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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

A bandeira “maioria”

eu_DA_debaixo-dos-arcos.jpgpublicado na edição de hoje, 31 de maio, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
A bandeira “maioria”

Já por diversos momentos que o Presidente da República, Cavaco Silva, apela a consensos partidários e a maiorias eleitorais (salvaguardando o distanciamento partidária, diga-se em abono da verdade).

Nesta fase de pré-campanha eleitoral, a par da recondução do Governador do Banco de Portugal, das pensões, da privatização da TAP e da TSU, PSD/CDS e PS têm, amiúde, vindo a apelar à conquista de uma maioria nas cada vez mais próximas eleições legislativas. Curiosamente, quer Cavaco Silva, quer Passos Coelho e Paulo Portas, quer António Costa, têm razão.

O sistema democrático que “professamos” (o tal “do mal o menos”; não é o perfeito mas, mesmo assim, o mais desejável) tem a dualidade paradigmática da governação maioritária. Para o “poder” a maioria legislativa facilita os processos de governabilidade e permite a estabilidade da governação. Para o cidadão, mesmo sendo essa a opção, livre e democrática, da maioria dos eleitores (votos expressos), comporta o “risco democrático”, da imposição e aplicabilidade prática de processos mais autoritários ou de vontades políticas únicas e unilaterais, por mais eficazes que sejam os mecanismos de regulação.

Para os partidos que se submetem a sufrágio o apelo à conquista de uma maioria é o resultado óbvio e legítimo como consequência das diferenças ideológicas e/ou programáticas, da diferenciação das suas propostas eleitorais, submetidas aos escrutínio do voto popular.

A par dos conceitos, a visão da governabilidade em maioria tem, no entanto, percepções diferentes para os agentes políticos referidos (Presidente da República, coligação PSD-CDS e PS).

Para um Presidente da República a nomeação de um Governo e a gestão do processo pós-eleitoral da sua responsabilidade e previsto na Constituição, é, claramente, facilitado se o resultado eleitoral traduz uma maioria. Caso contrário, a necessidade de consensos e acordos ou o “fantasma” de novo processo eleitoral torna-se evidente e real.

Se o PS não conquistar a maioria, António Costa ficará obrigado a um esforço negocial à esquerda extremamente complexo face ao distanciamento e à fracturação que se tem verificado na esquerda portuguesa. Sendo claro que, apesar disso, terá sempre mais vantagens que o PSD/CDS.

No caso da coligação PSD-CDS uma não maioria significará a ingovernabilidade já que ao centro e à esquerda não se afigura qualquer capacidade ou possibilidade de consenso pós-eleitoral. São claras e inúmeras as clivagens com o PS e imensuráveis as divergências com a esquerda, não havendo alternativa parlamentar à direita. Daí que tivesse sido óbvia e natural, também por esse motivo, a apresentação da coligação já que, no actual e vigente quadro eleitoral e representativo, o somatório dos (eventuais) votos do PSD e do CDS poderão permitir a estabilidade parlamentar necessária para a formação de um governo maioritário. Mas é para a coligação PSD-CDS que a conquista da maioria se torna mais vital e essencial para a sua sobrevivência política.

Por último, um dado se torna evidente. Apesar de algumas vozes, incluindo, mesmo que implicitamente, a do Presidente da República, desejarem ardentemente um Bloco Central, uma “aliança” PSD-CDS e PS traria para a democracia um sério risco: o aparecimento ou o suscitar dos extremismos e radicalismo partidários e ideológicos perfeitamente indesejáveis.

Era evitável o "amuo"

Banco de Portugal.jpgO PS resolveu chamar à agenda política o caso da recondução de Carlos Costa à frente dos destinos do Banco de Portugal.

Não fosse estarmos em plena pré-campanha eleitoral, antes do interregno balnear, e teria algumas dúvidas que o “amuo político” do PS fosse o mesmo, ou pelo menos com a mesma perseverança, num outro contexto (por exemplo, numa primeira metade de um mandato legislativo). É que os argumentos ou os fundamentos para a crítica têm alguma falta de consistência. Por parte e por pontos…

  1. O facto de estarmos a meros meses das eleições legislativas pesa na recondução de Carlos Costa no Banco de Portugal. Não fazia qualquer sentido estar, nesta altura, a procurar outro nome tendo como cenário uma possível destituição pós-eleitoral, em função dos resultados das eleições.
  2. A acusação de “partidarização” da escolha é uma falsa questão. Independentemente da unilateralidade da escolha, Carlos Costa não teve o perfil e as responsabilidades político-partidárias que, por exemplo, Víctor Constâncio. Importa ainda relembrar que Carlos Costa foi nomeado Governador do BdP na última legislatura de José Sócrates. É atirar pedras ao telhado vizinho com telhados de vidro.
  3. É legítimo que um Governo, no pleno exercício do seu democrático mandato, tendo na sua agenda política a resolução do caso BES/Novo Banco até ao final da legislatura queira manter o actual Governador do BdP pelo conhecimento e acompanhamento do processo.
  4. E tomando como argumento o “caso BES” a verdade é que o BdP e, por consequente assumpção de responsabilidades, o seu Governador não tinham que intervir na gestão interna de um banco. Apenas fazer cumprir e promover a regulação e fiscalização. Só que o grave problema da regulação bancária não pode, a bem da verdade e por justiça, ser imputado a Caros Costa. É uma questão de mentalidade interna do BdP, de subserviência ao próprio sistema bancário e à banca. E, acima de tudo, é um problema com passado e história bem enraizados. Um problema que o passado e a história de casos como o BPP, BCP, BPN, fundamentalmente, não souberam trazer qualquer tipo de ensinamento ou ilações.
  5. Por último importa questionar. O PS colocou em causa a capacidade de governação, as competências e as habilitações para o desempenho do cargo, de Carlos Costa? Não colocou. O PS transpôs para o debate, aproveitando o caso da recondução do Governador, o futuro da regulação e da fiscalização, ou o papel do Banco de Portugal? Não transpôs.

O que era verdadeiramente importante ficou à margem… prevaleceu, uma vez mais, a politiquice e a guerrinha pré-eleitoral. Amuos, portanto…

A ler os outros... Justiça a Fernanda Câncio.

f cancio - dn 29 de maio.jpgO artigo/crónica da Fernanda Câncio, publicado na edição de hoje do Diário de Notícias, merece uma reflexão mais cuidada e atenta.

A Fernanda já escreveu artigos muito mais interessantes (e soberbos), outros nem por isso. Já escreveu artigos (a maior parte) com os quais eu concordo (em grau, género e número), alguns dos quais foram “referência” para artigos meus no Diário de Aveiro, e já escreveu outros (poucos mas alguns) com os quais só me apetecia gritar com ela (o que era infrutífero porque ela não me liga nenhuma). Assim... o texto de hoje é diferente em quê e porquê? Por várias razões, intrínsecas e extrínsecas (assim mesmo, com léxico “rococó” porque o momento o exige).

