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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Um Primeiro-ministro meteorologista

aviso laranja.jpgPortugal é um dos poucos países da Europa onde, nas televisões, o Boletim Meteorológico há muito deixou de ser apresentado por um meteorologista.

Por outro lado, o ano de 2014 registou, infelizmente, o falecimento de um dos rostos da história e memória da metereologia e da apresentação, em televisão, do Boletim Meteorológico: Anthímio de Azevedo.

Mas eis que, chegados ao Natal, surge sempre uma surpresa (agradável ou não) no "sapatinho", debaixo da árvore de natal. Portugal tem um Primeiro-ministro com qualidades ímpares, sobressaindo a sua vertente meteorológica: Passos Coelho afirmou, na sua mensagem de Natal, que estão dissipadas as nuvens negras no horizonte dos portugueses. Ou seja, céu limpo, mesmo com um frio de rachar. Portanto... na mouche, Sr. Primeiro-ministro.

Para tal, Passos Coelho apresenta as fundamentações científicas (geofísicas e climatéricas/climáticas) para estas "excelentes"(?) condições atmosféricas: a saída 'limpa' da Troika sem auxílio de programa adicional; a recuperação económica sustentada nas exportações; a criação de emprego; a recuperação do poder de compra; o aumento dos rendimentos das famílias (através do IRS e da Reforma Fiscal); o aumento do valor salarial (descongelamento do salário mínimo); e, por último, a aprovação de um Orçamento do Estado com um baixo défice.

Só que o "meteorologista" principal do nosso Governo esqueceu-se de um pormenor: até quando os portugueses poderão contar com este "céu limpo" (embora gélido) nos seus horizontes.
É que em relação à saída da Troika e aos défices orçamentais, a mesma comissão tece duras críticas em relação à consolidação orçamental para este ano (que deverá ficar acima dos 4% previstos, muito por força ainda dos impactos do BPN e agora com a "bomba" do BES); tece ainda mais críticas face ao Orçamento apresentado para 2015, face ao abandono do esforço de consolidação orçamental pelo lado da despesa; sem esquecer que a Troika (UE, BCE e FMI) apontam para um incumprimento do défice apontado para 2015 (2,7%), prevendo um valor na ordem dos 3,3%.
Mas há mais... Pedro Passos Coelho esqueceu-se da fragilidade política do fim do mandato que se aproxima, face ao próximo processo eleitoral legislativo e à indefinição e incerteza de eventual, ou não, coligação pré-eleitoral com o parceiro de governação (apara além da incerteza do desfecho final das eleições). Sobre isto, nem uma única "nuvem" no discurso.
Além disso, importa recordar as "intempéries" que pairaram sobre 2014 e que teimam em não arredar pé para o horizonte de 2015: as trapalhadas nos ministérios da Justiça e da Educação, o caos do Serviço Nacional de Saúde (infelizmente, há sempre quem "pague uma factura" demasiado alta: «Homem morre após seis horas à espera de ser atendido»). E ainda... uma Reforma do Estado tão prometida e tão (irrevogavelmente) esquecida; o aumento da dívida pública, apesar das quedas das taxas dos juros; o ligeiro aumento de emprego que não contraria a elevada taxa de desemprego; o agravamento da carga fiscal, seja a título do rendimento, seja ao nível dos consumos e da economia; e o país não pode estar, real e verdadeiramente melhor, quando a realidade social reflecte um aumento das desigualdades sociais, um aumento da pobreza (nomeadamente nos mais novos e mais idosos, mas também nos activos, conforme os relatórios do INE), uma diminuição dos apoios sociais, sobrecarregando ao limite a "caridade" institucional particular (menos subsídio de desemprego, menos RSI, menos abono de família, menos pensões).
E o tal "horizonte de céu limpo" que o Primeiro-ministro salientou na sua mensagem de Natal, escondeu algumas nuvens sombrias e tempestuosas: a factura da luz vai subir 3,3% no consumo doméstico; as comunicações sobem 3%; e a água, dependendo das realidades municipais (empresas intermunicipais, Águas de Portugal, exploração directa municipal, etc), irá, em média, rondar um aumento superior a 1 euro); o valor do IMI. Falta apurar o futuro do gás, sendo expectável que os transportes não aumentem, fruto da queda do preço do petróleo, mas o mesmo não se pode esperar em relação aos combustíveis, já que estes sofrerão um aumento 'indirecto', por via das medidas do Orçamento do Estado para 2015 no que respeita à inovação da "fiscalidade verde".
Ora mantendo-se a perspectiva de alguma recuperação da economia por força das exportações, alguma recuperação dos rendimentos familiares por via de parte da reforma fiscal e de não haver forte e significativa derrapagem das contas públicas, o cenário plausível para as "condições atmosféricas" em Portugal, em vez do tão badalado "céu limpo", seria mais do género "céu nublado com fortes possibilidades de aguaceiros" (é certo que o Anthímio de Azevedo explicaria isto muito, mas mesmo muito, melhor).

Para todos os que têm demonstrado o gosto de passar por "Debaixo dos Arcos", votos de um excelente e próspero 2015 (quer chova, quer faça sol).

Rádio Terra Nova: Ano novo... site novo

A Rádio Terra Nova fecha o ano de 2014 com um surpresa: a entrada "no ar" do novo site informativo e institucional da rádio.
Embora com estrutura idêntica à do anterior, o novo site está muito mais "limpo", com uma significativa "leitura fácil" e mais "apelativo".
Parabéns, Rádio Terra Nova
!

Radio Terra Nova novo log.png

A Volta ao Mundo… em 2014.

mundo.jpgO início do ano de 2014 foi assinalado pelo retomar do “braço-de-ferro” entre a Rússia e a União Europeia e os Estados Unidos. Desde a queda do Muro de Berlim, num ano em que se comemorou o 25º aniversário sobre esse marco histórico, que o chamado Bloco de Leste (Pacto de Varsóvia, URSS, Cortina de Ferro) sofria um colapso total, sentido essencialmente na adesão de ex países do Bloco de Leste à União Europeia e à Nato, algo que a Rússia ainda não conseguiu “digerir”. Algo que se deverá agravar com o retomar das relações entre Havana e Washington. Com a crise na Ucrânia, a tensão em Donetsk e a anexação da Crimeia, regressou a memória da “guerra fria”, agora sob a capa de uma “paz fria”.

