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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Moção (des)confiança do Presidente da República

Publicado na edição de hoje, 31 de julho, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Moção (des)confiança do Presidente da República

Foi apresentada, ontem, no Parlamento, uma Moção de Confiança ao Governo. A moção vem no seguimento de uma exigência do Presidente da República, goradas que foram as negociações tripartidárias (PSD, CDS e PS) da última semana. Na prática, não tendo na Constituição fundamentação legal para a criação de um governo de iniciativa presidencial, Cavaco Silva valeu-se a dois recursos para contornar este aspecto: primeiro, as negociações entre os três partidos do chamado “arco do poder”; segundo, falhada a primeira ‘iniciativa’, aceitou a proposta de remodelação governamental (que tinha recusado no seguimento da crise política gerada pela demissão de Vítor Gaspar e de Paulo Portas), em alternativa às eleições antecipadas, com a condição do Governo apresentar uma Moção de Confiança. Sendo certo que seria expectável a sua aprovação por força da maioria que sustenta o Governo presente na Assembleia da República, esta moção não é um mero acto institucional ou a simples demonstração do apoio parlamentar da maioria ao seu governo.

Ao contrário do que resultaram as moções de censura até agora apresentadas pela oposição que são a demonstração de legítimas posições de crítica e de condenação do governo, esta Moção de Confiança tem implicações e impacto políticos relevantes para o futuro do Governo e da sua acção.

Por um lado significa uma clarificação de posições entre Governo/maioria parlamentar e oposição, mesmo que isso contrarie o propósito inicial de Cavaco Silva que pretendia um consenso alargado para os próximos dois anos. Se ficou demonstrado, no processo negocial, as divergências entre PSD-CDS e PS (mesmo que, neste caso, seja igualmente evidente que António José Seguro não foi capaz de contrariar a oposição interna socialista), maiores serão, ou pelo menos, mais evidentes se afigurarão, as divergências entre as políticas do Governo e a oposição parlamentar.

E é neste âmbito que a Moção de Confiança tem outro significado político. A clarificação e a definição das políticas e das medidas de combate ao défice que o Governo deverá implementar nestes dois anos que faltam para o final do mandato legislativo. Ou seja, neste aspecto, Cavaco Silva foi, finalmente, coerente e consistente com o papel do Presidente da República. Obrigou o Governo a apresentar uma “reformulação” do seu programa, comprometendo-se politicamente com a Assembleia da República, mas também com o país, apresentando propostas de medidas que firmem o programa acordado com o Memorando de Resgate Financeiro (Troika) para a consolidação das contas públicas/défice, com políticas de crescimento e desenvolvimento social e económico e de combate ao desemprego que é, nesta data, uma das maiores consequências comprovadas da austeridade até agora implementada. Esta foi a contrapartida exigida para a aceitação presidencial da remodelação governamental.

Nota final. À data da elaboração deste artigo, por questões de tempo e de edição, não era conhecido o resultado, nem o conteúdo, da Moção de Confiança apresentada na Assembleia da República. No entanto, se o Governo se limitou a fundamentar a Moção apenas com a argumentação da avaliação dos dois primeiros anos de mandato ou com os pressupostos que sustentam o compromisso assinado com a Troika ao longo destas sete avaliações, sem apresentar novos caminhos, novas perspectivas, uma maior confiança quanto ao futuro, de nada valeram estas últimas semanas; nem a negociação (mesmo que falhada), nem a legitimação da continuidade do Governo.

E neste âmbito quem sai, claramente, a perder é, mais uma vez, Cavaco Silva (por não ter usado o último recurso que tinha: as eleições antecipadas) e, principalmente, o país que perde a réstia de confiança que ainda podia ter no Governo e no futuro pós-Troika.

Património e Identidade.

Publicado na edição de hoje, 28 de julho, do Diário de Aveiro.

Cagaréus e Ceboleiros

Património e Identidade.

O que melhor determina a consciência de sentido de comunidade é a sua identidade. O que melhor consolida essa identidade é a sua história (o seu passado que determina um presente e projecta um futuro), a sua cultura (a sua realidade social, as suas vivências culturais) e o seu património. Património este que projecta a história e a cultura que determinam a identidade de uma comunidade. Património este que se sustenta nos recursos naturais, no edificado e nas vivências culturais e sociais. E que património é este que estabelece a identidade aveirense?

A sua história assente em mais de um milénio de existência (segundo reza o documento testamentário de 959 de Mumadona Dias), os mais de 250 anos como cidade, a presença de Santa Joana Princesa (filha do Rei D. Afonso V), a perda e a recuperação da Diocese, as lutas entre os liberais constitucionalistas e os absolutistas, terra dos grandes parlamentares como José Estêvão. Da sua identidade social poder-se-á destacar a economia (infelizmente com reflexos numa evidente queda industrial, salvo raras excepções) assente na cerâmica e da azulejaria, na abertura da barra, na centralidade das acessibilidades rodoviárias e ferroviárias, no desenvolvimento crescente do seu pólo universitário, na pesca, mas igualmente na escolha como referência de “terra das liberdades” com a realização dos três Congressos da Oposição Democrática. Como referência cultural importa relevar a sua cultura popular (as várias festas que se realizam na cidade e no concelho), o papel dos marnotos e das salineiras, a importância da Arte Nova ou o seu património religioso. Por outro lado, lamenta-se a perda física da muralha ou do aqueduto do Côjo. Mas há ainda a resistência dos bairros mais típicos como o da beira-mar, do Alboi, da Misericórdia, da zona de Sá. Entretanto, novas ‘culturas’ foram marcando uma nova identidade em Aveiro: a tecnologia potenciada pela universidade, as BUGA, a manutenção dos moliceiros como turismo.

No entanto há uma realidade patrimonial que Aveiro teima em querer deixar “morrer”: o salgado aveirense. O sal foi, durante séculos, um produto e uma realidade social e cultural de enorme importância para o desenvolvimento económico e turístico de Aveiro. Quer na sua produção, quer na influência que exerceu em áreas paralelas como a salga do bacalhau e as indústrias químicas. No século XVI, com a expansão do comércio marítimo, ao mesmo tempo que Lisboa se convertia num dos mais importantes portos mundiais, Aveiro tornava-se, por força dos carregamentos de sal para os navios, um dos mais importantes portos nacionais e uma região de referência. Mesmo que dois séculos depois, por questões ambientais, a actividade da salinicultura e comercial de Aveiro tivesse ficado em risco, o esforço de todos os aveirenses pela necessidade da abertura da barra devolveu a expansão da região, da qual a explosão demográfica da altura é um exemplo claro dessa realidade. No entanto, volvidas as últimas duas décadas, Aveiro assistiu, passivamente, a um abandono da actividade e preservação das salinas. Factores económicos, ambientais, sociais, políticos contribuíram para o estado actual da perda desta nossa importante identidade regional e patrimonial. A paisagem natural desapareceu, os “montes” brancos rarearam, as salinas ficaram abandonadas, desprotegidas e degradadas, o peso económico do sal na região deixou de ter relevância e de ter sustentabilidade. As mais recentes gerações olham para o sal sem terem com ele qualquer sentimento de identidade regional.

Para além do Sal e das Marinhas há igualmente o abandono de outro aspecto patrimonial ligado ao salgado: os palheiros de sal no Canal de S. Roque. Exemplo claro da falta de preservação da história e da cultura aveirenses. Nem um exemplo para educação e pedagogia (centro documental) que poderia estar ligado à Marinha da Troncalhada e ao anunciado Centro Documental do Salgado, por exemplo, e não a sua especulação imobiliária ou a mera transformação em espaços comerciais e de lazer (bares).

Aveiro transforma-se mas perde uma realidade histórica e cultural importante que determinou, durante séculos a sua identidade.

Como aveirense “Cagaréu e Ceboleiro”.

Não há salvação… política.

