir as responsabilidades quando se deixam as funções públicas. Como se a saída da governação significasse um "apagão" político dos actos praticados.

Escrevi publicamente o meu apreço (independentemente das circunstâncias e das conjunturas) para com a acção e o trabalho políticos de Teixeira dos Santos, enquanto ministro das finanças no governo socialista de José Sócrates. Aliás, de forma muito directa assumi ainda que entendia, por diversas razões, que seria uma excelente aposta se Passos Coelho convidasse Teixeira dos Santos para continuar como ministro das finanças (ou eventualmente da economia), embora duvidasse que o mesmo aceitasse.

O que é incompreensível é a mais recente atitude de Teixeira dos Santos com as declarações proferidas na Assembleia da República, na audição na Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as Parcerias Público-Privadas.

"Teixeira dos Santos considerou que o PEC IV, que foi chumbado e que ditou a queda do Governo liderado por José Sócrates, teria evitado o recurso ao resgate da troika."

Não me repugna nada, antes pelo contrário, face ao que este governo tem feito e que revelou ser na gestão do país, constatar que o PEC IV poderia ter merecido um maior cuidado na sua apreciação ou na hipótese de implementação. Mas o que me preocupa nas palavras do ex-ministro Teixeira dos Santos é recordar que foi o próprio que afirmou, publicamente (enquanto Sócrates estava na Europa) que, no espaço de um mês, Portugal não teria dinheiro sequer para pagar salários.

Uma no cravo, outra na ferradura...

Resta-me ainda esta "triste" imagem já de arquivo.

 

O País em “alerta vermelho”

Publicado na edição de hoje, 20 de janeiro, do Diário de Aveiro.

Entre a Proa e a Ré

O País em “alerta vermelho”

Não é apenas pelas assustadoras condições meteorológicas que o país terminou a semana num preocupante estado de alerta vermelho (máximo na escala da protecção civil). É que para além da intensa chuva, do forte vento e do frio, os portugueses, ao longo da semana, foram-se deparando com outros temporais, estes de natureza (e não “da natureza”) política.

1. Os relatórios (in)suspeitos.

O Governo teve, claramente, um grave problema comunicacional com a tentativa falhada de esconder do país (cidadãos, coligação governamental, parlamento e demais instituições) o relatório do FMI (“Rethinking the State – Selected expenditure reform options”… “Repensar o Estado – escolha de opções de contenção de despesa”) que acabou, graças a uma fuga de informação, por se tornar público e oficial. Como se tal facto não fosse, em si mesmo, grave e inqualificável, a semana seria, a este nível, marcada pela frustração governamental em classificar e justificar um documento que se provou e comprovou ser um embuste, uma falácia e um conjunto de pressupostos ideológicos e programáticos da equipa de Pedro Passos Coelho: dados desactualizados e contraditórios, informação muito específica e própria do país (estranha a algumas percepções internacionais), reformas estruturais que contradizem as mais recentes afirmações públicas e documentais do FMI sobre a austeridade. Como se constatou pelos mais diversos artigos, textos, documentos, opiniões, (e não, apenas, nacionais ou da oposição) tal como aqui referi no último “Entre a Proa e a Ré”, o suposto relatório elaborado pelo FMI (na verdade, apenas validado) serve apenas para sustentar uma série de medidas que terão que (ou deverão) ser implementadas pela evidente falha das políticas de austeridade do Governo, agravando ainda mais as condições de vida dos cidadãos, das empresas e do país. O relatório serve para, sob a capa do resgate externo e da obrigação de responder às eventuais imposições das instituições internacionais, tentar desresponsabilizar o Governo e justificar as suas acções politicas, económicas e sociais.

2. A sociedade civil elitizada.

No seguimento do referido no ponto 1, o Governo decidiu promover um ciclo de debates sobre a “refundação” do Estado, integrados na conferência….. Uma iniciativa que, independentemente da visão que se possa ter sobre as funções do Estado, não deixaria de ter o mérito de iniciar as bases para a discussão do tema. E teria o mérito de, afastadas as guerras partidárias, envolver a sociedade civil e perceber qual a percepção que a mesma sociedade teria sobre o que espera serem os contributos sociais do Estado. Pura ilusão… de pública e de envolvimento da sociedade teve muito pouco (ao ponto de condicionar o papel informativo dos órgãos de comunicação social), serviu apenas como “workshop” e listagem de conceitos para os objectivos do Governo, ao ponto do evento ter ficado circunscrito à propaganda governamental da abertura e do encerramento.

