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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

As entranhas da (in)consciência humana

mente humana.jpgPor mais evoluídos que sejam os processos médico-científicos e a investigação a mente humana permanece, e há-de permanecer, um verdadeiro mistério, uma constante incógnita e enigma.

A tragédia recente, ainda “fresca” na memória de todos nós, da queda do avião da Germanwings nos Alpes franceses é disso um claro exemplo. A capacidade do co-piloto Andreas Lubitz para a dissimulação de eventual depressão e a frieza para levar a cabo o atentado, são o espelho perfeito do mistério da mente humana (reforço a questão do atentado, já que o suicídio afigura-se-me como um acto individual e não o “arrastar” de cerca de centena e meia de inocentes).

Mas há ainda outras realidades psíquicas misteriosas com mais ou menos impactos trágicos. Por exemplo, a capacidade ou a incapacidade para a tolerância, para a aceitação de realidades e convicções diferenciadas, para o valor da inclusão e da igualdade de oportunidades e direitos. Bastaria recordar os acontecimentos, também em França, da tragédia no Charlie Hebdo, se, infelizmente, com mais ou menos regularidade, esta incapacidade não tivesse também consequências trágicas e não se revestissem de actos bárbaros ou de convicções e pensamentos que levem, na prática, a esse destino.
Ainda na semana passada, nos Estados Unidos, terra fértil nos extremos e extremismos, um advogado do Estado da Califórnia apresentou ao gabinete da Procuradora uma proposta de lei - a Lei da Supressão Sodomita – que, entre sete medidas contra a homossexualidade, entre as quais prevê algo como a execução através de um tiro na cabeça (“qualquer pessoa que voluntariamente toque noutra pessoa do mesmo sexo para fins de gratificação sexual deve ser morta com balas na cabeça ou por qualquer outro método conveniente”). Se a proposta é, em si mesma, completamente absurda, abominável, reprovável e criminosa, a sua sustentação, fundamentada num conjunto de pressupostos e convicções, é inaceitável numa sociedade justa e de plenos direitos.
O advogado Matthew Gregory McLaughlin sustenta que a homossexualidade é "um mal monstruoso que Deus todo-poderoso, que dá liberdade e independência, nos ordena a suprimir sob pena de nos destruir". Independentemente da minha opção e orientação sexual não tenho qualquer direito, moral ou superioridade para julgar quem, por opção e convicção próprias, tem outros rumos e orientações de vida (de regresso à tolerância e liberdade do caso “Charlie”). Mais, como cidadão, defendo por convicção liberal de costumes e princípios, a liberdade de cada um em escolher a sua orientação sexual, sem que isso me dê qualquer direito de julgar ou marginalizar.

Por outro lado, como católico, não conheço um Deus todo-poderoso que me ordene matar, marginalizar, inferiorizar, limitar nas liberdades e convicções de cada um. Mais ainda, conheço sim um Deus todo-poderoso, a quem apenas cabe julgar, que, de facto, dá a cada um de nós a liberdade e a independência, não para condenar, mas para fazermos as nossas opções, convicções e princípios de vida.

Mas se pouco me espanta este mistério da intolerância nos norte-americanos, pela (in)cultura, pelos extremismos, fundamentalismos e radicalismos (mesmo que acusem outros, apesar das diferenças serem poucas), o que me assusta verdadeiramente é o “silêncio falacioso e traiçoeiro” de muitos portugueses que, ao lerem esta notícia, interior e silenciosamente batem palmas e rejubilam de gozo. E essa “misteriosa” atitude mental, assusta tanto como alguém que tragicamente leva consigo para a morte centena e meia de inocentes.

O valor da informação

eu_DA_debaixo-dos-arcos.jpgpublicado na edição de hoje, 29 de março, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
O valor da informação

Há quem defenda a teoria de que o poder não reside na capacidade bélica, na riqueza, na governação, mas sim na quantidade e no valor da informação que se possui ou controla. Apesar das várias vertentes do poder, esta realidade, mesmo que não exclusiva, é significativamente relevante. E a forma como é controlada e gerida a informação é uma questão verdadeiramente inquietante porquanto, entre outras circunstâncias, move-se na ténue fronteira e no frágil limite entre o interesse público (seja do ponto de vista social, jurídico ou político) e o direito à privacidade e intimidade. Os últimos dias têm sido férteis em polémicas, controvérsias e debates públicos tendo como base a quantidade e qualidade da informação.

Primeiro, a tão badalada lista VIP da Autoridade Tributária. Seja qual for a circunstância a existência de mecanismo que controlem o acesso à privacidade da informação de todos é, não só aceitável, como desejável, para evitar a exposição pública de dados pessoais e confidenciais e a devassa da privacidade. Mais ainda quando estão em causa figuras mediáticas e públicas sob as quais recai a normal curiosidade alheia. A questão é a inversão do princípio do direito. Ou seja, quando a criação dos mecanismos (a lista VIP, por exemplo) serve apenas para encobrir incumprimentos e deveres, serve para proteger interesses nada transparentes, nomeadamente em anos eleitorais, como é o caso de 2015. Porque não é, por mais que o tentem dissimular, inocente uma lista VIP constituída apenas pelos nomes do Primeiro-ministro, do vice Primeiro-ministro, do Secretário de Estado da tutela e do Presidente da República. Triste é o país que, para além de todo o constrangimento económico, financeiro e social, apenas tem quatro VIPs em dez milhões de cidadãos.

Segundo, a decisão do Governo, concretamente da ministra e do Ministério da Justiça no acesso público à lista de pedófilos com pena cumprida. Nada mais me choca, para além da morte, do que o ataque bárbaro à dignidade humana, no caso concreto, das crianças. Mas não posso aceitar que um Estado de Direito concentre tantos esforços em defender a privacidade fiscal (ou dos seus crimes) e permita que se facilite a justiça popular, deixa a justiça em mãos alheias e ao livre arbítrio da vontade popular (por mais justa que seja a revolta e a indignação). É legítima a preocupação da sociedade (incluindo a minha) em proteger as crianças (quem tem filhos sabe bem do que se trata), mas tal não pode criar uma anarquia justiceira na própria sociedade. Tudo isto só demonstra que o Governo desconhece a própria realidade social das circunstâncias (nove em cada dez casos de abuso sexual infantil acontece em contexto familiar) ou que a facilidade com que se acede, publicamente, a uma lista de abusadores sexuais com pena cumprida, cadastrados, só revela que o próprio Estado não confia e acredita na sua Justiça. Se assim é, não admira a relação tempestuosa entre o cidadão e a referida Justiça. Tomara que o Governo e o Ministério da Justiça tivessem tão em conta a preocupação, por exemplo, com a constante (e antiga) violação do segredo de justiça, seja a favor de quem for (defesa ou acusação).