É certo que a Fernanda Câncio já foi, por várias vezes, motivo de “A ler os outros…”. Por uma razão de declaração de interesses importa dizer que tenho a Fernanda Câncio (e ela sabe-o) como um referência profissional e em outros âmbitos (curisoamente, menos o político-partidário). Não é segredo nenhum; como não o é, felizmente, que o mundo me vai dando outras e boas referências, nos mais distintos âmbitos e universos. Mal de nós quando nos julgamos superiores a tudo e a todos e não cuidamos de ter as “nossas referências de vida”.

Lamechices à parte…

  1. O texto, de hoje, da Fernanda Câncio, tem a particularidade de dar uma “lição de moral política”, com toda a legitimidade e autoridade, para aqueles que acham que fazer política é apenas enveredar pelo carneirismo cego ou apenas a motivação do “deitar abaixo e criticar por criticar”. A consciência e liberdade políticas, a coerência e a racionalidade, o equilíbrio e a justiça, fazem-se e possuem-se tendo a capacidade para saber reconhecer os aspectos positivos e negativos da actuação política alheia, independentemente do lado da “barricada”. O reconhecimento do mérito alheio não é sinal de fraqueza, anste pelo contrário... é sinal de personalidade, de coerência, de dignidade. Se a ministra das Finanças tem razão, qual o constrangimento ou o demérito políticos em reconhecê-lo? Tomara que isso servisse para muito partido e político reflectirem. Principalmente, nesta fase de pré-campanha eleitoral, onde se usa (e abusa) a questão das reformas apenas como arma do confronto político, na maior parte dos casos, sem consistência nenhuma, sem factualidade e com inúmeras contradições e indefinições.
  2. Mas não só… para aqueles que, por inveja, por complexo de inferioridade, por desdém, gostam, tantas e tantas vezes, de criticar o profissionalismo da Fernanda Câncio (embora isso seja para o lado que ela dorme melhor) têm aqui a prova, a mais que confirmação, de que o rigor, a verdade, a transparência, mesmo acima da isenção, são a marca jornalística da Fernanda, por mais vorazes (ou assertivas) que sejam as suas palavras. Falem agora de “tendenciosa”, de “esquerdalha” e outros adjectivos (uiiii, havia tantos) já tantas vezes proferidos... Esta é a prova que, no jornalismo, é possível ser-se rigoroso, verdadeiro, claro, objectivo, sem ter a necessidade de se recorrer ao "chavão" da isenção e imparcialidade. Antes pelo contrário.
  3. O artigo/crónica em si tem ainda outra particularidade. E nisso a Fernanda foi exemplar. Num “artigo de opinião” ou “crónica” (importa referir que ambos são géneros jornalísticos) onde o factor opinativo, pessoal, crítico, é predominante, é interessante conseguir descortinar a inúmera informação divulgada pelos factos, números e questões que a Fernanda levantou e posicionou antes do seu remate final. Afinal, para os incrédulos e "velhos do restelo", é possível opinar e informar/noticiar ao mesmo tempo. Embrulhem.

Aprendam que ela ainda dura, embora não seja para sempre (como tudo nesta vida).

ainda a propósito... da (última) Irlanda.

A propósito do expressivo resultado do referendo realizado no passado fim-de-semana, na Irlanda, sobre a alteração à constituição irlandesa que permita (ou legitime) o casamento entre pessoas do mesmo sexo, ainda há, infelizmente, com demasiado peso na cúpula e estrutura eclesiástica, quem, na Igreja Católica, teime em desvirtuar um dos princípios e fundamentos do cristianismo: um Cristo inclusivo, de todos e para todos, sem excepção… porque o “acreditar” é uma questão de opção pessoal e de vida, não é uma imposição ou normativo. Aliás, há quem seja capaz de citar cânones ou as escrituras, de cor e salteado, de trás para a frente, mas esqueça facilmente de coisas tão simples e fundamentais como dos primeiros conceitos que aprendemos (em casa e na catequese): “amar (respeitar) o próximo como a ti mesmo”.

Independentemente das posições “sim” ou “não”, pró e contra, a verdade é que o resultado surpreendeu. Surpreendeu pela expressão mais de 62% de “YES”. Surpreendeu pela imagem que a Irlanda sempre transportou de um dos países massivamente católico extremamente conservador. Surpreendeu porque não havia noção e percepção de que os inúmeros casos polémicos que envolviam a Igreja (pedofilia, abandono de recém-nascidos às portas das instituições religiosas, etc.) também (repita-se, também) poderão ter influenciado o resultado e poderão indiciar uma queda do conservadorismo católico irlandês. Nota complementar… não deixa de ser curiosa, ainda no ano passado, a posição do Arcebispo de Dublin ao afirmar publicamente que os católicos irlandeses deveriam assumir, em consciência, a sua opção de voto, sem constrangimentos.

Infelizmente, ainda há demasiadas barreiras e muros significativamente altos para transpor nesta Igreja que teima em não querer viver os dias de hoje.

Não foi preciso esperar muito para que os iluminados da Cúria viessem a terreno “excomungar” os resultados do referendo.

Foi desta forma que o secretário de Estado do Vaticano, Pietro Parolin, se referiu ao referendo realizado na semana passada, na Irlanda: “Não se pode falar apenas numa derrota dos princípios cristãos. É uma derrota para a Humanidade” (fonte: TSF). Felizmente, quem ganhou foi a humanidade, foram as legítimas opções de vida de cada um, foram os fundamentais princípios cristãos, aqueles princípios que estão muito para além da “igreja dos homens”; os que estão na essência da “igreja de Cristo”. Aliás, posição oposta e de um enorme sentido de responsabilidade teve, mais uma vez, o Arcebispo de Dublin ao afirmar: “a Igreja deve ter em conta esta realidade, mas para mim deve reforçar a nossa missão de evangelizar. A família tem de continuar a estar no centro de tudo, devemos defendê-la e promovê-la” (fonte: TSF).

Isto sim… deveria servir de exemplo e de reflexão para a Igreja, como o deveria ser muitos outros (maus) exemplos de actos, convicções e posições públicas: apesar do esforço e do combate iniciado pelo Papa Francisco, a forma inaceitável e condenável como a Igreja trata os (comprovados) casos de pedofilia e abusos sexuais; apesar do esforço e dos vários discursos do Papa Francisco sobre o papel das mulheres, há uns “iluminados” que continuam na era das cavernas, das trevas ou do medievalismo bacoco, como a afirmação pública. Desta feita, o bispo de Alcalá de Henares (província de Madrid, Espanha), Juan Antonio Reig Pla, que afirmava, em janeiro último: “é necessário retirar o direito ao voto às mulheres porque ultimamente pensam por si mesmas”. Ou ainda, “a igualdade entre homem e mulher não é uma luta de direitos mas sim de ideologia que tem levado a um processo de destruição da pessoa”, sem esquecer as críticas ao facto das mulheres reivindicarem igualdade de oportunidades na sociedade e no trabalho/profissão. O ditado dizia “de Espanha nem bom vento, nem bom casamento”. Eu acho o ditado errado. Não me preocupam os ventos, nem os casamentos (sejam eles quais forem). O que me preocupa é que “de Espanha… nem bons conselhos”, até porque fundamentalismos destes, do outro lado da fronteira, sabe-se bem qual a origem.