3. A sede do “poder”.

O debate quinzenal na Assembleia da República, com o Primeiro-ministro, teve o seu ponto alto na acusação mútua, entre PS e Governo/PSD, de quem terá direito à “cadeira do poder”. Para Passos Coelho o Governo só deixará de governar quando a coligação não se entender (o que até já esteve mais longe), esquecendo-se completamente (mais uma vez) da Constituição e do papel do Presidente da República, já para não falar da total falta de respeito para com a própria vontade dos cidadãos (a verdadeira sociedade civil). Por outro lado, António José Seguro tinha já manifestado a vontade que o país tivesse uma maioria governativa alternativa, dando a notória imagem de que o PS estará preparado para governar. Esta repentina vontade de “assaltar o poder” tem, no entanto, três questões que importa focar: se os portugueses (e mesmo o eleitorado socialista) se revêem na liderança de Seguro e o vê como alternativa a Passos Coelho; esta vontade de provocar eleições antecipadas é paradoxal com as críticas formuladas em 2011 aquando da queda do governo socialista de José Sócrates; e, não menos importante, há uma evidente pressa de António José Seguro em marcar esta posição e em acelerar um eventual processo eleitoral condicionando a sua oposição interna, nomeadamente em relação a António Costa.

4. Cerco a Aveiro.

Há muito que a sociedade aveirense contesta a colocação de dois pórticos no troço da A25 (o do Estádio e o de Angeja) e outro na A17 (nó Oliveirinha/Moita). Esta realidade faz recordar os livros de história quando, ao retratarem as conquistas e as invasões, descreviam os cercos às cidades e aos castelos como forma de ganharem vantagem através da limitação dos acessos e condicionarem os fluxos de abastecimento. Desta forma asfixiavam as cidades e os castelos impondo as suas forças.

É esta a realidade que Aveiro vive e que volta a ser preocupação com o anúncio do Governo em reactivar o pórtico que limita o acesso entre Aveiro e Ílhavo (Gafanha da Nazaré, Barra e Costa Nova). Para além de todos os condicionalismos em relação à mobilidade e acessibilidade dos cidadãos de e para Aveiro, com alternativa reduzida (imagine-se no Verão o que significa a utilização da antiga estrada entre a ponte da Friopesca e o nós do Marnoto, à entrada da cidade de Aveiro) há ainda um outro pormenor que importa relevar. Com a reactivação deste pórtico fica completamente condicionada a perspectiva dos aveirenses, e em falta as diversas promessas políticas, em ver anulados os outros pórticos na zona que delimita Aveiro, nomeadamente o tão famigerado pórtico do Estádio. Ou seja, Aveiro não só não consegue ver desaparecer três pórticos na cintura à cidade como ganha mais um. A bem da crise.

Ainda por "conferenciar"...

Ainda a propósito da tal conferência pública/privada promovida pelo Governo e organizada pela advogada Sofia Galvão, "Pensar o futuro – um Estado para a sociedade" e no seguimento do que expus no post "Informar é diferente de fazer um discurso".

São diversas as opiniões/argumentos para justificar a concordância ou a discordância em relação à posição assumida por alguns jornalistas de abandonarem a conferência pelas razões que estão descritas no referido texto. Aliás, já referi ter posição diferente em relação à Fernanda Câncio (apenas nesse ponto), como também é diferente da posição assumida por Estrela Serrano, mesmo que a tenha tão elogiado (merecidamente) no início do post. E, de forma muito clara, com todo e o devido respeito e consideração, não tenho qualquer constrangimento em poder achar que a razão não me assiste.

O que não posso deixar de referenciar e manifestar o meu desacordo é com o texto de Henrique Monteiro no seu blogue do Expresso, com o título "A manada de jornalistas e a sociedade civil secreta".

Primeiro, parece-me totalmente inapropriado (pelo menos isso) que no título qualifique jornalistas como "manadas". Até porque nem se percebe a sua ligação com o conteúdo do texto.

Segundo, apesar da sua posição ser idêntica à da Fernanda Câncio e à de Estrela Serrano, a argumentação usada nos pontos 2 e 3 do seu post merece um comentário.