Publicado na edição de hoje, 24 de julho, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Não há salvação… política.

No dia 10 de julho, surpreendendo tudo e todos (infelizmente pela negativa) o Presidente da República rejeitava duas das suas competências constitucionais (remodelação governamental ou eleições antecipadas) para apresentar uma proposta de entendimento tripartido a que apelidou de “compromisso de salvação nacional”. No essencial, Cavaco Silva pretendia que PSD, CDS e PS celebrassem um acordo de entendimento face a um conjunto de políticas governativas e outras por “imposição” do resgate financeiro; deixaria (ao contrário do que afirmou na sua comunicação de domingo passado) um governo a prazo, até junho de 2014, politica e legitimamente mais fragilizado (à semelhança de 2012, com interrupção da democracia tal como se suspendeu a Constituição por causa do primeiro chumbo, pelo Tribunal Constitucional, aos cortes dos subsídios na Administração Pública); promoveria um acordo em que reduziria a democracia a uns meros 10% de oposição ao governo (já que PSD, CDS e PS representam cerca de 90% dos deputados). Com isto, Cavaco Silva rejeitava a realização imediata (ainda este ano) de eleições antecipadas ou a proposta de remodelação mais profunda até hoje realizada no seio do Governo (algo tantas vezes referido). O Presidente da República inovava no seu discurso (sempre defendeu a legitimidade e a consistência governativa), surpreendia na sua proposta de democracia… mas tudo fazia prever que, ao fim de 11 dias de impasse político, em que o país parou para ver a “banda passar” ao ponto da própria Troika adiar o seu calendário de avaliações, a proposta presidencial iria falhar como se veio a constatar. PSD e CDS saíram mais reforçados na coligação, PS e António José Seguro (“cambaleando” entre uma moção de censura ao Governo promovida pelos Verdes e o processo negocial) saíram mais fragilizados na oposição, e constatou-se a nulidade do papel do Presidente da República.

O que resulta desta proposta de Cavaco Silva é uma evidente fragilização da sua competência presidencial, das suas funções e da sua aptidão política. Cavaco Silva brincou à política, deixou o país e a democracia suspensos durante 11 dias, fez-se acreditar num processo que não tinha, como tantas vezes dito, qualquer consistência e, mais grave, sacudiu a sua responsabilidade enquanto Presidente da República transferindo-a para os partidos da coligação e para o partido socialista, chegando ao ponto de nem sequer ter tido o papel de mediador no processo negocial que promoveu e propôs (seria o mínimo). Foi mesmo uma actuação “deserta e selvagem”. No final deste triste episódio da política nacional o resultado ainda é mais surpreendente que o anúncio da proposta há 11 dias. Cavaco Silva irá agora aceitar a remodelação governamental que rejeitou e esqueceu o anúncio antecipado (mesmo que adiado por um ano) de eleições antecipadas, reiterando a sua convicção na legitimidade e segurança deste Governo. O que o país precisava mesmo era de uma renúncia presidencial.

Nota final para os impactos deste falhanço de “salvação nacional”.

O CDS e Paulo Portas voltam a ver reforçadas as suas posições na coligação governamental, caso se confirmem todas as previsões de remodelação até à altura anunciadas (vice primeiro-ministro, coordenação das pastas da economia, reforma do Estado e conversações com a Troika, novo ministro da Economia). O Governo ganhou novo fôlego para terminar os dois anos que faltam para terminar o mandato, sendo que facilmente fará esquecer a demissão de Vítor Gaspar, o “flic-flack à rectaguarda” de Paulo Portas, esta suspensão semanal da democracia nacional promovida pelo Presidente da República. Mas mais ainda, tal como Cavaco Silva é um claro derrotado no processo, o PS de António José Seguro não conseguiu demonstrar ter capacidade negocial, impor alternativas às políticas do Governo (e à Troika), perdeu contra a oposição interna socialista (ala Sócrates e Costa) e perdeu a confiança dos partidos mais à esquerda na oposição ficando isolado. António José Seguro não pode vir dizer que o falhanço do compromisso é culpa do PSD e do CDS por não aceitarem as propostas do Partido Socialista. É que se for este o argumento do líder socialista tudo cai facilmente. É que o mesmo argumento é válido para o PSD e o CDS puderem afirmar que o compromisso não foi celebrado porque o PS recusou as propostas da coligação. Seria necessário muito mais que esta troca de “galhardetes”.

Pior para o país não podia ter acontecido… não há salvação.

A Comunicação do Falhanço Nacional

O Presidente da República anunciou ao país, há poucos minutos, a sua posição em relação ao resultado final das negociações sobre a sua proposta de "compromisso de salvação nacional" colocada aos três partidos do chamado 'arco do poder', PSD, CDS e PS.

O resultado era já conhecido desde ontem: os partidos da coligação (PSD e CDS) e o PS não chegaram a qualquer acordo.

Sobre este processo as posições que defendi ficaram expostas aqui: "E se houvesse eleições antecipadas?"; "Pior não poderíamos esperar..."; "Adenda à crise presidencial"; "PS... "coveiro" ou "salvador"?"; "‘Afundamento’ Nacional. E agora Cavaco Silva?" (em destaque nos blogues do Sapo).

Da comunicação do Presidente da República o único realce que merece destaque é a continuidade do Governo, em funções até ao final da legislatura (ao contrário do que tinha anunciado: eventuais eleições antecipadas a partir de junho de 2014). Entende Cavaco Silva que o Governo saiu reforçado e mais coeso desta crise política e deste falhado processo negocial de "salvação nacional" (algo que já deveria ter entendido antes de lançar a confusão política há uma semana quando o Governo apresentou a sua proposta de remodelação governamental com a subida de Paulo Portas a Vice Primeiro-ministro... ou então, marcava logo eleições antecipadas).

Deixando mais pormenores para a próxima crónica do Diário de Aveiro (quarta-feira), é fácil fazer o balanço resumido desta comunicação e do processo de "afundamento nacional".

De forma muito resumida e telegráfica:

CDS-PP (Paulo Portas) -> +2

PSD (Passos Coelho/Governo) -> +1

Oposição interna PS a António José Seguro (ala de Sócrates e Costa) -> 0

Oposição/eleições antecipadas -> -1 (por mais que Jerónimo Sousa queira fazer crer a luta falhou e a contestação saiu diminuída)

António José Seguro (PS) -> -2

Presidente da República -> -5

Portugal/Cidadãos -> -100

Democracia... é melhor nem quantificar (bateu no fundo).

Ria abaixo. Ria acima.

Publicado na edição de hoje, 21 de julho, do Diário de Aveiro.

Cagaréus e Ceboleiros

Ria abaixo. Ria acima.

Na passada semana, neste mesmo espaço, referi-me à questão da taxa turística (“Taxar ou não taxar o turismo”), seja no que respeita ao sector hoteleiro, seja relacionado com os passeios de moliceiro nos canais urbanos da Ria. O regresso à temática da ”ria” prende-se como outros aspectos que me merecem especial atenção enquanto cidadão. Como, na altura, referi, a questão da taxa, mesmo que polémica entre operadores turísticos e autarquia, é, essencialmente, uma questão política de gestão autárquica e, na prática, uma questão de forma e aplicabilidade da taxa (já que não me parece, salvo raras excepções, que haja muita discordância entre as partes quanto à sua necessidade e objectividade).

Mas na temática do uso da Ria de Aveiro, nomeadamente em relação aos canais urbanos (precisamente aqueles que estão, agora, na alçada da gestão camarária), há outros aspectos que merecem uma análise, tão relevante quanto à taxa, mas que têm sido descuidados e que em nada abonam a favor da imagem turística da cidade e, muito menos, na preservação, promoção e representação do património histórico e cultural que é a Ria e o Moliceiro.