O Papa Francisco tem pautado o seu pontificado por uma Igreja mais próxima das pessoas, mais aberta, menos materialista, menos problemática e complexa. Aliás, exemplo disso foram, inclusive, as criticas a ele dirigidas pela sua flexibilidade de princípios aquando do último sínodo da família. O Papa Francisco tem, aqui, nesta área e neste universo, dois bons exemplos para confirmar junto dos católicos (e não só) o que tem sido a imagem da “sua “ (visão pessoal) Igreja.

Não podemos assobiar para o lado

eu_DA_debaixo-dos-arcos.jpgpublicado na edição de hoje, 27 de maio, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Não podemos assobiar para o lado

O Presidente da República, Cavaco Silva, no encerramento da IV conferência "Roteiros do Futuro", que decorreu na Fundação Champalimaud há pouco mais de uma semana, afirmou que era preocupante o crescente estado de apatia cívica e indiferença dos jovens perante a política. Excluindo o facto de Cavaco Silva, mesmo como Presidente da República, ter muito pouca legitimidade para falar sobre os jovens (e muito menos “acusá-los”) porque nem uma palavra se ouviu quando o Primeiro-ministro e o Secretário de Estado da Juventude aconselharam os jovens portugueses a emigrarem ou quando são conhecidos os elevados valores do desemprego jovem e dos recém-licenciados, a afirmação de Cavaco Silva merece, no entanto e apesar, uma especial atenção. Principalmente porque podemos e devemos generalizar o universo do público-alvo e alargar a preocupação à generalidade dos cidadãos.

A política também se faz (e deve fazer-se) fora do âmbito partidário já que, em sentido lato, ela é um dos motores da sociedade e do seu desenvolvimento.

É conhecido o afastamento dos cidadãos (várias gerações) em relação à política, entenda-se aqui aos partidos, às instituições democráticas, à política partidária, sendo certo que muita da responsabilidade desse afastamento cabe aos políticos e às instituições pela péssima imagem que têm transmitido. Mas também é verdade que os próprios cidadãos têm responsabilidade e acrescida. A democracia representativa tem o senão de ter uma significativa dificuldade de abrir mão do poder adquirido (pelo voto) e de se abrir à participação dos eleitores, seja a nível nacional, regional ou local, com as atenuantes de ser mais ou menos flexível em função da personalidade e da característica política de quem detém o poder, mesmo que, a bem da verdade, seja visível a promoção de espaços para a participação. É assim e sempre assim o foi, mesmo nos tempos mais caóticos da democracia. A questão é que, perante esta realidade e este contexto, os cidadãos tomam a pior decisão: a indiferença, o alheamento, a ausência de associativismo, a vacuidade da participação cívica, a transferência da responsabilidade para os outros (o poder político). Nem mesmo a importância da criação de massa crítica, de conceções e confronto de ideias, mobiliza a sociedade. E só por isto, pela necessidade de se percecionar as realidades sociais e políticas, de confrontar conceções e convicções distintas, de relevar a importância do conhecimento e do saber, é extremamente urgente que os cidadãos deem expressão prática ao exercício pleno do direito de cidadania, sem estarem à espera que o primeiro passo seja sempre dado por aqueles que, no fim, tanto criticam e acusam.

A participação cívica não deve ficar apenas pelo mediatismo e pelo envolvimento na gestão pública. Antes pelo contrário, ele é muito mais que isso. É a promoção de espaços dentro da mesma, de encontro, debate, participação e confronto de ideias, e, dessa forma, também fazer política. E nisto, Cavaco Silva tem razão. Ainda na passada semana a Plataforma Cidades promoveu um excelente e interessante debate sobre a “Economia do Futuro”. Mais do que a notada ausência de “políticos” foi significativa a ausência de jovens, numa discussão de um tema que, mais do que a outros, diz diretamente respeito aos que têm muito futuro à sua frente. Mais ainda… mais preocupante que a ausência fica a eventualidade da não participação dos jovens porque da coisa política se afastaram, se alhearam e perante a qual são, provavelmente, indiferentes. Nada pior do que a indiferença quanto à construção, já hoje, do futuro porque o mesmo não se prevê, constrói-se. E é verdadeiramente problemático se a sociedade, dentro de si mesma e para além da estrutura político-partidária, não promove o “espaço público” ou não potencia o exercício de cidadania, sem esperar ou responsabilizar outrem.

Oh Fuck Yeah

casamento gay.jpgA Irlanda aprovou, por referendo, alteração à sua constituição de forma a permitir a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. O momento é histórico por duas razões, uma do ponto de vista formal e a outra do ponto de vista social.

É histórico porque a Irlanda é o primeiro país do mundo a aprovar o casamento homossexual por vontade popular manifestada em referendo. Se considero que não devem ser referendados, levados à decisão popular das maiorias prevalecentes, eventuais ou reais direitos de minorias, a verdade é que a excepção confirma a regra por força legal já que na Irlanda alterações a normas constitucionais só são possíveis após referendo. Não deixa, por isso, de ser notório e histórico que a maioria prevalecente (e isto não é um pormenor) tenha expressado um claro “Yes/Tá” à legalização do casamento de pessoas do mesmo sexo, tornando a Irlanda no primeiro país a fazê-lo desta forma passados, precisamente, 20 anos após a legalização do divórcio (em 1995) também por um processo de referendo.

Também não menos histórico, ou até mais histórico, é que a Irlanda seja o 19º país a legitimar o casamento de pessoas do mesmo sexo (o 14º país europeu, incluindo Portugal) e a reconhecer a livre opção individual dos cidadãos de escolherem, com toda a sua legitimidade e, acima de tudo, com os mesmos direitos (e deveres), as suas formas de vida e de relações. E o histórico não está, obviamente, no facto de ser o 19º país (não há nada de especial neste número). Mas se olharmos, a par de um ou dois países europeus (Polónia, por exemplo) ou na Ásia (Filipinas, por exemplo), para a Irlanda como um dos países católicos mais conservadores (há 20 anos era proibido comprar preservativos), mais de 60% da população expressar a legitimidade do casamento homossexual é, de facto, um momento histórico.

Como católico, o memorável do resultado tem dois aspectos relevantes. O primeiro, é um claro sinal de mudança de mentalidades e na forma como os católicos encaram a realidade, tornando a Igreja mais inclusiva e menos castradora ou segregadora, mais respeitadora. À semelhança, aliás das posições públicas tomadas por Diarmuid Martin, Arcebispo de Dublin, ainda em 2014, ao recusar influenciar/pressionar o sentido de voto dos cidadãos, independentemente de votar (como Bispo) pelo ‘não’. Segundo, não é de todo indiferente uma mudança no radicalismo e conservadorismo dos católicos irlandeses (pelo menos fora da sua hierarquia clerical) face aos inúmeros e vergonhosos casos públicos e comprovados de pedofilia praticados na estrutura da igreja católica irlandesa ou pelos conhecidos casos de abandono de recém-nascidos às portas das instituições religiosas.