Mas se este retomar do conflito geopolítico provocado pela Rússia de Putin demorou cerca de 25 anos, as consequências dos ataques a 11 de setembro de 2001 ao “coração económico, militar e político” norte-americano tornaram o mundo num autêntico barril de pólvora político-ideológico-religioso. Quando alguns esperavam que o radicalismo e o extremismo acalmassem com a morte de Bin Laden e o fim da Al Qaeda, o mundo acordou para uma nova realidade no conflito ideológico-religioso extremista: o surgimento do Estado Islâmico, persistente nos conflitos que tem gerado, nomeadamente, no Iraque (a insurreição sunita), mas também espalhados por vários pontos do mundo, sendo estimado um número de cerca de 2000 execuções por parte dos radicais islâmicos.

A conflitualidade bélica foi ainda nota dominante de novo com os confrontos na Faixa de Gaza entre Israel e a Palestina provocando inúmeras mortes e deixando um rasto de destruição, principalmente na zona palestiniana.

E se o mundo é abalado por um inúmero de vítimas, a maioria inocentemente, provocado pelos conflitos bélicos, 2014 registou ainda um outro flagelo: o surto de Ébola que assolou a África central: quase 7700 mortes, cerca de 20 mil casos confirmados, regiões completamente isoladas, transformaram este flagelo numa página bem negra deste ano que agora termina.
Mas 2014 teve outros acontecimentos e características que o marcaram como um ano significativamente convulsivo.

Do ponto de vista político o continente africano foi (e é), nestas últimas 52 semanas, um autêntico “barril de pólvora” social e da luta pelo poder. Há mais de um ano que a República Centro Africana é um país devastado por uma interminável vaga de violência inter-religiosa, e que já levou à apresentação de demissão do Presidente e do Primeiro-ministro (Michel Djotodia e Nicolas Tiangaye, respectivamente). Enquanto Moçambique, depois de alguns períodos de conflitualidade entre o Governo de Maputo e a Renamo, foi a votos com a contestação dos resultados por parte do principal opositor à Frelimo, continua a instabilidade política e social na República Democrática do Congo e em Burkina Faso. Por outro lado, processos eleitorais livres e democráticos trouxeram estabilidade e esperança a outras nações africanas, como por exemplo a S. Tomé e Príncipe e à Guiné-Bissau (readmitida na União Africana, após 2 anos de suspensão, retomadas as relações com a União Europeia e os apoios monetários internacionais). Importa, no entanto, não esquecer toda a polémica e controvérsia que se gerou em torno da inqualificável adesão da Guiné Equatorial à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), mesmo conhecendo-se o seu historial ditatorial e repressivo e não existindo qualquer manifestação do uso da língua portuguesa.

Mas as crises e as circunstâncias políticas marcaram igualmente a Europa. O crescimento do sentimento de aspiração à independência sustentou a realização do referendo na Escócia que abalou o sistema político britânico e, em Espanha, idêntica pretensão da Catalunha forçou o Governo de Rajoy a usar a força constitucional para barrar as pretensões dos catalães. Por outro lado, ainda em Espanha, no meio de um enorme abalo real por força do desgaste que o processo judicial instaurado à Infanta Cristina e ao seu marido tem gerado, o Rei Juan Carlos renunciou ao trono, sucedendo-lhe o seu filho Filipe, proclamado Filipe VI, Rei de Espanha. Além disso, França e Itália viveram também alguma turbulência política com alterações forçadas na governação: François Hollande viu-se na “obrigação política” de substituir Jean-Marc Ayrault por Manuel Valls no lugar de primeiro-ministro; em Itália, sucederam-se processos conturbados de formação de governos.
O principal destaque na política europeia vai para as eleições para o Parlamento Europeu que ficaram marcadas pelo aumento dos grupos extremistas e anti-europeístas. O luxemburguês Jean-Claude Juncker é eleito para a presidência da Comissão Europeia pelo Parlamento Europeu (sob alguma contestação devido a acusações sobre eventuais fraudes fiscais no Luxemburgo enquanto foi primeiro-ministro), ao recolher no hemiciclo de Estrasburgo 422 votos a favor, 250 contra e 47 abstenções. Mas a aprovação da sua "Comissão " não foi pacífica, iniciando o mandato apenas no início de novembro.

Do outro lado do Atlântico, o Brasil, após o desaire futebolístico do Mundial, foi a votos e reelegeu Dilma Rousseff num processo eleitoral marcado pela surpresa do candidato que forçou a realização de uma segunda volta e que foi derrotado por uma margem significativamente pequena de votos, Aécio Neves, não deixando grande margem governativa à actual presidente brasileira.

Por fim, a surpresa do ano recai sobre a retoma das relações diplomáticas entre Havana e Washington, com mediação do Vaticano, e a perspectiva do fim do embargo a Cuba que dura há cerca de 50 anos, sem qualquer justificação ou impactos na actualidade.

Rebobinar Portugal 2014

publicado na edição de hoje, 28 de dezembro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Rebobinar Portugal 2014

Chegados ao final de mais um ano é inevitável recordar alguns dos momentos mais marcantes de 2014. Não nos podemos queixar da “riqueza” factual e de acontecimentos durante este ano que agora termina.

A Política em 2014. As eleições europeias marcaram uma aproximação entre as duas grandes forças políticas europeias: o Partido Popular Europeu e o Partido Socialista Europeu. Mas o acto eleitoral de 25 de maio ficava marcado pelo crescimento dos grupos mais extremistas, radicais e antieuropeístas. Em Portugal, as eleições para o Parlamento Europeu resultaram numa crise interna no Partido Socialista que não descolou do PSD/CDS e colocou em causa a liderança de António José Seguro. Apesar da sua característica europeia os resultados eleitorais de maio tiveram um forte impacto nacional. O PS, mesmo tendo sido o partido mais votado (e ter ganho as eleições), foi o que mais “sofreu” com o processo eleitoral: a inovação do processo das primárias para a escolha do candidato socialista a primeiro-ministro, em 2015, resultou na destituição de António José Seguro e na confirmação de António Costa à frente dos destinos dos socialistas. Além disso, 2014 ficou marcado pelas trapalhadas governamentais surgidas nos ministérios da Justiça e da Educação, através do novo mapa judiciário e da polémica envolvendo o programa Cituis, ou da surreal colocação de professores no início de mais um ano lectivo. Inacreditavelmente, os dois ministros “sobreviveram”.