Por último, o valor da informação jornalística. Após o impacto e o assombro iniciais da detenção de José Sócrates, o processo deixou de ser, pessoalmente, relevante. Primeiro por reconhecer que o caso deve ser tudo menos político, a bem da política. Segundo por defender a universalidade do direito à presunção da inocência até o processo transitar em julgado. E, por último, por acreditar piamente na Justiça, no seu valor e integridade (apesar de, por convicção, valorizar a justiça divina). Daí entender que a notícia divulgada na passada sexta-feira, pelo semanário Sol, que dava conta da alegada não autoria do livro “Confiança no Mundo - Sobre a Tortura em Democracia” a José Sócrates, ser um inaceitável atropelo à ética e profissionalismos jornalístico (isto em relação ao processo judicial em curso e em causa, como é óbvio). O jornalismo, o direito a informar, não se coaduna com julgamentos de carácter ou de valores. A informação, tida e mal gerida pelo semanário, nada tem a ver com o processo judicial e a investigação em curso, apenas cria na opinião pública um julgamento de personalidade ou a vitimização do “acusado”. Não há relação factual entre a notícia e indícios que fundamentam a acusação do Ministério Público, nem a informação difundida comporta nenhuma moldura penal ou criminal. Transformar a operação e o processo “Marquês” num caso político era tudo o que não deveria nunca acontecer. A bem da justiça.

R.I.P. Luís Miguel Rocha

Luis Miguel Rocha.jpgQuando morre alguém ligado às artes, literatura, cinema, teatro, etc, há uma tendência para inundar as redes sociais de lamentos, mensagens, extractos de poemas, frases, livros ou pinturas de quem faleceu.

Sem qualquer tipo de constrangimentos ou sem qualquer tipo de pudor ou do "politicamente correcto", muitos dos comentários e post (aconteceu recentemente com o poeta, que nunca li, Herberto Helder) têm a "assinatura" google ou wikipédia. Há quem lamenta e chore lágrimas de crocodilo sobre quem nunca leram ou viram (arte) mas que fica bem falar.

Orgulho-me de ser do contra. Não tenho o condão, nem as capacidades (sejam elas quais forem) de ler tudo, nem ver tudo, mesmo que já tenha ido ao Louvre. Não embarco nessas ondas.

Hoje, não é o caso. Há quatro espaços preenchidos (acho que falta lugar para mais dois), e agora mais que lembrados, na "biblioteca doméstica": O Último Papa - A Bala Santa - Mentira Sagrada - A Filha do Papa.

Fiquei chocado quando vi a informação da Agência Lusa que reproduzo através da notícia da revista Visão.

Abruptamente ficou muito por percorrer de uma promissora carreira literária, ficou muito para viver para quem apenas tinha 39 anos.

Lá em casa ficará sempre. R.I.P. Luís Miguel Rocha.

«Lisboa, 26 mar (Lusa) - O escritor Luís Miguel Rocha, 39 anos, autor de obras como "O Último Papa", morreu hoje em Mazarefes, distrito de Viana do Castelo, vítima de doença prolongada, disse à agência Lusa fonte próxima da família.
De acordo com a mesma fonte, o escritor encontrava-se doente há algum tempo, esteve internado no Hospital de Viana do Castelo e nos últimos dias estava em casa da família, em Mazarefes.
Nascido no Porto, em fevereiro de 1976, o autor português escreveu vários livros com sucesso internacional, como o "O Último Papa" (2006, editora Saída de Emergência), que expõe uma teoria sobre a misteriosa morte de Albino Luciani, o Papa João Paulo I, envolvendo a maçonaria italiana, e "A Filha do Papa" (2013, Porto Editora), sobre segredos do Vaticano.» (in, revista Visão)

Os Cofres Cheios e a Multiplicação

eu_DA_debaixo-dos-arcos.jpgpublicado na edição de hoje, 25 de março, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Os Cofres Cheios e a Multiplicação

O discurso desenrolou-se num ambiente restrito embora público e não reservado. A ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, encerrou as jornadas da JSD, que tiveram lugar, na passada semana (quarta-feira) em Pombal, com algumas considerações relevantes, como respostas a algumas interrogações levantadas pelos jovens sociais-democratas.
Das afirmações proferidas por Maria Luís Albuquerque importa reter duas, pela sua relevância política e social e pelo impacto que tiveram na agenda e o discurso político nacional.

A primeira diz respeito à preocupação expressa por alguns jovens quanto à questão da natalidade. É certo que a questão demográfica e o seu impacto no Estado Social conforme o estabelecemos hoje é um pilar significativamente importante. Tal como já abordado, por diversas vezes, encontra ainda paralelismo na problemática da emigração: um país envelhecido e desertificado tem resultados negativos do ponto de vista social e económico. E esta é, de facto, uma questão extremamente preocupante face aos dados que o INE e vários estudos têm divulgado no campo da demografia: até 2025 Portugal perder um terço da sua população, para a dimensão do país, é preocupante. Mas também deveria ser preocupante para o Governo o facto de não existirem condições de estabilidade de vida, de futuro, condições de empregabilidade e financeiras, impedindo que saiam, em quatro anos, cerca de 400 mil portugueses rumo ao estrangeiro. Ou que, para os que cá ficam, concretamente para os mais jovens, existam condições de estabilidade profissional, pessoal, familiar, social e económica, que possam transformar o discurso bíblico “crescei e multiplicai-vos” numa realidade concretizável e não num mero discurso político.

A segunda afirmação de relevo político proferida pela ministra das Finanças, diz respeito à questão da recuperação financeira e das contas públicas portuguesas. Maria Luís Albuquerque afirmou que Portugal tem “os cofres cheios” para poder honrar os seus compromissos (salários, pensões, reembolsos da dívida pública) e para fazer face a eventuais perturbações no funcionamento do mercado. Conhecida esta afirmação política da ministra o impacto no discurso político nacional não se fez esperar. A maior reacção teve reflexo na crítica ao custo desses “cofres cheios” e ao seu impacto no aumento da dívida pública. A ministra Maria Luís Albuquerque não nega o reflexo dessa realidade no valor total da dívida pública que tem, como é sabido, aumentado. Isso é óbvio e não deveria ser por aí que a oposição deveria ter criticado as palavras da ministra, que devem ser criticadas. Os “cofres cheios”, as tais almofadas orçamentais, resultam de empréstimos contraídos sobre os quais recaem juros. E isso é um processo financeiro normal e não poderá ser de outra forma. O Estado só consegue encontrar “almofadas” ou “cofres cheios” recorrendo a empréstimos e ao mercado financeiro. A questão passará, eventualmente, pela sustentabilidade da dívida e da capacidade de cumprir com os compromissos dos juros. É mais engenharia financeira, menos engenharia financeira.

