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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Portas que “Abril” abriu

Publicado na edição de hoje, 30 de abril, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Portas que “Abril” abriu

É pela diversidade e abrangência de realidades que o “25 de Abril” corresponde a um dos momentos mais relevantes na história secular de Portugal. Não só a diversidade na sua origem, já que aquilo que seria uma contestação militar à guerra colonial acabou por se tornar numa total mudança de regime político, à qual se juntou a voz de um povo (todo um povo) cansado de 48 anos amordaçado e ansioso por Liberdade. Depois, a diversidade com a efectuação da Democracia, contrariando a eventual tentativa de substituição de um regime ditatorial por outro tão menos democrático e livre. Volvidos dois anos, em que um turbilhão de acontecimentos foi marcando a política e a sociedade portuguesa, resultado de uma natural mudança radical da realidade, a construção democrática, plural e livre de um novo regime teve como desfecho a aprovação da Constituição da República Portuguesa e um conjunto de “portas” que o processo iniciado a 25 de Abril de 74 permitiria abrir: democracia, liberdade, direitos e garantias, ensino público, universalidade da saúde (Serviço Nacional de Saúde), acesso à justiça, apoios sociais, mas também as responsabilidades fiscais, as contribuições sociais, etc.

Mas o “25 de Abril” abriu também uma porta fundamental para a sustentação da democracia: o direito ao voto livre, consciente, universal. O direito de elegermos e a sermos eleitos. O direito ao exercício pleno da cidadania. E, neste âmbito, ganhou particular dimensão e importância o Poder Local, quer do ponto de vista da proximidade com os cidadãos (municípios e freguesias), quer numa maior facilidade de participação dos eleitores na vida das suas comunidades.

Infelizmente, volvidos 40 anos, apesar de não estarem em causa, na sua génese, os princípios que nortearam a madrugada de 25 de abril de 74, é um facto que algumas das conquistas de Abril perderam significado, relevância, foram desvalorizadas e minimizados os seus importantes papéis. E o Poder Local está nessa linha.

Em 2012, Portugal perdeu, ou aniquilou, cerca de 1500 freguesias, por força de uma Reforma Administrativa que não teve a coragem de ser abrangente; de ter um âmbito alargado; que não teve critérios justos, eficientes e lógicos nas agregações efectuadas; que não mexeu com os interesses instalados ao nível dos municípios; que não teve a audácia necessária para alterar a lei eleitoral autárquica; que esvaziou os órgãos autárquicos de inúmeras competências (como por exemplo, das Assembleias Municipais); que atribuiu novas competências sem perspectivar as convenientes e necessárias alterações e sustentações de recursos, quer financeiros, quer estruturais, quer humanos); que não teve em conta as realidades próprias, a história, a cultura das comunidades.

Em setembro de 2013, por ocasião das eleições autárquicas, milhares de eleitores viram-se confrontados com uma nova realidade ao nível autárquico (milhares de freguesias agregadas), salvo algumas excepções, sem qualquer benefício, nem redução de encargos, nem melhor estruturação ou gestão.

O que temos hoje, são freguesias com realidades e dinâmicas sobredimensionadas, freguesias sem estruturas capazes de dar resposta eficaz aos problemas dos seus cidadãos (seja por questões de competências próprias, por falta de recursos ou por alteração da dimensão geográfica e social a gerir), Executivos reduzidos (muitos a meio tempo, pelo menos em teoria) com dificuldades acrescidas por se verem confrontados com novos problemas, com mais problemas, com muito mais solicitações, para os quais não lhes foram fornecidos (para além de um conjunto de princípios legais mas impraticáveis) meios necessários para o cabal exercício das suas funções.

No fundo, uma Reforma Administrativa Local, que sendo necessária, foi mal executada, desajustada das disparidades de realidades das comunidades e regiões, e que, fundamentalmente, apenas veio prejudicar o eficaz exercício da gestão autárquica e limitar o princípio fundamental da democracia: a proximidade entre eleitores e eleitos na gestão da coisa pública.

40 anos “depois do adeus”

publicado na edição de hoje, 27 de abril, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

40 anos “depois do adeus”

Por voltas das 23 horas da noite de 24 de abril de 1974 entoava, através da rádio Emissores Associados de Lisboa, uma das músicas vencedora de um festival da canção: E depois do Adeus, de Paulo de Carvalho. Poucos minutos depois da meia-noite, a Rádio Renascença transmitia uma das músicas proibidas pela censura: Grândola Vila Morena, do aveirense Zeca Afonso. Estava lançado o Golpe de Estado que derrubaria os 48 anos de regime ditatorial imposto por Salazar e prolongado por Marcelo Caetano. E naquela madrugada/manhã, junto com os militares, o Povo (todo) saiu à rua para gritar Liberdade. Em 1974, naquele dia, como hábito, levantei-me para, juntamente com a minha irmã, irmos para a escola (sim… não era um sábado, era uma quinta-feira; não estávamos de férias, era abril; não havia futebol na rádio, havia aulas). As notícias, algo confusas e por confirmar, faziam acordar Aveiro com algum naturalidade (apesar da ansiedade crescente) que seria “posta em causa” com o desencadear sucessivo da informação ao longo do dia. Para muitos da minha geração (64-66), o impacto dos acontecimentos e do período conturbado vivido nos anos imediatos só com o evoluir da história ia criando raízes e construindo uma realidade. Aquilo que vivi nesses períodos, com marcas pessoais, com significados e realidades distintas, foi o suficiente para determinar a minha vivência de abril e destes 40 anos volvidos: 74 marca a conquista da Liberdade, 75 estabelece a Democracia (consolidada a 25 de abril de 76 com a Constituição da República Portuguesa). Estas realidades são uma conquista de todos e para todos. E ao fim destes 40 anos há algo que os portugueses ainda não conquistaram: o valor universal (e não “propriedade” de alguns) do 25 de Abril.

A jornalista Fernanda Câncio descreve-o de forma interessante no seu artigo de opinião, no Diário de Notícias, da edição de sexta-feira, 25 de abril: “No fim da estrada” (algo que gostaria de ter escrito a “duas mãos” ou co-assinado).

É um facto que o país atravessa significativas dificuldades, os portugueses são chamados a sacrifícios e a esforços intensos, com situações de pobreza, de desemprego, de desvalorização do valor do trabalho. No entanto, importa recordar, no que têm sido os “altos e baixos” desta construção diária e permanente do país, o que foram os dois processos idênticos de ajuda externa (1977 e 1983). Mas o que se afigura como irrealista e absurdo é comparar (e querer recuar) os dias de hoje com o país pré-25 abril: pobre (metade das habitações não tinha água canalizada, cerca de 40% não tinha instalação sanitária, e cerca de 30% não tinha electricidade), sem escolaridade (33% de analfabetismo), sem acesso universal à saúde e ao ensino (nomeadamente o superior), sem formação (apesar do ridículo da afirmação de Durão barroso sobre o ensino no Estado Novo), com elevada taxa de mortalidade infantil, etc. Mas para além disso, sem liberdade (de expressão, opinião e informação), sem democracia (sem participação livre, com o voto condicionado e limitado), sem pluralidade (é, perfeitamente, despropositado dizer-se que antigamente a política e os políticos eram melhores que hoje). E em relação a estes valores de Abril (as portas que Abril abriu) não faz, hoje, qualquer sentido colocar em causa. Até pela contradição entre afirmar-se que a “democracia e a liberdade faliram” e a própria realidade, quando é a mesma democracia e mesma liberdade que nos permitem manifestarmo-nos (já na próxima semana celebra-se mais um 1º de Maio), criticarmos, descermos a Av. da Liberdade, concentrarmo-nos no Largo do Carmo, elegermos e sermos eleitos (já no próximo mês há eleições livres e democráticas), exercermos o direito cívico de participar na construção da sociedade.