A Economia em 2014. O ano é marcado pelo fim do programa de ajuda externa e a saída da Troika. O Governo mantém o discurso da recuperação financeira e económica do país, mas a UE, mesmo após o fim do resgate mantêm-se preocupada quanto às reformas necessárias para a consolidação das contas públicas e a melhoria da economia nacional. Entretanto, em 2104, Portugal terá despendido mais de sete mil milhões de euros com encargos com a dívida (juros e comissões no âmbito do empréstimo de resgate). Mas o colapso do BES, considerado o maior banco português, marcou definitivamente todo o panorama financeiro nacional com a queda da instituição bancária tida como o motor da economia portuguesa e a queda do maior mito da gestão bancária, Ricardo Salgado, envolvido numa teia infindável de ilegalidades e crimes, bem como numa guerrilha familiar. E o fim da influência do “dono disto tudo” (apresentando agora como “vítima disto tudo”) não teve apenas impactos no BES. Entre muitas empresas há a destacar, por exemplo, os danos colaterais provocados na PT e na Oi com as demissões de Henrique Granadeiro e de Zeinal Bava, e a incerteza quanto ao futuro da empresa de telecomunicações até então intocável.

A Justiça em 2014. Este foi, clara e indiscutivelmente, o ano do poder judicial. Com vários processos ainda em curso, como por exemplo os do BPP e BPN, o primeiro “abanão” da justiça veio através do acórdão do processo “Face Oculta”: o Tribunal de Aveiro condenou o antigo ministro e ex-vice-presidente do BCP Armando Vara é a cinco anos de prisão efectiva, o ex-presidente da REN José Penedos a cinco anos de prisão efectiva, em cúmulo jurídico, e o sucateiro Manuel Godinho a 17 anos e seis meses de prisão. Pouco tempo depois a ex-ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues é condenada a três anos e seis meses de prisão com pena suspensa, por prevaricação de titular de cargo político. Pelo meio surgia o caso dos Vistos Gold envolvendo cúpulas da administração central e que levou à demissão do então ministro da Administração Interna, Miguel Macedo. Não esquecendo ainda o arquivamento, por falta de provas e eventual prescrição, do processo da aquisição dos submarinos e que envolvia o nome do ministro Paulo Portas; ou ainda a total trapalhada do caso Tecnoforma que levou Pedro Passos Coelho a surreais “cambalhotas explicativas”. Mas a confirmação de que algo (resta saber se positivo ou não) estava a mudar na Justiça portuguesa surgiu nesta parte final do ano, no âmbito da operação “Marquês”, com a detenção nunca imaginada (nem vista) do ex-primeiro ministro José Sócrates, actualmente detido no estabelecimento prisional de Évora, em prisão preventiva, enquanto se desenrola a fase de instrução e o culminar das investigações. Processo que funde a justiça com a política, por mais que se queira delimitar as duas realidades: o envolvimento de ex-governante e ex-político; a “originalidade” na detenção de um ex-primeiro ministro; os impactos político-partidários que podem, eventualmente, influenciar as próximas eleições legislativas; entre outros. Mas não queiram, alguns, partidarizar a acção judicial, sendo que qualquer ‘vanglorização’ face aos acontecimentos acaba por ter o reverso da medalha. Basta que olhemos para outras investigações em curso envolvendo figuras políticas relevantes (Paulo Campos, PS; Filipe Menezes e Marques Mendes, PSD; como meros exemplos).
Que 2014 foi o ano da Justiça, pelas mais diversas e distintas razões, não haja qualquer dúvida.

Sem mais notícias de Évora...

envelope correio azul.jpgO juiz Carlos Alexandre, responsável pela prisão preventiva de José Sócrates, proibiu o ex-primeiro ministro de dar entrevistas à comunicação social.

Abstraio-me, mais uma vez, de tecer, nesta fase, qualquer comentário quanto à prisão e ao processo, tendo como certos os princípios da separação de poderes num Estado de direito democrático, a da confiança no funcionamento da Justiça e o da presunção de inocência até prova em contrário. Mas há alguma preocupação em relação a esta decisão judicial.

Primeiro, apesar da própria Constituição prever algumas limitações de direitos em circunstâncias de reclusão, há direitos fundamentais que não se esgotam pelo facto de alguém estar preso. O direito à liberdade de expressão e opinião são disso exemplo. O argumento (fundamentação) de perturbação em relação ao processo e à investigação afigura-se como desproporcional e inconsistente. Alguém preso enquanto aguarda julgamento, a alguém condenado (o que nem é, por enquanto, o caso), nada justifica a limitação a um direito fundamental que é o da liberdade de opinião e de expressão. A reclusão, pela sua própria natureza e pelo seu carácter punitivo, já confere em si mesma uma significativa dose de limitação de liberdades e direitos... o silenciar é injustificável.
Segundo, nada impede o arguido José Sócrates de escrever ao seu advogado, à família ou aos amigos, e, através deste meio, dizer (responder) o que lhe convém. Por outro lado, salvo interpretação errada, a decisão do juiz Carlos Teixeira não impede entrevistas pelo telefone, por exemplo.
Terceiro, a argumentação do Expresso, semanário que pretendia a realização da entrevista a José Sócrates, de limitação à liberdade de informação também surge como despropositada, já que a decisão recai sobre o arguido e não, directamente, sobre o órgão de comunicação social.
Por último, contrariando aquilo que surge aos olhos da opinião pública como uma eventual estratégia da defesa (ou apenas de José Sócrates), a decisão judicial parece favorecer muito mais a defesa da imagem do ex-primeiro ministro, já que o exagero mediático e a exposição pública a que o próprio José Sócrates, por opção pessoal, se tem exposto, não tem demonstrado qualquer resultado positivo, essencialmente por duas razões: a de que o ex-primeiro ministro criou nos portugueses um misto de "amor e ódio" enquanto governante, sendo que as "cartas" até agora divulgadas apenas provocam um extremar dos dois sentimentos; e José Sócrates não se pode esquecer que o sistema (político, social e judicial) que tanto criticou na sua última missiva é fruto, em grande parte, dos seus sete anos de governação. Até porque se aparenta contraditória a crítica a uma condenação na "praça pública" para, através da excessiva exposição, provocar essa mesma condenação por parte de uma significativa parte da opinião pública.