Como afirmou Miguel Esteves Cardoso na sua coluna de opinião, no jornal Público, o conservadorismo católico irlandês, felizmente, deu lugar ao verdadeiro sentido de se ser católico.

Inveja dos Irlandeses, orgulho em ser católico (no verdadeiro e pleno significado).

Estaremos mais violentos?

eu_DA_debaixo-dos-arcos.jpgpublicado na edição de hoje, 24 de maio, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Estaremos mais violentos?

Tem sido foco de atenção (em alguns casos, demasiada atenção) mediática e presença na agenda pública os casos de violência que têm assombrado os últimos dias ou as últimas semanas. Deixo, por razões mais que óbvias, o óbvio (passe a redundância semântica) condenável caso do cidadão agredido por um subcomissário da PSP, frente aos filhos e ao seu pai, em Guimarães, no passado domingo. Apenas uma nota: independentemente da revolta, não faz sentido tomar a floresta pela árvore.

O que me prende a atenção tem a ver com o caso de bullying numa escola na Figueira da Foz tão mediatizado. Só quem não frequentou o liceu nos finais da década de 70 e até meados da década de 80 (incluindo colégios internos) pode achar a situação divulgada como novidade: ofensas corporais, agressões psicológicas, humilhações, suicídios, sempre foram realidades do universo escolar. Uns anos com mais ou menos incidências, num ou noutro ambiente ou numa ou outra região com maior preponderância. E não apenas no ensino secundário se nos reportarmos a realidades noticiadas e outras escondidas no universo universitário. Passe a metáfora semântica sempre houve um “caixa de óculos”, “o gordo que só ia à baliza”, “um minorca”, “um beto”, “a fulana dos dentinhos de coelho”, “o machão com mais fama que proveito”, “a que ia com todos”, “os que fumavam e os que não fumavam”, “o marrão”, o “graxista”, “…”. Contextos de agressão (física ou psicológica), de segregação social, de pressão e chantagem fazem parte da história do ensino e da vivência escolar. Não são exclusividade das realidades sociais de hoje. E digo realidades sociais porque aqui se pode incluir, para além do universo escolar, por exemplo, o universo profissional e o corporativo (a título de exemplo: o militar). Tudo isto é aceitável? Não. Tudo isto deve ser minimizado? Não. Estes contextos devem ser criminalizados? Sempre. Mas a verdade é que nada disto é novidade e consequência apenas dos dias de hoje (com tudo o que isso signifique). Há, no entanto, uma diferença: a da dimensão do mediatismo e a facilidade com que são publicitadas e divulgadas. E esta realidade dá, de facto, uma outra dimensão ao problema. Face às novas tecnologias e ao acesso à internet, um contexto de bullying comporta impactos até há poucos anos inimagináveis e não calculáveis, não só pelo efeito que tem sobre a vítima, mas também pela noção de poder que dá ao agressor e pelo efeito multiplicador. No caso do aluno de uma escola da Figueira da Foz, não bastava o condenável ato em si mesmo, para ser ainda mais criticável a gravação e divulgação do vídeo na rede e nas plataformas sociais. Mas o que também se tornou preocupante foi a reação negativa ao episódio: os muitos que rapidamente vieram a público condenar e criticar o inaceitável ato, acabaram, por força do meio, por terem a mesma postura dos agressores, quer em palavras (ameaças, tom das críticas), quer em atos (divulgação do vídeo – republicação – sem a preocupação em encobrir os rostos dos envolvidos, já que se tratava de menores… algo que tem implicações legais). Por outro lado, a própria comunicação social (aí com o cuidado da divulgação ‘limpa’ das imagens) acabou por dar uma “ajuda à festa” pela forma massiva com que tratou o caso.

É óbvio que tudo isto é condenável, que o bullying deve merecer especial cuidado e tratamento. Mas aí é que reside a questão. É que de ambos os lados da “barricada” a única coisa que se conseguiu foi redimensionar o problema para níveis que não favorecem nada o seu combate. Veja-se, por exemplo, o efeito multiplicador no conjunto de notícias que vieram a público na imprensa, nos dias imediatos, de casos semelhantes, como se não tivesse havido um “ontem” (passado) em toda esta realidade.

Curioso é que não vimos os jovens, pais ou encarregados de educação, comunidade escolar, autarquias, governo/Estado (principais organismos e ministérios relacionados com a problemática), comunidades, autarquias, a tomarem medidas, posições públicas e reforço das políticas de combate à agressão, à exclusão e segregação, à violência, ao bullying. Só nos lembramos de Santa Bárbara quando troveja.

Nota final para os acontecimentos no Marquês, no passado domingo. Por alguma razão cada vez há menos gente nos estádios e a ligar ao futebol. Por mais que queiram fazer ver o contrário, o que se passou é futebol. E é-o demasiadas vezes. Se não fosse não acontecia sempre que o futebol envolve dimensão humana e fanatismos clubísticos. E acontece demasiadas vezes.

Em jeito de "fecho".

Ontem foi dia de receber, felizmente, inúmeros, muitos mesmos (mais do que esperado e, eventualmente, merecido) votos de parabéns.

E, com toda a naturalidade da vida real ou virtual, uns foram mais circunstanciais, outros mais pessoais, um ou outro mais profundo (por acaso ninguém me tratou mal, mas só por acaso)... mas a todos quis responder (espero não ter falhado nenhum). Mais uma vez (para que não restem dúvidas ou falhas) a todos Muito Obrigado.

Fica assim o registo de "fecho" comemorativo com uma nota especial. Há 49 anos isto não teria qualquer sentido sem os verdadeiros "aniversariantes". Obrigado Mãe. Obrigado Pai.

pai e mae.jpg

 

Pensar a economia do futuro

eu_DA_debaixo-dos-arcos.jpgpublicado na edição de hoje, 17 de maio, do Diário de Aveiro.