A análise a esta afirmação da ministra das Finanças deve ser feita por outro prisma. O que significa ter os “cofres cheios” para o país (economia) e para os cidadãos (Estado Social). Do ponto de vista prático… Nada. Aliás, bem pelo contrário. Também no tempo do Estado Novo, Portugal tinha os cofres cheios de ouro (ou pelo menos constava que) e o país era demasiado pobre e atrasado (social, politica e economicamente). Não será tanto o caso actual… mas a verdade é que, apesar da diminuição, o desemprego é demasiado elevado; a economia e o sector produtivo não desenvolvem, nem crescem, nem recebem investimentos relevantes e significativos; os portugueses continuam a olhar para o seu futuro fora do país; a empregabilidade não estabiliza; o empreendedorismo não explode.

Por outro lado, os “cofres cheios” sem impacto directo na vida das pessoas e das empresas (redução da carga fiscal, melhor saúde, educação e justiça, melhores recursos sociais), espelham ainda uma outra preocupante realidade, aliás expressa pela própria ministra: a eventualidade de um novo desequilíbrio e falha no mercado financeiro. Ou seja, as “almofadas” não servem directamente os portugueses, mas reflectem a incerteza quanto ao futuro, a não garantia do sucesso do colossal esforço pedido aos portugueses nestes últimos quatro anos, e voltam, mais uma vez, para os mercados financeiros toda a atenção e preocupação, à custa de mais sacrifícios aos mais vulneráveis.

das almofadas financeiras ao 'crescei e multiplicai-vos'

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Para amanhã, no Diário de Aveiro​, "Os cofres Cheios e a Multiplicação".

À posição importa algum recato nos festejos e nos foguetes...
À oposição importa mudar o discurso: não é pelo lado dos juros e do custo dos "cofres cheios". Não é possível financiamento, nem "almofadas financeiras" sem juros e sem aumento da dívida. Isso não existe.

A análise é feita do ponto de vista social e económico... quais os verdadeiros impactos na sociedade e nos bolsos dos portugueses. Valeu a pena o colossal esforço, nestes quatro anos, para agora se manter a dúvida quanto ao resultado final e ao sucesso da austeridade?

O "crescei e multiplicai-vos" não fica bem no discurso político do Governo quando ainda temos uma taxa de desemprego tão alta, a economia sem investimento e os valores conhecidos da emigração nos últimos anos.
Até amanhã.

Cavaco Silva e a sucessão

presidencia da republica.jpgHá poucos dias Cavaco Silva pronunciava-se quanto ao perfil do próximo Presidente da República, na sua opinião.

Houve quem bradasse aos céus porque Cavaco Silva estava a fazer lembrar a "herança ao trono" nos tempos da monarquia, que estava a reduzir e a menorizar o papel e a função do Presidente da República; etc., etc.

É já significativamente extensa a lista "vip" de candidatos a candidatos à "cadeira" de Belém: Rui Rio, Santana Lopes, Marcelo Rebelo de Sousa, Maria de Belém, Ferro Rodrigues, António Vitorino, Sampaio da Nóvoa, Fernando Nobre, Marinho e Pinto, Carvalho da Silva, ... .

Para Cavaco Silva o próximo Presidente da República "deve ter experiência em política externa".

O erro do actual Presidente da República não foi o de expressar a sua, legítima, opinião sobre o próximo Chefe de Estado. Para além de todo o perfil constitucional (até a questão de ter mais de 35 anos) Cavaco entende que deve saber movimentar-se e conhecer os corredores internacionais.

Com esta observação, Cavaco Silva condicionou, é certo, a lista de candidatos a candidatos, nomeadamente, nomes como Santana Lopes e Marcelo. Só que o principal erro do Presidente da República foi esquecer-se, tal como em muitas coisas da nação, infelizmente, que o perfil traçado apenas se projectava em dois nomes: Durão Barroso e António Guterres. Erro? Ambos os nomes que encaixam no perfil "experiência em política externa" são os menos disponíveis (se não mesmo "carta fora do baralho") para o cargo.

Será só uma questão discursiva?

Podemos concordar ou discordar das políticas e medidas implementadas pelo Governo de Pedro Passos Coelho. Inclusivamente, elogiá-las ou criticá-las. É fácil, basta ter opinião, exercer a legitimidade do direito de cidadania, de liberdade de expressão, e de expressar convicções, ideologias e conceitos.

Mas não é fácil perceber a enorme dificuldade expressa por este Governo, desde 2011, em explicar-se, em explicar, em ser claro, verdadeiro e transparente, em relação a questões mais (ou menos) polémicas. Embrulham, negam, confirmam, deixam tudo no ar e na suspeição, ... .

Irrevogabilidade... TSU... Emigração (vão e agora voltem, mesmo que pouquinhos)... Impostos... Vistos Gold... Pensões vitalícias... Tecnoforma... Segurança Social... o caos nas Urgências Hospitalares e as Listas de Espera... o arranque do ano lectivo e a colocação dos professores... o caos nos Tribunais e o programa Citius...

São demasiadas injustificações, demasiados ditos e não ditos, embrulhadas discursivas que, das duas uma: ou revelam alguma falta de transparência na gestão da coisa pública; ou revelam uma enorme inconsistência discursiva e uma notória falta de assessoria de imprensa e comunicação. Cresce a dificuldade dos cidadãos, dia após dia, factos após factos, de acreditarem no que quer, e em quem quer, que seja.

E como se tudo isto não bastasse e não fosse, por si só, mais que preocupante e suficiente, eis que nova trapalhada surge no mediatismo do Governo: a lista (bolsa, pacote) VIP da Autoridade Tributária. E tal como no caso do Citius, entre a maior das contradições e embrulhadas políticas, depois das confusões explicativas, eis que surge a "versão final" sempre com sabor a pouco ou quase nada e com a perfeita noção de "gato escondido com rabo de fora". E tal como no Cituis, na Educação, volta à ribalta a sabedoria popular: "quando o mar bate na rocha quem se lixa é (sempre) o mexilhão", mesmo que seja um "mexilhão graúdo".

lista vip financas - rtp.jpg

 

Bom dia do Pai...

19 de Março... Dia do Pai.

Sou pai, filho e marido. Neste dia, mais que receber parabéns, sinto-me feliz pela extraordinária filha que tenho.

Tomara eu conseguir corresponder a tudo o que ela pode e deve esperar de um pai. Tomara eu... e não consigo.

A mesma felicidade pelo exemplar Pai que tenho e pela presença constante... Obrigado, Sr. Araújo.

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Assim como importa ainda referenciar os "pais emprestados" (o Sogro e o "mais que padrinho" Carlos Bio)

sogro.jpg Bio.jpg

 

 

Vai e vem.

aeroporto emigracao.jpgpublicado na edição de hoje, 18 de março, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Vai e vem.

A problemática da emigração (a forçada, aquela que um cidadão vê como a única e última alternativa) tem contornos diversificados.

Do ponto de vista social, a saída de cidadãos do país traz desertificação a muitas regiões (normalmente mais massacrado o interior), envelhece o país, descaracteriza a nossa identidade, desestrutura as famílias e as comunidades.
Do ponto de vista económico, a redução de valores contributivos enfraquece o Estado Social, a ausência de mão-de-obra e conhecimento, principalmente a qualificada, empobrece o nosso tecido (mesmo que reduzido) produtivo, a nossa investigação e ciência, e o desenvolvimento económico do país.
Do ponto de vista político, a emigração forçada (quando não resta mais nenhuma alternativa ao cidadão) é um sinal claro de dificuldades governativas para que se criem condições de estabilidade e de qualidade de vida aos cidadãos: emprego, condições remuneratórias, satisfação com o papel do Estado.