Será caso para dizer que às vezes (muitas vezes) o silêncio é de ouro, sem que tal signifique qualquer submissão, censura ou assunção de responsabilidades.

Dura lex, sed lex

Publicado na edição de hoje, 21 de dezembro, do Diário de Aveiro

Caderno de Notas
Dura lex, sed lex

A agenda tem sido marcada essencialmente pela presença diária, constante, nos títulos informativos dos chamados “casos da Justiça”: BES e (ainda) os submarinos.
Há uma primeira nota de enorme relevância no contexto internacional que importa destacar: o anunciado “desembargo” a Cuba, o início das relações diplomáticas e institucionais entre Havana e Washington, a abertura política de Cuba e o reconhecimento, por parte dos Estados Unidos, das opções políticas e sociais legítimas que qualquer Estado tem para os destinos do seu país. Todo este cenário importante no contexto geopolítico não é, no entanto, isento de algum “fingimento”. Cuba precisava como do “pão para a boca” do fim do embargo dada a sua extrema dificuldade financeira e social, para além de algum sentimento de abandono por parte da Rússia de Putin, agora a braços com uma crise financeira; por outro lado, sem haver nesta data, com o “afastamento” de Fidel, sustentação política para a continuação do embargo, Obama aproveitou o contexto para renovar e tentar renascer a sua imagem (sondagem) política demasiado desgastada.

Lavar a roupa suja familiar. O maior(?) banco português, aquele sobre quem recaía a epíteto de “o coração da economia e das empresas”, aquele que tinha na sua cadeira do poder “o dono disto tudo”, colapsou embrulhado num manto de ilegalidades e crimes graves. E eis que surgem, igualmente, as Comissões Parlamentares de Inquérito por onde têm “desfilado” os nomes importantes do processo e da família Espírito Santo. Mas quando se esperava o apuramento de uma relação política, dado o envolvimento do banco na economia nacional, incluindo o próprio Estado; que fossem clarificados os enredos financeiros, os processos e procedimentos ilegais cometidos, que levaram ao naufrágio do BES; quando se esperava o reconhecimento de responsabilidades e, no mínimo, algum arrependimento (Ricardo Salgado, em poucas horas, passou de “Dono Disto Tudo” para “ Vítima Disto Tudo”), eis que as audiências na Comissão têm resultado numa fotonovela siciliana, onde ninguém tem responsabilidade de nada, onde ninguém sabia de nada mas todos sabiam uns dos outros. Para lavarem “roupa suja familiar” usem uma lavandaria qualquer perto de casa, mas poupem o país que tem coisas mais sérias com que se preocupar, a começar pelo futuro do próprio Novo Banco, resultado da implosão do BES.

A batalha naval: submarino ao fundo. O Ministério Público decidiu arquivar o processo do caso da compra dos submarinos. Politicamente, o ministro Paulo Portas pode respirar de alívio. Isto porque se os autos indicam eventuais ilegalidades administrativas mas que não constituem a prática de crime (“podem, no limite, levar à nulidade contratual”), também é verdade que, nas 331 páginas do despacho de arquivamento, a falta de provas, a eventual prescrição de hipotéticos indícios criminais, sobrepuseram-se à referência de “excesso de mandato” (ultrapassadas competências e as deliberações do Conselho de Ministros) e a um processo mencionado como muito “opaco”. Por esclarecer ficaram os 30 milhões de euros que envolveram o nome BES no processo.

Muito para além dos números

publicado na edição de ontem, 14 de dezembro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Muito para além dos números

Eis-nos entrados no mês de dezembro.
Não é só o frio que impera, o Natal que se aproxima, o fim de mais um ano. É também o mês da proliferação (excessiva, diga-se) dos jantares de natal; os dos amigos e os das empresas. Há também os jantares promovidos por muitas associações e instituições que aproveitam estes eventos para associarem aos mesmos algumas acções solidárias. Aliás, acções solidárias, a diversos e inúmeros níveis, que aproveitam o chamado “espírito natalício” para apelarem à solidariedade dos cidadãos numa altura em que as pessoas estão mais disponíveis emocionalmente para ‘ajudar’ e apoiar, mesmo com as dificuldades que ainda são sentidas em consequência da crise que ainda não se dissipou.
Há quem critique estas campanhas, os seus impactos, as suas intencionalidades, as suas eficácias, seja no combate, seja na prevenção, de situações de exclusão ou pobreza. Há ainda a habitual dialética entre a solidariedade e a ‘caridadezinha’. É verdade que, infelizmente, há de tudo. Há que ter a sensatez de analisar individualmente cada acção solidária, ter o discernimento para prever eventuais campanhas falsas, e acima de tudo tentarmos perceber o que seria de milhares de famílias, seja nesta época ou noutra qualquer altura do ano, sem a solidariedade dos outros.

Os indicadores apresentados pelo Governo revelam um decréscimo na taxa de desemprego (já aqui analisada por diversas vezes, com a ‘influência’ demográfica e do recurso às acções de formação) e uma retoma, mesmo que residual, da economia (muito por força das exportações, mais do que o mercado interno/consumo). Persistem ainda aos impactos da crise financeira os baixos investimentos públicos e privados, a baixa taxa de criação de emprego e o diminuto valor salarial. Mas mesmo que para além dos indicadores referidos (a título de exemplo) haja ainda outros que perspectivam alguma esperança para o futuro de Portugal, há a realidade de um país que “vive” muito para além das folhas de excel orçamentais: os dados e a vida de um país profundo e real… o do dia-a-dia da maioria dos portugueses; um país, dois retratos.