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Pensar a economia do futuro

A “Plataforma Cidades”, grupo de reflexão cívica sediado em Aveiro, vai promover, no próximo dia 19 (terça-feira – 18.30 horas), na Fundação Engenheiro António Pascoal, um debate sobre a “Economia do Futuro”, centrado no recente trabalho de investigação coordenado pelo Professor João Ferrão, investigador coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, financiado e publicado (dezembro de 2004) pela Fundação Francisco Manuel dos Santos: “Que economia queremos?”, numa visão de cidadãos, empresários e autarcas, para a Economia do Futuro. Não é de todo irrelevante e uma questão semântica falar-se de “economia do futuro” e não o “futuro da economia”. Resulta da urgente necessidade de inversão do foco do desenvolvimento, transformando a economia num meio para o referido desenvolvimento e não num fim em si mesma, gerando a inevitabilidade do repensar de conceitos, estratégias, políticas e comportamentos de todos: cidadãos, empresários, comunidade científica e políticos. Várias foram as questões que estruturaram o estudo e que foram colocadas às três tipologias de inquiridos: que futuro queremos? qual o papel da economia nesse futuro? que tipo de economia deve ser projectada? entre outras, tendo por base três conceitos: a economia de crescimento (modelo vigente); a economia verde (melhor gestão dos meios e recursos) e a economia do bem-estar (transformação acentuada da economia e da sociedade). A inevitabilidade do impacto da crise de 2007/2008 e da realidade portuguesa antes e após 2011 (não é de todo possível uma reflexão séria e consciente sem esta vivência) levam-me a rejeitar o primeiro cenário pelos efeitos que tem gerado na sociedade, sendo óbvia a indesejável continuação do caminho percorrido e dos resultados gerados e que criaram todo este cenário. A economia de crescimento verde não se afigura como prioridade, já que figura apenas como uma fração da estruturação e do papel da economia, independentemente da importância da gestão dos meios e recursos naturais limitados.

Sendo de todo improdutiva qualquer projeção do futuro, dada a volatilidade e a total incerteza do amanhã (“o que hoje é verdade, amanhã poderá ser mentira”), a necessidade de se repensar radicalmente o papel da economia no futuro das sociedades passa por construir, hoje, de forma consistente, realidades que sustentem o amanhã. E a principal mudança deve estar focada na construção do novo paradigma económico: a pessoa como o centro de qualquer modelo económico (aliás, reflexão proferida, não há muito tempo, pelo Papa Francisco no seu discurso na União Europeia). Quando a economia for capaz de assumir como foco o valor do trabalho, como fator gerador de riqueza (o mais relevante, para não dizer o único) e de estabilidade social, aí sim será garante claro do desenvolvimento social e económico das comunidades. Sem esta alteração do paradigma, sem esta valorização da importância do “trabalho”, não faz qualquer sentido repensar políticas e estratégias de flexibilização de horários e políticas laborais, de dinâmicas sociais no seio das empresas (melhorias das condições de trabalho, respostas às necessidades familiares, etc.), de eventuais aumentos da carga fiscal (individual ou coletiva) como fator de melhoramento das respostas e do papel social do Estado, entre outras. Por mais vontades que surjam acabará por vingar a atual economia de crescimento e muito dificilmente se diminuirá o desemprego; permanecerão ou aumentarão as desigualdades sociais, os contextos de pobreza e o limiar de sobrevivência aos quais já nem alguns grupos ativos (com emprego) muitos portugueses escapam; não haverá capacidade de investimento; faltará capacidade aos cidadãos e às famílias de gerar consumo sustentado (sem os riscos do recurso às fragilidades e instabilidades dos sistemas financeiros – crédito) com eventuais impactos negativos na produtividade e sustentabilidade do tecido empresarial; manter-se-á a instabilidade social; permanecerão os impactos negativos na sustentabilidade do Estado e do seu papel social, seja em que modelo for.

Resta a todos, a todos os sectores, sociedade, tecido empresarial, comunidade científica, decisores políticos, uma urgente alteração de conceitos, de visão, de comportamento, de políticas, que coloquem a economia ao serviço da pessoa, com a urgente importância do valor do trabalho, seja a nível quantitativo (monetário), seja a nível a qualitativo. Pela melhoria do bem-estar.

ainda a propósito do preconceito sanguíneo

dar sangue.jpgA propósito do meu artigo publicado na edição de quarta-feira última no Diário de Aveiro ("do preconceito ao moralismo"), fica o registo de três notas que me merecem especial atenção e merecem devido destaque:

1. O comentário da Cláudia Rocha que deixou informação relevante (devidamente agradecido):

«Números de 2012: "Em 2012, foram recebidas notificações correspondentes a um total de 1551 novos casos de infeção VIH, dos quais 776 referiam diagnóstico nesse ano. Destes últimos, 41,1% residiam no distrito de Lisboa, a maioria registou-se em homens (70,7%), a idade mediana ao diagnóstico foi de 41,0 anos, 28,4% referiam ter nascido fora do país e 31,8% estavam em estádio de SIDA. A via sexual foi o modo de infeção indicado na maioria dos casos, com 63,1% a referirem transmissão heterossexual e 24,1% transmissão associada ao sexo entre homens. Em 10,0% dos novos casos a infeção está relacionada com consumo de drogas."»

2. O excelente artigo da Fernanda Câncio publicado no Diário de Notícias, na passada sexta-feira: "Sangue homo é melhor".

3. Deixando de parte qualquer identificação ideológica, bem longe disse, a verdade é que este texto do dirigente bloquista, José Soeiro, tem uma abordagem significativamente interessante sobre o assunto: "É o estúpido, ciência!".

R.I.P. (the) KING

Morreu B.B. King (Riley Ben King - Blues Boy King - B.B. King)
R.I.P. ao Rei do Blues.

A grande lenda do blues morreu, hoje, com 89 anos, e silenciou-se o principal herdeiro do blues do Mississipi e da colossal tradição do Memphis (Tennessee).

Felizmente não foi preciso este triste momento para me lembrar do grande King, já que o "blues de uma só nota" sempre foi, é e será presença constante. A última escolhe recaiu sobre o Riding with the King, álbum de 2000, com Eric Clapton.

Houve, pela história da música e da origem do blues, um pré B.B. King.
Houve, pela mestria, pela criação, pelo preservar da herança, um B.B. King.Não acredito que, depois de hoje, haja alguém que consiga chegar ao trono do Rei do Blues.

The KING is died. Até sempre B.B.

BB King e Eric Clapton.jpg

do preconceito e moralismo

eu_DA_debaixo-dos-arcos.jpgpublicado na edição de hoje, 13 de maio, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
do preconceito e moralismo

