No momento em que recordamos o 20.º aniversário da atribuição do Nobel da Literatura a José Saramago (1998), o segundo atribuído a um cidadão português (depois do Nobel da Medicina - Egas Moniz, 1949), após a polémica em 2016 com a atribuição do Nobel a Bob Dylan, a Academia Sueca volta a envolver distinção literária em nova controvérsia ao decidir a não atribuição em 2018 devido a escândalos sexuais que envolvem o marido de Katarina Frostenson, uma das responsáveis pela escolha do premiado com o Nobel de Literatura.
Por outro lado, o mais "mediático" e singular Nobel da Paz, com particularidades próprias (é atribuído pelo Comité Nobel Norueguês, ao contrário dos restantes cinco que são atribuídos pela Academia Sueca - Física, Química, Medicina, Literatura e Economia - e é o único que pode ser atribuído a pessoas singulares ou a instituições/organizações) regressa à "normalidade" dos seus objectivos depois de envolto em alguma polémica: é questionável a manutenção da atribuição, em 2012, à União Europeia, face à forma como não tem conseguido lidar com a questão dos refugiados; e a Aung San Suu Kyi, em 1991, à data activista dos direitos humanos e políticos, agora líder da Birmânia, e que tem mantido um condenável silêncio em relação à perseguição e descriminação sobre a comunidade rohingya, obrigada a fugir para o Bangladesh.
O Comité Norueguês decidiu laurear, em 2018, com o Nobel da Paz, o congolês Denis Mukwege e a iraquiana Nadia Murad, "pela luta do fim do uso da violência sexual como uma arma de guerra e de conflito armado".
Denis Mukwege, criticado pelo governo por tentativa de "politização" do seu trabalho humanitário, é médico ginecologista na República Democrática do Congo, onde fundou, em 1999, o Hospital Panzi no qual foram tratadas mais de 50 mil mulheres vítimas de violência sexual na guerra e nos conflitos armados. No Congo, em média, 48 mulheres são violadas a cada hora.
Nadia Murad, de minoria étnica Yazidi, em 201, com 21 anos, foi raptada pelo Estado Islâmico, no Iraque, tendo sido vítima de violência sexual. Três meses conseguiu fugir, tendo-se tornado uma forte activista dos direitos humanos, contando a sua própria história para alertar para o problema da violência sexual como arma de guerra.
Denis Mukwege foi galardoado com o Prémio Europeu da Liberdade de Expressão, Prémio Sakharov 2016, prémio igualmente atribuído em 2016 a Nadia Murad que foi, ainda, nomeada Embaixadora da Boa-Vontade das Nações Unidas, nesse mesmo ano.
A afirmação de Denis Mukwege reflecte a nobreza e a justiça da nomeação: "este não é um problema só das mulheres, é um problema da humanidade".