E nesta ambiência de jantares e campanhas solidárias é importante, acima de tudo, focar o essencial.
Segundo um estudo publicado na revista Proteste (da Deco, com a qual não “morro de amores”, diga-se) revela que mais de 40 mil idosos (entre os 65 e os 79 anos) passam fome em Portugal.
Segundo dados divulgados pelo INE e por diversas entidades e instituições, cerca de 1/4 da população portuguesa vive abaixo ou no limiar da pobreza (2,5 milhões de portugueses). Importa referir que a percentagem de cidadãos com o Rendimento Social de Inserção (RSI) não atinge os 5%.
Há cerca de 30% de menores em risco de pobreza. Há cerca de 11% da população activa (empregada, com vencimento) que, mesmo assim, se encontra em extrema privação material.
No conjunto dos 34 países que compõem a OCDE os 10% dos cidadãos mais ricos ganham cerca de 9,5 vezes mais que os mais pobres.
Muito recentemente, um estudo da Organização Internacional do Trabalho, assinado pela economista Rosario Vasquez-Alvarez, refere que as desigualdades em Portugal diminuíram. Mas… apenas porque os portugueses estão mais pobres. Há mais igualdade na pobreza, há menos ricos, há um nivelamento “por baixo” nos recursos dos cidadãos e das famílias.
O retrato do país real revela-nos, nos últimos anos oito anos, um aumento da pobreza, um crescimento da pobreza infantil, no aumento da taxa de trabalhadores em privação material, no elevado desemprego (apesar do recuo dos indicadores), na precaridade laboral e no baixo valor do trabalho, no ‘empobrecimento’ do Estado Social, na diminuição das desigualdades sociais em consequência do aumento da pobreza.

E há ainda outro ‘retrato’ relevante e com merecido destaque nesta época: a pobreza não são números… são rostos, bem reais.

Desvalorizar o "canudo" superior...

universidade - seta.jpgHá cerca de um mês a chanceler alemã, Angela Merkel, enfurecia a opinião pública e o sector político português e espanhol ao afirmar que em Portugal e em Espanha havia licenciados a mais.
Sem me alongar muito mais nos comentários que aqui deixei expressos, deixando mais que claro que é óbvia a importância da formação e do conhecimento para o desenvolvimento da sociedade (país), a verdade é que Angela Merkel não disse nada de ofensivo, nem de estranho. De forma muito resumida e simplista: Portugal tem, em termos estatísticos, uma taxa baixa de licenciados (19% contra os 25,3% da média europeia). Mas a realidade é outra: a elevada taxa de desemprego, a reduzida capacidade da economia (sector empresarial ou comercial) gerar novos empregos face à procura, o elevado número de jovens licenciados sem emprego e/ou que emigram, a estruturação do ensino superior, algum desconformidade entre os cursos e a formação académica e o mundo laboral e as exigências do mercado empresarial português. Tudo isto somado reflecte e condiciona a necessidade de haver, ou não, mais licenciados no país. A isto acresce ainda a urgente necessidade de se rever, de forma estruturada e sustentada, a formação profissional e os cursos profissionalizantes, por forma a podermos alterar esta abominável característica genética da sociedade portuguesa que promove e potencia a estratificação social em função do "canudo de doutor".

Mas deixando de lado o "espírito maternal" da Sra Merkel, principalmente, perante os países do sul da Europa, sempre "preocupada" com o nosso bem-estar, o jornal Público divulgava, no início deste mês, números preocupantes quanto à relação dos jovens e o ensino superior. Mais que nos preocuparmos com os sarcasmos ou os "estados de alma" da chanceler alemã, era extremamente importante que Governo, universidades, escolas, comunidade escolar, famílias, (pelo menos), reflectissem seriamente sobre o ensino em Portugal e que vá muito para além de "guerras" laborais ou estruturais, por mais legítimas que possam ser.

E os factos (números) do barómetro da EPIS (Empresários pela Inclusão Social) mostram-nos, no ano lectivo 2013/2014, que aumentou, em relação ao ano anterior, o número de alunos que terminam o 12º ano e não pretendem continuar a sua formação no ensino superior. Apesar da maioria dos inquiridos (54,5%) indicar que pretende ingressar na universidade, a verdade é que, em 2012, esse número era de 63,5%; e, durante o ano lectivo transacto, 39,5% dos alunos questionados afirmaram querer terminar o seu percurso escolar no 12.º e 6% pretendem apenas concluir o 9.º ano (importa recordar que, hoje, a escolaridade obrigatória situa-se no 12º ano/18 anos de idade). E o que torna tudo isto mais curioso e, simultaneamente, deveras preocupante é que esta realidade (que condiciona o desenvolvimento e o futuro do país) já tinha sido apresentada pela própria Direcção-Geral das Estatísticas da Educação e Ciência em Abril deste ano (fonte: jornal Público).

E o estudo revela, ainda, outros indicadores significativamente interessantes relacionados, por exemplo, com a taxa de reprovações e insucessos (logo no início do 3º ciclo - 7º ano, 21,6% dos alunos já tinham reprovado, pelo menos, uma vez); com a percepção dos próprios alunos do que perspectivam em termos de ensino ao desejarem uma escola mais rigorosa/disciplinada, lideranças escolares mais fortes, e, simultaneamente, escolas mais abertas às comunidades onde se inserem.

lavar roupa suja familiar

Vendetta - BES.pngO caso despoletou um misto de surpresa e apreensão há mais de meio ano.

Um dos maiores bancos portugueses, aquele sobre quem recaía a epíteto de “o coração da economia e das empresas, aquele que tinha na sua cadeira do poder “o dono disto tudo”, colapsou embrulhado num manto de ilegalidades graves.

Daqui resultaram investigações judiciais, a intervenção (mesmo que demasiadamente tardia) do Banco de Portugal, a intromissão do Governo no processo, detenções, acções judiciais ainda em curso e prolongadas Comissões de Inquérito Parlamentares como à maratona de audiências que o país assistiu ontem e que levou Ricardo Salgado e José Maria Ricciardi à Assembleia da República.

Quando se esperavam intervenções (e já agora, também muito maior acutilância por parte dos deputados) que clarificassem os enredos financeiros que levaram ao naufrágio do BES, quando se esperavam intervenções que esclarecessem os processos e procedimentos ilegais cometidos, quando se esperava o reconhecimento de responsabilidades e, no mínimo, algum arrependimento (Ricardo Salgado, em poucas horas, passou de “Dono Disto Tudo” para “ Vítima Disto Tudo”), eis que a audiência na Assembleia da República (CIP – caso BES) de ontem dos primos Salgado (Ricardo e Ricciardi) resultou numa fotonovela siciliana (ao jeito do confronto entre “famílias da máfia italiana”) em que um primo “apunhala” o outro pelas costas apenas para garantir a “cadeira do poder”.