O primeiro aspecto prende-se com o excessivo número de operadores para um espaço fluvial tão exíguo como são os canais urbanos da Ria. O regulamento municipal de utilização dos canais urbanos da Ria define sete áreas. Se considerarmos a contiguidade óbvia entre o lago da Fonte Nova, o canal do Cojo, o canal Central e o canal das Pirâmides, e encararmos, naturalmente, como um canal no seu todo, restarão, para além “desse”, o canal de S. Roque e o canal do Paraíso (excluindo o canal da Praça do Peixe por se afigurar difícil o seu acesso aos passeios turísticos). Portanto, cerca de cinco operadores, com duas ou três embarcações, a navegarem neste espaço de três canais parece exagerado, não só em termos concorrenciais, mas para a própria preservação da ria e dos muros que a “suportam”.

Por outro lado, essencialmente por razões técnicas de navegabilidade, a “amputação” das proas dos moliceiros ou mercantéis têm gerado críticas legítimas dos aveirenses, para além da óbvia deturpação da imagem de um dos ícones culturais e sociais da história de Aveiro e da sua região. Mas se este pode parecer um aspecto relevante, ao analisarmos um dos objectivos da utilização dos canais urbanos para o turismo, será, salvo melhor opinião, dar a conhecer a cidade, as suas gentes, a sua cultura e a sua história. É isto que qualquer turista procura quando visita uma determinada localidade: a procura da sua identidade histórica. E tão importante como a proa levantada ou rebaixada, é o irrealismo (ou, se quisermos, o surrealismo) no que respeita, em primeiro lugar, ao vestuário: amarelos, laranjas, “às bolinhas”, imitações de outras localidades (como o Douro ou Veneza) nada tem a ver com a cultura e história de quem transportava moliço, sal ou produtos agrícolas (como as cebolas e as batatas para a feira que se fazia onde hoje está a Casa da Cultura e que a Junta da Vera Cruz, até há bem pouco tempo, retratou na Praça Melo Freitas). Além disso, diz a sabedoria popular, sempre certeira quando pretende “representar” a realidade, que “quem conta um conto, acrescenta sempre um ponto”. Se é importante dar-se a conhecer a cidade, as suas gentes, a sua cultura e a sua história, não será pela ambiguidade da informação (quando, na maior parte das vezes, errónea ou omitida) que se prestará a melhor imagem histórica (presente e passada) de Aveiro. E isto deveria ser uma obrigatoriedade imposta pela autarquia através dos seus serviços de cultura, unificando a informação a difundir.

Imagino a diversidade de informação em relação ao actual edifício da Assembleia Municipal de Aveiro; ao que foi a zona das cerâmicas (Aleluia, Paula Dias, Campos, etc., etc.) e dos barreiros na área da Fonte Nova; o que foi o Cojo; o Rossio; a marinha da Troncalhada; os palheiros, o sal e a principal festa da cidade (na altura) que era a Sra. das Febres; o bairro da beira-mar; a linha férrea que serviu para a construção do Farol que é de Aveiro (embora erguido na Praia da Barra); a Arte Nova e os seus edifícios (alguns contíguos ao canal central); … .

Se continuar a ambiguidade que o próprio regulamento permite (basta ver o artigo 8º e 30º, como exemplos) continuarão os turistas, em cada viagem, a receber mais “um ponto, por cada conto” e a verem Aveiro transformada numa amálgama de “estórias” e realidades que nada têm a ver com a sua identidade. E lá continuaremos a ser, tristemente, a chamada “Veneza de Portugal”, que nunca foi e que infelizmente teima em permanecer.

Como aveirense “Cagaréu e Ceboleiro”.

‘Afundamento’ Nacional. E agora Cavaco Silva?

PSD, CDS e PS não chegaram ao acordo de compromisso de salvação nacional, promovido pelo Presidente da República.
Tal como tinha afirmado (“PS… ‘Coveiro’ ou ‘Salvador’?”) o peso maior da responsabilidade política recaía sobre o Partido Socialista, quer pelo histórico do discurso nestes dois anos, quer por ser o partido fora da coligação governativa (com implicações externas e internas).
Não há ainda qualquer posição oficial concertada dos pormenores que falharam nas negociações. No entanto, mesmo que o PS tenha argumentos sólidos que justifiquem a sua recusa no compromisso tripartido de “salvação nacional”, há um pormenor que António José Seguro não deve descurar: num processo negocial todos têm a sua responsabilidade. Isto é, não há vencidos nem vencedores.
António José Seguro não pode vir dizer que o falhanço do compromisso é culpa do PSD e do CDS por não aceitarem as propostas do Partido Socialista. É que se for este o argumento do líder socialista tudo cai facilmente. É que o mesmo argumento é válido para o PSD e o CDS puderem afirmar que o compromisso não foi celebrado porque o PS recusou as propostas da coligação. Tem de haver muito mais que esta troca de “galhardetes”.
Neste falhanço de compromisso de salvação nacional há alguém que não pode deixar de assumir a principal responsabilidade dos factos, dos acontecimentos e das consequências desta falta de entendimento entre os partidos do “arco do poder”: É o Presidente da República.
Tal como afirmei (“Pior não poderíamos esperar...” e “Adenda à crise presidencial”) Cavaco Silva só tinha dois caminhos, após a audição dos partidos com assento parlamentar: ou aceitava a solução da remodelação governativa (goste-se ou não, haja ou não contestação, ela era legitima) ou marcava, já e no imediato, eleições antecipadas. O Presidente da República é, acima de tudo e de todos, o principal responsável pela falta de entendimento partidário, quer por ter sido o seu promotor (a solução que propôs ao país), quer por não ter sido ou não se ter disponibilizado para ser o mediador do processo (algo que, na qualidade de promotor e de Presidente da República, seria seu dever institucional e político).
Desta forma, atrevo-me a dizer que o esforço foi feito pelo lado do Governo e dos partidos. Quem falhou foi o Presidente da República.
Assim… antes de se marcarem eleições legislativas deveria ser marcado antecipado processo eleitoral presidencial. Pela salvação nacional.

(a proposta do PSD)
(a proposta do PS)

PS... "coveiro" ou "salvador"?

Publicado na edição de hoje, 17 de julho, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

PS… “coveiro” ou “salvador”?

Na semana passada, face à ‘crise governativa’ gerada pelo pedido de demissão apresentado por Paulo Portas, o Presidente da República “surpreendeu” o país (e algumas instâncias internacionais) ao recusar a proposta de remodelação governamental ou eleições antecipadas, colocando a pressão política sobre os partidos da coligação governamental (PSD e CDS) e do Partido Socialista. Cavaco Silva, após estes anos todos de inércia presidencial e estado ‘vegetativo’ político, com base nos poderes constitucionais que tem (poucos é certo, mas ainda os há) resolveu inventar e entrar na esfera do surrealismo político. Sobre uma crise governativa, ao invés de usar a sua condição presidencial para a resolver, colocou mais crise política sobre a que se vivia nos últimos dias. Perante a iminência de uma eventual rotura da coligação governamental, afirmou publicamente que o Governo tinha condições para Governar. Algo que já tinha repetido em circunstâncias políticas muito mais graves, como o caso do chumbo, pelo Tribunal Constitucional de algumas normas (importantes) dos dois últimos Orçamentos do Estado, ou a "crise" que envolveu o processo não concretizado da TSU. Face à proposta do Primeiro-ministro encontrada entre os dois parceiros da coligação governamental e que, goste-se ou não, garantia o normal funcionamento do Governo, Cavaco Silva optou por fazer o que nunca o preocupou nos dois últimos anos, e que deixou arrastar com a sua conivência: solicitar um compromisso alargado de poder, envolvendo o PS, a que chamou, pomposamente, "Compromisso de Salvação Nacional". Com esta proposta, da qual apenas se conhece um conjunto vago de 'boas intenções', Cavaco Silva abre nova conflitualidade política e assina um "atestado" de incompetência ao Governo que sempre apadrinhou. Primeiro pela rejeição da proposta de Passos Coelho (mesmo que sobre ela nada tenha dito), segundo porque, depois de dois anos de crispação, de afastamento, de visões totalmente distintas sobre as formas de aplicação do memorando assinado, depois do PS ter exigido, por várias vezes, eleições antecipadas, afigura-se quase que impossível um acordo tripartido. Ou seja... o "sonho" de Cavaco Silva virou "pesadelo" para o país.