Diz Henrique Monteiro que "2) Os organizadores de qualquer conferência têm o direito de impor as regras de divulgação que entenderem. Incluindo a de não quererem jornalistas por perto. O dever de informar não pode ser extensível a qualquer ato da sociedade. Isso nem faz sentido".

Ora, em teoria é um facto. Mas no que respeita ao caso em apreço, a verdade é que os jornalistas foram "usados" para a publicitação de um evento público (e não privado ou restrito). A verdade é que a Comunicação Social foi convidada a estar presente para exercer a sua função: informar/noticiar. Não foram colocadas quaisquer restrições prévias ao exercicío das funções jornalísticas. Estas foram reveladas já no decurso do evento. O dever de informar é "devido" a actos para os quais os jornalistas são, livremente, convidados e em actos públicos que pretendem, inclusive, envolver a sociedade civil.

Mas a minha maior discordância refere-se ao ponto 3 do texto: "O dever dos jornalistas é informar os seus leitores, ouvintes e espetadores, mesmo em condições mais adversas. (...) Esta ideia de que os jornalistas não têm deveres para com os seus leitores está a matar o jornalismo, transformando-nos (a nós profissionais) numa espécie de 'vacas sagradas' que decidem em manada abandonar locais em sinais de protesto. (...) O compromisso principal de um jornalista, para lá de todos os direitos que possa ter, é com o seu público."

É um facto que não podia estar mais de acordo com o que escreve Henrique Monteiro mas pelas razões, completamente, opostas.

O dever do jornalista é informar e há que honrar o principal compromisso profissional que é para com o leitor. Mas foi mesmo isso que se passou com o abandono da conferência por parte de um grupo de jornalistas da Antena 1, Lusa, Público e TSF, foi o respeito pelo leitor (da mesma forma com aqueles que permaneceram). Porque o que ficou em causa foi precisamente o rigor, a verdade da informação, completamente condicionada ao que a organização pretendia que fosse divulgado: apenas os propósitos do evento (na abertura) e a opinião do Governo (no encerramento). Todas as restantes partes, tudo o que fosse dito como voz contrária às convicções do Governo, estava condicionado. Fazer disso notícia e informar o público dessa forma seria, isso sim, um atropelo à deontologia, aos estatutos, à lei, que garante ao cidadão o pleno exercício do direito a SER INFORMADO (com rigor, verdade e transparência).

E por todas as outras razões relacionadas com a função (direitos e deveres), continuo a entender que a posição assumida por aquele grupo (e não "manada") de jornalistas foi a mais correcta, independentemente de, lamentando, aceitar a decisão dos que resolveram permanecer.

Milagre para a centralidade urbana.

Têm sido recorrentes, nestes dias mais recentes, as referências ao centro urbano da cidade, nomeadamente à Rua Direita (Rua dos Combatentes da Grande Guerra e Rua de Coimbra), e zona envolvente (Rua Príncipe Perfeito, Rua Belém do Pará e Rua Gustavo Ferreira Pinto Basto).