E aqui é que o Governo de Pedro Passos Coelho volta a ser notícia, infelizmente pelas razões menos positivas. Na passada semana o Secretário de Estado adjunto (do ministro adjunto) Pedro Lomba anunciava o programa do Governo “VEM” (Valorização do Empreendedorismo Emigrante), que tem como objectivo criar condições para que muitos dos emigrantes que deixaram o país, nestes últimos três ou quatro anos, regressem a suas casas.

Importa, para já, relembrar que “muitos dos emigrantes” significa perto de 400 mil cidadãos, de diferentes idades, formações e habilitações, que abandonaram o país desde finais de 2011.
Importa ainda relembrar as palavras do então Secretário de Estado da Juventude e do próprio Primeiro-ministro que aconselhavam os jovens portugueses a emigrarem. Além disso, ainda este mês a ministra das Finanças desvalorizava e menorizava a questão da emigração portuguesa.
Importa ainda focar que, desde 2012, o Governo tem tido uma despreocupação grave e preocupante em relação a esta problemática, percebendo-se claramente a dificuldade em lidar com a realidade, no desconhecimento dos números e dos impactos sociais e económicos da significativa debandada populacional (quase 10% da população activa). A única vantagem para o Governo foi o impacto da emigração na taxa de desemprego.

Mas um programa governamental de apoio ao regresso dos emigrantes, pelas razões apontadas quanto ao impacto negativo da emigração, não é uma excelente medida? No plano teórico, sim. De facto. Mas a realidade é outra.

A fundamentação e a argumentação para sustentar o programa VEM são, no mínimo, surreais. Pedro Lomba argumentou, na TVI24, que histórica e culturalmente Portugal é um país de emigrantes, que também ele estudou lá fora e que hoje, com a facilidade de mobilidade na União Europeia (por exemplo), é extremamente fácil “saltar as fronteiras”. Primeiro, é triste que Portugal regresse à década de 50 e 60 e reviva a sua história migratória. Segundo, ao contrário do Secretário de Estado, os cerca de 400 mil cidadãos que emigraram, na sua grande maioria, fê-lo por razões de oportunidades e estabilidade de vida e não por razões formativas ou académicas. Terceiro, a facilidade de mobilidade tem o reverso da medalha. É que é muito mais fácil a um emigrante português “mover-se” na União Europeia do que regressar a Portugal. Mais depressa troca França, Luxemburgo ou a Alemanha, pela Inglaterra, Suécia ou Dinamarca, do que volta a sua casa.
Por fim, a estruturação do próprio programa. O Governo acordou tarde e mal para a realidade da emigração, que sempre negou. Esperava-se uma medida de Passos Coelho que proporcionasse aos emigrantes, indiscriminadamente, melhores condições e maior qualidade de vida no seu regresso: emprego, remuneração, apoio do Estado, melhor educação, saúde e justiça.

Mas o desconsolo é tal que só reflecte a percepção que o Governo tem da realidade emigratória: para os cerca de 400 mil emigrantes há a possibilidade de candidaturas a 40 apoios (0,01%) para projectos de empreendedorismo, no valor de 10 ou 20 mil euros.
Isto não é um programa, é uma migalha. E aí temos de dar razão ao Secretário de Estado, Pedro Lomba: o “VEM” é uma intenção… pobrezinha. E de intenções está o inferno cheio.

Provar do próprio veneno

octavio ribeiro - correio da manha.jpgOntem foi assunto do dia, de todo o dia, as reacções do advogado de José Sócrates, João Araújo, em relação à imprensa, nomeadamente à forma como tratou a jornalista do Correio da Manhã e CMTV, Tânia Laranjo, no seguimento da decisão do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o quinto pedido de Habeas Corpus para o ex Primeiro-ministro José Sócrates.

Primeira nota. É inadmissível e inqualificável os termos e a forma com que o advogado João Araújo se dirigiu à jornalista Tânia Laranjo que apenas se encontrava no exercício das suas funções profissionais. É conhecida a relação tempestuosa de João Araújo com o Correio da Manhã e a CMTV, baseada na conflitualidade há muito existente entre José Sócrates e aquele órgão de comunicação social. Independentemente do lado no qual esteja a razão, nada justifica o comportamento do advogado. Nada justifica e não pode deixar de ser criticado, goste-se ou não do CM e da CMTV… e eu, já por mais do que uma vez tornado público, não gosto. Mas, tal como nos acontecimentos em França, continuo “Charlie”.

Apesar da conflitualidade das relações advogado/imprensa desde a primeira hora do processo, nada justificando os acontecimentos de ontem, a verdade é que a própria imprensa alimentou esta relação e deu palco a estes acontecimentos, mais por interesse próprio (da imprensa) do que jornalístico (público).

Segunda nota. É muito interessante e curioso verificar as reacções do universo da advocacia nacional. Uns mantêm-se indiferentes, outros assobiam para o lado, e há quem, publicamente, se insurja e se indigne com tais comportamentos por parte do colega de profissão João Araújo. E a pergunta impõe-se: destes, quantos tomaram alguma posição junto da Ordem? Quantos afrontaram o sistema que alimentam e criaram? Quantos confrontam o corporativismo que reina?

Terceira e última nota. É perfeitamente legítima a posição da jornalista Tânia Laranjo em defender as suas competências, a sua dignidade profissional e pessoal. Qualquer um se sentiria ofendido e impulsionado a reagir judicialmente face à gravidade dos acontecimentos. O que aconteceu, independentemente das razões subjacentes, foi muito mau. Péssimo. Quanto a isto não há muito mais a dizer.

Mas o que “espanta” é a reacção pronta do director do CM, Octávio Ribeiro, saltando logo para a ribalta e para a praça pública em defesa da sua jornalista e contra o advogado. Considerando uma situação (realidade) normal isto seria algo expectável em qualquer órgão de comunicação social. Só que há muitas diferenças de realidades. Primeiro, um outro qualquer órgão de comunicação social teria optado por muito mais recato, não preenchendo e enchendo linhas e linhas de texto e minutos e minutos de imagens em defesa de causa própria. Segundo, finalmente, tendo em conta as reacções de Octávio Ribeiro (não confundir com a posição da jornalista Tânia Laranjo), parece que o Correio da Manhã provou do próprio veneno. É que a moralidade não é bonita apenas nos outros ou dos outros para connosco. E, finalmente, o CM descobriu o papel dos tribunais, da ofensa à dignidade e à honra, à privacidade, da preservação da inocência, da verdade e da veracidade dos factos. Finalmente…

Era bom nunca perder a memória...