Mas quando muitos comentadores alvitravam o impossível e que Cavaco Silva iria ficar com um grave problema para resolver (e ainda terá se as negociações em curso falharem), eis que a “batata quente” passa para as mãos de António José Seguro e para o PS. E as dificuldades para o Partido Socialista são de tal forma complexas que recaem sobre a liderança socialista um conjunto de pressões políticas até então inimagináveis, ao ponto da responsabilidade política nacional se transferir do Governo para o PS.

Vozes como a do ex-líder socialista e ex Primeiro-ministro José Sócrates criticam um eventual acordo de compromisso entre o PS e o Governo, que poderá resultar numa incoerência de posições e discurso até agora proferidos e retirar argumentação política (alternativa governativa) nas próximas eleições. Por outro lado, a ala socrática e de António Costa, pressionará António José Seguro para que o PS não fique refém do Governo, das suas medidas governativas e da sua acção política, “espreitando” um enfraquecimento interno da liderança socialista. Há ainda, como o deputado José Lello, quem dentro do PS tenha receio, apesar das sondagens, em eleições antecipadas por não encontrar estratégica alternativa às imposições da Troika e muito rapidamente o PS se vir confrontado com os mesmo problemas e realidades do actual Governo.

Por fim, a esquerda mais radical (PCP, Verdes e BE) irão usar a anunciada Moção de Censura ao Governo (a ser debatida amanhã na Assembleia da República) como arma política para forçar o PS ao posicionamento face ao memorando e à austeridade tantas vezes criticados por António José Seguro.

A verdade é que de “simples” (se é que é simples essa posição) maior partido da oposição, o PS encontra-se, neste momento, com a responsabilidade política acrescida (e quase que total) de ser a solução (salvação) nacional ou ser o “coveiro” de uma eventual estabilidade política necessária a um país em pleno resgate financeiro. Para além disso, esta será a prova de fogo para António José Seguro: ou reforça o peso político da sua liderança ou é o anúncio do seu fim.

Prof. Doutor Faria Costa indicado para Provedor da Justiça

Aquando da polémica em torno da entrevista à Antena 1 do ainda Provedor da Justiça, o Juíz-Conselheiro Alfredo José de Sousa, vieram logo bradar aos céus que o Porvedor tinha extravazado as suas competências, tinha perdido a sua independência e isenção (por exemplo, a partir da voz da deputada social-democrata Teresa Leal ou do vice-presidente da bancada democrata-cristã, Hélder Amaral).

Na altura referi que a concepção de justiça, de democracia, de liberdade de expressão, do PSD e do CDS nada têm a ver com os objectivos e princípios que norteiam a acção do Provedor de Justiça, que, apesar de eleito por dois terços da maioria parlamentar, se orienta pelos princípios e valores da independência, isenção e rigor, na defesa do cidadão e da sociedade.

E se para os dois deputados que tão prontamente criticaram o Juíz-Conselheiro Alfredo José de Sousa em causa estavam esses valores e o rigor do desempenho das funções institucionais, então não tenho qualquer dúvida (apesar da parcialidade suspeita, por ter tido a honra de ter sido meu Professor de Direito Penal da Comunicação - no XX Curdo de Direito da Comunicação, Faculdade de Direito de Coimbra/Instituto Jurídico da Comunicação) que isenção, imparcialidade, rigor, verticalidade, independência, saber e capacidade intelectual, são adjectivos menores para qualificar o valor (pessoal e profissional) do Penalista Professor Doutor Faria Costa (da Universidade de Coimbra) sobre quem recaiu a escolha consensual (feliz para a democracia em Portugal) para a sucessão na Provedoria da Justiça.

Isto sim... é um verdadeiro consenso nacional.

Região de Aveiro tem Plano de Investimentos no âmbito do CRER2020

Até ao final do mês de julho, está em fase de discussão pública o Plano de Acção Regional (PAR) elaborado pela CCDR-Centro no âmbito do CRER2020 (Competitividade Reponsável, Estruturante e Resilente), com base no novo QREN2014-2020 da União Europeia. A discussão pública engloba a participação de todos os cidadãos, entidades, empresas, na apresentação de propostas e alterações que valorizem o Plano.

 

Também a Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro - CIRA apresentou as suas estratégias para o novo Quadro Europeu de financiamento e investimento, destancando cinco prioridades: "a promoção da inovação e do empreendedorismo; a protecção dos recursos naturais; a capacitação das comunidades de forma inclusiva; a aposta no território como identidade e marca diferenciadora; e a governação e prestação de serviços públicos".

A CIRA identificou ainda as áreas de especialização para a Região de Aveiro: o Mar e a Ria; o Sector Agro-alimentar e Florestas; os Materiais e as Tecnologias de Informação; e Comunicação e Electrónica (TICE)

Taxar ou não taxar o turismo

Publicado na edição de hoje, 14 de julho, do Diário de Aveiro.

Cagaréus e Ceboleiros

Taxar ou não taxar o turismo.

O tema da taxa turística (ou das taxas turísticas) é assunto recorrente das conversas dos aveirenses e será, naturalmente, questão a abordar nas campanhas eleitorais, até porque a Ria e o turismo é já referência nos discursos de alguns candidatos, neste período de pré-campanha, por exemplo Ribau Esteves (“Aliança com Aveiro”) e Eduardo Feio (PS). A aplicação da taxa turística não é, no entanto, consensual na comunidade aveirense e, principalmente, nos “visados”: operadores de passeios na Ria e nos hoteleiros.

Entendo que a taxa aplicada às dormidas/estadias em Aveiro (taxa aplicada às unidades hoteleiras) não é, objectivamente, comparável com a taxa turística cobrada os passeios de moliceiro nos canais urbanos da Ria. Reconheço a legitimidade política da Câmara Municipal de Aveiro em cobrar a taxa sobre as dormidas/estadias em Aveiro, como forma de recolher financiamento (receitas) que permitam ao município algum investimento na promoção turística do Concelho. Aliás, medida partilhada e aconselhada a outras autarquias pela Associação Nacional de Municípios face à quebra acentuada de receitas municipais. Mas tal como há tempos afirmou o Secretário de Estado do Turismo, Adolfo Nunes, a sua aplicabilidade deixa algumas reservas. Mesmo que ache que não tenha impacto significativo no número de visitantes e turistas, entendo que posa existir alguma falta de capacidade de aplicação/cobrança da taxa, por parte da Câmara Municipal, mas, acima de tudo, deixa-me muitas reservas quanto ao retorno de benefícios por parte dos hoteleiros, já que os mesmo têm a sua própria autonomia na promoção turística ou o recurso a outras entidades que não o turismo municipal (por exemplo, os operadores, a sua associação ou o próprio Turismo Centro de Portugal).

Por outro lado, e precisamente em oposição à taxa nos hotéis, a aplicação de uma taxa turística nos passeios na Ria parece-me mais que justificada. Não sei se esta taxa, o valor em causa, a forma, o conceito, a eventual constituição de um fundo de reserva, etc. Isso seria outra reflexão. Mas é justificável a aplicação de “uma” taxa turística sobre os passeios nos canais da Ria. Primeiro, porque se trata de um bem público, de um espaço público, que é de todos os aveirenses, que é a imagem de marca de Aveiro (ou uma delas a par, por exemplo do salgado). O usufruto comercial deste espaço público, com receitas (legítimas) dos operadores, deve ter uma contrapartida para o bem público. Segundo, ao contrário do que acontece com as unidades hoteleiras, há, em teoria, um benefício directo do investimento público na actividade privada. Ou seja, “uma” taxa turística (seja ela qual for, na prática) significa uma contribuição para o investimento que a autarquia tem na responsabilidade de assumir a preservação dos canais urbanos da Ria, a limpeza, a preservação das suas margens, a manutenção do mobiliário público envolvente (por exemplo as pontes) e dos muros dos canais.