Os extremismos e os fundamentalismos, cada vez mais crescentes nas diversas sociedades, têm como resultado igual reforço do preconceito e do pseudomoralismo, em claro detrimento da inclusão, do respeito pela diferença e da não segregação. Acresce ainda a preocupante tendência para, com demasiada facilidade, se desvalorizar o ridículo e se menosprezar convicções extremistas e fundamentalistas (a menos que algo de trágico ocorra). Mas a verdade é que estas realidades vão surgindo e vingando na sociedade (e na política) e que, essencialmente, atentam à dignidade humana e ao inquestionável direito à diferença. Mais ainda, vão ganhando demasiados adeptos. E isto deveria preocupar. A título de mero exemplo… Em março foi notícia a proposta de lei – “Lei da Supressão Sodomita”, apresentada pelo advogado McLaughlin, no Estado da Califórnia, que pretendia implementar sete medidas contra a homossexualidade, entre as quais a execução com um tiro na cabeça. Para as luzes da ribalta, do perfeito anonimato para o viral, saltou o nome Pedro Cosme Vieira, professor universitário, com expressões referentes à migração e aos doentes infectados com HIV: “barcos com petralhada”, “afundar os barcos e matar toda a gente” ou “o abate sanitário de todos os infectados (HIV)”. E isto, aqui mesmo, em Portugal em pleno sec.XXI. Já em plena campanha eleitoral britânica o líder do partido eurocéptico UKIP, Nigel Farage (claramente derrota nas eleições britânicas mas que nas últimas europeias foi a terceira maior força política, em votos) defendeu a limitação e a expulsão de imigrantes (redução para 90%) e responsabiliza a imigração pelos casos de HIV no Reino Unido (60% dos 7 mil infectados em Inglaterra), dando viva voz à crescente xenofobia e homofobia. Ainda recentemente, e de regresso aos Estado Unidos, surge, de novo, o fundamentalismo religioso (tal como no caso da Lei da Supressão Sodomita) como argumentação para a exclusão social, para a xenofobia e para a homofobia. Uma norte-americana, Sylvia Ann Driskell (segundo a própria, “representante de Deus”) apresentou, formalmente, queixa num Tribunal do Estado do Nebrasca contra todos os homossexuais, imagine-se, do planeta. Tudo isto com a ridícula fundamentação do “pecado, da religião e da moral”. Independentemente da minha opção e orientação sexual não tenho qualquer direito, moral ou superioridade para julgar quem, por opção e convicção próprias, tem outros rumos e orientações de vida (de regresso à tolerância e liberdade do caso “Charlie”). Mais, como cidadão, defendo por convicção liberal de costumes e princípios, a liberdade de cada um em escolher a sua orientação sexual, sem que isso me dê qualquer direito de julgar ou marginalizar. Por outro lado, como católico (para além da náusea pelo uso e abuso da religião e do nome de deus ou cristo) não conheço nenhum Deus que me ordene matar, marginalizar, inferiorizar, limitar nas liberdades e convicções de cada um. Conheço sim um Deus que dá a cada um de nós a liberdade e a independência para fazermos as nossas opções, convicções e princípios de vida.

Sem o menor rigor científico, numa clara e perceptível noção de exclusão e segregação, sem a mínima consistência nos fundamentos e argumentos, o presidente do Instituto Português do Sangue, num documento remetido ao Conselho de Ministros, prevê impedir que um homossexual masculino, sexualmente activo, possa dar sangue. É certo que “dar sangue” não é, por si só, um direito. O direito está no “receber sangue”. Obviamente que não se coloca em causa a extrema necessidade de garantir a “segurança” da dádiva de sangue. Mas o que não faz qualquer sentido é o argumento moralista e preconceituoso da exclusão só porque se deturpa a noção de “grupos de risco” em função de convicções pré-estabelecidas.

Com que fundamento se afirma que um homossexual, activo sexualmente, comporta mais riscos do que um heterossexual? Como é possível aceitar, sem ser pela convicção homofóbica, que se proíba um homossexual ser dador de sangue (não se sabendo se este tem apenas um único parceiro sexual, se há ou não protecção na prática do acto sexual) e se permite que um heterossexual com práticas sexuais de risco (p. ex. prostituição), com múltiplos parceiros sexuais, possa dar sangue? Como se “fiscaliza” e controla? Ou pretende o presidente do Instituto Português do Sangue cadastrar os cidadãos homossexuais e os heterossexuais ou os bissexuais?

Já agora… num país onde se cria uma lista, com acesso público, de pedófilos com pena cumprida, tudo é possível.

o não caso... a irrevogabilidade de um sms

biografia Passos Coelho.jpgÉ, no mínimo, surreal que um Primeiro-ministro, em pleno mandato (mesmo que em recta final), publique uma biografia. Mesmo que elaborada por uma assessora de comunicação e que a obra sirva de "manifesto" eleitoral ou eleitoralista.

É, no mínimo, surreal e duma ingenuidade que, segundo consta, o próprio não tenha tido o cuidado de rever a biografia antes da sua publicação, ou a tenha dado a alguns dos seus assessores para que fosse revista, não na sua forma mas nos impactos políticos públicos que a mesma pudesse vir a ter.

Surge então a primeira polémica: segundo declarações de Passos Coelho (já que a biografia é autorizada), em 2013, Paulo Portas anunciou o seu pedido "irrevogável" de demissão do Governo através de um mero e banal sms. Apesar de uma inquestionável resistência a tantos tombos, mais uma vez, lá caiu o "Carmo e a Trindade".

Encheu páginas e títulos jornalísticos, serviu de humor à oposição (a verdadeira e sem gafe), caiu mal no CDS-PP parceiro da coligação, houve desmentidos, e, principalmente, tudo somado, iniciou-se o processo de crise e caso político. Mais ainda quando, em plena Assembleia da República, o Primeiro-ministro, refutando o sentido de humor da oposição, referiu-se a Paulo Portas como líder do principal partido da oposição. Era pior a emenda que o soneto... não fosse o facto de, tão rapidamente como foi polemizado, tão rapidamente passou a um "não caso", que muito dificilmente terá qualquer repercussão ou desenvolvimento político na próxima campanha eleitoral, ou beliscará a anunciada coligação.

Paulo Portas, o irrevogável ministro do sms e elevado à condição de oposição por Passos Coelho, em visita ao Alentejo apresentava-se, desta forma lúdica, aos jornalistas, transmitindo, pelo menos publicamente, uma clara imagem de pacificação política entre PSD e CDS: "Apresenta-se ao serviço o líder do principal partido da oposição, se tiverem perguntas podem enviar um SMS”.

Quem fica, definitivamente mal na fotografia, em todo este processo, é, obviamente Passos Coelho. Pelo ridículo da situação, pelo tiro no pé quanto à publicação, nesta altura, da biografia "Somos o que escolhemos ser", e pela sensação de uma clara indiferença pública e generalizada quanto à obra do actual primeiro-ministro.

Voem para o raio que os parta

avioes tap.jpgMuito estava por esclarecer e a falta de transparência dos objectivos e fundamentos para a greve dos pilotos da TAP (SPAC - Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil) ia, dia-a-dia, sendo desmascarada e ruindo como um castelo de cartas.

Ficou-se a saber, por declarações públicas de um ex-governante, que os pilotos são fortes opositores da privatização da companhia área, a menos que tenham (de mão beijada, à borlix, à pala) nada mais nada menos que 20% do capital social da futura empresa. Não porque a empresa é ou deixa de ser estratégica para o país, que é uma empresa pública de bandeira, blá... blá... blá.... Não, nada disso. Porque 20% do capital é o mínimo negocial, esquecendo por completo todas as outras componentes profissionais que compõe o universo TAP e o transporte aéreo nacional.

Aliás, Passos Coelho dizia "que se lixem as eleições", o SPAC vai mais longe (perigoso neoliberais este pilotos): "que se lixe a empresa, o país, os utentes, e os colegas profissionais". Queremos é a nossa cadeirinha na administração.