Todas as localidades, seja qual for a sua dimensão e importância, têm uma centralidade própria, projectada nas mais diversas e distintas tipologias: zonas histórias, zonas culturais, zonas comerciais, zonas sociais (religiosas, por exemplo). Aveiro não foge à regra. Ao tempo, a zona muralhada da Av. 5 de Outubro (actual Sé e Museu de Aveiro), o antigo Cojo (hoje Fórum Aveiro), a Praça Marquês de Pombal, a Praça da República, o Alboi e o bairro da Beira Mar (Largo do Rossio e Praça Melo Freitas), delimitaram, nas mais diversas e individuais características e importância, duas zonas relevantes e marcantes na história da cidade. Mais tarde, quando por volta de 1921, Lourenço Peixinho “rasga” a Avenida Central (a partir de 1952 com o nome de Avenida Dr. Lourenço Peixinho) desde a Ponte de Praça até à Estação de Caminhos-de-Ferro, a cidade ganha uma nova e forte centralidade, concorrente do espaço até então projectado, no tempo, pela nobreza, aristocracia, Igreja e política, agora, já sem a muralha e sem a Freguesia de S. Miguel (com clara perda de parte da sua história), essencialmente confinado à Praça Marquês de Pombal (Governo Civil, Convento das Carmelitas e Palácio da Justiça), Rua Direita (comércio), Museu e Praça da República (Paços do Concelho, Misericórdia, Liceu Homem Cristo e Teatro Aveirense). Embora nascido na ainda freguesia da Vera Cruz sempre vivi e cresci na, também ainda, freguesia da Glória, precisamente muito perto da Rua Direita, até ter casado e ter-me fixado na Vera Cruz. Daí que tenha acompanhado, durante cerca de 40 anos, todo o definhar daquele espaço que foi, a par e concorrencialmente com a Avenida Dr. Lourenço Peixinho, o centro urbano da cidade. Recordo perfeitamente a circulação automóvel em toda aquela zona, os serviços lá existentes, o comércio que florescia, etc. Já por diversas e variadas vezes aludi aqui que é preocupante o estado actual e o futuro da Rua Direita. E a solução, aparentemente óbvia e lógica, afigura-se difícil de atingir e de uma complexidade que inquieta porque apenas permite concluir que a Rua Direita vai mesmo “morrer”, mais ano, menos dia. A tal solução é só uma: devolver as pessoas à Rua Direita. Só que os meios para atingir tal realidade é que parecem não serem exequíveis, nem passíveis de se implementarem. Porque há aqui um paradoxo muito forte e relevante: é que foram as próprias pessoas que abandonaram a Rua Direita (tal como na Avenida). Deixaram de habitar a Rua Direita, deixaram “comercializar na Rua Direita, “obrigaram” a outras centralidades no que respeita aos serviços, nomeadamente os públicos (como a autarquia, finanças, etc.) e aquela centralidade vai, a pouco e pouco, deixando de ter o impacto de outros tempos na cidade, com preocupantes questões ao nível social e urbanístico. E de forma abalada e com profunda tristeza não consigo encontrar meios capazes de chegar à solução que revitalize aquela zona: as pessoas. Não é com o regresso da circulação automóvel, não será apenas com reabilitação urbana ou projectos de urbanismo, os serviços públicos não têm, pelas exigências dos dias de hoje, condições para o regresso àquele espaço (não há condições físicas para o regresso das finanças, da autarquia, ou a transferência da “loja do cidadão”, entre outros), não é através de um comércio que deixou de ser atractivo ou concorrencial, não é com acções culturais esporádicas (lembro a realização da feira mensal criativa, que tem enorme sucesso), que as pessoas regressam à Rua Direita. Também é certo que as cidades, como as sociedades, são dinâmicas: constroem os seus percursos na evolução ou alteração da história e da sua urbanidade. Seriam inúmeros os exemplos que retratam esta realidade: as muralhas, as quatro freguesias urbanas, o primeiro espaço da junta de freguesia da glória na casa mais antiga da cidade (junto aos Paços do Concelho), o aqueduto ou arcada do Cojo, em alvenaria, cujos vestígios estão hoje completamente “engolidos” pela construção urbana na Rua de Viana do Castelo, a Fonte dos Amores, a produção cerâmica e os barreiros, as salinas, a Feira das Cebolas (que alcunhou os ‘ceboleiros’) ou a grandeza da Festa da Sra. das Febres (muito antes do S. Gonçalinho), etc., etc. O que a memória nos conseguir recordar.

Infelizmente, por maior que seja a mágoa, a realidade é mais forte… a menos que haja algum milagre urbano que salve a Rua Direita (assim como a Avenida) de mais uma dinâmica urbana.

Informar é diferente de fazer um ditado.

Na passada sexta-feira (11 de janeiro) Estrela Serrano tem um excelente texto publicado no blogue "Vai e Vem" sob o título "Eis em que se transformou a comunicação política em Portugal: informação relevante é conhecida através de fugas para os jornais". Neste texto, a docente, investigadora e ex-vogal da ERC, refere, de forma exemplar, dois recentes casos que retratam a forma como a Informação (Comunicação Social) é vista pela Presidência da República e pelo Governo: O documento do Presidente da República enviado ao Tribunal Constitucional e que justifica/fundamenta o seu pedido de fiscalização sucessiva do OE2013 e o pseudo-relatório do FMI que ninguém conhecia e que, um dia após a sua divulgação, acaba publicado no portal do Governo.

Hoje, ficámos a saber que o Governo solicitou à advogada, militante do PSD e ex-secretária de Estado, Sofia Galvão, a realização de um ciclo de conferências sobre o tema "Pensar o futuro – um Estado para a sociedade". Mas a reflexão sobre a "refundação do Estado" começou mal. Muito mal mesmo. Eu diria até de forma vergonhosa para a iniciativa, para o Governo, para a democracia e para a liberdade de informação.