Mesmo que restem algumas dúvidas sobre o processo de aplicação, de fiscalização e de cobrança… mesmo que existam algumas reservas quanto à forma… não restam incertezas quanto à legitimidade da defesa do bem e interesse públicos que os canais urbanos da Ria têm para a cidade de Aveiro. Algo que, diga-se a bem da verdade, os operadores dos passeios turísticos nunca objectaram (pelo menos publicamente).

Como aveirense “Cagaréu e Ceboleiro”.

Irrevogavelmente... enquanto convém.

Publicado na edição de hoje, 12 de julho, do Diário de Aveiro. (mesmo que descontextualizado pelos acontecimentos posteriores à data da escrita)

Debaixo dos Arcos

Irrevogavelmente… enquanto convém.

Na semana passada (“O Circo chegou ao Governo”) questionava os motivos da inqualificável decisão surpresa (ou talvez não) de Paulo Portas ao apresentar a sua irrevogável demissão do Governo, e não apenas do Ministério dos Negócios Estrangeiros como as cúpulas centristas quiseram fazer passar posteriormente (basta reler os pontos 1, 2 e 6 da ‘irrevogável’ carta).

Se são por demais conhecidos os “flic-flacs à rectaguarda” de Paulo Portas (e não são só de agora) tal facto não invalida que a decisão de manter o líder centrista no Governo, para mais nas condições que são conhecidas, revela que Pedro Passos Coelho não tem capacidade, nem fulgor, de liderança governativa (fragilidade política, obviamente, aproveitada por Paulo Portas). Duas razões essenciais: primeiro, a coligação é pós-eleitoral, não havendo, por isso, qualquer compromisso com os eleitores, o que permitiria que o Governo se mantivesse em funções apenas com um acordo parlamentar; segundo, a “irrevogabilidade” de uma decisão pessoal (já que nem ao seu partido Paulo Portas a comunicou) deveria ser mantida. Seja porque o impacto da decisão do líder centrista no CDS seria uma questão interna do partido; seja porque a decisão pessoal conteve, muito explicitamente, ataques e acusações graves ao chefe do Governo (“4. O Primeiro-Ministro entendeu seguir o caminho da mera continuidade no Ministério das Finanças. Respeito mas discordo.”; “5. Expressei, atempadamente, este ponto de vista ao Primeiro-Ministro que, ainda assim, confirmou a sua escolha. (…) Não é politicamente sustentável, nem é pessoalmente exigível.”; “6. (…) Porém, a forma como, reiteradamente, as decisões são tomadas no Governo torna, efectivamente, dispensável o meu contributo.”). Isto não são afirmações que se tomam de ânimo leve, descuidadamente. Serão irrevogáveis na história e nos sacrifícios que os portugueses fizeram (ou forma obrigados a fazer) nestes dois últimos anos. Mas, politicamente, o mais surreal de todo este processo é que, provocando uma verdadeira catástrofe política no governo e com claras consequências para o país em pleno resgate, Paulo Portas usou o país, os portugueses, o Governo, por uma evidente ânsia de poder, alimentação do ego e benefício puramente pessoal já que há muito, desde o tempo de Marcelo Rebelo de Sousa, que Portas sonha com a liderança de uma nova AD. Para quem se deveria, pelos factos, ter simplesmente retirado, pelo menos do Governo (e eventualmente do CDS), acabou por ver reforçado todo o seu peso político no Governo, arrastando ainda alguns “lucros” para o CDS (caso se confirme, por exemplo, a entrada no Ministério da Economia do centrista Pires de Lima). É de uma perfeita aberração política e de liderança que Passos Coelho, Primeiro-ministro, líder eleito em 2011 pelo PSD, invente a figura de Vice Primeiro-Ministro e entregue as três pastas fundamentais na coordenação e liderança de um Governo, neste caso em resgate externo: coordenação económica; liderança do processo com a Troika e a tão badalada, delicada e importante “Reforma do Estado” (que é muito mais do que simples(?) cortes orçamentais). E não satisfeito, Paulo Portas ainda exige ir “usurpar” ao seu anterior ministério a diplomacia económica.

Por fim, para António José Seguro a revogabilidade da demissão irrevogável de Portas foi um evidente alívio. À pergunta - "um português independentemente das suas opções partidárias, olha para este governo e acredita na palavra deste governo?" que o líder do PS colocou no fim-de-semana passado, poderá ser devolvida com outra questão: "será que um português, independentemente das suas opções partidárias, olha para António José Seguro e acredita nesta alternativa governativa"? Por outro lado, sendo certa a coerência de posições assumidas pelo PCP e BE ao pressionarem Cavaco Silva para a marcação de eleições antecipadas, importa recordar que, após as revisão constitucional de 1982, os poderes do Presidente da República ficaram limitados neste âmbito, perdendo a sua capacidade avaliativa da qualidade de um Governo (número dois do artigo 195º da Constituição de 2005: “O Presidente da República só pode demitir o Governo quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas” – o que não está, manifestamente, em causa).

A verdadeira crise governamental é só uma: a falta de liderança governativa de Pedro Passos Coelho.

Adenda à crise presidencial

Em relação ao post "Pior não poderíamos esperar..." importa realçar o seguinte aspecto.

A maior surpresa que possa ter sido, ontem, a comunicação de Cavaco Silva ao país, para além do surrealismo político e ter gerado uma crise em cima de outra crise, reside na falta de coerência da decisão presidencial face ao histórico das intervenções do Presidente da República.

E a maior falta de coerência faz-nos recuar até 2011. Em pleno PEC IV, com o Governo de José Sócrates pressionado por todos os lados (interna e externamente), Cavaco Silva, em vez de apelar à "salvação nacional" e "ao compromisso patriótico" entre PS, PSD e CDS, só tomou uma atitude e muito mais célere: demitiu o Governo.
O país não merece o Presidente da República que tem... mas a democracia tem razões que a razão desconhece.

Pior não poderíamos esperar...

O Presidente da República falou ontem ao país no seguimento da crise política instalada no Governo, entretanto supostamente ou aparentemente resolvida internamente, para o bem bem ou para o mal.

Mas tal como a 'Lei de Murphy' prevê, "algo que corra ou esteja mal só tem tendência a piorar".

Como diz o povo: "meu dito, meu feito".

Cavaco Silva, após estes anos todos de inércia presidencial, de escassa iniciativa e recurso aos poderes que ainda tem (poucos é certo, mas ainda os há), resolveu inventar e entrar na esfera do surrealismo político, para "gáudio jornalístico" (já que matéria prima não faltou e não irá faltar nos próximos dias) e para estupefacção e surpresa de todos (todos, mesmo).

Sobre uma crise governativa, Cavaco Silva, ao invés de usar a sua condição presidencial para a resolver, colocou mais crise política sobre a que se viveu nos últimos dias.

Se não vejamos...

Ainda há poucos dias, perante a iminência de uma eventual rotura da coligação governamental, afirmou publicamente que o Governo tinha condições para Governar. Algo que já tinha repetido em circunstâncias políticas muito mais graves, como o caso do chumbo, pelo Tribunal Constitucional de algumas normas (importantes) dos dois últimos Orçamentos do Estado, ou a "crise" que envolveu o processo não concretizado da TSU.

Face à proposta do Primeiro-ministro encontrada entre os dois parceiros da coligação governamental e que, goste-se ou não, garantia o normal funcionamento do Governo, Cavaco Silva optou por fazer o que nunca o preocupou nos dois útlimos anos, o que deixou arrastar com a sua conivência: solicitar um compromisso alargada de poder, envolvendo o PS, a que chamou, pomposamente, "Compromisso de Salvação Nacional".

