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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

À mulher de César (o romano) não lhe basta parecer...

e à política e ao BE (ou a qualquer outro que seja) também não.

Sobre o "caso" Ricardo Robles e a especulação imobiliária e todo o impacto (e porque não, terremoto) político-partidário, XXX notas.

1. Os factos: Ricardo Robles, então vereador do BE na Câmara Municipal de Lisboa, adquire, em hasta pública, um imóvel em Alfama, pertença da Segurança Social, por 347 mil euros, nas quais realiza obras de requalificação no valor (dizem) de 650 mil euros, colocado, posteriormente, no mercado para venda por um valor estimado nos 5,7 milhões de euros.

2. Catarina Martins e Ricardo Robles afirmaram, no boom público do processo, que o (ex)Vereador do BE na Câmara Municipal de Lisboa não tinha feito nada de errado.

3. O caso tem, obviamente, impacto político no Bloco de Esquerda.

4. Caiu a máscara do populismo demagógico do BE.

5. Ricardo Robles apresenta a sua demissão como Vereador da Câmara Municipal de Lisboa e, segundo algumas notícias, de qualquer cargo político-partidário.

Assim...

De facto, do ponto de vista processual (excluindo eventual confirmação de notícias que afirmam que Ricardo Robles não cumpriu, totalmente, obrigações ficais) não há nada de errado no caso que virou mediatismo viral. Um cidadão, em parceria familiar, adquire uma imóvel, de forma claramente legítima e transparente, recupera-o e, face ao que é o mercado imobiliário, espera vendê-lo realizando mais-valias perfeitamente expectáveis.
Este é um processo natural em qualquer sociedade e para qualquer cidadão investidor. Não é, de forma alguma, notícia... ou se quisermos é uma não notícia.

Mas a realidade é outra. O caso tem contornos do ponto de vista da ética política, com impactos internos e externos no Bloco de Esquerda.
Tudo teria permanecido na perfeita normalidade não fosse Ricardo Robles, por exemplo desde 2016, um dos fortes porta-vozes bloquistas da bandeira ideológica no combate à especulação imobiliária, ao descontrolado aumento do alojamento local, à gentrificação dos centros históricos nas grandes cidades, aos vistos gold e às políticas nacionais para a habitação (deste e de anteriores governos, por exemplo, a tão criticada e condenada política habitacional protagonizada pela então ministra Assunção Cristas, no Governo de Passos Coelho).
E é neste confronto entre o que, publicamente, se afirma como crença político-ideológica e a realidade em que se vive, que Ricardo Robles errou, e errou de forma expressiva e contundente. O que se apregoa não correspondeu ao que se pratica e ao que se faz. Ou como a tentação capitalista foi mais forte que a fé ideológica.
Basta lembrar, deste mês de julho, dois twittes de Ricardo Robles: «Parar os despejos. Mudar a lei, Combater a especulação imobiliária» ou «os lisboetas merecem ser defendidos perante o bullying e a especulação imobiliária. Estamos do lado dos moradores».

O caso especulativo de Ricardo Robles vai muito para além da esfera pessoal ou individual. A bomba gelou o interior do Bloco de Esquerda, por mais que Catarina Martins tenha querido desviar os factos com acusações à imprensa e à direita. Aliás, essa atitude da coordenadora bloquista só veio enfatizar ainda mais a realidade e o caso e foi um claro tiro nos pés político.
Ricardo Robles, em dois ou três dias de forte exposição mediática conseguiu fazer mais pela queda da máscara do populismo bloquista que muitos anos de combate e confronto ideológico com os demais partidos, mesmo o PCP e o PS. De tal forma que são conhecidas as posições públicas de um dos fundadores do BE, Luís Fazenda, ao afirmar que «o Bloco tem que tirar conclusões» deste caso, e da reunião, com carácter de urgência, da Comissão Política do BE.
E não colherá o argumento usado por Luís Fazenda ou referir que «se querem um debate sobre valores, nós faremos esse debate» porque foram precisamente valores ideológicos que o BE sempre defendeu que foram, agora, colocados em causa pela incoerência entre o discurso demagógica e a vivência da realidade.
Imagine-se o que teria sido o rasgar de vestes se o caso tivesse como protagonista alguém dos denominados partidos da direita.
Este processo destruiu, grave e profundamente, um discurso político de um partido que sempre se mostrou colocar-se acima dos ricos, do capitalismo, dos especuladores, do diabolizado mercado, virando, claramente, o feitiço contra o feiticeiro no que respeita às acusações e confrontos da retórica político-partidária. O veneno tantas vezes criticado nos outros partidos foi, desta vez, muito provado e bebido.
Mas mais ainda... internamente este processo abre feridas internas no BE. Parte dos seus militantes, aqueles que na base suportam e valorizam ideologicamente o discurso bloquista sentem-se, obviamente, traídos e desiludidos. Alguns, qui ça, caídos na realidade e de regresso ao "mundo dos vivos".
Todo este caso traz-nos à memória, à esquerda, ao centro ou à direita, (como diria Sérgio Godinho) "uma frase batida", de George Orwell: «Todos os animais são iguais, mas há uns mais iguais que outros» (in Animal Farm, 1945), tão caracterizadora da ideologia do BE e das suas cúpulas directivas.

Depois de tanta tinta corrida, Ricardo Robles apresenta a sua demissão da função de Vereador da Câmara Municipal de Lisboa e, segundo consta, de qualquer cargo político. A questão não está no desfecho final que deveria ter sido assumido, por todas as partes, Robles e BE, desde o início (e teria poupado muitos amargos de boca. A questão é que Ricardo Robles não se demitiu. Foi obrigado a demitir-se... obrigado pela consciência, pela incoerência (mais uma vez) dos argumentos para tentar explicar o inexplicável (os dele e os de Catarina Martins), pela pressão interna do BE (como é óbvio... nem quero imaginar o "espumar" da Mariana Mortágua perante o caso) e pela pressão mediática que o caso provocou na opinião pública.

Se nada tivesse vindo a público, tudo permaneceria na mesma, dentro do mesmo populismo, continuando a mulher de César (o romano) a parecer mas nunca a ser.

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As colonagens políticas...

ou como nos vêm à memória contextos antigos.

Santana Lopes está prestes a tornar-se o "Manuel Monteiro" do PSD.

Saídas e entradas partidárias é o que mais existe, cá e fora, na política.

A questão é a falta de capacidade política para "encaixar" derrotas e a opção da maioria. Não saber lidar com isto é que se lamenta... de resto, que Santana Lopes faça bom proveito da sua travessia no deserto no próximo partido liberal "Democracia 21".

Não fora a "bóia de salvação" mediática da televisão e, mais que a travessia, era mesmo o eclipse político.

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