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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Os pequenos passos do Papa Francisco

eu_DA_debaixo-dos-arcos.jpgpublicado na edição de hoje, 28 de junho, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Os pequenos passos do Papa Francisco

Muitos dos católicos conservadores e dos críticos do Papa Francisco vaticinavam outro tipo de desfecho, de fraca popularidade, de inactividade ou actividade irrelevante. Alguns, até, não esperariam que o seu Pontificado chegasse tão longe. Mas a verdade, é que desde a primeira hora, o que para muitos não era mais que mediatismo ou populismo balofo, que o Papa Francisco tem revolucionado a Igreja conservadora, castradora, condicionalista, tradicional, e abriu-a ao que deve ser a sua principal missão e objectivo: o mundo. Mesmo que, com um ou outro recuo, mesmo que nem sempre com a celeridade que muitos gostariam… mas ainda bem. Com serenidade, com paciência e sapiência.

Ao mesmo tempo que Francisco vai renovando e redefinindo o “interior” do Vaticano (a sua “Cúria” e a estrutura de Estado), vai tornando a Igreja mais próxima dos tempos e das pessoas… de todas, sem excepção. Daí que, mesmo para não crentes, as suas acções sejam vistas com enorme satisfação e aplauso, dando um novo sentido e rumo ao que é e significa ser Igreja. O mais recente exemplo é o da encíclica “Laudato si” sobre o ambiente e que teve um significativo impacto. Primeiro, porque foi a primeira sobre o tema. Segundo, mesmo que não o fosse, revela uma posição do Papa Francisco politicamente forte (sim, porque ela é política), coerente (sustentada em consistente informação e estudos científico. Terceiro porque coloca a problemática do ambiente centrada no ser humano, com fortes críticas ao mercantilismo, ao economicismo puro e cego, às desigualdades e ao fosso entre ricos (poucos) e pobres (cada vez mais), aos interesses instalados e ao lucro desmedido. Tal é um documento tido e visto como revolucionário ao ponto de ter gerado (o quão raro é) uma reacção extremamente positiva do Presidente dos Estados Unidos que não se poupou nos elogios aos “recados” papais (mesmo aqueles que lhe eram dirigidos… e foram alguns).

Mas, como são bem sabidas e conhecidas, as surpresas do Papa Francisco não se resumem apenas a este momento (já o tinha sido, mesmo que com menos impacto, com a encíclica “Lumen Fidei”). São inúmeros os exemplos, quer nas acções, quer nas afirmações e documentos (cartas, encíclicas, discursos, exortações, homilias ou mensagens) das posições e convicções do Papa Francisco, para gáudio de muitos e “comichão” de alguns. Como mero exemplo as posições políticas no discurso no Parlamento Europeu, a influência na aproximação entre Cuba e Estados Unidos ou o reconhecimento do Estado da Palestina. Do ponto de vista humanitário, as acções que já realizou em celebrações religiosas (p.ex. o impacto com o Lava Pés Quaresmal), as visitas aos sem-abrigo ou as posições sobre a trágica realidade da migração no Mediterrâneo. Mas não deixam de ser ainda exemplo, estas com significativo impacto na Igreja e que são o espelho dos importantes passos (pequenos na celeridade mas relevantes na dimensão) que Francisco vai dando na “evangelização interna” da própria Igreja: o Papa criou, este mês, um tribunal para julgar encobrimentos de casos de abusos sexuais de menores (mesmo que bastasse à Igreja não encobrir, nem pactuar, e entregar aos tribunais comuns os casos, já que os crimes não são contra a Igreja mas sim contra um ser humano); a atenção expressa, por várias vezes, ao papel da mulher quer na sociedade, quer na própria Igreja; e, a propósito do próximo Sínodo dos Bispos, que terá lugar em outubro deste ano, voltam os temas polémicos que já trouxeram algum “braço-de-ferro” entre a Cúria conservadora e “medieval” e os defensores de uma Igreja aberta a todos e para todos, sem qualquer excepção (à própria imagem de Cristo), nomeadamente temas sobre o casamento e a família, onde entram a homossexualidade, as uniões de facto e o divórcio/recasados, lembrando que ainda há quatro ou cinco dias o Papa Francisco afirmou que “casos há em que a separação é inevitável e moralmente necessária”. À imagem de Francisco, também a Igreja, concretamente a sua base, o simples e mortal crente, vai dando importantes passos, como foi o caso do referendo na Irlanda (até então tido como um dos bastiões da Igreja conservadora) sobre a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

O caminho é longo, contra tantos e tantos obstáculos e fanatismos, mas vai-se fazendo… caminhando passo a passo.