A democracia não é, obviamente, um modelo perfeito e isento de falhas. Mas é, garantidamente, o menos mau de todos os modelos político-sociais. Percorremos 40 anos… parece-me um caminho demasiado longo para que se queira recordar um passado (para além da memória e da história colectivas) e voltar para trás. Se bem que, ao contrário do título do artigo da Fernanda Câncio (“No fim da estrada”), acho que ainda há caminho para percorrer para combater a imaturidade política de muitos portugueses, da indiferença nos momentos de decisão e de participação, no comodismo e conformismo instalados. E este desígnio de Abril ainda falta cumprir.

Da serie... as pessoas e o país (#3)

Relembremos o princípio: "A vida das pessoas não está melhor mas o país está muito melhor” (Luís Montenegro, líder da bancada do PSD, 21.02.2014, vésperas do XXXV Congresso do PSD).

A dissociação das pessoas ao país é, por si só, questionável e criticável.

Afirmar-se que as pessoas não estão melhores é, no mínimo, uma falta de respeito pelo esforço dos portugueses e de uma insensibilidade social preocupante.

Dizer-se que o país está muito melhor é, claramente, discutível e algo que não "bate" com a realidade.

A demonstrá-lo, nas duas vertentes (pessoas e país), estão dois dados que espelham a realidade do ano de 2013.

Num relatório produzido pela Autoridade para as Condições do Trabalho que reflecte as 40 mil visitas realizadas em 2103 os dados são preocupantes: as empresas portuguesas (algumas) devem mais de 36 milhões de euros aos trabalhadores. Se isto reflecte um país muito melhor, imagino o que não seja, de facto, o paraíso.

Por outro lado, face à diminução do valor do trabalho, às dificuldades para fazer face ao níevl de vida (custos/preços), às contingências que a austeridade impôs à maioria dos trabalhadores, Portugal foi eleito o "País do Ano" do Tupperware, devido ao aumento significativo do recurso à "marmita no trabalho".

Nem as pessoas, nem o país...

das coisas da "liberdade" e da "democracia"

Há dois anos, neste preciso dia, falecia Miguel Portas.

Na altura devida, com todo o reconhecimento, sem qualquer tipo de constrangimentos ideológicos, foi com pesar que lhe prestei modesta, mas sentida, homenagem: "Respeitosamente... Obrigado, Miguel Portas."

Abril de 74 concedeu-me o direito (mais que o privilégio) da plurailidade, da democracidade, da liberdade, da livre opinião.

Hoje, neste preciso dia, volvidos estes dois anos em que a política ficou mais vazia sem Miguel Portas, o mesmo 25 de Abril de 74, mantém-me o direito a expressar o mesmo sentimento. E, propositadamente, a referência conjunta, porque foi para isto que o 25 de Abril aconteceu: pluralidade, liberdade, democracia, respeito e reconhecimento.

Hoje, a história política portuguesa também perdeu outro dos seus rostos.

Três meses após a Revolução de Abril (Julho de 74) surgia o CDS, por principal vontade de Freitas do Amaral, Adelino Amaro da Costa, Basílio Horta, entre outros. E neste grupo surgia também o nome de João Lopes Porto.

E hoje, 24 de abril, (apesar do facto ter ocorrido ontem - quarta-feira) surge a notícia da sua morte. Voltamos à véspera das comemorações do 25 de Abril. E a história política da democracia portuguesa, infelizmente, repete-se e fica mais pobre.

RIP João Porto.

 

Morreu João Porto, fundador do CDS e antigo ministro das Obras Públicas
(créditos da foto: José Mota - Global Imagens, in JN online)

Vale a pena pensar nisto (#4)

A minha fotografia

A ler os outros... Andrea Diegues.

Pela partilha fui dar de caras com este texto e este testemunho (por razões profissionais) da Andrea.

Dei de caras... engoli em seco... contive o nó na garganta... e fiquei em silêncio. E um silêncio que incomoda cá dentro. E muito.

Sim... porque às vezes o silêncio também compromete, também solidariza, também expressa. Mas também incomoda e tira-nos do conforto, desconsola.

Acima de tudo, o Silêncio também Respeita.

E no mínimo, o que se exige é Respeito. Ao menos, isso.

A Ler: O incómodo silêncio...

Reforço da coesão e afirmação

Publicado na edição de hoje, 20 de abril, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Reforço da coesão e afirmação

Aveiro tem tido, ultimamente, uma agenda política recheada de factualidades, umas positivas, algumas nem por isso, outras polémicas. Basta recordar, a título de exemplos, a polémica na saúde que envolve o Centro Hospitalar do Baixo Vouga (Aveiro, Estarreja e Águeda), a desqualificação da Linha do Vouga como um todo, a perspectiva da importante ligação ferroviária Aveiro-Salamanca, os investimentos previstos para o Porto de Aveiro, mas também a injustiça dos pórticos na periferia urbana, a falta de investimento no Baixo Vouga Lagunar e na Ria de Aveiro, o esquecimento da ligação rodoviária Águeda-Aveiro, para além do flagelo que é a erosão costeira na região. E em causa está a região (e os legítimos interesses de cada um dos seus municípios) e não apenas Aveiro e a sua configuração urbana.

Não falta dinamismo e empenho por parte da Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro (CIRA), não é de menosprezar o compromisso da Plataforma A25 (autarquias de Aveiro, Viseu e Guarda), não é menos relevante o facto de Aveiro ter um importante papel na municipalidade nacional com a vice-presidência da Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP).

Mas há a outra face da moeda. Por mais dedicação, trabalho, esforço, despendidos pela valorização da região; por mais que a conjuntura actual leve a repensar o papel do Estado e necessidade de serem encontradas alternativas à subsidiariedade da administração central; o poder das principais decisões de gestão está centralizado, principalmente, no Governo e na Assembleia da República. Regressa por isso a tão histórica questão do “peso político”, ou da sua ausência, tantas vezes reclamado por ilustres aveirenses como Girão Pereira e Carlos Candal. O peso político espelhado no papel desempenhado por José Estêvão (Linha do Norte), Luís Gomes de Carvalho (Barra de Aveiro), Mendes Leite, Lourenço Peixinho (Hospital de Aveiro), Homem Cristo. Claro que isto é história… mas reescrever a história é viver o presente e projectar o futuro. E Aveiro precisa urgentemente de reescrever a sua história, sob pena de todo o esforço resultar inglório; precisa de marcar a diferença para ser referência regional, precisa de voltar a ter “peso político”; precisa de reforçar a sua identidade e de desenvolver, reforçar e promover as suas potencialidades (sejam elas culturais, sociais e económicas). É que a realidade é algo divergente deste contexto. Geograficamente, Aveiro sempre balançou entre a indefinição de pertencer ao Norte ou ao Centro, gravitando entre as “pressões” do Porto e de Coimbra. Por outro lado, a reforma administrativa que reconfigurou as regiões substituindo os distritos pelas NUT III foi “madrasta” em relação ao distrito de Aveiro. Antes da reforma (até 2011), o Distrito de Aveiro era composto por 19 municípios que ocupavam uma área geográfica com cerca de 2800 quilómetros quadrados, entre a serra e o mar, e com uma população que rondava os 800 mil habitantes. Além disso, o distrito tinha importantes pólos industriais, instituições académicas relevantes, diversidade cultural. Neste momento a CIRA é composta por 11 municípios, tendo perdido sete municípios para a área metropolitana do Porto e um para a região de Coimbra, com uma população que ronda os 400 mil habitantes.

