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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Ou há moralidade…

800.jpgpublicado na edição de hoje, 7 de dezembro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Ou há moralidade…

Estamos a menos de um ano das próximas eleições autárquicas e já muita coisa mexe ou começa a mexer neste âmbito, não só no campo das candidaturas mas também na área legislativa. A recente aprovação da lei do Orçamento do Estado para 2017 introduz uma dessas alterações com efeitos no poder local (artigo 200º). Na especialidade, por proposta do PS, o OE2017 passou a equiparar os executivos camarários e das juntas de freguesia aos governantes (cargos políticos) no que respeita à desresponsabilização quanto às despesas públicas (responsabilização financeira). De forma muito linear, apenas para contextualizar (e porque este espaço seria sempre curto numa abordagem muito específica) tal como acontece no caso dos membros do Governo ou titulares de cargos políticos também aos autarcas (Câmaras e Freguesias) não serão pedidas responsabilidades extra-políticas pelo uso indevido dos dinheiros públicos, desde que sustentados em pareceres técnicos e desde que esses pareceres técnicos sejam coerentes e consistentes. A par da tecnicidade e da praticabilidade da alteração legislativa referida, surgiram vozes (Bloco de Esquerda, Procuradoria Geral / Ministério Público e Tribunal de Contas) a insurgirem-se contra a mesma, entre outras razões, por estarem abertas as portas a comportamentos ilícitos e à margem das leis. Ou seja, na prática, regressou o “fantasma” da corrupção autárquica.

Independentemente dos argumentos a favor por parte dos autarcas (Associação nacional dos Municípios Portugueses), do PS e do Governo (com o apoio do PCP) e dos argumentos contra por parte do BE, do Ministério Público e do Tribunal de Contas, há um aspecto que merece referência: o objectivo principal é o de equiparar os autarcas aos governantes. E, neste caso, importa dar nota de que há, nessa avaliação, um claro erro. Se o objectivo é o da equiparação e da justa igualdade de tratamento entre autarcas e governantes, então, o mais correcto, o mais ético e mais transparente seria, por parte do Governo, responsabilizar os Governantes pelo uso indevido do erário público e não a desresponsabilização. Terminariam assim todos os fantasmas, mitos e suspeitas que, por norma, recaem sobre o poder local e ficava garantida a equidade e justiça de tratamento. É que, em Portugal, muito aquém da percepção da opinião pública, se há poder que é extremamente fiscalizado e escrutinado é o Poder Local (municípios e juntas de freguesia). Um autarca tem mais obrigações fiscalizadoras, em matéria financeira, que um responsável de qualquer empresa pública ou que qualquer director-geral, por exemplo, já que ele é escrutinado pelas Finanças, pelo Tribunal de Contas ou pelo quadro de acompanhamento financeiro (já para não falar nas Assembleias Municipais e de Freguesia ou na proximidade com o eleitor/munícipe).

Mas podemos ir ainda mais longe. É curioso que não tenha havido a preocupação do Governo em responsabilizar os detentores de cargos políticos (por exemplo os governantes) em vez de desresponsabilizar os autarcas. Basta recordarmos a polémica que surgiu aquando das últimas eleições autárquicas (realizadas em 2013) com a dúbia interpretação quanto à limitação de três mandatos nas recandidaturas autárquicas (apenas para presidentes de câmara e de junta de freguesia, deixando de fora, incompreensivelmente, vereadores). Curiosamente, neste caso, um dos argumentos na elaboração do respectivo enquadramento legal foram os riscos inerentes à perpetuação do cargo (excluindo o Presidente da república, mais nenhum cargo político tem essa limitação), nomeadamente quanto ao caciquismo e à corrupção. Aqui, já não houve a preocupação de legislar no sentido da equidade e da justiça de tratamento político ou do cumprimento de uma das mais elementares normas democráticas constitucionais: o de eleger e ser eleito, permitindo aos cidadãos a legitimidade e o direito da livre escolha de quem é mais capaz de governar e gerir as suas comunidades. Porque se há lei autárquica que não faz qualquer sentido, pelo já exposto, é a da limitação de mandatos dos presidentes de câmara e/ou dos presidentes de junta de freguesia.

Este desfasamento legal e legislativo entre os direitos e deveres do Poder Local e do Poder Central só existe porque não há a coragem, nem a determinação, para uma reforma profunda da lei eleitoral autárquica, da lei das finanças locais e da lei do poder local/regional. Há quatro anos ficou-se por uma descabida e desconexa união de (algumas) freguesias e nada mais.

É que, em Portugal, nem sempre há moralidade e nem sempre “comem” todos… por igual e com a mesma justiça.