Moção (des)confiança do Presidente da República
Publicado na edição de hoje, 31 de julho, do Diário de Aveiro.
Debaixo dos Arcos
Moção (des)confiança do Presidente da República
Foi apresentada, ontem, no Parlamento, uma Moção de Confiança ao Governo. A moção vem no seguimento de uma exigência do Presidente da República, goradas que foram as negociações tripartidárias (PSD, CDS e PS) da última semana. Na prática, não tendo na Constituição fundamentação legal para a criação de um governo de iniciativa presidencial, Cavaco Silva valeu-se a dois recursos para contornar este aspecto: primeiro, as negociações entre os três partidos do chamado “arco do poder”; segundo, falhada a primeira ‘iniciativa’, aceitou a proposta de remodelação governamental (que tinha recusado no seguimento da crise política gerada pela demissão de Vítor Gaspar e de Paulo Portas), em alternativa às eleições antecipadas, com a condição do Governo apresentar uma Moção de Confiança. Sendo certo que seria expectável a sua aprovação por força da maioria que sustenta o Governo presente na Assembleia da República, esta moção não é um mero acto institucional ou a simples demonstração do apoio parlamentar da maioria ao seu governo.
Ao contrário do que resultaram as moções de censura até agora apresentadas pela oposição que são a demonstração de legítimas posições de crítica e de condenação do governo, esta Moção de Confiança tem implicações e impacto políticos relevantes para o futuro do Governo e da sua acção.
Por um lado significa uma clarificação de posições entre Governo/maioria parlamentar e oposição, mesmo que isso contrarie o propósito inicial de Cavaco Silva que pretendia um consenso alargado para os próximos dois anos. Se ficou demonstrado, no processo negocial, as divergências entre PSD-CDS e PS (mesmo que, neste caso, seja igualmente evidente que António José Seguro não foi capaz de contrariar a oposição interna socialista), maiores serão, ou pelo menos, mais evidentes se afigurarão, as divergências entre as políticas do Governo e a oposição parlamentar.
E é neste âmbito que a Moção de Confiança tem outro significado político. A clarificação e a definição das políticas e das medidas de combate ao défice que o Governo deverá implementar nestes dois anos que faltam para o final do mandato legislativo. Ou seja, neste aspecto, Cavaco Silva foi, finalmente, coerente e consistente com o papel do Presidente da República. Obrigou o Governo a apresentar uma “reformulação” do seu programa, comprometendo-se politicamente com a Assembleia da República, mas também com o país, apresentando propostas de medidas que firmem o programa acordado com o Memorando de Resgate Financeiro (Troika) para a consolidação das contas públicas/défice, com políticas de crescimento e desenvolvimento social e económico e de combate ao desemprego que é, nesta data, uma das maiores consequências comprovadas da austeridade até agora implementada. Esta foi a contrapartida exigida para a aceitação presidencial da remodelação governamental.
Nota final. À data da elaboração deste artigo, por questões de tempo e de edição, não era conhecido o resultado, nem o conteúdo, da Moção de Confiança apresentada na Assembleia da República. No entanto, se o Governo se limitou a fundamentar a Moção apenas com a argumentação da avaliação dos dois primeiros anos de mandato ou com os pressupostos que sustentam o compromisso assinado com a Troika ao longo destas sete avaliações, sem apresentar novos caminhos, novas perspectivas, uma maior confiança quanto ao futuro, de nada valeram estas últimas semanas; nem a negociação (mesmo que falhada), nem a legitimação da continuidade do Governo.
E neste âmbito quem sai, claramente, a perder é, mais uma vez, Cavaco Silva (por não ter usado o último recurso que tinha: as eleições antecipadas) e, principalmente, o país que perde a réstia de confiança que ainda podia ter no Governo e no futuro pós-Troika.