Mas o paradoxo não se limita à redução da área geográfica e populacional, já que a Região de Aveiro manteve muita da sua identidade e muitas das suas potencialidades. O paradoxo é significativo ao nível político. Como em muitas matérias, o Governo faz as reformas pela “metade”, com incoerências legislativas que acabam por ter repercussões negativas. Extintos os Governos Civis, implementadas as NUT, não houve a necessária correspondência ao nível das leis eleitorais, mantendo-se os círculos distritais. Resultado… Aveiro (curiosamente, o distrito) elegeu 16 deputados, sendo que apenas quatro pertencem à área geográfica da CIRA (Aveiro, Ovar e Águeda), seis à área metropolitana do Porto (anterior zona norte do distrito) e um pertencente à região de Coimbra (os outros cinco deputados eleitos nem sequer são do distrito de Aveiro).

Daí que não se estranhe, para além dos crónicos problemas internos e estruturais, a desvalorização do Centro Hospitalar do Baixo Vouga (apesar de todo o esforço da CIRA, dos aveirenses, dos estarrejenses e dos aguedenses); a ausência das prioridades de investimento público da ligação Aveiro-Águeda; a anulação do curso de medicina na Universidade de Aveiro; o esquecimento da Ria de Aveiro e do Baixo Vouga Lagunar; a manutenção dos pórticos na periferia urbana de Aveiro, entre outros. Daí que não seja de espantar ver um deputado eleito pelo círculo de Aveiro a defender a revitalização da Linha do Vouga (apenas o ramal norte) com ligação à rede de transportes e mobilidade da área metropolitana do Porto.

A Região de Aveiro precisa de mais “braços” a lutar por ela, pela sua coesão e afirmação.

RTP dá "tiro no pé"

A RTP, infelizmente, não pára de surpreender com a polémica em torno do programa com José Sócrates.

Por mais que me queira restringir à questão jornalística, tal como o fiz em "José vs José... mais que mera polémica.", a verdade é que depois da confrontação entre as posições do provedor do espectador da RTP e do Director de Informação da televisão pública os factos são, também, claramente de natureza política.

Em total consonância com a posição que aqui expressei, no programa "Voz do Cidadão", transmitido hoje na RTP1, o provedor do telespectador, Jaime Fernandes, defendeu que o espaço de comentário político e de opinião de José Sócrates deveria retomar o modelo inicial, sem contraditório, sem o formato de entrevista.

Por mais relevante que seja a opinião dos provedores (tv, rádio, jornais) é um facto que a mesma não tem contornos legais ou jurídicos que forcem as direcções dos diversos órgãos de comunicação social a acatá-la. Seria, por isso, perfeitamente compreensível e inquestionável que a direcção de informação da RTP tivesse uma opinião contrária à do Provedor do Espectador e, como tal, uma decisão oposta.

Mas há contornos estranhos neste processo. É que os argumentos que José Manuel Portugal referiu para sustentar a sua opinião de manter a alteração introduzida recentemente no formato do programa são, no mínimo, questionáveis, criticáveis. Curiosamente, não por razões jornalísticas aquelas que,  partida, mais interessariam, como o facto de se transformar um espaço de comentário e opinião, numa entrevista semanal, regular, constante (periódica), ao ex-Primeiro ministro e não ao cidadão (com experiência política e de governação) José Sócrates. Aliás, como acontece, por contraste, com Morais Sarmento.

A afirmação mais surpreendete do director de informação foi "Até às eleições europeias, sim, fica tudo igual". Mas José Manuel Portugal acrescentaria ainda que "Tenho que me sentar com o engenheiro José Sócrates e com Dr. Morais Sarmento para definirmos em conjunto o que vai acontecer, mas para já fica tudo igual". O responsável pela informação da RTP entende que os dois programas de comentário (reforço o "de comentário"), do ex-primeiro-ministro do PS e do ex-ministro do PSD, fazem "sentido em conjunto", pelo que qualquer alteração também será feita em conjunto.

Ora bem (ou mal, neste caso).

O Provedor do Telespectador da RTP, no seu programa, colocou a análise da questão ao nível jornalístico quando foi claro ao afirmar que o programa foi, e tem sido, anunciado como de opinião, o que, para Jaime Fernandes, "pressupõe que o comentador faça as considerações que entenda sobre temas da actualidade sem necessitar de contraditório", o qual (contraditório) a acontecer deverá ser em espaços distintos e próprios, como os debates ou entrevistas. Isto não é sequer minimamente questionável por José Manuel Portugal (o que na minha opinião até faz sentido pelo facto de ser uma realidade ou evidência jornalística). Mas o Director de Informação da RTP comete dois erros de análise preocupantes e que levam, legitima e inevitavelmente, à abordagem da questão do ponto de vista político.

Ao ser colocado no calendário uma eventual (de novo) reformulação daquele espaço televisivo apenas após as eleições europeias, é claro que existiram pressões externas para condicionar/minimizar o impacto dos comentários e das opiniões de José Sócrates na opinião pública e, concretamente, os efeitos que poderiam provocar na campanha eleitoral.

Por outro lado, afirmar-se que os espaços de José Sócrates e Morias Sarmento são analisados em conjunto é demagogia e o sacudir de responsabilidades, já que os espaços iniciaram-se de facto nos mesmos moldes, mas não têm, hoje, a mesma configuração, nem o mesmo contexto.

Se em "José vs José... mais que mera polémica." não tive qualquer constrangimento em afirmar que José Sócrates esteve mal no confronto pessoal com o jornalista José Rodrigues dos Santos, a verdade é que hoje tenho muito mais convicção de que a alteração provocada no programa de José Sócrates tem como motivo principal condicionar e desvalorizar a opinião do ex-Primeiro Ministro, claramente, por razões políticas.

Quase metade do trabalho fica no IRS

http://images.dinheirovivo.pt/ECO/File?dDocName=CIECO325423&fileName=tmp_oc1943097590987858764.JPG&rendition=extra_wide&SID=509105