Os pequenos accionistas, os depositantes, as pequenas e médias empresas, os contribuintes, o Estado, os funcionários do banco… são “danos colaterais” que tiveram a infelicidade de confiarem numa instituição completamente minada, armadilhada, a definhar. Instituição que numa perfeita fábula de La Fontaine seria o “lobo com pele de cordeiro”.

Para lavarem “roupa suja familiar” usem uma lavandaria qualquer perto de casa. Poupem o país que tem coisas mais sérias com que se preocupar. A começar pelo próprio Novo Banco, resultado da implosão do BES.

 

A culpa? A velha senhora solteira…

publicado na edição de hoje, 10 de dezembro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

A culpa? A velha senhora solteira…

Comemorou-se, ontem, o Dia Internacional Contra a Corrupção. Há coincidências que são difíceis de explicar e que surgem nos momentos mais apropriados. Por exemplo, ainda na semana passada, Portugal recebeu a notícia da organização não-governamental Transparency International que coloca o país no 31º lugar (subida de dois lugares em relação a 2013) no Índice de Percepção de Corrupção, num total de 177 países (apesar da análise não englobar os casos como os vistos gold, Duarte Lima e José Sócrates, por exemplo). Por outro lado, a celebração do Dia Internacional Contra a Corrupção traz à memória dos portugueses os casos mais recentes como o da “Face Oculta”, a condenação de uma ex-ministra (ao caso, da Educação), Duarte Lima, BPN, BPP, BES (ainda ontem iniciaram-se na Assembleia da República as audições a Ricardo Salgado e a José Maria Ricciardi), os vistos gold e a “bomba político-judicial” que foi a detenção do ex primeiro-ministro José Sócrates no âmbito do processo “Marquês”. Há ainda a acrescentar os casos que deixaram um conjunto de interrogações e dúvidas: os submarinos, algumas PPPs, o Freeport, o projecto na Cova da Beira, a Tecnoforma, como exemplos.

Há, neste debate, o habitual recurso às expressões dogmáticas: “à Justiça o que é da Justiça” ou a recentemente proferida pelo Primeiro-ministro “os políticos não são todos iguais”. De facto a separação de poderes é um dos pilares essenciais para o funcionamento de um Estado democrático só que a fronteira que delimita o judicial do político nem sempre é clara, até porque há decisões ou factos judiciais com enorme impacto político ou com envolvência política. Mas importa, de facto, não se dar azo ao tão tradicional na genética portuguesa que resulta na generalização dos acontecimentos, na facilidade com que se julga o todo pela parte. Aliás, neste caso, basta recordar a rotulagem que sempre se propalou generalizando alguns casos de corrupção autárquica a todo o Poder Local. Para a sociedade portuguesa, sempre que surgiram casos de corrupção envolvendo autarcas (e são, infelizmente, alguns), genericamente todos os outros eram “corruptos” ou havia corrupção nas suas câmaras, acrescido da noção de impunidade e tolerância dos Tribunais. Pena que quem acusava e criticava esquecia, ao mesmo tempo, que os autarcas e as autarquias desde muito cedo sempre foram (e ainda hoje o são) entidades fortemente vigiadas, inspecionadas, controladas e legisladas, de forma a minimizar excessos e dolos no exercício do poder.

No âmbito desta discussão sobre a corrupção importa ter a sensatez e a prudência necessárias para manter o princípio fundamental da presunção de inocência até prova em contrário. As devidas conclusões e ilacções, os juízos finais, devem ser tirados após a conclusão do julgamento e quando o processo tiver transitado em julgado. Aí sim, definitivamente, para além da vertente jurídica, há lugar a conclusões político-sociais. E não se pense que a corrupção é uma questão ideológica ou partidária. Ela é, infelizmente, transversal à sociedade e ao exercício de cargos e poder político. Mais do que responsabilizar a democracia, as instituições, o sistema político-partidário, é urgente revigorar e impulsionar uma maior seriedade nas escolhas nas estruturas partidárias e políticas daqueles que ocuparão cargos públicos e de Estado. Porque, no essencial, a melhor forma de combater a corrupção e defender a transparência pública é a valorização e a defesa dos valores da moral e ética pública e política, cada vez mais ausente e banalizada do sistema democrático dos dias de hoje. Basta relembrar o dia de ontem, de manhã, na Assembleia da República e constatar, para espanto geral, que quem tem maiores responsabilidades na esfera política e económica, aqueles que se acham, nas mais diversas vertentes, os “senhores do mundo”, são os que, “em queda e na desgraça”, demonstram menos apego à vergonha, à responsabilização, à culpabilidade, ao arrependimento.
A culpa, para estes, há-de ser sempre a “velha senhora solteira”.

 

A semana em resumo... “As (in)definições políticas”

