Em Maio de 2013 a Assembleia da República aprovou, na generalidade e por maioria dos votos (tangencialmente, mas por maioria) a Proposta de Lei da Co-adopção por casais do mesmo sexo. Na altura houve, naturalmente, lugar à discussão, à troca de opiniões e convicções. Na altura de votar não houve, por parte das direcções dos partidos e das respectivas bancadas parlamentares, o recurso à disciplina de voto. A proposta baixou a um grupo de trabalho parlamentar que, ao longo destes meses, tem vindo a desenvolver um conjunto de desenvolvimentos e a recolher um conjunto de informações que permitam à Assembleia da República todos os dados necessários para que a votação na generalidade corresponda a um exercício legislativo eficaz.
Mas, tal como este Inverno vai produzindo algumas surpresas, também a política portuguesa, ou melhor, também a politiquice portuguesa vai produzindo as suas surrealidades.
Ponto de ordem: é bom que, de uma vez por todas, independentemente do que os processos legislativos possam evoluir ou não, o que está em causa é a co-adopção e NÃO a adopção.
Primeira declaração de interesses: sou católico/apostólico/romano; sou social-democrata e sou, totalmente, a favor da co-adopção de crianças por casais do mesmo sexo.
Segunda declaração de interesses: hoje, tive vergonha do parlamento que elegi (bancada do PSD).
Terceira declaração de interesses: o meu total aplauso para a posição do CDS e, em particular, para a Deputada social-democrata (e até hoje vice-presidente da bancada parlamentar do PSD) Teresa Leal Coelho. O meu desprezo para quantos alinharam no "carneirismo político" e não votaram em consciência (basta olhar as declarações de voto contrárias ao sentido de voto expresso).
Num artigo publicado no jornal Público, ontem, a deputada socialista Isabel Moreira apontava três razões para recusar a proposta da JSD em referendar a co-adopção de crianças por casais do mesmo sexo.
Em teoria, e para não cair na mesma tentação do PSD de falta de coerência e de sentido de responsabilidade política e cívica, nada me levaria a me opor à realização de um referendo sobre a matéria. Aliás, como aconteceu, por exemplo, em relação à despenalização do aborto. Mas o que está aqui em causa não é a defesa, simplesmente e por convicção, de uma fundamentação por princípios do referendo.
O que está em causa é o vergonhoso aproveitamento político da proposta da JSD para meros ganhos eleitoralistas por parte do PSD. E curiosamente, quando até se poderia esperar do CDS (pela sua natura ideológica e dos princípios que o sustentam) uma maior pressão para a aprovação do referendo, eis que o partido de Paulo Portas rompe o estado de graça da coligação (reforçado no último congresso, em Oliveira do Bairro) e assume uma postura política de algum crédito ético, com a abstenção e a liberdade de voto dos seus deputados.
Muitos questionam-se sobre o que terá ganho Passos Coelho com esta cedência à sua “Jota” e que contrapartidas daí advêm. Acho que nem uma coisa, nem outra. Primeiro, porque Passos Coelho mais não fez que o sujo jogo político do aproveitamento de um momento perfeitamente abominável dos deputados “jotas” da Assembleia da República. Segundo, porque das estruturas da juventude, dos vários partidos, não se espera uma rotura com o aparelho partidário em momentos cruciais como os eleitorais. Portanto, não seria por aí que o PSD teria algo a temer.
O que esteve em causa, nesta aprovação do referendo à co-adopção por casais do mesmo sexo (aprovado por maioria, com 103 votos a favor, 92 contra e 26 abstenções) foi mais uma machada na ética política, na responsabilidade parlamentar e no pudor partidário.
E os factos são simples (aliás bem explanados pelo texto da Isabel Moreira e pelo artigo de hoje da Fernanda Câncio, no Diário de Notícias)
1. Onde esteve a JSD e o PSD, em Maio de 2013, quando na aprovação na generalidade da proposta de lei para a co-adopção? É que, em nenhum momento do debate e da discussão pública do tema foi colocada a mera hipótese de se pensar num referendo.
2. Após a aprovação na generalidade a proposta de lei baixou a um grupo de trabalho da Assembleia da República. A constituição do grupo não foi colocada em causa pelo PSD, nem pela JSD.
3. O Grupo de Trabalho da Assembleia da República, responsável pela especificidade da proposta de lei, trabalha há oito meses, com trabalho efectuado, com audições de especialistas (de várias vertentes e com várias posições). Nunca durante este processo se ouviu a palavra Referendo.
4. O que resulta então? Com o aproximar de um processo eleitoral (Europeias), com o aproximar do fim do resgate financeiro ao país e sem se saber, concretamente, como será o futuro, Pedro Passos Coelho encontrou neste inqualificável devaneio político e social da JSD uma forma de: primeiro, empurrar “à la longue” o que considera um problema de “votos”, transferindo para a próxima legislatura (que até pode – e deve – não ser sua) a responsabilidade política e social; segundo, desviar das atenções dos portugueses problemas que lhes tocam mais directamente no seu dia-a-dia (cortes salariais, reformas e pensões, aumentos dos preços, impostos e um “cinzento” pós-troika).
5. Tudo não passou de uma baixa estratégia política, que até o CDS percebeu (atempadamente) e criticou, e que deu origem (que se aplaude) à apresentação de demissão do cargo de vice-presidente da bancada parlamentar social-democrata por parte da Deputada Teresa Leal Coelho, para desviar a atenção dos portugueses sobre o Governo.
Lamentavelmente com uma baixeza política revoltante e que espelha muito bem o carácter político-partidário deste PSD.
E como na crise pagam sempre os mesmos portugueses, infelizmente, aqui, quem paga esta “diarreia” política, são os mais fracos: as crianças.