Numa altura em que está prestes a terminar a primeira fase e a iniciar-se a segunda fase da entrega do IRS, afigura-se oportuna a reflexão sobre uma das principais receitas fiscais do Estado, a que incide directamente sobre o rendimento do trabalho.
A primeira nota diz respeito à forma como o Governo tem agido em relação ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS). Em 2013, Pedro Passos Coelho afirmava que não seria possível qualquer alteração ao IRS antes de 2015 (curiosamente ano eleitoral… só mesmo por curiosidade). Paulo Portas tem vindo a reforçar o seu discurso que aponta para a necessidade do Governo criar condições para a redução do IRS em 2015. Pelo contrário, o Primeiro-ministro afirma que não há nenhuma promessa de desagravamento do IRS, admitindo um eventual “alívio” da carga fiscal apenas em 2016. Por seu lado, a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, “nem sim, nem sopas”. Não se compromete com nenhuma das medidas (não inculpando nem o Primeiro-ministro nem o Vice-Primeiro ministro), não assumindo qualquer alívio da carga fiscal, alteração das taxas do IRS ou aumento das deduções fiscais. Ao nível do Governo apenas uma certeza: a criação de uma comissão (mais uma, nesta legislatura) para a reforma do IRS.
Desde a chegada da Troika que o Imposto sobre o rendimento do trabalho dos portugueses tem sofrido uma forte agravamentos da carga fiscal (alterações de valores das taxas, sobretaxas e alterações dos escalões) e uma significativa diminuição das deduções fiscais, como a saúde, educação, habitação, entre outros. Importa referir que entre 2011 e 2013 estes incentivos e benefícios fiscais em sede de IRS diminuíram cerca de mil milhões de euros. E 2014 não será melhor, antes pelo contrário. Como exemplo e o mais significativo, é a redução da dedução fiscal com o empréstimo à habitação em cerca de 51%, em relação a 2013 (de 591 euros para 296 euros). Além disso, os Recibos Verdes sofrem uma sobretaxa de 3,5%.
Há poucos dias foi revelado um estudo da OCDE que coloca Portugal como o 12º país com a maior tributação sobre o rendimento do trabalho (41,1%, acima da média da OCDE que é de 35,9%). O mesmo relatório vai ao ponto de referir que, em 2013, Portugal foi o país (dos 34 que constituem o grupo da OCDE) que mais subiu o imposto sobre o trabalho, um aumento que se situou nos 3,54%. Mas se quase metade do que o trabalhador português ganha é tributado ("Dois em cada cinco euros dos portugueses foram para pagar impostos") para onde vai esse dinheiro? O que faz o Estado com tanto imposto?
Desde Fevereiro deste ano que o Governo disponibiliza uma versão simplificada do Orçamento do Estado, à qual decidiu denominar de “Orçamento do Cidadão”. Mas a verdade é que, mesmo estando referenciada a distribuição dos impostos pelas áreas de responsabilidade social do Estado, a dúvida mantém-se, porque a realidade colide com os números e os gráficos. Os portugueses experimentam no seu dia-a-dia menos serviço público na saúde, na educação, na justiça, nos transportes. Sentem-se menos seguros nas suas comunidades, sentem o custo de vida significativamente desajustado face aos seus rendimentos.
E nesta altura do ano, sempre que obrigatoriamente se acede ao site das Finanças ou se preenche o respectivo impresso, os portugueses sentem bem essa dúvida: porque/para que pagamos impostos?

Gabo... para sempre.

Morreu Gabriel García Marquez.

A par com Luís Sepúlveda, por exemplo, foi o principal responsável pela descoberta da escrita e das imagens literárias com raízes marcadamente sul-americanas.

Ocupou sempre lugar de destaque na "estante doméstica" e releitura obrigatórias ao longo dos tempos.

O Escritor, Jornalista, Nobel, colombiano deixa um significativo e importante vazio na cultura e na literatura mundiais.

Fica mais vazia o meu leque de procuras nas livrarias.

Obrigado por tudo, Gabo.

Embaixadoras da causa jovem. Aposta ganha.

O Instituto Português do Desporto e da Juventude (tutelado pela Secretaria de Estado do Desporto e da Juventude) tem, por competência, a promoção do Associativismo Jovem.

No âmbito do seu plano de actividades, o IPDJ está a realizar uma campanha de sensibilização, informação e promoção do Associativismo Jovem que terá, no próximo dia 30 de Abril, o seu ponto alto com a comemoração do Dia do Associativismo Jovem 2014.

Para dar expressão e dimensão à iniciativa o IPDJ convidou um conjunto de personalidades como "embaixadores" do movimento/evento.

Entre figuras como Catarina Furtado, Fernanda Freitas, José Luís Peixoto, Nélson Évora, Nuno Delgado, entre outros, há lugar a dois destaques de "mérito": a presença na ilustre lista da Joana Latino e da Rita Marrafa de Carvalho.

Só por isto a aposta do IPDJ está, claramente, ganha. Os jovens só têm de agradecer...

Isto não é política séria

Pedro Passos Coelho

Ainda no rescaldo da entrevista a Pedro Passos Coelho, ontem, na SIC ("Uma entrevista cheia de nada").

Excluindo a prestação do ponto de vista jornalístico (basta recordar a polémica do passado dia 6 de Abril entre o jornalista José Rodrigues dos Santos e José Sócrates, na RTP: o que supostamente deveria ser um espaço de comentário político, resulta em entrevista e em contraditório cheio de 'arquivos'; o que deveria ser uma entrevista, com arquivos e contraditório, mais não foi que a moderação de um espaço de comentário político do actual Primeiro-ministro), a entrevista ao Primeiro-ministro revela questões importantes do ponto de vista da ética política e da coerência.

Não estão em causa opções partidárias ou ideológicas... está em causa a questão da "verdade política" e a forma como, de modo transparente, um político (com responsabilidades acrescidas) se dirige aos portugueses.
E é tempo de dizer: "Basta. Em política não pode valer tudo".

Começa a ter contornos de eficácia discursiva a insistência da oposição, nomeadamente a do Partido Socialista, numa "agenda escondida" por parte do Governo. É que da entrevista de ontem não surgiu nenhuma novidade, nenhum dado concreto, nenhuma proposta para o futuro, nenhuma referência à Europa, à Troika, ao fim do programa de ajustamento e ao tipo de "saída do resgate", quais as "gorduras do Estado" e onde irá diminuir a despesa pública em cerca de 1,4 milhões de euros. Nada, rigorosamente, nada. E das duas, três. Ou, de facto, não há nada para dizer e não faz qualquer sentido 90 minutos de banalidades e de demagogias, ou então, de facto, o Governo não quer revelar políticas e medidas futuras e, obviamente, esconde a sua "agenda" dos portugueses.

Mas há uma terceira nota. Mentir é feio... mesmo que politicamente.

O INE ainda recentemente publicou um relatório onde afirma que são cerca de 2 milhões de portugueses em risco de pobreza. Valor que aumentou em cerca de 1% comparado com dados de 2011. A taxa de desemprego, embora estabilizada, é elevadíssima (ronda os 16%).  Afirmar que "não foram as medidas do governo que aumentaram o risco de pobreza" é, pura e simplesmente, desvirtuar a realidade do país, é não ter o mínimo de respeito pelo sacrifício e esforço dos portugueses, das famílias e das empresas, é uma desvalorização do papel e do trabalho (cada vez mais crescente, infelizmente) das instituições de solidariedade. É, no mínimo, a desresponsabilização governativa, a não assunção do seu papel enquanto Primeiro-ministro.

Mas o descaramento político não fica por aqui. Ainda na mesma entrevista, Pedro Passos Coelho afirmou que "não haverá lugar a mais cortes salariais, nem nas pensões". O Primeiro-ministro faltou à verdade. Não repondo os valores salariais, nem os valores das reformas, o Governo torna uma medida temporária (anual) numa medida definitiva, mesmo que não sofram nova desvalorização. Manter o valor do rendimento sofrido com o corte temporário, é o mesmo que prolongar o corte no tempo, deixando de ser provisório.

Mais ainda... Passos Coelho voltou à autocruxificação (agora que estamos na Páscoa/Quaresma) ao reafirmar que "não está minimamente preocupado com as eleições, mas sim em salvar o país". Uma 'salvação' que terá como alicerce eleitoralista a retoma salarial em tempos de eleições.

Isto não é política séria, nem ética democrática.

