Infelizmente, somos isto e muito mais.
Não é uma questão de "meter tudo no mesmo saco" mas antes a contestação de várias realidades e vários contextos similares.
Muito por força do peso de uma história pouco dada aos avanços e progressos civilizacionais, Portugal é, camuflada e hipocritamente, um país de disparidades e desigualdades sociais, de atropelos aos mais elementares direitos fundamentais, demasiado estratificado.
Não são, como se poderia pensar a priori, tão insignificantes, isolados e raros os casos de xenofobia, de racismo, de desigualdade de género, de violência doméstica e infantil, de atropelos aos direitos humanos (por exemplo, em três anos foram detectados cerca de 240 casos de mutilação genital feminina). Somos um país aberto, diz-se que simpático e tranquilo, recebemos tudo e todos... mas temos uma dificuldade enorme, abertas as "portas", de integrar, entronizar e abrigar. Não vão assim tão distantes os tempos controversos e conturbados do acolhimento dos chamados "Retornados", só para avivar memórias.
Mas se as questões dos direitos humanos são, infelizmente, cada vez mais transversais por essa Europa fora, muito por força da conflitualidade internacional, fazendo crescer, perigosamente, populismos, extremismos e radicalismos, Portugal tem algo que é sui generis e nos distingue da "normalização cultural europeia", algo que é de uma particularidade, simultaneamente, distinta e absurda ou ridícula: a estratificação social... em parte motivada pela "posse", pela "propriedade", e, por outro lado, pela obsessão social com o chamado "canudo" (que tanta polémica pública tem gerado com adulterados CV's). Acresce ainda alguma superioridade centralista existente em torno da capital.
Recentemente, o Reitor da Universidade de Lisboa, em entrevista à Rádio Renascença na passada quinta-feira, criticou a diminuição, em Lisboa (e no Porto) do número de vagas no ensino superior, para este novo ano lectivo. Vagas que não foram extintas mas que transitaram para o ensino universitário que é oferecido no interior do país.
Há uma observação na declaração de António Cruz Serra com a qual temos, em parte, que concordar: «O desenvolvimento do interior não se faz com medidas destas nem à custa dos alunos. As políticas fazem-se com os recursos que se geram pelo Estado (...)». É bem verdade... não se faz APENAS com estas medidas, mas TAMBÉM com elas.
Mas é só aí que se concordará com o Reitor da Universidade de Lisboa. Ao contrário do que afirmou, esta é uma media social que é louvável e desejável.
Já é socialmente condenável e criticável o flagelo que é para um aluno "provinciano" ir estudar para Lisboa e que deveria preocupar, e muito, o Reitor da Universidade de Lisboa.
Mas o surrealismo e o absurdo da entrevista de António Cruz Serra à RR teria o seu "ponto alto", a "cereja em cima do bolo", nesta pérola discursiva: «Eu não vou ver nenhum filho de um CEO das empresas do PSI20 a ir estudar para as universidades do interior por causa disto». A (ignóbil) piada está feita... sem comentários. Simplesmente patético.
Até porque a melhor e assertiva resposta surgiu por parte do vice-Reitor da Universidade da Beira Interior (Covilhã), João Canavilhas:
Veja-se o pedantismo bacoco do reitor da Universidade de Lisboa em entrevista à Rádio Renascença:
"Não vou ver um filho de um CEO de empresas do PSI20 a estudar no interior».
Olhe, pela UBI já passaram filhos de ministros, de deputados, de CEOs e sei lá que mais. Mas sabe, senhor reitor, o que nos orgulha verdadeiramente é receber filhos de agricultores, de operários têxteis, de carpinteiros e de mais um sem-número de profissões. De receber filhos de quem trabalha arduamente para lhes dar uma vida melhor do que aquela que eles tiveram. São esses pais e esses filhos que fazem de nós uma universidade verdadeiramente nacional e que presta um serviço público de qualidade ... apesar o subfinanciamento.
Infelizmente, Portugal continua, social e civilizacional, pedante e bacoco.