Com esta proposta, da qual apenas se conhece um conjunto vago de 'boas intenções', Cavaco Silva abre nova conflitualidade política e assina um "atestado" de incompetência ao Governo que sempre apadrinhou. Primeiro pela rejeição da proposta de Passos Coelho (mesmo que sobre ela nada tenha dito), segundo porque, depois de dois anos de crispação, de afastamento, de visões totalmente distintas sobre as formas de aplicação do memorando assinado, depois do PS ter exigido, por várias vezes, eleições antecipadas, afigura-se quase que impossível um acordo tripartido. Ou seja... o "sonho" de Cavaco Silva virou "pesadelo" para o país.

Desta forma, a imagem do Governo, por responsabilidade do Presidente da República, ficou, interna e externamente, completamente desfeita (mais do que já estava com o caso da irrevogável demissão do ministro Paulo Portas). Para além da fragilidade do Governo, Cavaco Silva transformou o Executivo de Pedro Passos Coelho num mero executor a prazo da gestão corrente (e banal) do país.

Por outro lado, ao afirmar que a solução por si apresentada representa o evitar de uma crise mais grave se houvesse eleições antecipadas, pelo facto de Portugal se encontrar em processo de ajuda financeira (algo que o próprio Governo justificou com a proposta de remodelação que apresentou ao Presidente da República), Cavaco Silva contraria toda a sua argumentação ao antecipar as eleições por um ano. A justificação dada prende-se com o final do processo de resgate, mas face à realidade do país, aos factos, às notícias que apontam para um segundo resgate (com ou sem FMI), nada leva a crer que, em junho de 2014 Portugal esteja em condições de "sobreviver" sozinho.

Cavaco Silva só tinha dois caminhos consistentes e coerentes: ou aceitava a remodelação do Governo proposta por Passos Coelho (que ainda tem a legitimidade eleitoral como suporte) ou então, face ao reconhecimento da insuficiência do normal funcionamento das instituições e da democracia (tal como diz o artigo 195 da Constituição de 2005) marcava eleições antecipadas ainda este ano (provavelmente junto das autárquicas).

Todo o resto é de um devaneio político inqualificável. De tal forma que as surpresas não ficaram por aqui.

Cavaco Silva não satisfeito com a sua prestação epistemológica ainda vai mais longe na sua concepção político-filosófica da realidade nacional. Apresenta a proposta para o país que entende ser a melhor, volta a querer ouvir os partidos (algo que andou a fazer nestes últimos dias, supostamente... ou então foi tudo apenas ao "chá das cinco" a Belém), mas mais surreal ainda, sublinha que aceita que surja uma figura de relevo e comprovado prestígio para mediar o processo. As duas óbvias perguntas são: Qual é, então, o papel do Presidente da República (que Cavaco Silva acabou por minimizar e banalizar)? E que figura é essa?

Já que estamos num tal surrealismo político, qualquer cidadão terá o seu legítimo direito de se dar ao luxo da especulação.

A minha é simples e tem dois "rostos", apenas pela análise dos últimos acontecimentos.

Uma dessas personalidades poderá ser Freitas do Amaral. Fundador do CDS, ministro do PS de Sócrates, candidato vencido em eleições presidenciais pela actual coligação. Além disso, recentemente defendeu um governo de salvação nacional numa entrevista televisiva.
A outra personalidade, já que Cavaco Silva entende que o compromisso tripartido é simples (mais técnico que político), poderá ser o Presidente do Banco de Portugal que apresentou, basicamente, a mesma solução precisamente após uma audiência, nesta semana, com o Presidente da República.

Para mim só encontro uma razão... o país perdeu rumo e tino. E se não concordo com os termos que Miguel Sousa Tavares adjectivou Cavaco Silva (porque, independentemente de tudo, resta-nos, ao menos, o respeito pelas instituições, se não é mesmo o fim de tudo...) há uma coisa que me parece óbvio: isto é tudo uma "palhaçada".

Ao menos salvaram-se as eleições autárquicas e já poucos se lembram do ex-ministro Vítor Gaspar.

E se houvesse eleições antecipadas?

A questão esteve em cima da "mesa" durante esta semana em qualquer debate sobre a crise política no Governo, provocada pela "suposta" demissão de Paulo Portas (a isso regressaremos, no Diário de Aveiro, na próxima quarta-feira). Mesmo que não totalmente afastada essa questão, não me parece que Cavaco Silva saiba fazer, tão bem, um "flic-flac" à rectaguarda como Paulo Portas, embora falte a validação do "acordo do novo Governo" e o Presidente da República tenha mantido o agendamento das reuniões com os partidos políticos com assento parlamentar.

Mas o tema das eleições antecipadas foi, pela oposição, por várias vezes (quase todas) aflorado.

E muitos portugueses poderiam pensar ou desejar esta solução, nesta altura da crise que o próprio Governo criou. Mais não fosse por se sentirem completamente enganados face aos compromissos eleitorais que Passos Coelho assumiu em 2011, e que não concretizou ou aplicou. Nenhum. Antes pelo contrário...

Se a pergunta - "um português independentemente das suas opções partidárias, olha para este governo e acredita na palavra deste governo?" - que o líder do PS, António José Seguro, deixou este fim-de-semana em Vizela (durante a sessão de apresentação da recandidatura de Dinis Costa à presidência da Câmara local) parece ter uma resposta maioritariamente evidente, a verdade é que a mesma questão poderá ser devolvida ao líder dos socialistas: "será que um português, independentemente das suas opções partidárias, olha para António José Seguro e acredita nesta alternativa governativa?"

Fazendo "fé" nas palavras do líder do maior partido da oposição (a seguir a Paulo Portas) os portugueses, face às circunstâncias reais da vida, do dia-a-dia, nas famílias e nas empresas, nos apoios sociais e na responsabilização do Estado, até entendem que Seguro afirme e defenda que "que Portugal precisa de uma visão, um horizonte, uma estratégia, uma mudança". Acho que até a própria "posição" (PSD e CDS) têm isso muito presente.
Mas quando se espera que o PS clarifique e defina, concretamente e de forma não demagógica, os seus conceitos, políticas e medias, não encontramos nas palavras de António José Seguro nada de novo, nada de real, de concretizável, de alternativo: "Portugal precisa também da ajuda dos parceiros europeus para sair da crise, sendo para isso necessário ter uma voz forte na Europa. Nós já não nos bastamos a nós próprios".
Pois o problema é mesmo esse... é que os portugueses querem, o mais rapidamente possível, sair deste sufoco, deste buraco, e dependerem deles mesmos (e não, exclusivamente, da ajuda externa).

O que os portugueses (a maioria) pensam quando olham para o "lado esquerdo" e imaginam  a "alternativa" é o velho ditado: "mal por mal...".

Por outro lado, os portugueses já deixaram de ser tão "infantis" nas suas análises à agenda política. Percebem claramente que o pedido de eleições antecipadas, coincidindo com as autárquicas, nada tem de poupança de recursos, de custos, ou de tempo.
Tem exclusivamente a ver com o aproveitamento, em campanha, do desgaste do Governo para retirar daí o maior benefício em termos de votos, quer nas autárquicas, quer nas legislativas.

(créditos da foto: Rádio Renascença online)

Cidade agregada

Publicado na edição de hoje, 7 de julho, do Diário de Aveiro.

Cagaréus e Ceboleiros

Cidade agregada.