Uma acção pública, largamente publicitada, que pretende envolver a sociedade civil sobre uma temática da maior importãncia e relevo para o país, à qual são chamados o jornalistas, só tem que ter um final: a sua divulgação, o exercício legitimo do direito de informar e do direito (dos cidadãos) a ser informado. Daí que seja de aplaudir (e de pé) a atitude dos profissionais da Antena 1, da Lusa, do Público e da TSF (embora só se conheça a posição oficial, comunicado, da Antena 1) que após terem sido informados pela organizadora do evento, Sofia Galvão, em pleno decurso do debate, da alteração das regras ("Não haverá registos de imagem e som. A permanência dos jornalistas na sala é permitida mas não haverá nada do que seja dito sem a expressa autorização dos citados", anunciou esta manhã Sofia Galvão na sua intervenção inicial. Só a abertura e encerramento da conferência – que serão feitas pelo primeiro-ministro, ao final da tarde de amanhã – serão totalmente abertas à comunicação social.) decidiram abandonar a conferência/debate.

Não se promove uma discussão pública para depois a manter fechada ou circunscrita a uma "sociedade civil" restringida a meia dúzia de iluminados. Não se envolve a sociedade civil para depois esconder da opinião pública tudo aquilo que não interessa (que não é favorável) ao governo. Não se chama a Comunicação Social para depois a silenciar ou a condicionar o seu legítimo direito ao normal e óbvio exercício da sua função que é, tão somente, informar (e não de mero assistente ou veículo de informação pré-selecionada como seria a cobertura apenas da abertura e encerramento/conclusões do evento). Tal como refere, de forma muito clara, a Fernanda Câncio em "a conferência onde aquilo que se diz não se escreve". Só não concordo com um ponto (um único, apenas) que a Fernanda Câncio refere: que os jornalistas deveriam ter ficado.

À parte de todas as questões e atropelos legais, por parte da organização (Sofia Galvão), à Constituição, à Lei da Imprensa, da Rádio e da Televisão, ao Estatuto dos Jornalistas ou ao seu código deontológico, e que me vou, aqui, escusar de nomear, o que eu acho é que TODOS os jornalistas deveriam ter saído. TODOS. Por uma questão de respeito, valorização e dignificação da profissão, do seu Código e do seu Estatuto. Mas TODOS (o que, infelizmente, tal como em muitas outras situações, raramente acontece. Ou por falta de solidariedade ou por falta de concertação. Ou porque...). E depois sim, com essa atitude colectiva, condenar publicamente o acto de censura e de limitação do direito de informar a que foram sujeitos.
E este inqualificável episódio faz-me lembrar outra realidade também comum e perante a qual os jornalistas têm sido muito displicentes: as conferências de imprensa sem direito a perguntas. Ir lá para quê? Gastar recursos (financeiros, técnicos e humanos) para quê? Bastava, e seria mais barato, célere e fácil, o envio de comunicados para as redacções.

A TODOS os que corajosa e dignamente tomaram esta posição, a minha total solidariedade, o meu respeito e o meu sincero aplauso.


Nota da direcção de informação da Antena1

"A Direcção de Informação da Antena1 não recebeu previamente, por parte da organização, qualquer informação sobre as condições de registo de declarações dos participantes na conferência Pensar o Futuro.
Não concordando com as regras impostas, uma vez que como o próprio nome indica se tratava de uma conferência, e por essas regras colocarem em causa o estatuto dos jornalistas e o princípio da liberdade de imprensa, a Antena1 decidiu não acompanhar o evento nos momentos em que não é permitida a divulgação do seu conteúdo."

Os 4 mil milhões de euros do FMI…

Esta semana não houve na agenda política tema mais quente e controverso que a divulgação, pelo Jornal de Negócios (na edição online de quarta-feira, 9 de janeiro) de um relatório, “supostamente”, produzido pelo FMI: “Rethinking the State – Selected expenditure reform options” (Repensar o Estado – escolha de opções de contenção de despesa”).