Tiago Paralisia Cerebral - Publico.jpgNão se trata da polémica que envolve os lapsos do cumprimento das obrigações contributivas do Primeiro-ministro. Para esse "peditório" já dei que chegasse aqui.

O jonal Público, na P3, traz uma foto-reportagem "Paralisia cerebral: o Tiago enganou os médicos", com a excelente assinatura da fotógrafa Sara Correia, e que foi partilhada pela Fátima Araújo (RTP), na sua página do facebook.

A par da partilha, a Fátima acrescentou como comentário: «Quando os enganos dos médicos são boas notícias!
E como também se pode fazer arte com as coisas más!».

A nossa vivência desenfreada do dia-a-dia, as mil e uma preocupações que nos assolam, deviam-nos de muitas coisas essenciais, muito mais significantes, de causas que nos tocam e sensibilizam mas que depressa "escondemos".

E de repente, veio-me à memória.

A 20 de outubro de 2014, na Casa da Música, no Porto, a Fátima Araújo lançava o seu (primeiro) livro "Por acaso..." (com prefácio do neurocirurgião Lobo Antunes), baseado num trabalho jornalístico que realizou e  que se debruça, precisamente, sobre a complexidade e as experiências vividas por quem sofre de paralisia cerebral.

A 8 de novembro, por curiosidade (obviamente, também pela amizade) estive em terras de Santa Maria da Feira para assistir à apresentação do livro. Inquietante, inesquecível...

O dia-a-dia pode-nos fazer esquecer, facilmente, o essencial... mas a memória não apaga o que é importante. Felizmente...

Capa e etiquete livro Por acaso_JPG.jpg

Chumbar ou não chumbar… eis a questão.

publicado na edição de hoje, 11 de março, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Chumbar ou não chumbar… eis a questão.

Há, em primeiro lugar, a necessidade de simplificar a questão da meritocracia escolar. Esta não tem a ver com o facto de existirem ou não “retenções escolares” por força dos ‘chumbos’, criando-se aqui a barreira entre os que têm mérito e excelentes notas e os preguiçosos. A meritocracia escolar, a valorização do empenho e do saber, o escalonamento das capacidades cognitivas, surge, por si só, através dum processo avaliativo que classifique (atribua uma escala de notas diferenciadas) que não tem, necessariamente, que ser um exame nacional ou global. Aliás, pedagogicamente e por razões de justiça e da valorização do mérito, é preferível o recurso à continuidade dos processos de avaliação de aprendizagem e de aquisição de conhecimentos ao longo de todo o processo educativo: a chamada avaliação contínua.

É indiscutível que a edução é um dos principais pilares do desenvolvimento e consolidação sociais. Assim, mais grave do que propor o fim dos exames nacionais é a razão e a argumentação que estão na sustentação dessa proposta, apresentada pelo Conselho Nacional de Educação, na passada semana. O que é noticiado e transposto para a opinião pública não tem a ver com questões formativas e pedagógicas, mas sim com um problema financeiro: segundo informação do Tribunal de Contas cada chumbo custa aos cofres do Estado cerca de 4 mil euros; sabendo que, segundo os dados conhecidos, chumbam à volta de 150 mil alunos, por ano, no ensino básico e secundário, a despesa anual em chumbos situa-se nos 600 milhões de euros, aproximadamente. Será correcto avaliar a questão social e educativa das retenções escolares à luz de uma folha de excel ou do “deve e haver” contabilístico. Obviamente que não… para isso mais vale manter os exames.

A excelência do processo de aprendizagem, da promoção e valorização do mérito, o combate ao facilitismo e à mediocridade, implementa-se com um ensino exigente, diferenciado (em função do perfil e capacidades do aluno), de proximidade, inclusivo, com uma relação directa entre a vertente pedagógica/formativa e as realidades sociais, económicas e produtivas do país. Isto vai muito para além de um mero acto, pontual, envolto numa imensidade de factores e variantes, administrativo: o exame.
O mérito e a competência, a preparação para os desafios que a sociedade impõe, seja no mercado do trabalho, seja no próprio dia-a-dia, devem resultar de um processo exigente de ensino, do respeito pelas oportunidades e pelas diferenças, da avaliação contínua que permita o garante da primazia e da capacidade de conhecimento e do saber fazer. Muito para além dos abomináveis e deploráveis rankings escolares anuais.
Aliás, bastará ao ensino um processo eficaz de avaliação continuada da aquisição de conhecimentos, do escalonamento “natural” das capacidades e dos méritos, para criar condições diferenciadas e justas (eventualmente, mais justas) no acesso aos diferentes processos formativos (ensino normal, profissional, etc.), bem como ao próprio ensino superior (universitário ou politécnico).

O chumbo, em função de um mero exame nacional, não é uma forma justa de valorizar o mérito e a excelência ou de combater o facilitismo. É um processo administrativo de exclusão social, de punição e de castigo.

Esta temática não é, obviamente, linear, nem simplicista. Mas um contexto de alterações necessárias e realistas aos processos de aprendizagem bastará para que um aluno de ‘vinte’ tenha 20 valores (e o devido mérito pelo esforço e capacidade) e um aluno de ‘nove’ tenha 9 valores, sem que com isso seja socialmente excluído, rotulado ou castigado.

Esta questão deve envolver todos os agentes educativos, mesmo aqueles que se encontram “fora de escola” (as comunidades), e, principalmente, os que têm responsabilidade directa no processo de aprendizagem: o ministério, as direcções de escola e os professores. Porque há um dado que importa não esquecer e relevar: num processo de comunicação (aprendizagem) uma falha no sistema tanto pode ser responsabilidade do receptor como do emissor.

Onde param as palmas e os foguetes?

Ruas da Grecia 01.jpgQuando o Governo de Passos Coelho implementou a "Factura da Sorte" choveram raios e coriscos sobre o tema: porque é transformar o contribuinte num fiscal das finanças; porque é invasão da vida privada; porque é enganar os contribuintes; porque a economia paralela comparada com o "grande capital" são peanuts; etc., etc., etc.

Expressei, por várias vezes, a minha concordância com o conteúdo (objectivo) da proposta governativa, embora fosse sempre discutível a forma ("Raspadinha fiscal" - "Em Abril já anda à roda..." - "A "latósia" da fraude fiscal"). A verdade é que o aumento do número de facturas emitidas, a possibilidade de controlo fiscalização em relação à economia paralela e à invasão e fraudes ficais, justificaram a medida implementada que, ao que tudo indica, terá continuidade.

O que estaria à espera, principalmente dos partidos e movimentos com significativa afinidade política e ideológica com o Syriza e o novo governo grego (casos do BE, Livre e afins), era uma reacção clara e corajosa a esta mais recente medida do Governo de Aléxis Tsípras, apresentada pelo ministro das Finanças, o popular e mediático, Yanis Varoufakis.

"Grécia: Turistas, domésticas e estudantes vão ser inspectores do fisco".