(créditos da foto: Diana Quintela, in Dinheiro Vivo)

As prioridades de Investimentos

Publicado na edição de hoje, 16 de abril, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

As prioridades de Investimentos

O Governo divulgou recentemente (na semana passada) uma lista de investimentos públicos prioritários. A lista inicial comportava cerca de 30 projectos que rapidamente se transformaram em 59 projectos prioritários, face às legítimas pressões locais e regionais. Ou melhor, quero eu acreditar que as pressões foram do poder local e regional, sendo óbvio que estes investimentos públicos “mascaram” todo um conjunto de interesses privados.

No entanto, não me vou debruçar sobre a questão da natureza do investimento, da sua fundamentação pública ou privada, da sua sustentação política, ou, mais relevante ainda, da sua sustentabilidade económica já que uma parte do investimento cabe ao erário público.

Que o país precise de infra-estruturas ferroviárias e marítimas acho que é algo que não me parece muito questionável. Precisamos de dimensão portuária e dimensão ferroviária com ligação à Europa, agora que está tão badalada a recuperação das exportações. Já no que respeito às infra-estruturas rodoviárias parece-me ser de primordial bom-senso que as prioridades sejam de facto realidades prioritárias, já que o país sofre de disparidades colossais nos investimentos desta natureza. O Plano Estratégico de Transportes e Infra-estruturas (PETI3+), inserido no próximo quadro comunitário 2020, apresenta 59 prioridades, com um valor global de investimento de cerca de seis mil milhões de euros, em áreas como sector ferroviário (44%); sector portuário e marítimo (25%); sector rodoviário (15%); transportes públicos de passageiros (12%); sector aeroportuário (4%). No sector ferroviário destaca-se, a nível nacional, a reabilitação da Linha do Norte, a fusão entre a REFER e a Estradas de Portugal, a ligação ao Porto de Sines e a privatização da CP Carga. No que diz respeito à área portuária destaque para os projectos de ampliação dos terminais de Lisboa, Leixões e Sines. Quanto ao investimento rodoviário importa referir a conclusão das obras do túnel do Marão, o eixo do IP3 e a ligação final da A25 (Vilar Formo – Espanha), para além do novo sistema de cobrança de portagens, um novo modelo de regulação e a sustentabilidade financeira do sector, nomeadamente com a renegociação das sempre controversas PPP’s. No que respeita aos transportes públicos o Plano incide essencialmente sobre os Metros de Lisboa e Porto e sobre políticas de concessão e exploração de transportes públicos a nível nacional.

E Aveiro? Curiosamente Aveiro surge no “mapa” deste PETI3+ que tem como “lema”: “Para que tudo fique mais perto”. E, felizmente, no caso de Aveiro a Europa parece ter perspectivas de ficar mais perto, já que no sector ferroviário o Eixo (Leixões) – Aveiro (incluindo a plataforma de Cacia) – Salamanca é igual prioridade à do Eixo Sines-Caia, bem como o desenvolvimento da plataforma de Cacia. Também no sector portuário, não como prioridade mas a nível de preferência global, o Plano prevê igualmente intervenções no Porto de Aveiro melhores condições de acessibilidade marítima, melhor logística e infra-estruturas, melhores condições de cargas/descargas.

Mas nem tudo é um mar de rosas. O Plano não prevê a reabilitação da Linha do Vouga entre Aveiro e Águeda (apenas a da zona norte, entre Albergaria e Espinho), nem perspectiva qualquer futuro para aquela rede ferroviária. O Plano não prevê um dos investimentos mais prioritário e urgente para a Região que é o eixo rodoviário Aveiro-Águeda, quer pelos fluxos laborais, quer por razões económicas (a significativa dimensão industrial da região de Águeda e Bairrada). O Plano não prevê mecanismos de recuperação e desenvolvimento de serviços municipais de transportes públicos, como é o caso da MoveAveiro.

Além disso, ainda mais relevante que estas três falhas de investimento em Aveiro, é preocupante que o Governo se preocupe, por mais legitimidade que tenha, apenas com um plano de desenvolvimento nacional sustentado nos transportes e acessibilidades. Porque Aveiro, infelizmente, precisa de mais. E mais que são também preocupação e promoção de valores económicos e sociais. Aveiro precisa de um investimento no seu património natural que é a Ria de Aveiro; Aveiro precisa de investimento na ligação rodoviária Aveiro-Águeda; Aveiro precisa de uma definição do futuro da Linha do Vouga (Sul); Aveiro precisa de um investimento sério e eficaz na área da saúde que combata o esvaziamento do Centro Hospitalar do Baixo-Vouga e promova, a nível regional (numa área com cerca de 400 mil pessoas) uma saúde de referência. Ao contrário, Aveiro ver perder para Coimbra especialidades como estomatologia, oftalmologia, cardiologia, hematologia clínica, ginecologia-obstetrícia, neonatologia e urologia, entre outras.

É que nem só de “betão” vive o país e se desenvolve um país.

Uma entrevista cheia de nada...

O minuto a minuto da entrevista a Passos Coelho

José Gomes Ferreira acabou de entrevistar (ou mais do género retrato biográfico - 90 minutos de tempo de antena) o Primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, na SIC.

Muito fracos vão os tempos políticos, comunicacionais e propagandistas do Governo. Já nem aí Passos Coelho se consegue revelar e surpreender. Curiosamente um dos pontos de referência da entrevista foi a relação entre Passos e Portas na coligação. Curiosamente, Passos teria sido muito mais revelador e demagogo. Ao menos isso...

1. Passos Coelho não teve a mínima reflexão sobre o futuro do país após o fim do período da ajuda externa, o pós-Troika.

2. Passos Coelho não fez uma única referência às eleições europeias e à Europa.

3. O Governo (e Passos Coelho) continua a enganar o país e os portugueses. "Não haverá mais cortes em 2015" é a maior demagogia e falácia política alguma vez proferida. A verdade é que transformando os cortes temporários em permanentes é o mesmo que privar os portugueses, em 2015, de recuperar o que lhe foi reduzido. Por outro lado, a revisão da tabela salarial da função pública mais não é do que um corte salarial para a maioria dos funcionários da administração central, regional e local.

4. Passos Coelho não concretizou quais as medidas de austeridade que irão ser implementadas para fazer face às denominadas gorduras do Estado, sendo que estas também não forma identificadas. pelo histórico governativo o equilibrio das contas públicas manter-se-á por força da redução das prestações sociais do Estado nas áreas da sua responsabilidade social: educação, segurança social, saúde e justiça.

5. Para Passos Coelho a responsabilidade do aumento das desigualdades sociais, o aumento da pobreza não é resultado destes três anos de governação... vem do tempo do pré-2011 ou, porventura, do tempo do D. Afonso Henriques.

6. Passos Coelho já não consegue (como o fez e bem na campanah eleitoral de 2011, "enganando" um significativo número de eleitores, no qual, assumidamente, me incluo... infelizmente) convencer os portugueses com o seu sentido patriótico e de Madre Tersa de Calcutá ou de Joana d'Arc. As eleições estarão sempre primeiro, porque só dessa forma conseguirá tentar manter o poder. O país não estará melhor em 2015, mesmo que o Governo queira convencer o país do contrário. E a razão para alguma reposição salarial, alguns benefícios sociais só têm fundamentação eleitoralista.

7. Passos Coelho terá sempre como sombra a presença de Paulo Portas, algo que lhe tem trazido mais desconforto do que confiança política.
8. Passos Coelho, após ter anunciado no XXV congresso do PSD o perfil do candidato social-democrata à Presidência da República, já escolheu o seu preferido/eleito: Durão Barroso. Tornou-se o mais óbvio, depois da conferência promovida por Durão e depois da entrevista de hoje. Só Marcelo Rebelo de Sousa ou a derrota eleitoral em 2105 poderão contraria este desejo de Pedro Passos Coelho (e, qui ça, de Durão Barroso).