Pior ainda... há, no sindicato, quem não tenha qualquer pudor, vergonha, falta de ética profissional, falta de respeito pelo sindicalismo, e afirme publicamente: "Tínhamos o país inteiro contra os pilotos, mas mesmo neste contexto muito adverso conseguimos infligir um dano de 30 milhões na companhia". Fica claro que diuturnidades, salários, condições laborais, são tretas passadas, pormenores demagógicos, meros "disfarces" circunstanciais. Objectivo principal: lixar a administração, a empresa e ganhar 20% de capital, sem suor, nem lágrimas. É isto... é, vergonhosamente, isto. Infelizmente, dando a mão à palmatória, só possível numa empresa pública.

Não desvalorizem o ridículo...

homofobia.JPGTendemos com demasiada facilidade a desvalorizar o ridículo e a menosprezar convicções extremistas. Mas a verdade é que, cada vez mais, vão surgindo e vingando na sociedade (e na política) posições extremistas e fundamentalistas, que, essencialmente, atentam à dignidade humana e ao inquestionável direito à diferença. Mais ainda, vão ganhando demasiados adeptos. E isto deveria preocupar.

A título de mero exemplo…

Há poucos dias, em março, foi noticiada a proposta de lei – “Lei da Supressão Sodomita”, apresentada pelo advogado McLaughlin, no Estado da Califórnia, que pretendia implementar sete medidas contra a homossexualidade, entre as quais a execução com um tiro na cabeça. Para as luzes da ribalta, muito por culpa da confrontação política entre o deputado social-democrata Duarte Marques e o ex-líder do BE Francisco Louçã, saltou o nome Pedro Cosme Vieira (dispenso-me a qualquer referência cibernética porque o lixo não merece publicidade). Do anonimato para o viral, ficaram as expressões deste professor universitário do Porto referentes à migração e às tragédias no Mediterrâneo, aos doentes infectados com HIV: “barcos com petralhada”, “afundar os barcos e matar toda a gente” ou “o abate sanitário de todos os infectados (HIV)”. E isto, aqui mesmo, em Portugal em pleno sec.XXI.

Mas não só em Portugal. Em plena campanha eleitoral britânica (as eleições ocorrem hoje) o líder do partido eurocéptico UKIP, Nigel Farage (nas últimas europeias foi a terceira maior força política, em votos) defende a limitação e a expulsão de imigrantes (redução para 90%) e responsabiliza a imigração pelos casos de HIV no Reino Unido (60% dos 7 mil infectados em Inglaterra), dando viva voz à crescente xenofobia e homofobia. Recorde-se ainda a “ameaça” feita à União Europeia, mesmo que demagógica, do ministro da Defesa grego quando afirmou abrir as fronteiras e as portas gregas aos fundamentalistas islâmicos para entrarem na Europa.

E, recentemente, de regresso aos Estado Unidos, surge, de novo, o fundamentalismo religioso (tal como no caso da Lei da Supressão Sodomita) como argumentação para a exclusão social, para a xenofobia e para a homofobia. Uma norte-americana, Sylvia Ann Driskell (segundo a própria, “representante de Deus”) apresentou, formalmente, queixa num Tribunal do Estado do Nebrasca contra todos os homossexuais, imagine-se, do planeta. Tudo isto com a ridícula fundamentação do “pecado, da religião e da moral”.

Independentemente da minha opção e orientação sexual não tenho qualquer direito, moral ou superioridade para julgar quem, por opção e convicção próprias, tem outros rumos e orientações de vida (de regresso à tolerância e liberdade do caso “Charlie”). Mais, como cidadão, defendo por convicção liberal de costumes e princípios, a liberdade de cada um em escolher a sua orientação sexual, sem que isso me dê qualquer direito de julgar ou marginalizar. Por outro lado, como católico (para além da náusea pelo uso e abuso da religião e do nome de deus ou cristo) não conheço nenhum Deus que me ordene matar, marginalizar, inferiorizar, limitar nas liberdades e convicções de cada um. Conheço sim um Deus a quem apenas cabe julgar, e que dá a cada um de nós a liberdade e a independência para fazermos as nossas opções, convicções e princípios de vida.

Mas se há quem se ria e ridicularize estes exemplos de intolerância, de extremismos, de fundamentalismos ou radicalismos, não deixa de ser preocupante o seu crescimento, a sua frequência, a visibilidade pública e o espaço mediático que ocupam, mais ainda o “silêncio falacioso e traiçoeiro” de muitos que, ao lerem estas realidades, interior e silenciosamente, batem palmas e rejubilam de gozo, engrossando fileiras.

O jornalismo ficou mais vazio...

R.I.P. Oscar Mascarenhas.

Nem sempre tivemos posições, conceitos e visões semelhantes. Antes pelo contrário. Foram mais as divergências que as convergências, ao ponto de uma ou outra ter sido pública.

Mas como em tudo na vida (passe o "sarcasmo") as polémicas não tornam as pessoas inimigas ou hostis, antes transformam as diferenças em respeito.

Seria de uma injustiça inqualificável não reconhecer o profissionalismo, o saber, a experiência e a dedicação à causa jornalística patente na vida de Oscar Mascarenhas.

Registe-se o meu tributo público a um grande profissional e docente. Paz à sua alma.

O jornalismo ficou mais pobre... claramente mais vazio.

Oscar Mascarenhas.jpg

Da ética à coerência

eu_DA_debaixo-dos-arcos.jpgpublicado na edição de hoje, 4 de maio, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Da ética à coerência

Só por distracção ou pelo desviar de atenções que o final do campeonato de futebol ou as peripécias da greve da TAP possam provocar, já para não falar no lançamento da biografia de Passos Coelho, é que nos são indiferentes realidades e contextos jurídicos, sociais e políticos que polarizam pólos distintos de convicções e crenças, colocando nos pratos da balança distintos conceitos de ética e coerência. E esta semana foi, de facto, profícua. Três meros exemplos (sem qualquer critério cronológico), sem relação casual, mas que traduzem dilemas e sentimentos divergentes e que colidem com conceitos demasiadamente desvalorizados, como a ética, a justiça e a coerência, sejam eles de âmbito jurídico, social ou político.

O primeiro, de âmbito social, traz à discussão a questão da interrupção da gravidez (aborto). Duas adolescentes (12 e 13 anos), com a plena cumplicidade materna, foram abusadas sexualmente (uma pelo companheiro da mãe e a outra por prostituição forçada) e engravidaram. Não poderia haver “melhor” contextualização para provocar o ressurgimento da polémica em torno do aborto e dos seus limites legais. Infelizmente, a discussão deixou passar para plano nenhum (nem segundo, nem terceiro, nem último) preocupações quanto às vítimas, quanto ao papel social preventivo das instituições e do Estado na defesa das crianças, quanto a medidas jurídicas de penalização dos crimes, quanto a políticas de apoio às vítimas, podendo-se ainda acrescentar o debate sobre a violência doméstica. Felizmente, o hospital onde deu entrada a criança de 12 anos (Hospital Santa Maria) teve a coragem de tomar a decisão ética mais correcta, muito para além da vertente jurídica (tantas vezes alheada da realidade), tendo em conta o sofrimento da criança, quer do ponto de vista da maternidade, quer do ponto de vista emocional e psicológico.