Onde se lê algo como isto: «Domésticas, estudantes e até turistas vão ser contratados pelo governo grego para ajudar no combate à evasão fiscal. No terreno, estes inspectores fiscais à paisana serão equipados com sistemas de captação de som e imagem para ajudar à produção de prova contra quem fugir ao pagamento de impostos, em especial o IVA.
Esta é uma das medidas – “as primeiras de muitas mais” – que o ministro das Finanças da Grécia, Yanis Varoufakis, propõe numa carta enviada ao presidente do Eurogrupo e com a qual procura concluir o segundo programa de assistência e começar a trabalhar não num memorando mas num “Contrato para a Recuperação e Crescimento da Economia Grega

Infelizmente, à esquerda, sobre isto nem uma palavra.
Um silêncio cobarde ou a sensação que o "mundo ruiu" e a ilusão deu lugar à realidade?

Identidades perdidas…

Arcos antigo.jpgpublicado na edição de ontem, 8 de março, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Identidades perdidas…

Não sou, nem espero vir a ser, adepto do chavão “antigamente é que era…”. Uma sociedade, uma comunidade, um país, desenvolve-se e estrutura-se na evolução e na dinâmica dos acontecimentos que marcam a sua história. E não agarrado a “amarras” saudosistas.
Não quero dizer com isto, antes pelo contrário, que se deva esquecer e “enterrar” o passado. Longe disso. Manter viva a identidade histórica, cultural e social de uma comunidade (seja qual for a sua dimensão) é tão importante como promover a dinâmica e a evolução, viver o presente e projectar futuros. Não viver amarrado a um tempo passado não é o mesmo que negá-lo ou renegá-lo como se não tivesse sido nesse mesmo tempo que foi alicerçado e se vive o presente.

Veio-me à memória, principalmente num tempo em que face às circunstâncias destes últimos dias a memória parece cada vez mais colocada em causa, o falecimento recente de Amadeu Ferreira, um dos principais impulsionadores do mirandês, segunda língua oficial portuguesa, que, apesar da sua circunscrição regional diminuta, não deixa de ser uma das referências históricas de Portugal (nas suas origens) e uma marca da identidade cultural e social do nosso país (independentemente das nossas ligações ou indiferenças à “terra fria” do Nordeste Transmontano).

Valorizar e promover a identidade de uma comunidade é sustentar a sua história e enriquecer o presente que se vive.
Aveiro tem, nesta vertente, bons e maus (alguns péssimos) exemplos. E também projectos e planos com valor.

Não me parece relevante, a menos que por razões nostálgicas, o ressurgir do “polícia sinaleiro” (que Aveiro teve em tempos e vários) como aconteceu noutras cidades (Porto e Lisboa, como exemplos). Mas a ideia da autarquia aveirense recuperar e dar dignidade aos espaços antigos dos engraxadores nos Arcos, parece-me um excelente projecto. Não pela profissão em si, mas pela revitalização de um espaço nobre na cidade, pela sua identidade e por aquilo que sempre representou no coração urbano. Identidade e referência que serviram de base à escolha do título destas rubricas bissemanais (mais ou menos regulares… e já lá vão nove anos), bem como o título do blogue “Debaixo dos Arcos”. E os motivos são simples. A zona da Praça Melo Freitas e dos Arcos, aos quais se juntou mais tarde, o monumento à Liberdade, para além da sua inclusão no típico bairro da Beira Mar, foi, durante muitos e muitos anos, um espaço de encontro, de diversidades, de tertúlias espontâneas, do escárnio e mal dizer populares e instintivos. Também local de culturas, de comércio e feira (bem antigo, por exemplo a feira das cebolas), de informação (basta recordar os espaços onde eram afixadas as primeiras páginas de jornais como o extinto Comércio do Porto, o Primeiro de Janeiro, o Jornal de Notícias, entre outros, as notícias do Beira Mar e do Galitos, etc) e de ponto de encontro, marcado pela constante presença característica dos engraxadores. Retomar esta identidade é renovar a vida e o centro da cidade e valorizar a sua história.

Pena é que se tenham perdido, no tempo e com o tempo, outras oportunidades de preservação da nossa identidade. Excepção para o aproveitamento turístico dos canais urbanos da Ria, Aveiro, enquanto cidade, deixou de ter que oferecer e mostrar a sua identidade a quem nos visita. Apesar do esforçado EcoMuseu da Troncalhada, uma cidade que se alicerçou na importância social e económica do Sal, perdeu quase toda a beleza das salinas e não tem um verdadeiro Museu do Sal.
Aveiro, enquanto cidade, que foi crescendo em torno das suas cerâmicas e azulejarias, que o tempo e as ‘economias’ foram eliminando, não tem um Museu da Cerâmica e do Azulejo (Ovar tem, por exemplo), apesar de continuar com o edifício da antiga Estação desocupado.
Em contrapartida Aveiro, enquanto cidade, há alguns anos (não muito distantes) integrou a rede de Turismo Religioso, infelizmente sem articulação alguma e com a maioria das igrejas e capelas permanentemente fechadas. A par disto resta a incerteza quanto ao futuro do Museu Santa Joana, outro ícone da história da cidade.

Apesar de Aveiro ter, ao longo dos tempos, perdido muito da sua identidade e da sua história, resta a esperança nestas iniciativas por mais simples que, por mais simples que pareçam, são de um importante valor.

O grau (menos) zero da política...

tiro do pe.pngIsto não tem a ver com ideologias, com militâncias ou simpatias partidárias. Isto tem a ver com política, com ética política, com a necessidade e obrigação de renovar e de devolver a dignidade a uma causa nobre, a uma função vital para a solidificação da democracia e de um Estado de direito. Tudo, aliás, o que não tem acontecido nos mais recentes anos, eventualmente, na última década.
A imagem que alguns políticos e partidos transmitem para os cidadãos é péssima, degradante e obscena. O afastamento dos eleitores em relação à política cada vez é mais forte e evidente (basta recordar os recentes números de abstenções e do crescente número de candidaturas independentes e de movimentos). Não é um chavão, como muitos querem fazer crer para esconder a realidade… é a constatação de factos e de reacções/sentimentos generalizados. Muitos responsabilizam os abstencionistas e os indiferentes à “cousa política” pelo estado das coisas, por não participarem, por não votarem. É legítimo o afastamento quando nada atrai ou motiva à participação cívica e à votação, face ao que é o comportamento e a imagem dos partidos e dos políticos. Isso é sacudir a “água do capote”.

E não vale a pena taparmos o sol com a peneira. Não vale mesmo a pena…
Quando se espera dos partidos e dos políticos sensatez, sobriedade, responsabilidade, transparência, e acima de tudo, ética e dignidade, eis que não há dia em que tudo se destrói como um “castelo de cartas”.