9. Sobre a condução da entrevista pelo jornalista José Gomes Ferreira: enfim...

(créditos da foto: Alberto Frias - Expresso online)

A ler os outros... honestidades.

Lá diz o dito popular, ou já que o latim agora está na moda governamental, lá diz a "vox populi" que "presunção e água benta cada um toma a que quer". O mesmo será dizer que há "honestidades" e "honestidades", obviamente, dependendo dos "olhares" e das perspectivas.

Mas o que não pode haver lugar é à deturpação, à viciação e à deformação da história, dos seus factos e das suas realidades (sociais, políticas, culturais, económicas, etc.).

Numa sondagem publicada ontem (15 de abril) pelo jornal i, da responsabilidade da empresa Pitagórica, revela que os portugueses não confiam nos políticos actuais, que não são de confiança, nem honestos, e há demasiada corrupção. Sobre esta realidade (mesmo que não a fundamente com números, propositadamente) não há muito a contestar. Aliás basta folhear as páginas dos jornais ou ouvir os espaços informativos nas televisões e rádios para darmos conta das contradições, falsidades, incoerências, casos de justiça (mesmo que prescrevam), etc.

Mas é, no mínimo, questionável e criticável que 46,5% dos portugueses considerem que os políticos no Estado Novo (ditadura) eram mais honestos que os actuais, contrapondo com apenas 17,7% que pensa o contrário. Pior ainda quando 43,2% dos inquiridos acha que os políticos do período anterior ao 25 de Abril de 74 eram mais bem preparados.

É questionável e criticável... a mim, não me espanta quando ainda há alguns anos (poucos, aliás) para um programa da RTP a maioria dos portugueses elegeu Salazar como a figura portuguesa do século.

Mas nada melhor do que a "resposta" a esta triste realidade pela pena de Porfírio Silva em "os facistas é que eram sérios".

Mesmo não concordando inteiramente com o título... está, perfeitamente, soberbo e genial.

A LER.

Olhar as europeias

Publicado na edição de hoje, 13 de abril, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Olhar as europeias

Retomo as preocupações expressas no artigo publicado neste espaço, no passado dia 19 de março (“O ‘inconseguimento’ europeu”): a previsão de elevada abstenção eleitoral; uma campanha centrada na política interna; o desconhecimento generalizado do papel e da importância da União Europeia. E uma grande parte da responsabilidade por estas preocupações cabe, em primeira instância, aos partidos, aos candidatos e aos políticos, seja pela forma como apresentam os seus manifestos, as suas propostas, seja pela forma como serão, ou não, capazes de aproximar os portugueses à Europa. A maioria dos portugueses, apesar distarem quase 30 anos, ainda não tem a noção de que após o dia 1 de janeiro de 1986 (adesão de Portugal à então CEE) a realidade nacional não é mais a mesma, consubstanciada com a entrada do país na Zona Euro a 1 de janeiro de 1999. A adopção de políticas comuns, a adesão a um mercado financeiro único, a multiculturalidade, as diversidades históricas e sociais, têm, hoje, uma dimensão que ultrapassa fronteiras e que, para além dos órgãos de soberania nacional, têm um novo epicentro situado em Bruxelas (Comissão Europeia), em Estrasburgo (Parlamento Europeu) ou em Frankfurt (Banco Central Europeu). Para além disso, a maioria dos portugueses não tem a noção que as eleições do próximo mês de maio têm uma dimensão e uma abrangência maior do que a expressividade nacional. É que apesar do voto ser “depositado” no PSD, CDS, PS, BE, PCP, Livre, etc., a expressividade do voto tem reflexos na eleição de deputados europeus que irão representar “partidos europeus” (onde os nacionais se inserem). Por exemplo, Partido Popular Europeu, Partido Socialista Europeu, Partido da Esquerda Europeia, Partido Democrático Europeu, entre outros. São estes partidos que, em função dos seus programas e manifestos, ditarão os destinos da União Europeia que, obviamente, influenciarão os destinos nacionais. E seria importante que os partidos e candidatos nacionais demonstrassem, na campanha, essa realidade, porque é essa que importa.

Felizmente há quem rume contra este distanciamento dos portugeses à Europa e da desresponsabilização política dos agentes eleitorais. Independentemente de ser essa a natureza da sua existência e estruturação, o CIEDA (Centro de Informação Europe Direct de Aveiro), do grupo Escola Profissional de Aveiro/AEVA, evidenciou uma intervenção formativa, educativa e de cidadania exemplares, com uma vitalidade que importa destacar. Desde janeiro até ao passado dia 10 de abril (com a 15ª sessão realizada na Alameda das Competências, na Feira de Março, em Aveiro, com a presença do ex-eurodeputado Armando França) realizou 15 acções públicas relacionadas com as eleições europeias deste ano, sob o tema: Agir, Reagir, Decidir. Para além da divulgação de informação dita institucional sobre a União Europeia, as referidas acções contaram com a presença de oradores com marcado currículo europeu, como Marisa Matias, Vital Moreira, José Manuel Fernandes, Alda Sousa, entre outros, ou destacados “pensadores” europeus da região, como João Pedro Dias, Armando França ou Pedro Jordão, a título de exemplo. De Castro d’Aire até Coimbra, percorrendo praticamente toda a Região de Aveiro, o CIEDA, para além as questões institucionais (a importância do voto, as instituições europeias, o papel dos eurodeputados, etc.), também levou à reflexão temas relacionados com a economia, o emprego, a qualidade de vida, os diretos dos cidadãos europeus, por exemplo. Mas há um aspecto que merece destaque. Apesar de abertas ao público, as sessões tiveram uma especial atenção para com os jovens. Aqueles que, por diversas razões e face à conjuntura actual, mais sentem a realidade europeia, seja ao nível intercultural, seja ao nível formativo/académico, seja ao nível laboral por força da opção emigratória (bastante elevada nos jovens). Neste âmbito, não poderia ser mais apropriada e incisiva a escolha de um conjunto de interrogações críticas que formassem, informassem e levassem ao sentido crítico dos jovens desta região. Nada mais ajustado como o debate de temáticas como “as políticas de educação e juventude da UE”; “como viajar e viver no espaço da UE”; “o papel dos jovens no futuro da UE”; “o futuro da UE nos horizontes dos jovens”; …

Com intervenções na sociedade como o CIEDA tem vindo a desempenhar pode ser que desta vez seja diferente, pelo menos ao nível dos jovens, mais motivados para uma efectiva consciência do que é estarmos na União Europeia.

Isto é a sério? (#2)

O Governo anunciou, imagine-se... em Macau, pela voz do ministro Nuno Crato, o encerramento de cerca de 240 estabelecimentos escolares do 1º ciclo, a maioria na zona de Leiria, Viseu e Chaves. As escolas a encerrar registam um número de frequência de alunos inferior a 21 (é este o valor estabelecido em 2010, entre 2005 e 2009 o valor mínimo era de 10 alunos).

Deve ser por isto que Durão Barroso afirmou o seu "saudosismo" pelo ensino no Estado Novo. Naquela altura abriam escolas, não encerravam... upssss. Esperem... não era isto. Era a "meritocracia e a excelência".

Enfim...

Resolvido: Não vamos...