O segundo, do ponto de vista da ética política e da coerência, prende-se com o recente elogio de Passos Coelho a Dias Loureiro, dando-o com exemplo de sucesso empresarial. A facilidade com que se tenta apagar da memória pública determinadas realidades e comportamentos, a diversos níveis reprováveis e criticáveis, é algo inqualificável. Mas a memória, que não é tão curta como muitos querem fazer crer, reporta-nos para o afastamento de Dias Loureiro do Conselho de Estado, as suas prestações na Comissão de Inquérito Parlamentar no âmbito do caso BPN, onde foi administrador.

Mas a falta de coerência e de ética, ao contrário da coragem da decisão hospitalar acima referida, ainda teve contornos públicos nestes últimos dias. Muitas foram as vozes que criticaram a inqualificável e inaceitável pressão de Miguel Relvas sobre uma jornalista do Público e sobre o próprio jornal, quando este estava no Governo. Foram, infelizmente, algumas as vozes concordantes com a criticável atitude do ex-ministro. A história inverte-se mas repete-se: o tão badalado sms de António Costa dirigido a um jornalista do Expresso (por sinal director-adjunto) com críticas sobre o seu trabalho jornalístico de análise ao documento socialista “Uma década para Portugal”. Os que defenderam Relvas não têm legitimidade para acusar Costa. Os muitos que criticaram Relvas não podem ficar calados, em silêncio, perante esta pressão e limitação da liberdade de imprensa. Quando o nosso grito “Je Suis Charlie” se torna selectivo em função de interesses e posições, termina aqui qualquer legitimidade, coerência e valor da defesa da liberdade de expressão e da liberdade de informação. Mais ainda, a António Costa faltou coerência e ética política com a sua atitude, ainda por cima desmedida já que, em momento algum, o jornalista fez qualquer análise pessoal e de carácter a António Costa. Mas bastaria recordar ao líder socialista a manifestação pública às portas da Câmara Municipal de Lisboa segurando um cartaz “Je Suis Charlie”. Percebe-se agora porque é que a frase do cartaz não foi completada com um “…Sempre”.

A justiça de pelourinho

eu_DA_debaixo-dos-arcos.jpgpublicado na edição de hoje, dia 3 de maio, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
A justiça de pelourinho

Longe, bem longe felizmente, vão os tempos das condenações nas fogueiras ou das chicotadas nos pelourinhos. Absurdamente, em pleno século XXI, há quem, teimosamente, pretenda andar para trás e trazer de novo para a ribalta a justiça popular. Curiosamente, alguém que tutela a justiça e com a qual deveria ter uma relação de confiança e promoção. Regressamos à polémica com a lista dos pedófilos com base na nova lei que cria o registo criminal nacional aprovada em Assembleia da República na passada quinta-feira, apenas como os votos favoráveis da maioria, o que não deixa de ser preocupante.

Mais do que as veementes críticas da Comissão de Protecção de Dados, dos juízes, da Procuradoria-geral da República, entre outros, bastava imperar o bom-senso e a racionalidade, para além do rigor da sustentação e da argumentação (os valores de reincidência manipulados pelo Ministério da Justiça não correspondem à verdade e foram-no, por inúmeras vezes, contestados).

É mais que conhecida e pública a minha posição relativa a crimes que limitem ou violem dois dos principais direitos fundamentais: o maior de todos, a vida; e os que atentam contra a dignidade humana, qualquer que seja a sua natureza. Entram, portanto, neste rol, a título de exemplo, as violações, as mutilações, os raptos, as coacções psicológicas, a liberdade de opinião, a privacidade e intimidade, e, claro, os abusos sexuais onde se incluem os crimes de pedofilia. Abstraindo-me da minha qualidade de pai e rejeitando liminarmente a retórica do “e se fosse com a tua filha”, porque estas duas realidades retiram racionalidade e transportam-nos para o campo emocional, a proposta de lei agora aprovada é de um retrocesso temporal e social preocupante.

O crime de pedofilia é algo que me repugna, que reputo de obsceno, horrendo, inqualificável e inaceitável. Algo para o qual não encontro qualquer desculpa ou justificação. Aliás, do ponto de vista da vítima, é algo que se sabe irreparável ou muito dificilmente apagável (nem me atrevo a dizer, pagável, sequer). Não estaria, portanto, em causa a criação de uma base de dados com os crimes e os respectivos culpados ou, até, investigados. Mas tudo isto teria lógica limitado à esfera judicial ou da investigação policial. Ponto.

Só que a nova lei permitirá o acesso público à informação e ao registo criminal, não sendo de todo irrelevante para a discussão o facto de se tratar de cidadãos que cumpriram moldura penal pelo crime cometido.

A proposta de lei apresentada por Paula Teixeira da Cruz, ministra da Justiça, afigura-se como um queijo suíço pela quantidade de “buracos” que a mesma comporta.

Primeiro, a manipulação dos dados de reincidência, quer pela deturpação do estudo de referência (algo que foi criticado pelo próprio autor do estudo), quer pela disparidade dos valores, sabendo-se, por várias fontes (incluindo a Procuradoria-geral da República) que a taxa de reincidência nos casos de pedofilia ronda os 18%.

Segundo, o direito à privacidade é um dos direitos fundamentais, mesmo em casos como estes, de pedófilos que já cumpriram pena pelos crimes cometidos.

Terceiro, a facilidade com que publicamente se acede a informação desta natureza abrirá uma panóplia de exposições públicas anárquicas, correndo-se, claramente, o risco de surgirem acusação infundadas, por mera vingança ou intenção de denegrir a honra e a imagem de outrem. Imagine-se a facilidade com que um vizinho, de cadeias avessas com o da “porta ao lado”, poderá fazer e gerar falseando informação desta natureza.

Quarto, é surreal que um país tenha uma ministra da Justiça que releva para segundo plano a própria justiça, transpondo-a para a praça pública, para o linchamento (físico, social ou psicológico) e para a “justiça popular”, com todos os riscos óbvios.

Quinto, porque a proposta de lei colide com um dos princípios fundamentais que deveria estar na sua origem e limitá-la à justiça e às polícias: a defesa da vítima. Importa recordar que a maioria dos casos ocorre no seio familiar ou nas relações muito próximas e íntimas, não se vislumbrando, por isso, qualquer eficácia, na lista de acesso facilitado ou público.

Lamenta-se é que não tenha havido coragem governativa para, isso sim, rever as molduras penais para crimes de violação e abusos sexuais, ou ainda, e tão importante, reforçar os mecanismos de protecção das potenciais vítimas e os apoios às vítimas desses abusos.

Isso sim, seria enaltecer a justiça e garantir uma maior estabilidade social.