Rescaldo eleitoral europeu
publicado na edição de hoje, 28 de maio, do Diário de Aveiro
Debaixo dos Arcos
Rescaldo eleitoral europeu
Primeira nota para os resultados. Apesar do PS ter sido o partido com maior percentagem, número de votos e número de eleitos (o que, matematicamente o rotula como vencedor das eleições europeias de 2014), a verdade é que o pódio deve ser repartido por dois claros vencedores destas eleições: a CDU que reforça a sua presença europeia e surge, neste caso, como a terceira força partidária; e a surpresa Marinho e Pinto (ex-Bastonário dos Advogados) ao ser eleito eurodeputado pelo Movimento Partido da Terra, arrastando consigo mais um eleito. Há depois três casos de insucesso eleitoral: o PSD viu-se relegado para a segunda força partidária europeia, mesmo que com apenas um eurodeputado a menos que o PS e com uns pouco relevantes 3,5% de votos, aproximadamente, de diferença para os socialistas; o Livre, do ex-eurodeputado Rui Tavares que não vê espelhado nas urnas o interessante trabalho europeu que produziu nos últimos cinco anos, não tendo sido eleito; e o Bloco de Esquerda que, depois de várias “vivências” internas desde as eleições de 2011, vê o seu eleitorado cair para menos de metade (de cerca de 11% para 5%, valores arredondados) e apenas eleger a eurodeputada Marisa Matias, ficando muito aquém dos números conquistados por Marinho e Pinto e o MPT. Por fim, embora esperada, a surpreendente percentagem da abstenção (acima de 66% quando em 2009 rondou os 63%).
A segunda nota para a análise política dos resultados. O Partido Socialista, que tanto pediu um cartão vermelho ao Governo (apesar das eleições serem europeias) e um resultado histórico, apenas se pode congratular com o facto de ter sido o mais votado. Nem houve um resultado histórico, nem se destacou do PSD e do CDS (sendo a margem muito pequena ou pouco relevante) e nem conseguiu capitalizar o voto de protesto, conforme demonstra a percentagem conquistada (cerca de 31%). Aliás, o PSD e o CDS, em coligação, sofreram, de facto, uma queda de 4% dos votos em relação a 2009, mas não tão significativa quanto o PS esperaria (e pediu) e sem grande transferência de votos para as cores socialistas (o que não significa que o cenário legislativo não possa ser diferente do que foram estas eleições). A verdade é que o grande cartão vermelho e o “voto de protesto” ao Governo veio pelo lado da abstenção (que cresceu ao contrário do que aconteceu no resto da Europa), muita com origem na sua própria faixa partidária e eleitoral. Daí o óbvio e obrigatório arrefecimento do júbilo socialista, já que os resultados não foram tão expressivos quanto esperavam e sem dar origem a fundamentação sustentada para uma extrapolação para as próximas eleições legislativas, deixando ainda muitas dúvidas à liderança de António José Seguro e à sua capacidade para criar uma alternativa socialista ao actual Governo. A CDU demonstrou, como já o tinha feito nas autárquicas de 2013, uma coerência e constante eleitoral relevante e expressiva, sendo aqui, claramente espelhado o voto do descontentamento face à Europa. Por outro lado, Portugal assistiu a um novo processo de populismo eleitoral com a eleição de Marinho e Pinto. Este resultado, a par da elevada abstenção, deviam obrigar os partidos, principais responsáveis pela crise democrática e pelo afastamento dos cidadãos em relação às instituições e à política, a reflectirem sobre as suas práticas políticas, sobres as suas estratégias, sobre os seus desempenhos democráticos. Porque este foi, claramente, um resultado da indiferença democrática, de uma alternativa ao voto em branco (ou nulo), que dificilmente terá expressão numas eleições legislativas, mas que já teve expressão nos movimentos de independentes nas recentes autárquicas do ano passado. Além destes factos, importa ainda olhar para os resultados do BE e do recém criado Livre. O BE vive, desde de 2011 (pelo menos) uma crise de identidade, de consolidação e de estruturação que serão espelhadas nas próximas eleições legislativas, obrigando a um acrescido trabalho árduo. Quanto ao Livre, a não eleição de Rui Tavares (injusta) deverá ter reflexos num partido criado muito em torno destas eleições, da figura do ex-eurodeputado, muito em cima dos acontecimentos, sem tempo para amadurecer. E os reflexos são óbvios: a incapacidade de afirmação pública e de estruturação interna para as eleições legislativas de 2015.
Terceira nota e final. Os surpreendentes resultados europeus dos partidos extremistas (à direita e à esquerda) como a vitória em França da Frente Nacional, na Grécia do Syriza e do terceiro lugar do Aurora Dourada, ou dos anti-europeístas (como, por exemplo o britânico UKIP). Curiosamente, para os partidos ditos tradicionais e dos arcos governativos respectivos estes resultados apresentam-se como preocupantes. De facto e não devem ser subvalorizados, porque a verdade é que este crescimento dos radicalismos e extremismos, e este descontentamento em relação ao futuro da Europa deverá merecer preocupações e reflexões futuras e um assumir, por parte dos partidos tradicionais, da sua enorme responsabilidade nos ferimentos na democracia, na desvalorização do papel da política, e, no caso em concreto, no desvirtuar do espírito que esteve na génese da União Europeia.