É pública a minha posição em relação ao processo da reforma administrativa do território (vulgo, agregações de freguesias). Entendo que é importante que o país faça uma reforma do poder local mas de forma abrangente e consistente, incluindo comunidades intermunicipais, municípios, freguesias, lei eleitoral, etc. O que aconteceu foi apenas a “reforma do elo mais fraco” e, mesmo assim, feita atropeladamente, sem a noção das realidades e das diversidades: por exemplo, interioridade, distanciamento geográfico e periferia, entre outros. E aconteceu mais. Aconteceu que, à semelhança da trapalhada das agregações “a régua e esquadro” das freguesias, a lei que regularia as Comunidades Intermunicipais foi chumbada pelo Tribunal Constitucional.

Mas também é verdade que em municípios como o de Aveiro (e a maioria do país) a agregação de freguesias urbanas, as da cidade, faz todo o sentido e tem, claramente, mais vantagens que inconvenientes.

Não vou ao extremo de defender, de forma radical, a sua extinção nas malhas urbanas. Acho que, apesar da duplicação de gestão territorial (freguesia e autarquia) e da “supremacia” das câmaras, a não existência de, pelo menos, uma junta de freguesia nas cidades desvirtua a identidade democrática mais próxima dos cidadãos, retira equidade em relação ao resto do município. Até porque o trabalho de uma Junta de Freguesia é mais do que a limpeza de valetas, as licenças dos canídeos ou a mera passagem de uma certidão ou uma autenticação de documentação. É um serviço de proximidade, nos tempos que correm de muita acção e preocupação social, de gestão do espaço público e de ser interlocutor da comunidade junto da autarquia.

No entanto, a redução/agregação de freguesias nos centros urbanos é, até por questões estruturais, desejável. Ter uma maior escala e dimensão pode trazer vantagens em termos de gestão de recursos e de resposta às necessidades das comunidades. Pena é que um dos grandes erros da lei aprovada (para além das mencionadas acima) foi a ausência de reformulação e reestruturação ao nível das competências e respectivos fundos. A continuidade da excessiva “dependência hierárquica” da respectiva Câmara Municipal nem é benéfica para a freguesia nem para a autarquia. Aliás, é algo que deixa muito a desejar quando a legitimidade democrática (por força do processo eleitoral) é a mesma.

Por outro lado, no caso da cidade de Aveiro (que já teve, na sua história, mais do que duas freguesias) há outras mais-valias. A cidade pode ganhar com a unidade, mantendo a diversidade dos seus bairrismos (beira mar, alboi, sá/barrocas, a parte central da Glória, Vilar). Pode ser mais inclusiva, nomeadamente com as novas zonas urbanas onde reside um grande número de “novos aveirenses”. Pode ser capaz de ganhar dimensão e melhorar respostas às necessidades sociais da cidade (ao nível do lazer, do desporto, do social, do urbanismo, do ambiente, da gestão do espaço público, …). Mas principalmente, tal como se quebrou a barreira da linha férrea com a abertura da cidade com o túnel de Esgueira e o da Estação, e a ligação da Alameda com a Avenida Central e a zona do Hospital/Universidade, também pelo facto de se inverter o significado e sentido da sua maior riqueza natural: a ria. O que foi, durante séculos de história, motivo de muitas “estórias”, divisões, rivalidades e conflitos, tem de passar a ser um factor de união das duas margens, de unidade urbana, de sentido de cidade.

Não se deve reduzir esta realidade à mera questão da localização da sede de Junta de Freguesia, agora agregada. A Freguesia unificada é muito mais do que um edifício. Tem de ser um conjunto de diversidades, de bairrismos, de sentido de comunidade, centrados numa dimensão de “pertença” a um espaço único, que tem identidade histórica, cultural e social comum, e que pode ter uma maior identidade se for mais do que a soma das partes: uma verdadeira cidade, na sua plenitude. Aliás, algo que deveria ter igual reflexo e projecção ao nível das Paróquias.

Como aveirense “Cagaréu e Ceboleiro”.

Quem perde? (politicamente)

Poderão achar estranho o “politicamente” entre parêntesis, mas a verdade é que a actual crise política/governativa (ainda longe de estar sarada) só tem, na realidade e na prática, um perdedor: os portugueses.

Mas do ponto de vista político o contexto pode ser outro.

Primeiro, tal como aqui referi (“O Circo chegou ao Governo”) há uma evidente quebra na imagem e confiança dos portugueses na política, nos partidos e nos políticos. Bateram no fundo. Pior que isto será muito difícil de conseguir (se bem que, em Portugal, está mais que demonstrado que “nada é impossível”).

Segundo, a própria democracia. Por um lado a óbvia noção (já não é só sensação) de que os dois anos de extrema exigência social e económica pedida aos portugueses e às empresas tem o sabor amargo da desilusão e da decepção. Por outro lado, esta obsessão de que o país pode parar, morre, afunda (como se ainda fosse possível ir mais fundo), por causa de eleições antecipadas é do mais demagogo possível e imaginável. A democracia assenta em eleições livres, participadas e que legitimam a realidade política do país. Sem isso, voltamos às ditaduras, às autocracias ou às tiranias. Se não houver eleições antecipadas, também é verdade que, apesar de ferido estruturalmente, o Governo tem a legitimidade do voto de 2011 e uma maioria relativa (tal como Sócrates entre 2009 e 2011) parlamentar que lhe permite continuar a governar. Esse é, igualmente, um facto.

Mas, por último e principalmente, com toda esta crise provocada pelo pedido de demissão de Paulo Portas (muito mais do que causada pelo pedido de Vítor Gaspar) quem sai claramente a perder, politicamente, é o CDS e o seu (ainda) líder.

O CDS há muito que é um partido extremamente personificado e que “gira” em torno da figura de Paulo Portas. Por isso, com razão Lobo Xavier o expressou ontem no programa “Quadratura do Círculo”, é que se compreende o adiamento do Congresso (e que não tem a ver com as reuniões do Presidente da República). Tal como a Comissão Executiva do CDS, não encontrando outra alternativa, se vê na “obrigação” de mandatar o ministro que se demite e que escreve a triste “epístola” sobre o governo e o primeiro-ministro para negociar com Passos Coelho para manter a coligação governamental. Isto é surreal. Assim como é incompreensível uma coligação governamental sem a presença dos dois líderes dos dois partidos que a compõem.

Politicamente, acabou o CDS e o político Paulo Portas.

Pelos vistos não será na rua que cairá o Governo. Era pelo mais óbvio… o fim da coligação.

Por fim, o que se lamenta mesmo é o sacrifício que foi exigido aos portugueses para que “alguns” andassem a brincar às governações e à política.

O Circo chegou ao Governo (actualizado)

Publicado na edição de hoje, 4 de julho, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

O Circo chegou ao Governo

Normalmente a expressão significaria, noutro (e real) contexto, algo de jubiloso e gratificante: o circo chegou à cidade (vila ou aldeia), e tal seria motivo de regozijo local. Mas neste caso, o "circo" tem obviamente um sentido depreciativo, embora real: a 'palhaçada' foi mesmo instaurada no Palácio de S. Bento (Governo).

Se a demissão, anunciada na segunda-feira, do ex-ministro Vítor Gaspar, apesar da surpresa, foi algo perceptível e racional; se a escolha de Maria Luís Albuquerque, apesar de outras alternativas tem o mesmo sentido de racionalidade e de percepção; o mesmo não se pode dizer dos acontecimentos que marcaram o dia de terça-feira e que anteciparam a tomada de posse da nova ministra das Finanças.

Paulo Portas, ministro de Estado, ministro dos Negócios Estrangeiros e líder de um dos dois partidos que compõem a coligação governamental, perdeu todo e qualquer sentido de responsabilidade política, de pudor, de topete, de sentido de Estado (tantas vezes por ele reclamado), de racionalidade. Sempre foi um facto que a maior consistência ou fragilidade do Governo, desde a sua tomada de posse em 2011, dependeria muito mais da consistência da coligação, do que da instabilidade social ou do próprio Presidente da República.