Salgueiro Maia

A polémica da presença dos capitães da Associação 25 de Abril nas comemorações na Assembleia da República, embora “reforçada” por um novo contexto, não é nova. Aliás, é cíclica. Por exemplo, basta recordar que no ano passado a Associação também não esteve presente nas cerimónias na Assembleia da República (aliás, esta é a terceira vez).
Desta vez a polémica voltou a fazer “estalar o verniz” e a associação não marcará presença na Assembleia da República. As razões apontadas pelo Capitão Vasco Lourenço prendem-se com a solicitação (ou “exigência”) dos militares em usarem da palavra nas cerimónias que decorrerão no plenário Assembleia da República. Algo que foi recusado (não foi aceite) pela presidência da Assembleia da República.
Pessoalmente, sem me alongar ou aflorar razões ideológicas ou partidárias, tendo nascido ainda antes do 25 de abril de 74 e tendo-o vivido com as “estórias” que são minhas, encontro-me no rol dos portugueses que entendem que o 25 de Abril foi o momento de maior relevo na história portuguesa (até hoje), bem como no grupo dos que acredita que a Liberdade foi conquistada em abril de 74 e a Democracia em novembro de 75. A “Revolução dos Cravos” abriu todas as portas… uma das quais foi a da pluralidade.
Entendo, por diversas razões, que não haja lugar, no plenário da Assembleia da República, a uma intervenção pública por parte dos Capitães de Abril. E digo-o sem qualquer tipo de constrangimento, apesar das ligações pessoal, afectiva e familiar que me ligam a um dos Capitães de Abril. São, meramente razões circunstanciais: a Assembleia da República é o “palco” dos eleitos, de todos os eleitos. Haverá, e há naturalmente, outros “palcos” para que a Associação 25 de Abril possa, legitimamente, intervir e usar da palavra. E não tema nada disto a ver com democracia ou censura, mesmo sabendo-se de antemão que o discurso seria, obviamente, de dura crítica. Tal como não houve lugar, por óbvia coerência, a intervenções noutros anos de comemoração da data, mesmo que os discursos fossem mais concordantes com a conjuntura. Ressalvam-se as excepções por força dos cargos, como por exemplo, Ramalho Eanes e Marques Junior (ex-deputado socialista). Aliás, não é por acaso, nem obra do além, que os próprios partidos de esquerda, normalmente “exclusivistas” da memória de Abril, desvalorizam a situação e não fizeram qualquer diligência/proposta no sentido da pretensão dos Capitães.
Mas também, como toda a sinceridade, não via qualquer problema, nem viria qualquer mal ao mundo, se a estrutura das cerimónias das comemorações do 40º aniversário do 25 de Abril contemplasse uma intervenção pública da associação 25 de abril. Não cairia, de certeza, o “Carmo e a Trindade”, e, pelo contrário, só mostraria um evidente e claro sentido de liberdade e de democracia por parte da Assembleia da República. Aliás, o que resultou de todo o esforço daquela madrugada e dos tempos posteriores.
A questão da polémica reside noutro contexto.
Sendo certo que a Revolução de Abril imediatamente se transformou numa revolução política/social assumida Povo (de todo o Povo), a verdade dos factos e da história é que a mesma não teria sido possível, nem concretizada, se não fosse o papel dos militares, permitam-me a veleidade de os compaginar à imagem de Salgueiro Maia no Terreiro do Paço. Este é o verdadeiro facto marcante do 25 de abril. Querer ou pretender desvalorizar esta realidade é, no mínimo dos mínimo, querer desvirtuar a génese do 25 de Abril e deturpar a história.
Como referi, é perfeitamente aceitável a posição da Assembleia da República na recusa (ou não aceitação) da intervenção pública dos capitães de abril. O que não é aceitável, compreensível, democrático, legítimo, digno, admissível, razoável, …, é que a segunda figura do Estado Português, a representante dos eleitos, a Presidente da principal casa da democracia e da liberdade – Assembleia da República, se refira aos Capitães de Abril como “aqueles” (‘deles’), como uns quaisquer. No mínimo, exigia-se nas suas palavras o reconhecimento do valor histórico do 25 de Abril e dos seus principais “mentores”. Apenas isso. Até porque Assunção Esteves esquece-se que a Revolução foi feita nas ruas (de Lisboa para o País) e não no parlamento.
Quem não sabe (ou não quer) respeitar, corre o risco de não colher respeito.

José vs José... mais que mera polémica.

Tem já mais de quinze dias a polémica que envolve o espaço de comentário político que José Sócrates ocupa na RTP1, aos domingos após o telejornal.

Quando Paulo Ferreira ocupava as funções de director de informação da estação pública, recordo, na altura, toda a polémica que envolveu a “contratação” do ex Primeiro-ministro. Para uns era a forma de José Sócrates acertar contas com o país e com a derrota eleitoral de 2011 e de avaliar, com conhecimento de causa, o actual estado da Nação; para outros era inaceitável (tendo havido lugar a petição pública e tudo) que aquele que acusavam de ter sido o responsável pela crise no país tivesse lugar de honras e destaque na televisão de todos os portugueses.

Pessoalmente, partidarites à parte, tal como o defendi, José Sócrates tinha tanta legitimidade e direito a intervenção no espaço público como qualquer dos outros responsáveis políticos e partidários que a exercem (Manuela Ferreira Leite, Augusto Santos Silva, Marques Mendes, Francisco Louçã, Marcelo Rebelo de Sousa ou Morais Sarmento, por exemplo). Mais ainda, mesmo sendo na estação pública (o que é, em sim mesmo, o garante da pluralidade e liberdade de expressão e opinião) e pelo facto da RTP estar no “mercado”, esta tinha sido uma interessante aposta da Direcção da Informação face à concorrência, nomeadamente à da TVI com Marcelo Rebelo de Sousa. Independentemente das “afinidades” e “afectividades”, bem como dos “shares” e das audiências, o programa lá foi acontecendo dominicalmente.

Até que a polémica surgiu no domingo, 23 de março, com a aparente alteração das “regras do jogo”. Polémica que seria agravada com o confronto directo e pessoal entre comentador/político e moderador/jornalista. E o pormenor da substantivação das funções não é irrelevante. Andei a tentar evitar comentar, porque o ruído já é muito (e em alguns casos totalmente a despropósito), mas não resisti a algumas notas perfeitamente arredadas de qualquer constrangimento “afectivo” (quer político – José Sócrates, quer pessoal – José Rodrigues dos Santos).

1. Não tenho qualquer pudor em que a Imprensa (jornais, rádios e televisões) ceda a ex-políticos espaços de intervenção/comentários: por serem conhecedores dos factos; pelas experiências adquiridas; e por, em alguns dos casos, serem “portadores” de informação relevante, pelos contactos que ainda possam ter no poder político (governo, instituições ou partidos).

2. O comentário à agenda e actualidade política não é, de todo e em modo algum, uma entrevista. E não tem que haver lugar ao contraditório nesse espaço. É uma questão de opinião pessoal, sustentada na maior ou menor credibilidade e conhecimento do comentador, face à apresentação (por parte do moderador/jornalista) dos factos (recentes ou “arquivados”). Aliás é o que ainda consta (pelo menos no site da RTP) institucionalmente sobre o programa em causa: «A Opinião de José Sócrates. Um olhar único, a análise exclusiva e a opinião de José Sócrates, num espaço de comentário e análise política, conduzido semanalmente por Cristina Esteves. Esta é “A Opinião de José Sócrates».

