publicado na edição de hoje, 11 de outubro, do Diário de Aveiro.
Debaixo dos Arcos
No meio da ponte
Não será fácil o processo de tentativa de assegurar estabilidade política e governativa em Portugal nos próximos tempos. Não será fácil e terá impactos político-partidários.
PSD-CDS apresentaram-se ao eleitorado pré-coligados e ganharam as eleições, sem maioria absoluta, o que representa uma fragilidade política notória. Com a legitimidade da formação do governo (haja ou não fusão parlamentar, PSD garantiu a maior representatividade parlamentar) surge igualmente a debilidade e a instabilidade governativa: a aprovação do programa de Governo e do próximo Orçamento do Estado, para além do normal exercício legislativo e governativo que terá sempre inúmeros obstáculos na necessária aprovação pela Assembleia da República. Como ou sem acordo formal, com mais ou menos “arco da governação”, PSD e CDS dependerão sempre de uma terceira força política.
Bloco de Esquerda e CDU (PCP e Verdes), que, tantas vezes, se autointitulam “democráticos”, revelam a sua verdadeira natureza profundamente anti-democrática e com um elevado desrespeito e desvalorização do valor do voto. Não há, nem nunca houve, uma “maioria de esquerda” em Portugal. Isso é um verdadeiro “mito urbano” político. Seja pela história, seja pelo actual momento, do qual a campanha eleitoral foi disso reflexo, são muito mais as divergências do que as convergências “à esquerda”. Os exemplos são imensos, bastando dois ou três mais evidentes: os posicionamentos em 2011 que levaram à queda do governo socialista (minoritário) de José Sócrates, a elevada fracturação partidária, as divergências programáticas apresentadas na campanha eleitoral, os ataques políticos ao Partido Socialista, as veementes críticas do BE, PCP, Verdes, Livre, etc., quando os socialistas apelaram ao voto útil e à “tal união” da esquerda. Apesar do aumento de deputados e do número de votos expressos, a verdade é que BE e PCP sentem-se como verdadeiros derrotados pela da coligação ter, de facto, ganho as eleições do dia 4 de outubro. E o exercício usado para sustentar essa derrota é, no mínimo, política e democraticamente condenável. Os portugueses que, legitimamente, democraticamente, livremente, votaram BE, PCP, PS, fizeram-no por acreditar nas suas propostas programáticas e nos seus projectos políticos e não como forma de penalizar ou “condenar” PSD e CDS (ou a “direita” como tanto gostam de afirmar). Esses, infelizmente, foram os mais representativos e reflectidos nos 43% de abstenções. Mas, felizmente, esses, ao contrário do que os próprios pensam, não têm nem representatividade parlamentar, nem podem formar governo, por mais que os inúmeros abstencionistas, eleição após eleição, não tenham percebido isso (alguns, porventura, ter-se-ão já arrependido). A tão criticada sede do “pote do poder” de 2011, por parte de PSD e CDS, tem agora novo rosto. A isto chama-se incoerência e falta de credibilidade.
Resta, por fim, o PS. Não tendo ganho as eleições, sendo um dos grandes derrotados do último processo eleitoral, o Partido Socialista ganhou muita coisa. Primeiro, uma crise interna que terá de resolver e uma fragilidade de liderança que António Costa terá que menorizar. E como se uma dificuldade/crise não fosse suficiente, António Costa tem um paradoxo político para enfrentar: o de se ver como a solução para um problema, o da balança da estabilidade política (esteja ela onde estiver: à direita ou à esquerda). E por mais peso e relevância políticos que tal signifique traz mais impactos negativos do que se possa pensar. Não será fácil a decisão e opção do PS e de António Costa. Pressionado à esquerda por quem tenta na “secretaria” o que não conseguiu nas urnas, não será fácil esconder o enorme fosso programático que separa PS e BE+PCP: relação com a Europa, reestruturação da dívida pública, privatizações, segurança social, concertação social, redução da despesa, aumentos salariais, contribuições e carga fiscal individual e colectiva, entre outros. Basta reler os programas para ver as diferenças acentuadas. Mais do que entre PS e coligação (tal como acusaram BE e PCP durante a campanha eleitoral). Se o PS assumir um apoio formal à coligação ver-se-á inundado de críticas pela sua fragilidade política. Restará o compromisso que possa promover no seio da Assembleia da República e esperar por novo desgaste do governo PSD-CDS.
Até lá terá folga e manobra suficientes, com mais ou menos bluff negocial (as reuniões com PCP e BE serão menos conclusivas do que se quer fazer crer): Orçamento do estado para 2016, Presidenciais e Congresso. Em setembro ou outubro de 2016 logo se verá.