É, com toda a legitimidade, questionável toda esta polémica em torno das dívidas à Segurança Social do Primeiro-ministro, por todas e mais algumas razões já aqui apontadas.
Mas quando se esperava de um Primeiro-ministro, envolto numa polémica desta natureza, explicações céleres e cabais, com o assumir pleno de responsabilidades (ou apontar responsabilidade a quem de direito), mas ao mesmo tempo (a posteriori) algum bom-senso, recato e sensatez política, eis que temos Pedro Passos Coelho a debitar argumentos e justificações diariamente e contraditórias (ou pelo menos nada convincentes e atabalhoadas). Pior ainda… temos um Primeiro-ministro a disparar contra tudo e contra todos, sem olhar a quem, e a pôr-se, nitidamente, a jeito. Pior ainda… a colocar a imagem dos políticos no grau menos zero da decência e da ética.

Como eu, aqueles que ainda acreditam na Justiça, aqueles que não condenam na praça pública, aqueles que não fazem juízos de valores até que a Justiça se pronuncie/julgue (independentemente das simpatias ou antipatias) não podem, nem devem, ficar indiferentes aos factos e às afirmações, sob pena de sermos coniventes com uma realidade que condenamos e deploramos.
Há alguns meses atrás, quando rebentou a “bomba” da detenção do ex primeiro-ministro José Sócrates, a maior preocupação (não só política, mas também da sociedade) era a separação de poderes, deixar à justiça aquilo que é da justiça, evitando a transformação política do processo.
Não é possível que Passos Coelho tenha descido tão “baixo” na retórica política e tenha caído na rasteira e na tentação do ataque político a quem nada tem a ver com o processo. Mais… com a posição e afirmação assumida, em jeito de combate político falhado, Passos Coelho transformou o processo judicial que envolve José Sócrates num processo político, esvaziando a componente e a vertente da Justiça.
Quando na passada terça-feira, nas jornadas parlamentares do PSD, no Porto, Pedro Passos Coelho respondia aos ataques da oposição sobre as suas dívidas à Segurança Social, poderia ter usado todas e quaisquer armas e retórica políticas, menos cair na tentação de trazer para o debate político, para a polémica pública, o nome de José Sócrates. E não vale a pena querer fazer passar por burros e estúpidos os portugueses. Já o deixámos de ser há muitos anos. Quando Passos Coelho afirmou nunca ter usado o cargo (de Primeiro-ministro, que é o que ocupa) para “enriquecer, para prestar favores ou para viver fora das suas possibilidades", obviamente que só se estava a referir ao ex primeiro-ministro preso em Évora. O resto é conversa fiada.

E com isto Pedro Passos Coelho retira a componente da Justiça do processo e envolve-o na vertente Política.
E com isto Pedro Passos Coelho dá mais uma enorme machadada na imagem, já paupérrima, dos partidos e dos políticos.
E com isto Pedro Passos Coelho condiciona o debate político nas próximas legislativas, para além de limitar a esperança do PSD num eventual sucesso eleitoral.
Triste… muito triste e deplorável.

Bodas de Prata do Público

Parabéns ao jornal Público pelo seu 25º aniversário.

Amado por muitos, indiferente a alguns e motivo de alguns ódios, a verdade é que, num curto espaço de 25 anos, face ao que é o panorama da idade média da imprensa nacional, o Público soube posicionar-se no jornalismo de referência, apesar de algumas polémicas fortes (relembro o caso de Miguel Relvas e a jornalista Maria José Oliveira, muito mal gerido internamente e condenável) ou os despedimentos de um considerável número de jornalistas e profissionais.

Apesar disso, continuamos ligados...

PARABÉNS.

25 anos Publico.jpg

Pior a emenda que o 'cianeto'...

passos coelho a rezar - foto miguel a lopes da LUSou como diz ainda melhor a sabedoria popular: "quanto mais se mexe na dita... pior ela cheira".

A propósito da polémica (grave) em torno da dívida (óbvia) de Passos Coelho à Segurança Social. Ou melhor... o lapso no pagamento da contribuição à Segurança Social (devida por força legal aprovada no tempo em que Pedro Passos Coelho era deputada na Assembleia da República) do actual Primeiro-ministro. (ver post "A culpa é (sempre) do mordomo").

Cabia a Passos Coelho, de uma só vez e de forma clara, concreta e concisa, uma explicação cabal e real aos portugueses.
Cabia à Segurança Social (ao Instituto da Segurança Social), quer ao actual presidente, quer aos anteriores (por incapacidade de cobrança da dívida) explicar as razões da ineficiência dos serviços que lideraram e lideram. Independentemente de outros procedimentos por exposição pública de dados do contribuinte e cidadão, Pedro Passos Coelho. Ou ainda, independentemente de todas as buscas, indícios e processos penais que possam surgir com a recentíssima investigação da PJ por suspeita de corrupção envolvendo altos quadros e lugares da Segurança Social. É que não vai ser fácil desviar as atenções.

Mas tão pior como as justificações pueris que foram prestadas pelo Primeiro-ministro e pelo Ministro da tutela (Mota Soares), são as tentativas de desresponsabilização política que se seguiram: Hugo Soares (PSD), no fórum TSF de ontem achou normal que Passos Coelho não tivesse pago as contribuições devida, algo também sublinhado pelo deputado social-democrata Carlos Abreu Amorim. E a cereja em cima do bolo vem pela voz do ministro da Defesa ao afirmar que considera "Passos Coelho um exemplo a esclarecer os assuntos".

É que esta afirmação do ministro Aguiar Branco mais não é do que um verdadeiro tiro no pé, sem ser necessário o recurso à memória do que foi a polémica em torno do caso Tecnoforma.

Pedro Passos Coelho afirmou, recentemente, sobre o caso que ninguém pode esperar que ele (Primeiro-ministro) seja um cidadão perfeito. O que aqui está em causa não é uma concepção de perfeição ou imperfeição, até porque perfeito, perfeito, acho que nem o Papa Francisco. Isso é uma realidade da condição humana.

O que se exige, porque em causa está a função e o papel exemplar de um Primeiro-ministro, é que se seja ético, verdadeiro, transparente, politicamente correcto. Porque tudo isto, ainda para mais no contexto político-financeiro em que o país vive e viveu nos recentes anos, não é uma questão do foro pessoal (enquanto mero contribuinte e cidadão)... é uma questão política que envolve um ex-deputado da nação, líder do maior partido (PSD) das últimas eleições legislativas, e actual Primeiro-ministro de um país resgatado, que recentemente abandonou o programa de ajustamento e que exigiu esforços épicos e heróicos à maioria dos portugueses.

Ninguém é perfeito... mas qualquer um pode (e deve) ser sério, ético, transparente, claro, cumpridor com as suas obrigações para que possa servir de exemplo no exercício dos cargos públicos que ocupa e para o qual foi mandato num claro sentido de relação de confiança entre eleitor e eleito.

Por muito menos, mas muito menos mesmo, houve demissões de cargos governativos e políticos ou abandono de candidaturas aos mesmos, em países como Suécia, Noruega ou Dinamarca (por meros euros, alguns casos na casa dos cem míseros euros). Gostamos tanto de invocar os bons exemplos dos nórdicos e de andar de "braço-dado" com o norte europeu, mas rapidamente esquecemos a sua cultura social e comportamental/cívica no que toca à coisa pública e política.