Antes da análise político-partidária a semana ficou marcada pelo braço de ferro entre a Administração da RTP e o Conselho Geral Independente, este com claro o apoio, mesmo que discreto e recatado, do Governo. Tudo por causa do anunciado concurso para a aquisição dos direitos da Liga dos Campeões para os próximos três anos. Ou melhor… a polémica em torno da Liga dos Campeões serviu de desculpa para o braço de ferro que já tinha “estalado” com o chumbo do Conselho Geral ao plano estratégico da Administração para a televisão pública. A compra dos direitos televisivos da Liga dos Campeões é um mero tabuleiro de jogo nesta medição de forças. Embora possa parecer, à primeira vista, que existe uma intromissão do Conselho Geral Independente na gestão editorial da RTP (algo que foi prontamente e por unanimidade criticado pelo regulador – ERC) a verdade é que as críticas à administração não assentam na relevância ou não da aquisição dos direitos da Liga dos Campeões, mas sim na relação e forças estratégicas e de gestão da empresa. Só que o Conselho Geral Independente ao usar como arma esta vertente editorial (que não é da sua competência) e propondo à Assembleia Geral a destituição da Administração da RTP (algo que deverá ser aceite pelo único accionista da empresa, o Governo) abriu uma caixa de Pandora: a um ano das eleições legislativas, sendo substituído a Administração da RTP recairá sobre o Governo o ónus de uma aparente pressão política sobre aquele órgão de comunicação social.
As (in)definições políticas.
1. Primeira referência para o Bloco de Esquerda. Depois de todo o impasse e “embrulhada estatutária” resultante do empate verificado na IX Convenção do BE, volvida uma semana a Mesa Nacional elegeu a Comissão Política e a Comissão Permanente, para além da nomeação de Catarina Martins como porta-voz do BE. Depois da liderança bicéfala, o Bloco volta a inovar na política portuguesa. Ficam, no entanto, muitos “destroços políticos” por limpar, algumas divergências e uma notória perda de unidade, aliás expressa pelo próprio Francisco Louçã nas críticas que lançou à postura de Pedro Filipe Soares. Com tudo isto, o Bloco de Esquerda arrisca-se a perder palco e afirmação na esquerda portuguesa (algo que poderá ser aproveitado pela recente plataforma ‘Tempo de Avançar’ que reúne o Livre, Fórum Manifesto, Renovação Comunista e independentes, ou pelo recente partido de Marinho e Pinto – PDR) e ficar longe de uma eventual aproximação ao PS.
2. O XX Congresso do PS, do ponto de vista mediático, ficou marcado pela posição expressa por António Costa num Não entendimento à direita e num piscar o olho à esquerda. Afigura-se como óbvio que o PS pretende, em primeiro lugar, a conquista da maioria e que este “piscar de olho” à esquerda (mesmo aos mais recentes movimentos, ainda sem maturidade política para alcançarem expressão nas urnas) serviu apenas para marcar uma posição de distanciamento em relação ao actual Governo, na expectativa de afirmação de alternativa governativa e de afirmação do PS como “a” esquerda portuguesa. São muitas as divergências programáticas e ideológicas em relação aos outros partidos da esquerda portuguesa. Basta ter na memória a vitória da moção de censura ao governo de José Sócrates em 2011. Por outro lado, não será fácil a António Costa manter esta posição (basta ver as mais recentes sondagens que apontam para uma queda na intenção de voto e a não “descolagem” em relação ao PSD). E não será fácil porque o “caso José Sócrates” teima em pairar sobre o PS (e estará no consciente dos eleitores nas eleições de 2015, por mais que as estruturas do PS e do PSD se inibam de fazer disso bandeira política; acertadamente, diga-se) mas porque pairam também sobre António Costa as vozes que discordam deste Não a entendimentos com a direita: é o caso do, agora afastado, Francisco Assis (e mais seguidores) ou da recente entrevista ao Expresso, por parte de Mário Soares, que afirmou que a construção europeia se fez com socialistas e democratas cristãos.
3. E esta afirmação de Mário Soares não passou despercebida ao CDS. Paulo Portas e o seu partido vieram logo a “terreiro” aproveitar para lançar alguma instabilidade na coligação (reforma do Estado que Paulo Portas nunca mais apresentou, reforma fiscal e a irrelevância dos feriados nacionais agora tornada bandeira partidária). A tudo isto não será alheio o recente livro do ex-ministro da Economia Álvaro Santos Pereira com duras críticas e acusações a Paulo Portas. Portanto, nada espantará que o CDS queira ir sozinho a eleições, aguardando para ver para que lado cai a balança eleitoral e, depois, lançar a escada a nova coligação governamental, seja com o PSD, seja com o PS. Mas nunca sem perde de vista a “cadeira do poder”.

"Por acaso..." ruma ao sul.

reduzida Foto Fátima Araújo (cores)_JPG.jpgDepois das três oportunidades consecutivas, a que acresce a de ontem em Espinho, a jornalista da RTP, Fátima Araújo, vai estar amanhã, sexta-feira, 5 de dezembro, em Lisboa para a apresentação pública do seu livro "Por acaso...".

A apresentação terá lugar no Grande Auditório do ISCTE, às 18.30 horas.

Tal como no Livro "Por acaso...", as apresentações que a jornalista e autora tem vindo a fazer desta sua excelente obra são espaços públicos de consciencialização (não fosse ela jornalista), do exercício pleno de cidadania, de um agitar a sociedade (e cada um de nós) para a percepção da realidade da Paralisia Cerebral e a forma como a comunidade (e todos nós) acolhe, ou não, as pessoas com deficiência. E eu estive lá...

A não perder.

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Ainda no "espírito" do vigésimo congresso

ceu guerra no xx congresso ps.jpgAinda a propósito do XX Congresso do PS, após a primeira análise que aqui foi feita “O Não à direita. O Talvez à esquerda... E longe de Évora”.

Se por um lado António Costa se preocupou em manter fora do secretariado nacional qualquer oposição, deixando para a Comissão Nacional os 30% da facção Seguro, foi inesperada a forma como o actual líder socialista escolheu os seus pares mais próximos para a direcção do partido. Muitas caras novas, deixou de fora os históricos, deixou de fora rostos marcadamente de facção (fossem de António José Seguro ou de José Sócrates), apostou em gente da sua confiança e numa ou outra promessa política socialista, como o mediático deputado João Galamba. Por outro lado, de forma politicamente inteligente, António Costa afastou do Congresso todo o peso do caso judicial que envolve o ex primeiro-ministro socialista José Sócrates, quer nas ausências a quaisquer referências à sua prisão ou a qualquer política governativa dos seus dois mandatos legislativos bem recentes. Algo, aliás, que os próprios congressistas e socialistas convidados entenderam e aceitaram cumprir na “perfeição”, deixando a exclusividade do espírito do Congresso ao confronto político com o Governo.

Aqui chegado, António Costa virou baterias, armas e bagagens, contra o Governo, Pedro Passos Coelho, PSD e CDS. As críticas, sob a forma de “casos de vida”, envolveram a maioria das medidas e acções governativas nos últimos três anos, sem uma referência significativa à Troika ou adiando para a primavera de 2015 as sua propostas programáticas para o futuro de Portugal. Apesar da sensação de vazio e de vacatura do discurso é, goste-se ou não, uma estratégia política que o final de 2015 revelará eficaz ou não. Até lá fica a interrogação se o declaradamente explícito Não a um entendimento à direita e uma Talvez abertura à esquerda (com quem o PS tem fortes divergências quanto à dívida, a algum Estado social e empresarial, à União Europeia, à NATO, sem esquecer a rasteira que a esquerda lhe pregou em 2011, já para não me remeter a longínquos conflitos na era PREC) se manterão para além dos resultados eleitorais de 2015.

