publicado na edição de hoje, 18 de novembro, do Diário de Aveiro.
Debaixo dos Arcos
Não vale a pena esconder… “cheira a medo”
O Presidente e o Primeiro-ministro franceses já o declararam, no seguimento dos acontecimentos da passada sexta-feira, em Paris: a França (e não só) está em guerra. Será difícil prever quando terminará ou de que maneira terminará esta guerra. Também não é difícil afirmarmos que ela já se desenrola desde as consequências acções no após “11 de Setembro”. E só a afirmação, a declaração de guerra em si mesma assusta, inquieta, insegura qualquer comunidade ou cidadão. Não tenhamos dúvidas… há medo no ar. Ou, para os mais afastados dos acontecimentos de Paris, há, pelo menos, alguma apreensão, algum desconforto, alguma inquietação. Não há, genericamente, é indiferença, seja pela solidariedade, seja pela crítica.
Por maior que seja o regresso à normalidade na capital francesa os próximos tempos serão de um desassossego latente, seja em França e na Europa, seja, por exemplo, nos Estados Unidos. A instabilidade política, social e militar na Síria e no Médio Oriente, em toda a região Árabe, agravada pelo reforço das intervenções militares na região síria controlada pelo autoproclamado Estado Islâmico (a mais recente pela França, na resposta imediata, e pela Inglaterra), deixa o resto do mundo, nomeadamente a Europa e os Estados Unidos, num permanente nervoso miudinho. A globalização do mundo, em todas as suas vertentes (social, económica, política, cultural, religiosa) já não se compadece com sentimentos de “orgulhosamente sós”. Isso já não existe. A Europa, os Estados Unidos e a NATO, têm responsabilidades acrescidas neste combate ao terrorismo extremista e radical, com pseudo-fundamentos religiosos mas que é mais de índole política, por todas as alterações geopolíticas ocorridas no pós Iraque, Afeganistão, Primavera Árabe e pelo abandono de grande parte de África. Têm responsabilidades, têm que assumir posições claras, tomar medidas conjuntas e eficazes, estratégias comuns, mesmo que envolvam países que, à partida, estão afastados do processo, como a Rússia ou a China. Este processo tem, necessariamente, de ser, à escala política e militar, também ele global e estrategicamente conciliado. Até porque o “tempo” destes islamitas radicais não é o mesmo “tempo”, não tem a mesma dimensão”, que o “tempo ocidental”. Se há algo que o estado islâmico tem é tempo e paciência.
Mas a responsabilidade não é só política e institucional (Estados, Organizações). Cabe a todos. Cabe aos cidadãos pela capacidade na demonstração de serenidade e coragem, pelo não embarque (infelizmente já sentido) em concepções xenófobas e comparações desmedidas. Por exemplo, no que toca aos refugiados. É que estes milhares que batem às portas da Europa, num total desespero e com a esperança de vida, são as primeiras vítimas do Estado Islâmico, é desta barbárie que fogem, mesmo com o risco de encontrarem a morte no Mediterrâneo. E importa separar as águas. Os radicais islamitas não precisam de se infiltrarem nos refugiados. Recrutam nos cidadãos europeus, recrutam na sua região, sempre espalharam e alimentaram as suas células sem precisarem do fluxo dos refugiados. E mais ainda… é importante desmistificar. A União Europeia tem, às suas portas, menos de um milhão de refugiados (28 Estados-membros, perto de 4,4 milhões de km2 de extensão e uma população de cerca de 508 milhões de habitantes). Só o Líbano (10,5 mil km2 de extensão e uma população de cerca de 4 milhões de habitantes) já recebeu cerca de milhão e meio de refugiados sírios.
Por último, a responsabilidade também cabe aos muçulmanos e aos islamistas. A resposta de demarcação dos atentados de Paris dada por muitos simples cidadãos muçulmanos é um passo, é uma resposta clara de crítica, de desejo de integração e, obviamente, de “sobrevivência social”. Mas falta mais. Falta aos próprios Imãs, aos responsáveis pelas comunidades (religiosas ou não), não só dizerem ‘Basta!’, mas criticarem e acusarem este extremismo que desvirtua o Islão, bem como, publicamente e dentro das comunidades, desconstruírem este radicalismo e desvio religioso. Para que o medo não vença.