Apesar de alguns textos publicados na imprensa e alguns debates televisivos que fui vendo, com toda a franqueza, aguardava, com alguma expectativa, pelo texto de opinião da Fernanda Câncio (“No fundo do fundo”) na sua coluna semanal no Diário de Notícias, principalmente pelo que, ao longo destes dias, fui acompanhando, sublinhando com concordância, na discussão do assunto nas redes sociais.

O texto da Fernanda Câncio, condicionado pela óbvia limitação de espaço, termina a focar (desmontar) a questão da área da educação/ensino, sendo no início do artigo estejam referenciadas diversas grosseiras imprecisões do documento em causa. Mas há uma questão, que surge em torno deste relatório, que vai muito para além das supostas reformas/medidas, e que importa relevar e que tão bem a jornalista sénior do DN explorou durante esta semana: a questão política ou o seu embuste político (até porque, tecnicamente, os fundamentos do documento são muito fracos e imprecisos). E essa é também a minha visão fulcral deste suposto relatório.

Muitas vezes se questionou o tema dos 4 mil milhões de euros que deram origem à recente preocupação deste Governo na “refundação do Estado” (obviamente ideológica e que nada tem a ver com a social-democracia de um verdadeiro PSD): porquê, ou qual o origem, destes 4 mil milhões de euros?

Numa fase em que as políticas de austeridade implementadas pelo Governo, na resolução do descontrolo das contas públicas, se têm demonstrado, não só ineficazes, como catastróficas, politicamente, Pedro Passos Coelho e, nomeadamente o tríplice Gaspar – Relvas – Borges, sentem a necessidade de encontrar um suporte de legitimidade (um “sacudir a responsabilidade”) para fundamentarem a sua “refundação do Estado” e que encontram no peso político externo que tem a Troika (FMI, ao caso) face ao processo de resgate financeiro do país. E está aqui justificado o gasto dos 4 mil milhões de euros: o custo de um relatório.

Mas a verdade é que o Governo não estaria à espera que o documento fosse tão fácil e precipitadamente divulgado e não soube esconder, nem justificar, a sua mediocridade técnica (o que se estranha que uma instituição como o FMI se preste a um “servicinho” tão básico como este).

E as coisas são demasiadamente óbvias, que nem a trapalhada e inqualificável conferência de Imprensa do Secretário de Estado Carlos Moedas (que apelidou de muito bom o relatório, qui ça, muito do punho do próprio) conseguiu disfarçar.

São dados desactualizados, contraditórios (como refere a Fernanda Câncio, por exemplo, na educação – contradições entre dados/gráficos do PISA e o texto) e que são reflexo muito concreto de contextos e princípio nacionais que se duvidam que a Troika/FMI saiba o seu significado e realidade (tal como aconteceu com a questão da reforma da reorganização territorial autárquica, com o processo da agregação das freguesias) e de políticas que o Governo já implementou (caso das horas extras dos médicos no SNS, por exemplo) ou que já há algum tempo estão na discussão pública, como a redução do número de funcionários públicos e similares ou a sustentabilidade da segurança Social. Este documento é um fraco trabalho académico prático de uma cadeira de economia, gestão ou finanças públicas (nem sei que nota teria).

É que teria sido mais ético, moralmente aceitável mesmo que política e socialmente criticável, que o Governo tivesse tido a coragem de assumir que estas seriam as suas propostas (e algumas são aceitáveis, face à conjuntura) para um debate sobre as funções de um Estado Social de um país em crise ou em colapso financeiro (já para não dizer, ideologicamente o seu programa de governação eleitoralista, ao contrário das mentiras proferidas na campanha última) e para justificar os questionáveis 4 mil milhões de euros, ainda por explicar cabalmente.

Por último, ou o FMI é uma instituição de “bitaites” ou, de facto e de uma vez por todas, este Governo quer-nos fazer passar por estúpidos (com todas as letrinhas). O FMI já algum tempo que se penitenciou pelos erros do multiplicador, já há algum tempo que vem afirmando que só austeridade não é compatível com o crescimento económico, já há algum tempo que afirma (nomeadamente a Sra. Lagarde) que chega de austeridade na recuperação portuguesa, já há algum tempo que a UE avisa para o perigo de colapso social em Portugal, e ainda hoje é notícia que Portugal (sem quaisquer agravamentos ao programa de entendimento/resgate) vai beneficiar de um aumento de verba no valor de 3 mil milhões de euros (que grande subsídio de Natal para o Governo).

Faz algum sentido este relatório? Só na política deste (des)Governo.

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