Poderíamos repetir infinitamente todos os erros da governação, podemos estar horas a fio a debater as opções políticas do governo e os seus impactos na vida dos portugueses e da sociedade. Mas a realidade é que os factos surpreendentes com que Portugal se confrontou nestes dias são de uma "surrealidade" que ultrapassa qualquer lógica.

Nestes dois anos de governação, houve claros momentos (tal como no caso do pedido de demissão de Vítor Gaspar) em que o CDS, nomeadamente Paulo Portas, deveria ter "dado um murro na mesa", ter tomado posições mais drásticas (para alguns, mais dramáticas), ter colocado em causa a continuidade da coligação governamental: a TSU, os cortes nas reformas (bandeira tão emblemática para o líder centrista), os Orçamentos de Estado (com ou sem chumbo), o agravamento das medidas de austeridade que colocaram em causa a estabilidade social de inúmeros cidadãos, famílias e empresas. Já para não falar nas constantes conflitualidades com o então ministro das Finanças, Vítor Gaspar. Agora que Vítor Gaspar estava fora do Governo e depois de há bastantes meses ter desaparecido o "peso político" de Miguel Relvas, tudo se perfilava para que o CDS e Paulo Portas pudessem ter mais relevância governativa.

Contrariando todo o discurso de sentido de Estado até agora bradado a sete ventos por Paulo Portas, bem como a imagem de "animal político" que muitos lhe adjectivaram, esquecendo todas as acções que desenvolveu nos tempos mais recentes ao nível da diplomacia económica no seu ministério, ofuscando inclusive a sua responsabilidade no processo da "Reforma do Estado", o líder do CDS e de um dos dois partidos da coligação vem a terreiro fazer uma birrinha política sem sentido, sem pés nem cabeça, sem qualquer razoabilidade ou racionalidade, de uma infantilidade sem precedentes e justificação, só porque não gosta da ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque (como nunca gostou de Vítor Gaspar). Saímos de uma recente visita intercalar, estamos em pleno arranque da oitava avaliação da Troika... Paulo Portas foi tudo menos responsável e honesto, politicamente. Aliás, é por estas (e por outras, obviamente) que os portugueses deixaram de acreditar na política, nos partidos, nas instituições e na democracia. Com políticos assim... muito facilmente se deixará de acreditar no próprio país.

Paulo Portas dá, politicamente, um valente tiro no pé, por três simples razões:

1. Se Passos Coelho mantiver a sua posição de não aceitar a demissão de Portas, o ainda ministro dos Negócios Estrangeiros, mantendo-se no Governo, transmite uma imagem de incoerência e irresponsabilidade. 2. Se Paulo Portas sair do Governo e arrastar consigo, por exemplo Mota Soares e Assunção Cristas, a responsabilidade política passará para a esfera parlamentar, com Passos Coelho a governar sem maioria absoluta. Tal como sucedeu com Sócrates (e afinal a história pode ter momentos repetitivos) o CDS poderá correr o risco de cometer o mesmo erro do Bloco de Esquerda em 2011. E pagará bem caro por isso em eventuais eleições antecipadas. 3. Será muito difícil encontrar adjectivação suficientemente "soft" para qualificar os rumores de uma possível aliança com o PS em hipotéticas eleições antecipadas. Não que a aliança entre CDS e PS (algo que não é inédito) tenha alguma coisa de mal ou de errado. Tão somente pela inqualificável opção política de Paulo Portas, apenas justificada pela ânsia do poder. E isso tem muitos adjectivos muito pouco agradáveis.

À terceira foi de vez

Publicado na edição de hoje, 3 de julho, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

À terceira foi de vez…

Salvo raríssimas excepções e alguns meandros governamentais, o país foi, na sua generalidade (incluindo muito do espectro político nacional) apanhado se surpresa com o anúncio da demissão do ministro das Finanças, Vítor Gaspar. Pelo que agora se sabe, esta terá sido a terceira vez que tal situação é colocada perante Pedro Passos Coelho que, por diversas razões, terá protelado o desfecho, eventualmente, na perspectiva de que tal não viesse a acontecer. Mas aconteceu… tal como poderia ter acontecido após a primeira fiscalização orçamental pelo Tribunal Constitucional, após o chumbo de várias medidas, igualmente pelo Tribunal Constitucional, ao Orçamento do Estado de 2013 com implicações significativas na estratégia do Governo (e da Troika) no reequilíbrio das contas públicas, e com o descontentamento e a conflitualidade social que se nota cada vez mais crescente e que tem desgastado quer a sua imagem pessoal (embora nas instituições internacionais esteja bem conceituado), quer a do Governo. Para trás ficaram os sucessivos falhanços nas metas orçamentais, o aumento do défice, o descalabro do desemprego, a falta de investimento na economia, a TSU, a reforma do Estado e as leis laborais. Se há uns meses referi que a saída de Miguel Relvas implicaria uma fragilidade na sustentabilidade política do Governo (que Poiares Maduro não parece conseguir igualar, apesar do esforço), não é menos verdade que este pedido de demissão (já aceite e substituído) de Vítor Gaspar significa uma machadada muito forte na credibilidade da estratégia das políticas económico-financeiras do Governo, com óbvias implicações externas (note-se a subida das taxas de juro da dívida pública portuguesa). Independentemente da imagem interna política (que nunca teve porque nunca foi político) do agora ex-ministro, independentemente da sua fervorosa defesa dos valores e princípios programáticos da Troika que sempre pautaram a sua acção (e a sua reputação externa), mesmo que o FMI venha (tarde, muito tarde) agora “chorar lágrimas de crocodilo” pelas medidas aplicadas aqui, na Grécia ou em Chipre, é óbvio que a saída do principal pilar deste Governo só faria sentido logo no chumbo do Tribunal Constitucional ao Orçamento de 2012, no final do mandato (já que estamos a meio) ou em caso de queda do Governo e consequentes eleições antecipadas. Deste modo é uma machadada na credibilidade e legitimidade (fora da eleitoral) deste Governo e a substituição do ex-ministro pela ex-Secretária de Estado do Tesouro, Maria Luís Albuquerque é reflexo disso mesmo: já não há quem, externamente ao Governo, acredite nele e esteja disposto a “abraçar” a causa nacional com Pedro Passos Coelho. Mas há, neste processo todo, uma clara vitória e que não é a dos portugueses, porque se mudou para ficar igual. Quem ganhou espaço de manobra e posicionamento no Governo foi Paulo Portas. Aliás é a forma de se compreender a saída de Vítor Gaspar sem a consequente queda governativa: a ânsia do poder, o agarrar o poder com “unhas e dentes”.

Em relação à agora nova ministra das Finanças não se esperará de quem sempre esteve ao lado do ex-ministro, de quem sempre foi a sua principal aliada (apesar do desconhecimento do caso dos swaps) alterações políticas e dogmáticas significativas e com impactos positivos para os portugueses. Não faria qualquer sentido, até porque a implementação de medidas sociais, políticas e económicas são sempre fruto das imposições do resgate externo (Troika).

Mas lembremos alguns dos temas quentes que tiveram, neste dois anos, da empossada ministra das Finanças uma visível defesa pública: a venda do BPN ao grupo BIC (Angola); os processos de privatização, onde se destaca a ANA e parte da EDP, entre outros; a gestão da dívida pública e as sucessivas emissões nos mercados; o caso dos “swaps”. Pela frente, a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque vai ter grandes desafios, ficando a expectativa (e a justiça do benefício da dúvida): o Orçamento do Estado para 2014 (não só a sua constitucionalidade mas também os seus impactos ficais e económicos); a aplicação da anunciada “Reforma do Estado” que irá ser em breve apresentada; a capacidade de negociação com a Troika para as novas metas do défice que são mais que, obviamente, necessárias face às derrapagens conhecidas.

Mas não nos esqueçamos que o Governo tem um novo número dois: o ministro Paulo Portas. O único a ganhar (politicamente) com a tão desejada (para o CDS) demissão.

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