Mas nesta narrativa crítica à actuação do Governo surgiu ainda um momento inesperado no Congresso e que é de difícil compreensão (para não dizer, aceitação) por parecer demasiadamente populista, eleitoralista, que, a eventualidade da emoção discursiva (e de improviso), por si só, poderá não justificar.
É certo que são conhecidos os movimentos femininos (muito para além do feminismo) que lutam e trabalham pela igualdade de género e em defesa das mulheres; são conhecidas as lutas que o PS trava, através de militantes e deputados seus, por essas causas (como exemplos); é certo que a “esquerda” tem, por natura, uma forma marcadamente mais pública e activa na defesa dos direitos, igualdades e dignidade humanos. Mas… estas realidades não são, não podem, nem devem ser, “propriedade política” de alguns, de uma parte apenas. Mais… muito menos devem ser confundidas com as circunstâncias discursivas ou narrativas dos momentos. António Costa não deveria ter tido o direito de se “apropriar politicamente” (já que de acto político se tratava o discurso de encerramento do Congresso do PS) de uma causa, de uma luta, de um sofrimento, que não é exclusivo do PS mas sim de todos e, principalmente, do respeito que vítimas e familiares merecem: a violência doméstica e as suas vítimas, mortais (ao caso concreto, as 34 mulheres vítimas mortais em casos de violência doméstica). Ficou mal na “fotografia” o líder socialista.

Permito-me, mesmo com a ousadia da “libertinagem” de usurpação de “palavras alheias”, reproduzir aqui um comentário da Fernanda Câncio, no Jugular, a propósito do tema: «muito comovente ouvir recitar, por céu guerra no congresso do ps, o nome das mulheres assassinadas este ano. mas estou tão cansada de momentos simbólicos sem consequência, de ramos de flores e poemas marejados de lágrimas q só sublinham a indiferença e a continuação do costume do resto do tempo. (…) olho para a prática legislativa e vejo o ps a defender q o assédio sexual, q é a evidência quotidiana da violência e da menorização das mulheres, da certificação d q o espaço público é masculino e q as mulheres nele se devem aventurar sempre a medo e sob ameaça (...), 'ñ tem dignidade penal'. as mulheres são mortas, e tantas, porque vivemos num país q as desconsidera quotidianamente, (…).a morte não tem remédio. é na vida que temos de reparar, e agir. porque só isso pode evitar a morte, real e simbólica, das mulheres».

O Não à direita. O Talvez à esquerda... E longe de Évora.

XX congresso PS - Mario Cruz_Lusa.jpg
(créditos da foto: Mário Cruz / Lusa)

Terminou o XX Congresso do Partido Socialista, agendado para este fim-de-semana.
Sabia-se já da incontestável liderança de António Costa que, há uma semana, tinha sido eleito secretário-geral com mais de 90% dos votos. Nesse aspecto nada de novo. Mas os acontecimentos político-judiciais dos últimos dias fariam prever uma acrescida perspectiva sobre este congresso.

Face ao que são os novos tempos político-partidários e as suas regulamentações internas, os congressos (concretamente do PS, PSD e CDS) perderam o fulgor e a “alma” de outros tempos. Destes, resta apurar no discurso de encerramento os chamados “recados da narrativa”. Em relação a este congresso socialista houve, de facto, vários ‘recados’ a extrair das palavras finais de António Costa.

O primeiro para uma comunicação social que, naturalmente, estaria à espera de referências ao caso que envolve José Sócrates. Importa não esquecer que há uma semana, no preciso momento em que “rebentava” o processo que envolve o ex primeiro-ministro, António Costa referia, no discurso da sua eleição à liderança do partido, que o PS “assume toda a sua história, os bons e os maus momentos”, acrescentado, numa clara referência à detenção do ex-líder socialista, que o “PS não adopta as más práticas estalinistas de eliminar este ou aquele da fotografia”, independentemente do desfecho deste processo judicial. Só que neste XX Congresso o nome de José Sócrates ficou de fora e foi tabu, para além de qualquer referência a um passado bem recente da governação socialista. A própria escolha dos membros da direcção nacional são disso prova, com uma renovação interna significativamente inesperada, com muitas “caras” novas, salvo uma ou outra excepção espelhada, por exemplo, naquele que é tido como um dos futuros políticos socialistas: João Galamba.

O segundo recado foi para o actual Governo. Críticas duras quanto à forma como nestes três anos Passos Coelho e a coligação conduziram os destinos do país. Os “casos da vida” apontados por António Costa empolgaram o congresso, marcaram uma posição política, apelaram ao coração dos portugueses, dos militantes e dos simpatizantes socialistas, mesmo que para além das críticas tenha faltado a razão de um programa, as linhas programáticas, de governação socialista, caso este vença as eleições. Restou o pedido de uma maioria e o suspense do país até à próxima primavera para que seja possível perceber-se o que propõe, concretamente, António Costa para os destinos do país.

O terceiro recado é direccionado para dentro do próprio partido e, simultaneamente, para a direita política portuguesa. Primeira nota para a exclusão da Direcção Nacional de qualquer militante afecto à ala de António José Seguro que, desta forma, é “apagado” da estrutura nacional socialista. Segunda nota para o afastamento peremptório de qualquer entendimento futuro (pré ou pós eleitoral) à direita do PS. Para aqueles que perspectivavam o regresso de Rui Rio ao PSD sustentado num apetecível entendimento com Costa, ou para os socialistas, como Francisco Assis, que afirmaram publicamente o desejo de um novo bloco central, tiveram, nas palavras bem claras do líder do PS, um redondo Não e um evidente afastamento político (Francisco Assis nem chegou a discursar no congresso).

O quarto recado tem uma relação directa com o anterior, embora pelo reverso da moeda. Apesar de ter “piscado o olho” à esquerda (desde a presença do Livre no congresso, às referências ao Bloco de Esquerda e ao PCP), o facto António Costa ter manifestado, por vários momentos, o desejo político de conquistar a maioria nas eleições de 2015 e ter, simultaneamente, dirigido críticas quanto às posturas políticas do BE e do PCP, leva a crer que é vontade do líder do PS que o partido assuma um papel político individual, afirmando-se como “a” referência da esquerda em Portugal numa eventual governação do país. Aliás, esta foi a imagem espelhada nos próprios comentários das ‘figuras’ do BE e do PCP que criticaram a referência que António Costa lhes atribuiu como “partidos do protesto” e o facto de não ter apresentado linhas programáticas quanto ao que o PS propõe para Portugal, nomeadamente quanto à questão da dívida portuguesa.