Era só isto, Sr. Primeiro-ministro. E já não é pouco... eu sei.

(créditos e direitos da foto: Miguel A. Lops - LUSA, retirado do Observador.pt)

A culpa é (sempre) do 'mordomo'

IGFSS3.jpgHá uma parte de um texto de um “hino" de uma escola” em Aveiro que, abreviando, diz mais ou menos isto: “mais vale a dura verdade que a melhor das mentiras”.

Tomara que alguns sectores da nossa sociedade tivessem esta frase como referência. Refiro-me, por exemplo, ao sector económico, ao financeiro e ao sector político.

No primeiro caso temos a facilidade com que o “ex” gestor de topo e de referência empresarial, Zeinal Bava, em plena Comissão Parlamentar de Inquérito, afirma não ter memória, desresponsabilizar-se e tornar (para além do ridículo e viral) um simples e mero ‘amador’. Sensação, aliás, transversal a qualquer deputado e grupo parlamentar.

No segundo caso, o “dono disto tudo” e o banco de referência nacional tornam-se arma de guerra familiar e num verdadeiro enredo siciliano. Ninguém usurpou nada, ninguém faliu nada, a responsabilidade de tudo era do “contabilista”.

No caso da política, a realidade é demasiado frustrante e angustiante. Nada que nos admire tal é a imagem de fragilidade ética transmitida por parte da classe política (e tanto faz os anos de experiência ou não). A verdade é que, raramente e salvo excepcionais excepções, os discursos e as retóricas políticas não correspondem às realidades conhecidas e vividas. Mais… a seguir a uma constatação e a uma dúvida, raramente surge a certeza de um esclarecimento capaz e factual ou o assumir as responsabilidades. Os exemplos são muitos e vêm de muitos quadrantes políticos, seja a nível partidário, seja a nível governativo.

Ao caso, não vale a pena Pedro Passos Coelho vir lamentar-se de que está em ano eleitoral e que há quem se preocupe publicamente muito com ele. Essa é a história dos anos eleitorais e da pressão pública sobre os candidatos. Sempre foi e sempre será, com toda a naturalidade. Até porque, como diz a sabedoria popular, quem não deve não teme. Fosse ele candidato norte-americano, nem que fosse à comissão de moradores do bairro, e seria “esfolado vivo”.

E a questão nem é a veracidade ou a eventual “criminalidade” dos factos. Mais do que a averiguação das responsabilidades é a forma como Passo Coelho, infantilmente, em jeito de “conto ou fábula infantil”, explica os factos. Lembremo-nos, por exemplo, a trapalhada com a Tecnoforma (explicações tardias, faltas de memória - agora chamadas de “Bavas” em vez de “brancas” - quanto a exclusividades e valores recebidos, documentos desaparecidos). Agora, veio a público nova polémica envolvendo o nome do Primeiro-ministro (raio do ano eleitoral) com a dívida, acumulada durante cinco anos, à Segurança Social (2880 euros, acrescidos de juros de mora, perfazendo o total de 3914 euros). Mas mais do que a polémica factual são as explicações infantis e a falta de respostas cabais para perguntas simples/pueris: (explicações) erro processual da Segurança Social (palavras do ministro da tutela) ou incapacidade da Segurança Social (palavras do próprio Primeiro-ministro). Nem uma palavra em relação ao que, de facto, aconteceu; porque não foi paga a contribuição (como qualquer trabalhador), sendo esta uma obrigação mais que conhecida e da sua inteira responsabilidade; porque não foi Passos Coelho, contribuinte, notificado, como são milhares e milhares de portugueses (muito espremidos até ao tutano por meros e míseros euros); porque é que falta capacidade processual e tributária à Segurança Social; porque é que o facto surge, só agora, em pleno ano eleitoral; como é que Passos Coelho paga uma dívida (por sinal pagou em fevereiro) que já tinha prescrito. Estas são, eventualmente, entre muitas outras, algumas questões que deveriam preocupar Passos Coelho numa explicação cabal ao país, porque a deve por força do cargo que ocupa.

Mas não se pense que à oposição basta vir de bandeira em riste a terreiro bradar a sete ventos que o “rei vai nu”… porque, no caso da imagem e ética política, são poucos os que ainda vestem roupa. Nem ao PS recorrer a todas as pedras que lhes surgem no caminho, porque os telhados de vidro são imensos e ainda frescos. Por exemplo, basta recordar o episódio de António Costa quando comprou uma habitação com recurso a crédito bancário e não pagou a contribuição autárquica nem a SISA (à data). Justificação do actual líder socialista: “tudo se deveu a meros lapsos do banco e da secretária que lhe preencheu a declaração”. E mais… nem a “arma socialista” do ex-presidente do Instituto da Segurança Social (do tempo da governação de José Sócrates), Edmundo Martinho, que acusa Passos Coelho de evasão contributiva, é mortífera e muito menos causará qualquer beliscão ou arranhão. Porque o feitiço vira-se contra o feiticeiro. Primeiro saber se uma dívida de cinco anos à Segurança Social, no valor de 2800 euros, é evasão contributiva ou fruto de algum recálculo. Segundo, importa questionar o ex-presidente o porquê do ISS não ter cobrado, atempadamente, nem notificado, a dívida ao cidadão Pedro Passos Coelho, precisamente quando Edmundo Martinho, era o responsável máximo pela competência da estrutura que dirigia.

Depois admiram-se da malta não votar...

Até siempre, Porsor Amadeu Ferreira

Amadeu Ferreira.jpg

Morreu Amadeu Ferreira. A notícia caiu-me como uma "bomba".

Grande impulsionador da segunda língua oficial portuguesa, o mirandês...
Um dos principais impulsionadores da lei que aprovou o Mirandês como língua oficial...
Grande impulsionador da história e da língua que esteve na origem de Portugal...

Traduziu obras como os Lusíadas, a Bíblia, duas publicações do Asterix, a Mensagem de Fernando Pessoa, entre outros.

Tinha a história da língua mirandesa, a sua divulgação e promoção, no coração. Um "coraçon einorme".

A preservação e divulgação da Língua Mirandesa deu-lhe uma coragem e uma capacidade de luta que aplicou para fazer face à doença que o atormentava há algum tempo. Mas nenhum homem é de ferro, por mais lutador que seja.

Além disto tudo, Amadeu Ferreira é o responsável por um dos trabalho académicos que mais prazer me deu fazer e que melhor resultados tive, em Língua e Identidade Cultural. Assim como foi o seu trabalho e papel que me serviram de exemplo pela paixão da identidade cultural que tanto caracteriza e diversifica este país, que tanto me faz admirar a nossa origem e essa região de "por trás os montes".

R.I.P. Amadeu Ferreira

"Até siempre, Porsor"... "paç a la sue alma".

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