3. Em relação à alteração dos jornalistas na condução do programa, não importa qualquer comentário, até porque isso são, claramente, opções editoriais e de gestão de recursos que não conheço e sobre as quais nada importa pronunciar. Para além da minha opção pessoal, perfeitamente conhecida.

4. O que está em causa é a alteração de formatos e as posições de confronto assumidas. A RTP, segundo nota do próprio José Rodrigues dos Santos (apenas o ponto 6 importa para o caso), decidiu alterar as “regras do jogo”, tendo as mesmas sido apresentadas a José Sócrates. Ou seja, aparentemente, o espaço televisivo passou de comentário/opinião a entrevista. Não é normal em qualquer outra estação de televisão e espaços semelhantes (basta ver que, no caso de Morais Sarmento, tudo ficou igual). Ou a RTP pretendeu um golpe de originalidade ou uma “inquisição pública” ao ex Primeiro-ministro. Em qualquer um dos casos, a RTP não fica bem na “fotografia”. Por outro lado, há uma notória “afirmação pública pessoal” do jornalista José Rodrigues dos Santos porque há, claramente, uma significativa diferença semanal no programa quando conduzido por Rodrigues dos Santos ou pelo João Adelino Faria. E não é uma questão de “arquivos”.

Resta saber se José Sócrates aceitou, ou não, estas alterações das regras “do jogo”. Se aceitou, “pôs-se a jeito” e o “não vinha preparado para isto” mais que uma acusação é um evidente desabafo.

5. Mas também não deixa de ser verdade que José Sócrates sai mal desta embrulhada toda. Desde o primeiro momento (ainda em jeito de espaço de comentário/opinião) foi sempre visível a ânsia de um acerto de contas com o passado, a necessidade constante de justificar o pré-2011, muito para além do comentário à agenda e actualidade política.

Após a demissão de Paulo Ferreira e a entrada da nova Direcção de Informação há algo que muda no contexto. Seja por razões editoriais da RTP, seja por eventual pressão externa (e todos sabemos que no jornalismo elas existem), a alteração das regras do jogo demonstram uma pretensão em “moldar” o discurso de José Sócrates, “colar” a sua imagem com o passado e a chegada da Troika, ou, até mesmo, pura e simplesmente, provocar um desconforto que culmine com a saída de Sócrates da RTP.

O que mais surpreende, face ao que era a imagem política e comunicacional de José Sócrates, é o próprio ter, aparentemente, “caído no engodo”. Porque por mais razões que lhe assistam, por mais que se critique o “estilo jornalístico” de José Rodrigues dos Santos, posições tidas de confronto directo e pessoal com o jornalista, algumas no limite da ofensa, apenas servem para que o efeito “vitimização” surja a favor de José Rodrigues dos Santos. Ou seja, José Sócrates só perde em enveredar pelos mesmos erros do entrevistador. E aqui, Sócrates, errou.

No fundo, perde a RTP e perde José Sócrates.

Fora da agenda

publicado na edição de hoje, 9 de abril, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Fora da agenda

A agenda política nacional vai-se definindo sob as temáticas das eleições europeias, da última avaliação da Troika e da forma como Portugal irá encarar o período pós-Troika. No entanto, vão surgindo outras questões que nos avivam a memória para realidades que o país (e quem governa) vai, teimosamente, esquecendo. Na última edição do Expresso a temática da reforma autárquica, agregação ou extinção de municípios, voltou a ser recordada. No tempo em que Miguel Relvas fazia parte do Governo foi iniciado um processo de reforma administrativa local que acabou por culminar em tudo menos na necessária reforma. Foram extintas (por força de agregação) mais de mil freguesias, com critérios absolutamente despropositados e questionáveis, num processo apressado pela proximidade da realização das últimas eleições autárquicas, sem que daí se obtivessem ganhos de escala (com excepção para as freguesias urbanas) ou de custos orçamentais significativos. Por outro lado, a extinção, a “régua e esquadro” de muitas freguesias rurais e interiores apenas resultou em pesados prejuízos para as populações, já, em muitos casos, privadas de serviços de saúde de proximidade, de ensino, administrativos e, mais recentemente, judiciais. E é esta realidade recente, do mapa da reforma judicial (tribunais), que levanta algumas dúvidas em relação à reforma do mapa administrativo local.

É certo que o país tem, para a sua dimensão, municípios a mais (308), alguns criados, num passado recente, mais por razões de bairrismo cultural e histórico do que, propriamente, pela sua efectiva necessidade. Mas uma eventual reforma (que se aconselha e importa realizar) não pode correr os mesmos riscos da reforma processada para as Freguesias (sustentada em critérios meramente numéricos). Há realidades distintas no poder local (demografia, interioridade, proximidade geográfica, barreiras físicas, história e cultura, desenvolvimento económico e social, etc.) que importa ter em conta, muito para além de uma simples tabela populacional e de dimensão geográfica. Além disso, há ainda a ter em consideração eventuais ganhos de escala por força de intermunicipalidade de serviços públicos, por exemplo, transportes, rede escolar, saúde, justiça, abastecimento de água, resíduos, áreas industriais, ou o eventual risco de duplicação de infra-estruturas e investimentos, fruto de agregações/extinções estatísticas que não reduzem custos, duplicam encargos de manutenção e exploração de equipamentos e serviços. Ou ainda, agregações que resultam em desajustamentos de recursos humanos face às novas dimensões (seja por excesso, seja por defeito).

Por outro lado, importa referir que existe hoje uma dimensão do poder local muito para além das fronteiras municipais, por força das competências e responsabilidades das duas áreas metropolitanas e das 21 comunidades intermunicipais atribuídas pela entrada em vigor da Lei 75/2013 que estabelece o novo regime das autarquias locais, aprova o estatuto das entidades intermunicipais. E aqui, face ao actual enquadramento legal do poder local, importa destacar uma outra realidade que é relevante para uma eventual reforma administrativa ao nível dos municípios. A referida legislação, em muitos casos e circunstâncias, face a inúmeras lacunas que contempla (por exemplo as novas competências legais das freguesias sem que tivesse sido acautelada qualquer sustentação orçamental), esvaziou de responsabilidades os municípios, transferindo para as freguesias (a maior parte sem sustentabilidade, estrutura ou dimensão para assumir essas responsabilidades) e para as comunidades intermunicipais/áreas metropolitanas novos compromissos de gestão, investimento e administração de políticas locais.

A reforma dos municípios deveria ter sido assumida politicamente, em 2012, tendo em conta dois aspectos fundamentais: a coragem política para o fazer (algo que o ex-ministro Miguel Relvas e o actual Governo não tiveram – apenas ao nível das freguesias e da forma e com os resultados conhecidos) e a sua concretização de forma sustentada, global (freguesias, municípios e comunidades intermunicipais/áreas metropolitanas) e tipificada em cada realidade e dimensão próprias (e não por meros fundamentos numéricos).

Mas em Portugal, reforma é um termo tão complexo como as “irrevogabilidades” deste Governo. Basta recordar a tão badalada (e ausente) Reforma do Estado, basta recordar a discrepância legal entre realidades “regionais” (intermunicipais) e as “distritais” (quando já deveriam ter sido extintas totalmente – extinguiram-se os governos civis mas a realidade distrital, em muitas circunstâncias, ainda existe, por exemplo, nos círculos eleitorais, nos centros operacionais distritais da protecção civil, etc.), basta recordar os tristes casos das Assembleias Distritais mal extintas (por exemplo, Lisboa e Vila Real) e que tão graves problemas têm provocado nos trabalhadores que ainda lhes estão afectos, alguns com salários em atraso desde 2013.

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